O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

Quinta-feira, 23 de junho de 2016 I Série — Número 81

XIII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2015-2016)

REUNIÃOPLENÁRIADE22DEJUNHODE 2016

Presidente: Ex.mo Sr. Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Idália Maria Marques Salvador Serrão

S U M Á R I O

A Presidente (Teresa Caeiro) declarou aberta a sessão

às 14 horas e 41 minutos. Deu-se conta da apresentação dos projetos de resolução

n.os 381 a 385/XIII (1.ª). Na abertura do debate da interpelação n.º 4/XIII (1.ª) —

Sobre combater o desperdício alimentar — da produção ao consumo (Os Verdes), intervieram a Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) e o Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Luís Capoulas Santos), tendo-se seguido no uso da palavra, a diverso título, além daqueles oradores, os Deputados Joel Sá (PSD), João Ramos (PCP),

Ulisses Pereira (PSD), Patrícia Fonseca (CDS-PP), Carla Cruz (PCP), Carlos Matias (BE), Nuno Serra (PSD), Júlia Rodrigues (PS), Fátima Ramos (PSD), José Luís Ferreira (Os Verdes), Maurício Marques (PSD), André Silva (PAN), Maria da Luz Rosinha e Sandra Pontedeira (PS).

No encerramento do debate, proferiram intervenções a Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) e o Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.

O Presidente encerrou a sessão eram 16 horas e 57 minutos.

Página 2

I SÉRIE — NÚMERO 81

2

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início à nossa sessão plenária de

hoje.

Eram 14 horas e 41 minutos.

Peço aos agentes de Autoridade que abram as galerias.

Antes de darmos início à ordem do dia de hoje, peço ao Sr. Deputado Duarte Pacheco que proceda à leitura

do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e

foram admitidos, os projetos de resolução n.os 381/XIII (1.ª) — Recomenda a promoção de uma estratégia

nacional para o setor das plantas e flores ornamentais (PCP), que baixa à 7.ª Comissão, 382/XIII (1.ª) —

Antecipa o dia de pagamento das pensões do sistema de segurança social (BE), que baixa à 10.ª Comissão,

383/XIII (1.ª) — Recomenda ao Governo o reforço e investimento no Hospital Santa Luzia de Elvas (BE), que

baixa à 9.ª Comissão, 384/XIII (1.ª) — Deslocação do Presidente da República a Marrocos (Presidente da AR),

que baixa à 2.ª Comissão, e 385/XIII (1.ª) — Determina a suspensão dos contratos para prospeção, pesquisa,

desenvolvimento e produção de petróleo e gás no Algarve e na Costa Alentejana (Os Verdes), que baixa à 6.ª

Comissão.

É tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Vamos então dar início ao ponto único da nossa ordem do dia de hoje,

que consiste na interpelação n.º 4/XIII (1.ª) — Sobre combater o desperdício alimentar — da produção ao

consumo (Os Verdes), nos termos do artigo n.º 227 do Regimento da Assembleia da República.

Já se encontram presentes o Sr. Ministro da Agricultura e o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos

Parlamentares.

Para uma intervenção inicial, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar,

desejando que a Seleção Portuguesa não desperdice golos num jogo que se realizará daqui a umas horas, o

que Os Verdes propõem mesmo é que agora debatamos um outro tipo de desperdício, mais concretamente o

desperdício alimentar.

Colocam-se, atualmente, diversos desafios ambientais globais, como a necessidade de combater as

alterações climáticas ou a de inverter a acentuada perda de biodiversidade. A esses diversos desafios

ambientais globais há urgência em adicionar o combate ao desperdício alimentar.

Com efeito, quando falamos de desperdício alimentar falamos de alimentos destinados ao consumo que

acabaram por ser inutilizados em quantidade ou em qualidade. A produção intensiva desses alimentos implica

a vasta utilização de recursos naturais e tem impactos ambientais significativos, como, por exemplo, gastos

acentuados de água, saturação de solos, perda de biodiversidade, produção de resíduos, gastos energéticos e

emissão de gases com efeito de estufa. Consequentemente, fica claro que a inutilização de alimentos significa

o desperdício dos recursos naturais que foram usados em vão para os produzir.

Reduzir o desperdício alimentar é, pois, contribuir para poupar o ambiente, com a consciência de que a

natureza tem limites.

Ocorre que se estima, de acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e

Agricultura), que um terço dos alimentos que são produzidos no mundo são perdidos ao longo de toda a cadeia

alimentar, desde a colheita, ao processamento, ao embalamento, ao transporte, ao armazenamento e à

conservação, à distribuição e à venda, até ao consumo final. São números que coincidem com os de

investigadores que concluíram que a margem de desperdício de alimentos no mundo ronda os 30% a 40% do

que é produzido e, em bom rigor, a perspetiva é a de que possamos chegar ao ano de 2025, daqui a menos de

10 anos, com perdas alimentares mundiais na ordem dos 50% se o rumo de crescimento do desperdício, que

se acentua desde os anos 70 do século XX, se mantiver.

Página 3

23 DE JUNHO DE 2016

3

A América do Norte e a Oceânia são campeãs no desperdício alimentar mundial, logo seguidas da Europa,

o que gera uma responsabilidade destas zonas do globo em relação a ações e medidas concretas para combater

este fenómeno. O absurdo é de tal ordem que a FAO estima que se cerca de 35% dos alimentos desperdiçados

no mundo fossem aproveitados, disponibilizados e distribuídos, não havia carência nem incapacidade de acesso

a alimentos por parte de nenhum ser humano e, mesmo assim, sobravam 65% dos alimentos que acabam no

lixo, tal é a ordem do desperdício. Isto dá-nos bem a perspetiva da hipocrisia reinante neste mundo, porque a

fome não se deve à escassez mundial de alimentos.

Portanto, importa que tenhamos consciência de que os padrões de consumo, de comércio e de produção

têm de ser alterados, de modo a que se gere um sistema alimentar sustentável, ou seja, que garanta segurança

alimentar e nutrição para todos, nas presentes gerações, sem comprometer as bases ambientais que gerem

segurança alimentar e nutrição também para as futuras gerações. Isto implica, necessariamente, uma

solidariedade intra e intergeracional.

Evidentemente que este objetivo não é compatível com duas realidades antagónicas e insustentáveis com

que hoje o mundo está confrontado. Por um lado, uma produção e um consumo alimentares intensivos,

esbanjadores, que ultrapassam e em muito as necessidades básicas e, por outro lado, a fome, a subnutrição, a

incapacidade de acesso a alimentos ou a nutrientes importantes, com que uma larga percentagem da população

está confrontada.

Pensar o desperdício alimentar é, pois, algo intimamente ligado aos processos de produção e de consumo

que se querem sustentáveis e a uma justa repartição de alimentos e de acesso a nutrientes importantes, com

dignas condições de vida das populações, designadamente no que se refere à correta satisfação das mais

elementares necessidades.

Em Portugal, não sabemos quanto se desperdiça em termos alimentares. Não há nenhuma estatística que

nos dê conta dessa realidade a não ser o estudo PERDA — Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício

Alimentar, de 2012, que, como já foi referido pela sua coordenadora, não se trata de mais do que uma estimativa,

numa altura em que os diversos agentes da cadeia alimentar ainda tinham alguma dificuldade em abordar

questões relacionadas com os desperdícios dos alimentos do seu setor em particular. Este facto remete-nos,

desde já, para a primeira exigência que é preciso fazer: Portugal precisa de estudar e de investigar com o

máximo de rigor possível o seu nível de desperdício alimentar. Conhecer esta realidade é a forma mais eficaz

de agir sobre ela.

