I SÉRIE — NÚMERO 23
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Mas, pior do que isso, trata-se também de um claro desrespeito, insulto até, à memória histórica coletiva do
que os feriados civis representavam.
Efetivamente, a supressão da celebração da Restauração da Independência, a supressão da celebração
da Proclamação da República, feitas sem qualquer receio, feitas sem qualquer temor, feitas sem qualquer
reflexão profunda sobre aquilo que significava essa opção, envergonhou esta Câmara. Tive até oportunidade
de dizer, na altura, que, se calhar, devíamos um pedido de desculpas à estátua da República, porque esta
Câmara teria deixado de ser digna de olhá-la de frente.
Aplausos do PS.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Quando assinaram o Memorando não tiveram vergonha nenhuma!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Hoje, se calhar por felicidade, decorre nos Passos Perdidos, à saída
desta Sala, uma exposição que invoca, precisamente, a estátua da República e os valores que representa.
Estas questões simbólicas não são de somenos, representam a nossa identidade, os valores que, enquanto
comunidade, queremos passar a outras gerações e aqueles que nos caracterizam enquanto povo, enquanto
Estado, enquanto República.
É por isso mesmo que hoje, felizmente, temos esta oportunidade, no quadro de uma nova correlação de
forças, no quadro de uma nova realidade que valoriza a memória coletiva, de repor os dois feriados civis e,
simultaneamente, também, de abrir o caminho para que haja lugar à reposição dos dois feriados religiosos que
foram também eliminados, obviamente repondo aquilo que era o quadro de direitos existente antes desta
alteração do Código do Trabalho.
Efetivamente, no artigo 1.º da Constituição, as cinco primeiras palavras do nosso texto constitucional dizem
o seguinte: «Portugal é uma República soberana». E o que é que esta Câmara fez na Legislatura anterior?
Deixou de comemorar o facto de sermos uma República e deixou de comemorar o facto de sermos soberanos.
Protestos do Deputado do PSD Hugo Lopes Soares.
E, precisamente por isso, hoje repomos aquilo que é o respeito, também, por valores que estão plasmados
no texto constitucional.
E é matéria antiga. Logo em 1910, uma das primeiras medidas do Governo Provisório da República foi
instituir um dia para salvaguardar e comemorar a memória daqueles que procederam à proclamação da
República. E se é certo que não foi uma medida tomada nesta Câmara, foi uma medida, como disse, do
Governo Provisório da República, mas o que é facto é que, mal teve oportunidade, a Assembleia Constituinte
reuniu nesta Sala, no seu ato que foi eminentemente simbólico, mas mais uma vez relevante porque afirmava
valores e princípios, e teve a oportunidade de reproclamar a República nesta mesma Câmara.
Portanto, de certa forma, e não querendo exagerar, porque também não é necessário o exagero,
simbolicamente estamos um bocadinho a reproclamar a República, que foi esquecida, posta nas margens,
ignorada, na vossa abordagem na anterior Legislatura.
Aplausos do PS.
Concluo, sublinhando o seguinte: nesse mesmo dia, 19 de junho de 1911, esta Câmara aprovou um texto
que dizia duas coisas: primeiro, que «fica para sempre abolida a monarquia»; segundo, «a forma de governo
de Portugal é a República democrática»; e, terceiro, que «são declarados beneméritos da Pátria todos aqueles
que, para depor a monarquia heroicamente combateram até conquistarem a vitória, consagrando-se para todo
o sempre, com piedoso reconhecimento, à memória dos que morreram na mesma gloriosa empresa».
Em memória dos conjurados de 1640, em memória daqueles que na Rotunda proclamaram a República,
hoje a Assembleia da República pede desculpa a todos eles por estes três anos de interrupção na valorização
da sua memória e repõe, com dignidade, aqueles que são princípios fundamentais da nossa República e da
nossa comunidade.