Entretanto, o País precisa também de uma estratégia, de um programa de combate ao desperdício alimentar.

O guia Prevenir Desperdício Alimentar, assinado entre o Governo e algumas organizações do setor alimentar,

em 2014, não constitui mais do que uma compilação de princípios, importantes, mas não institui medidas para

os concretizar nem metas que orientem as ações.

Foi, justamente, no sentido de corresponder à importância e à urgência da matéria do combate ao desperdício

alimentar e de gerar uma conduta proativa que Os Verdes propuseram à Assembleia da República, na

Legislatura passada, um projeto de resolução, que contemplava um conjunto de medidas a empreender e que

declarava o ano de 2016 como o ano nacional do combate ao desperdício alimentar. Essa iniciativa legislativa

de Os Verdes foi aprovada por unanimidade, tendo resultado na Resolução da Assembleia da República n.º

65/2015, de 17 de junho.

Os Verdes sabem que até ao final do ano o problema do desperdício alimentar não ficará resolvido, como é

evidente. Mas o que não podemos aceitar é que se chegue ao final do ano com tudo na mesma.

A declaração de um ano nacional para esta matéria não visa dar-lhe uma mera relevância formal, mas, sim,

gerar uma alavanca para se trabalhar esta questão alimentar. Ora, passado um ano sobre a publicação da

referida Resolução, e tendo em conta que ela determinava 15 recomendações específicas ao Governo, qualquer

que ele seja, Os Verdes entenderam que é tempo de pedir contas a este Governo sobre a sua concretização e

de contribuir para impulsionar a sua efetivação. É esse um dos principais objetivos desta interpelação que Os

Verdes colocaram na agenda parlamentar. No âmbito da função fiscalizadora do Parlamento sobre o Governo,

queremos saber o que já fez ou o que programa este Governo fazer para cumprir a Resolução da Assembleia

da República que propõe o combate ao desperdício alimentar e a promoção da gestão eficiente dos alimentos.

Importa, ainda, relembrar que, no âmbito do Orçamento do Estado para 2016, Os Verdes propuseram uma

norma específica para que houvesse dotação necessária para a criação de uma estratégia nacional com vista à

redução do desperdício alimentar, proposta essa que foi aprovada.

Página 4

I SÉRIE — NÚMERO 81

4

Também no início do presente mês de junho, Os Verdes realizaram uma audição pública, aqui no Parlamento,

que juntou um vasto conjunto de entidades, associações e cidadãos interessados para debater respostas de

combate ao desperdício alimentar. Foi uma audição muito relevante, que demonstrou que a sociedade está apta

e com vontade de se envolver nesta questão. Há muitas ações pensadas, amadurecidas e outras em prática, e

há condições para um largo empenho dos mais diversos agentes.

De resto, nenhuma estratégia terá eficácia nesta matéria se os objetivos e metas traçados não contarem com

um forte envolvimento ativo da sociedade na sua definição e na sua concretização.

Numa das últimas conferências de líderes, Os Verdes propuseram também que na próxima sessão legislativa

se estabeleça um dia da agenda parlamentar dedicado à discussão de iniciativas legislativas sobre a matéria do

combate ao desperdício alimentar. Foi uma sugestão bem acolhida pelo Sr. Presidente e pelos demais grupos

parlamentares, e Os Verdes estão em crer que essa sessão pode contribuir para que, neste ano nacional do

combate ao desperdício alimentar, se possam dar passos visíveis para enfrentar o desafio que nos está, também

a nós, imposto.

Nesse sentido, Os Verdes estão já a programar um pacote de iniciativas legislativas que, entre outras

questões, incidirá sobre o seguinte: primeiro, a criação de um Simplex para a venda direta de produtos

alimentares por parte dos pequenos produtores. Agilizar esta venda direta é uma forma de multiplicar os

mercados de proximidade e de gerar circuitos curtos de comercialização de alimentos, com grande benefício

para a preferência e o escoamento de produtos locais.

Por um lado, a verdade é que os circuitos longos de comercialização geram grande desperdício nas diversas

fases de aprovisionamento e todos sabemos o que é comprar uma maçã calibrada num dia e vê-la já apodrecida

no dia seguinte, para já não contar com as grandes quantidades de perecíveis podres que são deitados fora

pelas distribuidoras por já não se encontrarem em condições de venda, depois do longo transporte. Isto é

desperdício alimentar.

Por outro lado, a pequena agricultura é muito mais eficaz na colheita do que a produção industrial, deixando

menos alimentos na terra por colher, o que significa que temos menos perdas alimentares. Com a venda direta

do produtor ao consumidor garante-se também maior valor nutritivo, na medida em que os alimentos perecíveis

são mais frescos e duráveis.

Segundo, o estímulo pela preferência da venda a granel, de modo a que se possam adquirir apenas as doses

necessárias à estrutura familiar do consumidor. Mas porque, nos dias que correm, os produtos alimentares

transformados e pré-embalados são muito procurados, é fundamental aproximar a dimensão das embalagens

das necessidades dos consumidores. A verdade é que como o consumidor está dependente do que o mercado

lhe oferece é muitas vezes obrigado a comprar embalagens com doses familiares, porque não existem mais

pequenas, embora use apenas a quantidade necessária, indo, muitas vezes, o restante para o lixo. A dimensão

desadequada das embalagens é fator de promoção de vasto desperdício alimentar.

Terceiro, lançamento de uma campanha nacional, amplamente divulgada, à semelhança do que se fez

outrora com a separação de resíduos e a sua deposição nos ecopontos, que tenha também tradução nas

escolas, de modo a educar os cidadãos para a importância da diminuição substancial do desperdício por parte

do consumidor final, dando a conhecer, para além de outras, sobretudo duas questões: a diferença entre

«consumir antes de» e «consumir de preferência até» e, por outro lado, técnicas de conservação de alimentos

depois de embalagens abertas. Salientamos estas duas questões porque elas são dos maiores fatores de

desperdício de alimentos por parte do consumidor final.

Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Iniciemos, para já, o debate, que nos permita perceber em que ponto

estamos, depois da Resolução aprovada pela Assembleia da República, para que, depois, possamos definir os

passos a dar nesta caminhada contra o desperdício alimentar.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — A Sr.ª Deputada Idália Serrão, Secretária da Mesa, já teve

oportunidade de informar as direções das bancadas de que a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia iria ultrapassar o

tempo da sua intervenção, tempo esse que será descontado no tempo de debate. Mas como provavelmente

nem todas as Sr.as e os Srs. Deputados terão sido informados desse facto, ficam agora a sabê-lo.

Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.

Página 5

23 DE JUNHO DE 2016

5

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Luís Capoulas Santos): — Sr.ª

Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar

por felicitar o Grupo Parlamentar de Os Verdes por esta iniciativa parlamentar. É uma questão de grande

pertinência e atualidade, para a qual a sociedade tem de ser mobilizada e as instituições políticas têm de

encontrar soluções traduzidas em resultados palpáveis.

Nunca se produziram tantos alimentos no planeta, e nunca ocorreu tanto desperdício, ao mesmo tempo que

milhões de pessoas sofrem as agruras da fome e da malnutrição.

Como a Sr.ª Deputada há pouco referiu, a FAO estima que um terço dos alimentos produzidos em todo o

mundo é desperdiçado no circuito entre o produtor e o consumidor.

Esta constatação conduziu a que, em setembro 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas tenha

estabelecido, a meta de, até 2030, reduzir o desperdício de alimentos per capita em 50%.

Só na Europa desperdiçar-se-ão cerca de 100 milhões de t/ano, o que corresponde a um valor de cerca de

143 000 milhões de euros. Isto representa cerca de 170 kg por pessoa e por ano, ou seja, 20% do total dos

alimentos produzidos.

Em cada mesa com cinco lugares, os alimentos correspondentes a um deles têm o lixo como destino.

No nosso País, apesar das dificuldades e da ausência de uma recolha sistemática de informação, que é

necessário colmatar, o desperdício alimentar ascenderá a 1 milhão de t/ano, um terço das quais logo ao nível

da produção, e outras tantas ao nível do consumo final.

Não admira por isso que este tema tenha vindo a ocupar, de forma crescente, nos últimos anos, a agenda

política e a atenção da comunicação social.

A evidência e a premência do problema não têm, contudo, apesar do acréscimo do debate e do lançamento

de algumas iniciativas meritórias, permitido encontrar soluções com resultados satisfatórios compatíveis com a

dimensão do problema.

Quer a FAO, quer a OCDE, quer a União Europeia, têm promovido diversas iniciativas. A Comissão lançou,

em 2011, o road map para o uso eficiente dos recursos e, em 2014, apresentou uma comunicação, através da

qual propunha a meta de redução de 30 % até 2025, sucedendo-se a criação de vários comités e observatórios

e a realização de conferências, com destaque para a Conferência de Haia, de 2015.

Mais recentemente, em dezembro do ano passado, a Comissão apresentou um pacote legislativo sobre

economia circular e um plano de ação que visa, para além do apelo aos Estados-membros para reduzirem o

desperdício alimentar para cada fase da cadeia, o desenvolvimento de métodos e indicadores comuns, que não

existem, a criação de uma plataforma que congregue os Estados-membros e todos os intervenientes na cadeia

alimentar para definir medidas comuns e partilhar novas práticas. A Comissão propõe ainda que se tomem

medidas para clarificar a legislação da União Europeia sobre o tema e facilitar a doação de alimentos e analisar

a questão do «período de validade» dos bens alimentares.

Em simultâneo, vários Estados-membros, dos quais se destacam a Itália, a França, a Dinamarca, a Hungria

e a Grécia, anunciaram já a intenção de legislar, ou aprovaram mesmo já algumas medidas, tais como a

obrigatoriedade de as grandes superfícies doarem um certo tipo de alimentos a pessoas necessitadas,

compensando-as, por outro lado, através da redução de impostos, ou outro tipo de normas, visando o

aproveitamento de bens alimentares que, em condições normais, seriam destinados às lixeiras.

Também em Portugal, boas e diversas iniciativas vindas da Assembleia da República, do Governo, de

autarquias locais, ou da sociedade civil, foram anunciadas, ou estão em marcha, com maior ou menor sucesso.

Refiro-me, por exemplo, à Resolução da Assembleia da República, há pouco mencionada e que declarou

2016 como o ano nacional de combate ao desperdício alimentar e fez várias recomendações ao Governo, cujo

ponto de situação terei oportunidade de esclarecer durante o debate, ou à iniciativa Prevenir Desperdício

Alimentar, promovida pelo anterior Governo e subscrita por cerca de dezena e meia de entidades públicas e

privadas, contendo um conjunto de princípios orientadores e onde se insere o PRA-TØ, que visa atribuir um selo

de reconhecimento de boas práticas sobre a prevenção do desperdício.

Também muitas autarquias, de que Lisboa é um excelente exemplo, têm manifestado preocupação e

concretizado iniciativas, por forma a minimizar este problema que nos choca a todos.

Cerca de 30 outros municípios portugueses subscreveram o Pacto de Milão e alguns deles têm desenvolvido

formas de cooperação com a sociedade civil, ela própria autora de outras iniciativas, reconhecidas

Página 6

I SÉRIE — NÚMERO 81

6

internacionalmente como exemplares, como é o caso da Re-food, que envolve cerca de 4000 voluntários na

recolha e distribuição de alimentos sobrantes da restauração e hotelaria, do movimento Zero Desperdício, ou

ainda a cooperativa Fruta Feia, criada para escoar frutas que os produtores não conseguem colocar no mercado

e tantos outros bons exemplos promovidos por instituições de solidariedade social, confissões religiosas ou

simples cidadãos anónimos.

A oportunidade do tema é confirmada pelo facto de, já na próxima segunda-feira, ter lugar um Conselho de

Ministros da Agricultura da União Europeia, no Luxemburgo, onde estará em discussão um conjunto de

propostas da presidência holandesa, que, em princípio, contam com o apoio de Portugal, e que têm como

objetivo relembrar aos Estados-membros e à Comissão a necessidade da inclusão desta temática nos seus

objetivos de política e os instam a adotar estratégias e ações comuns visando atingir as metas de redução de

desperdício já fixadas.

Para concretizar internamente estas preocupações e objetivos que todos partilhamos, estou certo disso, o

Ministério da Agricultura tem vindo a preparar e apresentará brevemente para apreciação em Conselho de

Ministros (e quando digo brevemente, é até meados do mês de agosto) uma proposta, visando a definição de

uma estratégia nacional, que contemple iniciativas legislativas que permitam configurar um plano de ação de

combate ao desperdício alimentar, articulando e potenciando todos os recursos e iniciativas públicas e privadas.

Estou certo de que a Assembleia da República dará um importante contributo para a definição desta

estratégia. Já ouvi, há pouco, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia apresentar algumas medidas concretas e, desde

já, posso dizer que o Governo está disponível para as acolher e para trabalhar com o Parlamento na

concretização da estratégia e na formulação do plano de ação que queremos pôr em execução no princípio de

setembro deste ano.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,

inscreveram-se dois Srs. Deputados, um do PSD e outro do PCP. E, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro,

inscreveram-se três Srs. Deputados, sendo que o Sr. Ministro acaba de informar a Mesa de que responderá, em

conjunto, aos três Srs. Deputados.

E a Deputada Heloísa Apolónia…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Peço a palavra, para uma interpelação à Mesa, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Faça favor.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, a Mesa tem a minha inscrição para pedir

esclarecimentos ao Sr. Ministro?

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Não, não tem.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Mas pensei que, sendo o meu grupo parlamentar o interpelante, a

inscrição seria automática.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Mas está em tempo, Sr.ª Deputada.

Só que, primeiro, serão dirigidas perguntas à Sr.ª Deputada.

E o primeiro inscrito para o efeito é o Sr. Deputado Joel Sá. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joel Sá (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, começo por cumprimentar o Partido

Ecologista «Os Verdes» pelo tema trazido a debate e por declarar a importância de continuarmos a discutir esta

matéria, que merece, desta Câmara, linhas orientadoras claras e não apenas meras intenções de valores.

Estaremos certamente todos de acordo sobre a necessidade de combater o desperdício alimentar. Contudo,

apesar da sua consciencialização, as ações individuais e coletivas do homem mantêm elevados níveis de

Página 7

23 DE JUNHO DE 2016

7

desperdício, e o problema resiste e persiste. Há mesmo estimativas que apontam para o seu agravamento, já

em 2020.

Os dados de 2012 e de 2013 apontam para valores impressionantes. Estimava-se, em termos europeus e

norte americanos, que cada habitante desperdiçava, em média, 30 kg de alimentos, o que correspondia a cerca

de 30% a 50% de desperdício, em termos de alimentos comestíveis produzidos mundialmente.

Em Portugal, os cálculos conhecidos são menores, mas nem por isso menos graves. Estudos de 2012

apontam para o facto de, ao longo da cadeia, o desperdício alimentar representar 17% da produção alimentar

anual, com um valor económico de cerca de 1 milhão de toneladas.

Os atuais níveis de desperdício alimentar, mais do que uma questão económica e ambiental, são, acima de

tudo, uma questão moral e ética.

Mais, o atual volume de desperdício contribui para uma forte pressão nos recursos e no preço dos alimentos,

dificultando o acesso a estes por parte dos mais desfavorecidos.

Por isso, combater o desperdício alimentar é também combater o problema da fome e das desigualdades

sociais no acesso a bens de primeira necessidade, como são os bens alimentares.

Diminuir o volume da produção agrícola não utilizada reduzirá o custo da produção de alimentos e contribuirá

para manter a nobre função da agricultura: alimentar eficientemente uma população mundial, em forte

crescimento.

No PSD, estamos cientes desta questão há muito e, desde cedo, abordámos o assunto em diversos fóruns.

Consideramos, por isso, útil um debate alargado, de modo a que se construam políticas públicas adequadas,

duradouras e estáveis para lidar com a questão.

Sr.ª Presidente, Sr.a Deputada Heloísa Apolónia, sabendo que o combate ao desperdiço alimentar passa

também pelo envolvimento da sociedade, incluindo o sector terciário, que tem desenvolvido um trabalho

incansável ao nível do apoio a carenciados e da distribuição dos alimentos não consumidos, ao nível da

restauração e da distribuição, gostaria de perceber qual é a posição de Os Verdes a este nível.

Em segundo lugar, gostaria de saber se concorda com as ações do Governo anterior, na promoção e

incentivo de práticas de prevenção do desperdício alimentar pela sociedade civil, como é exemplo do PRA-TØ?

Em terceiro e último lugar, considerando que o presente ano é o ano do combate ao desperdício alimentar,

por proposta de Os Verdes, como avalia as ações e iniciativas que estão a decorrer, nomeadamente as

propostas e as medidas do Governo nesta matéria?

Estão a ser cumpridas as 15 recomendações deste Parlamento, aprovadas em junho de 2015?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — A Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia optou por responder também em

conjunto aos pedidos de esclarecimento dos dois Srs. Deputados.

Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em nome do Grupo

Parlamentar do PCP, gostaria de cumprimentá-la pelo tema que aqui nos traz.

Compreendemos perfeitamente a interpelação feita pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os

Verdes», tendo em conta que, há um ano, o mesmo apresentou a esta Assembleia um projeto de resolução,

que foi aprovado por unanimidade e que deu origem a uma Resolução da Assembleia da República, que a Sr.ª

Presidente referiu. Por isso, o que o vosso grupo parlamentar faz agora é perceber até que ponto é que esta

Resolução está cumprida, tendo a Sr.ª Deputada adiantado agora algumas preocupações que demonstram que

a Resolução não está cumprida, nomeadamente em relação a estudos.

A Sr.ª Deputada falou em estudos e, ainda recentemente, tive oportunidade de procurar estudos sobre

desperdício alimentar e verifiquei que os mesmos são efetivamente muito poucos, apesar de, logo no n.º 2 da

Resolução, se dizer que era preciso «Promover levantamentos rigorosos, e continuadamente atualizados, sobre

a realidade do desperdício alimentar, em Portugal». Ora, isto demonstra que há ainda um percurso a fazer sobre

esta matéria.

Nós, PCP, entendemos que, em matéria de desperdício alimentar, existe aqui o cruzamento de duas

perspetivas: uma, que é a perspetiva da garantia alimentar, no nosso caso, aos portugueses; e outra que tem a

Página 8

I SÉRIE — NÚMERO 81

8

ver com o desenvolvimento, até à exaustão, da componente de negócio da produção alimentar. Isto acontece

na produção agrícola, de que falarei mais tarde relativamente a esta matéria, mas acontece também no âmbito

da venda ao consumidor.

A Sr.ª Deputada falou de uma proposta que tem a ver com a venda a granel, com a possibilidade de vender

de forma adequada os produtos em função daquilo que são as necessidades das famílias, mas a verdade é que

a distribuição acaba por promover a venda dos produtos alimentares em função daquilo que são as suas

estratégias de mercado, as suas estratégias económicas, e não em função daquilo que é a necessidade

alimentar das pessoas que adquirem estes produtos.

Sr.ª Deputada, tendo em conta que esta é uma matéria cara para Os Verdes, inclusive no âmbito de outras

iniciativas que já aqui foram apresentadas, nomeadamente a preocupação com a embalagem e a forma como

os produtos eram embalados para promover a sua venda, pergunto se não entende que há um valor alimentar

dos produtos que é subalternizado relativamente ao seu valor económico e que, depois, tem uma exploração, a

partir das entidades que fazem a sua distribuição e até a partir da produção, que tem pouco a ver com a sua

necessidade de garantir uma alimentação adequada das populações.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder às perguntas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, quero agradecer aos Srs. Deputados as questões

que foram colocadas e, de uma forma muito breve, dizer ao Sr. Deputado Joel Sá que não gostava de ligar o

debate sobre o desperdício alimentar a uma lógica assistencialista. É que, na verdade, sabemos que todas as

pessoas têm o seu direito à alimentação, com a maior dignidade possível. Como tal, a possibilidade e a

capacidade de a pessoa, por via do seu trabalho, sustentar-se e gerir a sua vida nas mais básicas necessidades

é fundamental.

Portanto, não gostávamos de ligar este debate a uma lógica assistencialista.

Contudo, é evidente que há um conjunto de estratégias que podem ser encontradas no sentido de que

produtos alimentares que já existem, em vez de irem parar ao lixo, possam ser aproveitados, até

independentemente da condição económica das pessoas, numa reutilização ou num aproveitamento desses

produtos. E, não sendo para consumo humano, podemos sempre hierarquizar para o consumo animal e, depois,

eventualmente para outros métodos inclusive de produção de energia, compostagem, entre outros. Ou seja,

temos um conjunto de metodologias a que nos devemos agarrar no sentido de não desperdiçar.

Mas a questão fundamental é prevenir! Prevenir logo na causa. Isso é que é fundamental! E o Sr. Deputado

diz que no PSD também estão muito preocupados. Sr. Deputado, estão muito preocupados, mas fizeram muito

pouco sobre a matéria, convenhamos!

O Sr. Joel Sá (PSD): — Mas fizemos!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Deputado João Ramos, de facto, quanto à Resolução, temos

de olhar para ela de uma forma séria. Ela foi aprovada pela Assembleia da República mas, na verdade, o que

está aos olhos de todos é que está por cumprir! Portanto, um dos objetivos deste debate é que possamos

também, aqui, impulsionar e agilizar a sua concretização. É, no fundo, esse puxão — se me permite a expressão

— que gostaríamos de dar ao Governo, porque o País beneficia com isso.

Relativamente à matéria das embalagens, diz, e muito bem, o Sr. Deputado, que Os Verdes já têm trazido

aqui, à Assembleia da República, um conjunto de iniciativas sobre esta matéria, ou seja, sobre a necessidade

de prevenir, reduzindo as embalagens por uma lógica ambiental absolutamente compreensível.

Também, aqui, nesta faceta do desperdício alimentar, é fundamental que a embalagem seja adequada às

diversas doses, isto é, que estas sejam compatíveis com as estruturas e as dimensões familiares. Isto porque

um dos maiores fatores de desperdício é o facto de o consumidor ser obrigado a comprar produto numa

embalagem familiar, da qual utiliza uma pequena parte e, depois, a conservação do resto da embalagem não é

feita e vai tudo parar ao lixo. Este é um dos fatores mais óbvios e claros de desperdício alimentar.

Página 9

23 DE JUNHO DE 2016

9

O Sr. Deputado João Ramos também tem razão numa coisa: é que olhamos muitas vezes para os alimentos

apenas numa pura lógica do seu valor comercial e temos de olhar para os alimentos na lógica do valor nutritivo.

Temos de dar outra relevância aos alimentos, temos de amar de outra forma os alimentos, porque essa é a

forma de amarmos também a natureza e, consequentemente, a condição humana e a humanidade no presente

e no futuro.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, vamos iniciar o período de perguntas ao Sr. Ministro

da Agricultura.

Os Verdes, como partido interpelante, teriam a prerrogativa de ser o primeiro a colocar uma questão, mas

fez saber à Mesa que prescindiria dessa prerrogativa.

A Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia pede a palavra para que fim?

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, para uma interpelação.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, não prescindi da possibilidade de fazer uma

pergunta.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Não, não, apenas de ser a primeira a colocar a pergunta.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem, Sr.ª Presidente. Como acabei de intervir, peço

esclarecimentos de acordo com a ordem dos outros intervenientes.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Muito bem, Sr.ª Deputada, foi assim que tinha sido entendido pela

Mesa.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ulisses Pereira.

O Sr. Ulisses Pereira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, o tema do debate desta tarde representa um

dos maiores desafios da humanidade. Não é demais reafirmar que o desperdício alimentar constitui um

constrangimento em termos sociais e morais, sendo, em termos económicos, totalmente irracional. Por isso, o

seu combate parece ser globalmente consensual, em termos teóricos, nas diferentes bancadas.

No PSD, entendemos que a dimensão global e transversal do tema exige diferentes abordagens para as

quais são necessários caminhos, estratégias, e compromissos que coloquem a sociedade no caminho do

desperdício zero!

Defendemos um caminho pragmático e eficaz que passe, não só naturalmente mas prioritariamente por

aproximar os hábitos de consumo às produções locais e regionais, tirando partido dos nossos excedentes em

alguns produtos e envolvendo, para tal, toda a comunidade.

Destaco duas medidas já existentes cujo reforço, reformulação e alargamento são considerados, para nós,

como fundamentais.

Em primeiro lugar o programa comunitário da fruta escolar. São ainda poucos os municípios que aderiram a

este programa de distribuição gratuita, nas escolas. O seu alargamento a mais escolas, abrangendo mais

crianças e jovens, tem a vantagem de promover hábitos de consumo saudáveis e nutritivos — como também é

o caso do leite escolar — e ao mesmo tempo constituir um escoamento para os produtores locais, regionais ou

nacionais de frutas.

Poderá contribuir para um importante escoamento ou comercialização de frutas com calibres pequenos, a

chamada fruta feia, cuja valorização comercial é quase zero, sem possibilidade de venda na grande distribuição.

Aliás, este programa deveria mesmo ser redefinido com a possibilidade de adaptação às regiões onde as escolas

se inserem, de modo a que a fruta fornecida seja mais do que maçãs e peras, podendo ser alargada a prunóideas

ou a citrinos, no caso concreto de algumas regiões do País, como o Alentejo, o Algarve e Trás-os-Montes.

Página 10

I SÉRIE — NÚMERO 81

10

Neste sentido, gostaria de questionar o Governo: Sr. Ministro, para quando o alargamento do programa de

fruta escolar à generalidade das escolas nacionais, protocolando com os municípios e qual a possibilidade de

adaptação do programa comunitário a Portugal, um País produtor de fruta por excelência?

Em segundo lugar, a PARCA (Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar). A

constituição desta plataforma foi o exemplo de uma medida que visa concretamente uma maior equidade na

relação comercial entre produtores e distribuidores. Tem o mérito de promover a transparência ao longo das

fileiras produtivas, contribuindo positivamente para o bom funcionamento de mercado e para um menor nível de

desperdício.

Ora considerando que, esta semana, o Governo se vangloriou pelo aumento de preço da carne suína, no

âmbito do gabinete de crise que foi constituído, pergunto ao Sr. Ministro se prevê retomar os trabalhos da

PARCA e intensificá-los no sentido de orientar o escoamento de produções agrícolas, locais e regionais, visando

diminuir o desperdício alimentar ao nível da produção agrícola nacional.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Como já tinha informado, o Sr. Ministro optou por responder ao

conjunto de duas perguntas.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, tomei boa nota da informação que o

Sr. Ministro deu da forma como o Governo já está empenhado na construção de um programa de combate ao

desperdício alimentar.

Todavia, o que eu gostava de dizer é que não há programa ou estratégia que possa ser criado, subsistir e

ter sucesso se não for amplamente participado pela nossa sociedade. E, pela audição que Os Verdes fizeram,

aqui, no Parlamento, temos a certeza de que os mais diversos agentes dos mais diversos setores envolvidos ao

longo de toda a cadeia alimentar estão amplamente sensibilizados e com vontade de contribuir para este objetivo

do combate ao desperdício alimentar. Isso ficou perfeitamente patente nesta audição que Os Verdes realizaram.

Portanto, o que Os Verdes propõem não é que se faça um programa à pressa, mas, sim, que se faça um

programa absolutamente participado, consentido, sustentado no conhecimento e que, portanto, seja muito mais

eficaz. É fundamentalmente isso que queremos: eficácia! E, nesse sentido, gostaria que o Sr. Ministro

pormenorizasse um pouco mais, dizendo como é que pensa realizar, criar esse programa e até se tem uma

perspetiva de quando é que esse programa ou essa estratégia podem estar concluídos.

Evidentemente, falo agora por parte do Grupo Parlamentar «Os Verdes», estamos amplamente empenhados,

também, em participar nessa matéria.

Sr. Ministro, coloco-lhe só mais uma pergunta muito rápida que tem a ver com a questão, que já falei, dos

mercados de proximidade.

Gostava de saber se o Sr. Ministro considera, ou não, que esta é uma questão crucial para o combate ao

desperdício alimentar e que medidas considera serem fundamentais para esta venda direta do produtor ao

consumidor e, ainda, como é que considera que se podem dar passos no sentido dessa concretização.

Aplausos de Os Verdes, do BE e do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem agora a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs.

Deputados, muito obrigado pelas questões colocadas.

Começaria por responder, de imediato, ao Sr. Deputado Ulisses Pereira sobre a questão da fruta escolar e

do leite escolar.

Gostaria de dizer que o Governo não só está disponível para promover o alargamento destas matérias, como

já o fez. Isto é, já participou numa decisão no Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia, em

fevereiro, creio, tendo havido uma decisão que alargou a dotação financeira atribuída a Portugal. E,

contrariamente ao que aconteceu no passado, estamos a trabalhar no sentido de aproveitar integralmente estas

Página 11

23 DE JUNHO DE 2016

11

verbas, já que, como o Sr. Deputado saberá, infelizmente, no ano passado, perderam-se quase 70% das verbas

destinadas ao financiamento da fruta escolar nas escolas.

Portanto, não só estamos a tomar medidas para que o aproveitamento seja integral, como conseguimos,

também, na União Europeia, que todas as verbas não utilizadas na fruta escolar passem a poder ser utilizadas

no leite escolar. Isto quer dizer que não haverá nenhum desperdício financeiro e esperamos adquirir no mercado

estes produtos. Se não for possível, por falta de agilidade das autarquias ou por outra razão, utilizar

integralmente estas verbas na fruta escolar, podemos utilizá-las no leite escolar. Mas estamos a trabalhar no

sentido de que ambos os programas possam ser integralmente aproveitados.

No que diz respeito à PARCA, uma iniciativa que veio do Governo anterior e que, como já tive a oportunidade

de dizer em várias circunstâncias, não tencionei alterar, mas, infelizmente, durante os últimos sete meses de

2015 a PARCA não reuniu. Já tive oportunidade, neste semestre, de reconvocar uma reunião da PARCA e, para

além disso, de constituir o gabinete de crise para os dois setores que têm estado a trabalhar de forma diferente:

a PARCA está a fazer mais uma reflexão de longo termo e mais serena e o gabinete de crise está concentrado

naqueles dois setores, sendo que, num deles, tudo indica que a crise está a ficar para trás. Isto porque, ainda

ontem tive informação de que, quando este Governo chegou ao poder, o preço da carne de porco estava em

cerca de 1,6 €, ontem, já terá passado o 1,70 € e tive até algumas informações que já há transações a 2 €.

Portanto, sendo a expetativa dos produtores, ainda há poucos meses, de que 1,20 € era uma meta ambiciosa,

estamos, portanto, muito além dela e para isso muito terá contribuído o diálogo no setor, quer no contexto do

gabinete de crise quer no contexto da PARCA. Acho que foram diálogos muito sérios, muito cara a cara, para o

que outro conjunto de circunstâncias, como tudo o que envolve o mercado, terão também contribuído, mas,

felizmente, deste ponto de vista estamos mais tranquilos.

Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, agradeço muito a sua pergunta à qual tenho muita satisfação em responder.

O Governo publicou, no dia 25 de maio, a Portaria n.º 152/2016, que institui a medida das cadeias curtas de

abastecimento, já contratualizou com os GAL (Grupos de Ação Local), que é quem vai fazer a gestão desta

medida, os contratos que permitem a sua execução e, neste momento — isso competirá agora aos Grupos de

Ação Local —, estão abertas as candidaturas para esta medida que é muito importante e da qual gostaria de

sublinhar alguns aspetos.

Assim, os objetivos são os de promover o contacto direto entre o produtor e o consumidor, contribuindo para

o escoamento da produção local; incentivar práticas culturais menos intensivas e ambientalmente sustentáveis,

contribuindo para a diminuição da emissão de gases com efeito de estufa; definir quem são os beneficiários e

qual é o tipo de incentivos, cujo montante pode ir entre 5000 e 200 000 €, com um co-financiamento a fundo

perdido na ordem dos 50%.

Estes apoios destinam-se à criação de estruturas a nível local, como o armazenamento, transporte e

aquisição de pequenas estruturas de venda, ações de sensibilização e educação — que vão ao encontro da

resolução da Assembleia da República, aprovada no ano passado —, o desenvolvimento de plataformas

eletrónicas e outros materiais promocionais, ações de promoção e sensibilização para a comercialização de

proximidade.

Mais: podem candidatar-se pessoas singulares ou coletivas, autarquias locais, associações, agricultores,

desde que não exista mais do que um intermediário na cadeia.

O objetivo é exatamente o de promover a aproximação entre o produtor e o consumidor à escala local,

estando definido o que se entende como tal.

Portanto, é uma medida que se insere no pacote financeiro que foi distribuído aos GAL que, no seu conjunto,

atinge os 200 milhões de euros até 2020 e no qual esta medida está contemplada. Neste momento, posso dizer,

com muita satisfação, que já está em plena execução.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Estão inscritas mais duas Sr.as Deputadas para pedir esclarecimentos

ao Sr. Ministro.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, do CDS-PP.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, referiu-nos, na intervenção, algumas

iniciativas que o anterior Governo implementou.

Página 12

I SÉRIE — NÚMERO 81

12

A iniciativa, que o Sr. Ministro referiu, PRA-TØ, que visou, como disse, distinguir entidades ou pessoas

individuais que implementem políticas e modelos de boa gestão e que contribuíssem para o desenvolvimento

sustentável numa lógica de combate ao desperdício alimentar e responsabilidade social, contou, no ano passado

— o primeiro ano de implementação —, com 40 candidaturas em cinco categorias, foram atribuídos — o prémio

era um selo que permitia utilizar o logo da iniciativa PRA-TØ — seis selos porque numa das categorias houve

um prémio ex-aequo. Os vencedores foram — penso que vale a pena referi-los pela sua pertinência — o Banco

Alimentar contra a Fome, a Re-Food, a Universidade do Minho, a Universidade de Coimbra, a ITAU e a Liga dos

Amigos do Centro de Saúde de Alfândega da Fé.

A pergunta muito concreta é a de saber se o Governo vai ou não dar continuidade a esta iniciativa PRA-TØ,

tendo em conta que nada consta no site da iniciativa.

Uma segunda questão prende-se com um trabalho que o anterior Governo solicitou ao Conselho

Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos. O anterior Governo encomendou um estudo — não sei se

o Sr. Ministro me poderá responder, mas fica o alerta — para a elaboração de conteúdos programáticos para a

formação avançada de professores dos 1.º e 2.º ciclos, que chegaram a ser validados pelo Ministério da

Educação e Ciência para serem introduzidos nos curricula.

A minha pergunta visa saber se o Governo vai renovar esta aposta da sensibilização e da formação cívica

dos mais jovens em relação a esta matéria do desperdício alimentar.

Por último, o Sr. Ministro referiu que, em setembro — penso que foi decidido em junho em Conselho de

Ministros —, estaria pronta a legislação referente a um programa nacional contra o desperdício alimentar.

Pergunto se esse programa é o que resulta da segunda fase do estudo que foi feito previamente pelo Governo

anterior, tendo em conta que tinha sido elaborado um estudo de avaliação e segmentação do desperdício

alimentar que pretendia definir linhas de ação para a prevenção do desperdício com vista à aproximação do

desperdício à reutilização, cujos resultados da primeira fase foram divulgados na fase final do Governo anterior.

No fundo, pergunto se o estudo que o Sr. Ministro referiu é ou não a continuidade deste trabalho.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Cruz, do PCP.

A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro, a

discussão em torno do desperdício alimentar não pode ser desligada de uma abordagem mais global sobre a

alimentação, o acesso a alimentos de qualidade e a sua relação com a saúde.

Há muitos anos que sabemos que a abordagem à alimentação, à promoção de hábitos alimentares

saudáveis, assim como a relação entre alimentação e saúde, devem ser feitas de forma transversal e

abrangendo diversos níveis de atuação: a saúde, a educação e a produção alimentar.

Segundo os dados publicados pela Direção-Geral de Saúde, no relatório Portugal — Alimentação Saudável

em Números 2015, «É expectável que um período marcado por crescentes desigualdades na distribuição de

rendimento e por elevadas taxas de pobreza tenha um significativo impacto no consumo alimentar e estado de

saúde da população portuguesa, podendo estar comprometida a garantia da segurança alimentar para um

número elevado de agregados familiares portugueses, isto é, a garantia do acesso a alimentos em quantidade

suficientes, seguros e nutricionalmente adequados».

Mais: o relatório aponta para que «as doenças crónicas como a obesidade, e eventualmente outras que lhe

estão associadas, como a diabetes, as cardiovasculares ou o cancro possuem uma distribuição na população

muito dependente do acesso a alimentos de boa qualidade nutricional».

O já citado relatório diz, ainda, que «a alimentação de má qualidade afeta com maior intensidade crianças,

idosos e os grupos socioeconomicamente mais vulneráveis da nossa população (…)». Ou seja, as crianças, os

jovens e os adultos pobres são aqueles que mais dificuldades têm de aceder à alimentação equilibrada,

diversificada, saudável e a produtos de qualidade.

Nos diversos estudos sobre alimentação, há um aspeto que é sempre referido e que diz respeito ao

autoaprovisionamento alimentar de um país, sendo este entendido como, e cito, «a capacidade para satisfazer

as necessidades de consumo de bens alimentares da sua população através da sua produção interna e/ou da

importação de bens alimentares financiados pelas correspondentes exportações».

Página 13

23 DE JUNHO DE 2016

13

De acordo com os dados do INE, Portugal continua incapaz de ser autossuficiente em vários bens

alimentares, como os cereais, o açúcar, as leguminosas secas e, em menor escala, as carnes.

Os dados do INE mostram também que, em 2014, se registou um aumento no autoaprovisionamento de

certos produtos alimentares, como os ovos e os alimentos do grupo do leite e derivados.

Em relação aos géneros alimentícios disponíveis para consumo humano, a disponibilidade de cereais, de

frutos e de raízes e tubérculos aumentou em 2013/2014, face aos anos de 2012/2013.

Pese embora estes aumentos, há milhares de portugueses, especialmente crianças, que não conseguem

aceder e comprar tais alimentos. E, sobre as crianças, nunca é demais relembrar que há muitas cuja única

refeição equilibrada, diversificada e com acesso a alimentos de qualidade que têm é apenas nas escolas, porque

as suas famílias não têm possibilidades de lhes oferecer este tipo de alimentos diversificados.

Sr. Ministro, o acesso a uma alimentação saudável é essencial para a prevenção do desenvolvimento de

doenças. O acesso a bens alimentares de qualidade é um fator determinante para a prevenção e o

desenvolvimento destas doenças.

Sr. Ministro, sabendo destas associações, sabendo da importância de ter acesso a alimentos de qualidade,

de proximidade, como é que o Governo, muito em concreto o Ministério da Agricultura, pensa intervir para

melhorar não só o acesso aos alimentos, mas também o acesso a alimentos de qualidade, em Portugal?

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e

Desenvolvimento Rural, para responder.

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas,

começo por agradecer as perguntas que fizeram.

Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, em relação a esta matéria, as iniciativas que vêm do Governo anterior são

acarinhadas e tidas em conta e não é nossa intenção modificar nada do que de positivo tenha sido feito, como

seja a iniciativa PRA-TØ, que referiu, ou as iniciativas no âmbito da educação que o Governo anterior formulou

mas que, infelizmente, depois não deu sequência. Isto porque os contactos que tive com o Ministério da

Educação foram os de que, no início do ano escolar, as iniciativas que eram dirigidas quer aos professores, quer

aos alunos do 1.º ciclo não foram implementadas.

No entanto, é intenção do atual Governo retomar essas iniciativas e dar-lhes sequência. Aliás, há poucos

dias o Ministério da Educação tomou mesmo a iniciativa de penalizar os pais das crianças que reservem

refeições nas cantinas escolares e depois não as utilizem, fazendo com que essas refeições vão para o lixo. Isto

para dizer que quer os estudos que estão disponíveis no Ministério da Agricultura que tenham sido iniciados

mesmo que não concluídos, quer iniciativas consideradas positivas formuladas e não implementadas, quer

aquelas que estão em implementação, como é a iniciativa PRA-TØ, que, como eu disse, tencionamos dar

sequência, a nossa intenção é a de integrá-las na estratégia e no plano de ação para o combate ao desperdício

que vamos pôr em execução. Como também já disse, estamos a fazer um levantamento sobre a eventual

necessidade de criar nova legislação ou de promover alterações à legislação existente.

Portanto, Sr.ª Deputada, em termos globais, pretendemos apoiar iniciativas positivas, dar-lhes continuidade

e ir tão longe quanto possível na formulação da estratégia e na elaboração de um plano que, como já tive

oportunidade de dizer, queremos que seja tão participado quanto possível. Iremos definir um período para uma

discussão pública e, naturalmente, profícua com o Parlamento.

A Sr.ª Deputada Carla Cruz falou em garantia da segurança alimentar — segurança, neste caso, no duplo

sentido, ou seja, ter acesso a e, tendo acesso, que ela esteja em boas condições de higiene e salubridade.

Naturalmente, é esta parte que compete ao Ministério da Agricultura e, sob esse ponto de vista, os serviços

estão equipados, funcionam com competência reconhecida e Portugal — mas também toda a Europa — é,

seguramente, dos locais do mundo onde há melhor garantia e segurança nos alimentos que consumimos. Muitas

vezes, a deteção de algumas crises apenas comprova que o sistema está apetrechado para as detetar e há,

portanto, que preveni-las, mais do que combatê-las.

No que diz respeito à questão muito importante que colocou, a do autoaprovisionamento, o objetivo deste

Governo é o de, no horizonte máximo de cinco anos, até 2020/2021, garantir o equilíbrio da nossa balança

Página 14

I SÉRIE — NÚMERO 81

14

comercial agrícola, em valor. O que é que isto quer dizer? Que o valor das exportações seja equivalente ao valor

das importações de produtos agrícolas.

Os dados que temos dos últimos anos indicam-nos uma trajetória em que pensamos ser possível atingir esse

objetivo no horizonte de quatro ou cinco anos. Aliás, o gap que, neste momento, temos de preencher não atinge

já os 4000 milhões de euros e o ritmo quer do crescimento da produção, quer das exportações dão-nos fundadas

expetativas de que esse objetivo é plenamente atingível.

É evidente que nunca seremos autossuficientes em tudo, não há nenhum país do mundo — nem mesmo

aqueles que têm uma escala continental, como a Rússia, os Estados Unidos, o Canadá, o Brasil — que consiga

produzir 100%. Naturalmente que o objetivo é o de que consigamos um autoaprovisionamento tão elevado

quanto possível no maior número de produtos. Felizmente, já conseguimos ser autossuficientes no azeite, no

vinho, nas aves e nos ovos, no leite. Em relação aos outros produtos, temos graus de dependência, o pior dos

quais é, efetivamente, o dos cereais, porque não há condições, em Portugal, de produzir cereais de forma

competitiva, a não ser com a inclusão do regadio e, como sabe, as áreas do regadio, apesar dos esforços para

aumentar, são muito pequenas face às necessidades do País.

Mas estamos a trabalhar nesse sentido. Os dados das exportações, no primeiro trimestre deste ano, são

impressionantes no que diz respeito, por exemplo, aos frutos vermelhos. Ninguém imaginaria que tivéssemos

atingido os 90 milhões de euros nas exportações ou ninguém imaginaria que, por exemplo, as frutas e os

legumes tivessem ultrapassado o vinho em termos de exportação.

Portanto, estamos numa trajetória muito positiva para atingir esse equilíbrio num horizonte que, pensamos,

irá pouco além do final desta Legislatura. No final da Legislatura, talvez possamos fazer um balanço e verificar

que, pela primeira, Portugal, porventura em muitos séculos, tem uma balança comercial agrícola plenamente

equilibrada.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Vamos passar ao período de intervenções.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Matias, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos

Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Centrar o debate que hoje nos é proposto apenas nos desperdícios e

nas perdas de bens alimentares, sem ir às suas verdadeiras causas, pode levar-nos a ignorar o debate essencial

sobre o direito humano à alimentação adequada e o direito dos pequenos agricultores a uma vida digna, com

rendimentos ao nível dos trabalhadores de outros sectores, em harmonia com os territórios numa base de

respeito pelo ambiente e pela biodiversidade.

De acordo com os dados da FAO, dados de 2013, a quantidade de alimentos desperdiçados anualmente é

de 1300 milhões de toneladas. Este megadesperdício não só causa grandes perdas económicas como também

tem impacto significativo nos recursos naturais, nos quais a Humanidade depende para se alimentar. Cerca de

um terço da produção é desperdiçada ou perdida. Contudo, este valor não é uniforme nas diversas regiões do

mundo. Na Europa e na América Latina a quantidade de alimentos desperdiçados ou perdidos é de 95 kg a 115

kg por ano e per capita; na África Subsariana é de 6 kg a 11 kg por ano e por pessoa.

Mas um outro olhar se impõe para se compreender a diferença entre as regiões ditas desenvolvidas da

Europa e América do Norte e as regiões menos desenvolvidas, nomeadamente a África Subsariana, América

Latina e sudoeste asiático.

Os desperdícios e as perdas, apesar de muito menores em valor absoluto, são muito maiores em valor

relativo. Nestas regiões do mundo, onde se localizam as agriculturas mais pobres e onde a pobreza é maior as

perdas e desperdícios são muito maiores em valor relativo do que na Europa e na América do Norte. Por

exemplo, na África Subsariana a produção per capita/ano é cerca de 150 kg de alimentos/ano dos quais apenas

há um consumo de 25 kg/per capita/ano. Na Europa, para uma produção per capita/ano de 175 kg, verifica-se

um consumo de 100 kg/per capita/ano.

O enorme peso dos desperdícios e perdas nas diferentes regiões do mundo resulta essencialmente de

sistemas produtivos, organizações de mercados diferentes, embora os hábitos de consumo também possam

ter, e têm, alguma influência.

Dificuldades na organização da produção, na transformação, no armazenamento, na conservação e no

transporte são apontadas pela FAO como causas de desperdício e perdas nas regiões menos desenvolvidas.

Página 15

23 DE JUNHO DE 2016

15

O desperdício de alimentos nas sociedades mais ricas resulta de uma combinação entre o comportamento

do consumidor — e todos sabemos como o comportamento do consumidor é muito importante — e a falta de

comunicação ao longo da cadeia de abastecimento.

Sem descurar a atenção que nos deve merecer a procura de novos sistemas alimentares que promovam

hábitos de consumo responsáveis e saudáveis, é a montante que devemos centrar a nossa discussão. Centrar

o discurso apenas nos desperdícios e nas perdas de produtos alimentares pode desviar-nos de uma abordagem

sistémica das questões alimentares, que permita resolver os problemas de forma integrada e «cortar o mal pela

raiz».

Primeiro, assumimos que a alimentação saudável é um direito humano. Depois, assumimos que a melhor

maneira de o atingir é a defesa da segurança e soberania alimentar para todos os povos do mundo.

Acrescentamos, por fim, a necessidade de basear a produção de alimentos em sistemas produtivos

respeitadores do ambiente e da biodiversidade.

Nestas circunstâncias, não podemos deixar de ter ainda presente que a alimentação mundial é controlada

por meia dúzia de empresas multinacionais, que também, ao nível alimentar, estamos reféns dos grandes

interesses do capital financeiro.

Promover regimes alimentares responsáveis e saudáveis, combater os desperdícios e as perdas de produtos

alimentares implica libertar a produção e comércio de produtos alimentares das grandes empresas

multinacionais, dos interesses do capital financeiro. Implica ter políticas que promovam uma justa distribuição

dos alimentos produzidos e o acesso de todas as pessoas a uma alimentação adequada.

Transpondo esta análise para o nosso País, também aqui se vive a duas velocidades: regiões e explorações

ricas e produtivas, competitivas no mercado internacional, vivem a par de regiões de pequenas e

microexplorações, onde os agricultores sobrevivem a muito custo e justo seria pagar-lhes por gerirem o território.

Gente rica que pode produzir desperdícios — e produze-os, e muito! — vive a par de gente pobre e muito pobre,

em pequenas explorações que acumulam perdas por não chegarem ao mercado.

O BE há muito que tem dirigido as suas preocupações a este universo de pequenas e muito pequenas

explorações que ocupam a grande maioria do território rural no interior e norte do País. Aqui se produz, mas

aqui não se chega ao mercado. Estão ainda por quantificar os produtos, muitas vezes de enorme qualidade, que

se perdem ou que se destinam à alimentação animal na própria exploração por não existir rede de

comercialização adaptada a estas explorações.

Por exemplo, no Algarve e no Ribatejo — que é a minha própria região e que, portanto, conheço bem —

chegaram a ser enterradas toneladas e toneladas de boa laranja, produzidas em pequenos pomares cujos

proprietários não as conseguiram colocar no mercado. E, por vezes, os pescadores devolvem o peixe ao mar,

tão baixos são os preços que lhes pagam.

Tudo isto é um enorme desperdício, Sr.as e Srs. Deputados!

Começam a existir algumas iniciativas por parte de alguns municípios para ultrapassar estes

estrangulamentos, mas são ainda muito tímidas e pouco consequentes. É urgente uma aposta forte nos circuitos

curtos de comercialização de produtos agrícolas, é preciso dar preferência a produtos locais no abastecimento

de cantinas públicas, sendo para isso necessário criar ou encontrar estruturas de concentração da oferta.

Parece-nos, portanto, positivos todos os passos, como aquele que foi anunciado agora pelo Sr. Ministro, que

vão nesse sentido.

Sendo a oferta tão pulverizada, de nada servirá obrigar as cantinas públicas a consumir produtos locais se

não trabalharmos para a organização e concentração da oferta.

A par disto, Sr.as e Srs. Deputados, é urgente regular a relação entre as grandes cadeias distribuidoras e a

produção, de forma a promover a justa repartição das mais-valias ao longo da cadeia de valor e a garantir prazos

de pagamento curtos, compensadores para os produtores e, frequentemente, a garantia da sua própria

sobrevivência.

A atomização da produção não pode continuar a permitir a ditadura da grande distribuição, continuadamente

a esmagar margens e a impor condições draconianas a quem produz.

Urge também criar medidas de apoio ao investimento na pequena agricultura familiar. No PDR 2020 não há

uma única medida adaptada a este tipo de explorações, mesmo a medida destinada às cadeias curtas e

mercados locais não é dirigida preferencialmente aos produtores, como acontece noutros países da Europa. É

preciso um novo sistema alimentar baseado num modelo territorial integrado, enraizado nas características de

Página 16

I SÉRIE — NÚMERO 81

16

cada território, em sinergia com a conservação da natureza, o turismo e a educação. Um sistema alimentar

valorizador dos recursos específicos de cada local e das relações de proximidade, um sistema alimentar

promotor de distâncias curtas entre produção e consumo e de dietas baseadas em produtos frescos.

O Bloco de Esquerda tem tido propostas para este caminho e continua empenhado em o prosseguir.

O Bloco de Esquerda propõe-se ainda trabalhar para a criação de uma lei de bases da segurança alimentar

e nutricional que transponha para o ordenamento jurídico nacional o direito humano à alimentação adequada, a

que Portugal já se obrigou internacionalmente. E para criar os necessários mecanismos para a coordenação

das políticas públicas nos sectores da agricultura, do ambiente, da saúde, da educação, da economia e da

segurança social, no âmbito de uma estratégia nacional e de estratégias locais de segurança alimentar e

nutricional, com objetivos, metas e dotação orçamental.

A boa alimentação, Sr.as e Srs. Deputados, é um direito humano, mas é também melhor saúde, melhor

cidadania e, o que não é despiciendo, mais poupanças nas contas públicas.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado

Carlos Matias, não era minha intenção intervir, mas senti-me na obrigação de o fazer porque, concordando, na

generalidade, com a sua intervenção, o Sr. Deputado disse, se bem percebi, que não há no PDR medidas

específicas dirigidas à pequena agricultura…

O Sr. Carlos Matias (BE): — Familiar!

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — …à pequena agricultura familiar, e

eu quero dizer-lhe que há.

Felizmente, elas existem e estão consignadas na portaria que há pouco referi (repito, Portaria n.º 152/2016,

de 25 de maio), que estabelece que os pequenos agricultores, e o que isso é está claramente definido na

portaria, serão beneficiados no investimento nas pequenas explorações, podendo apresentar projetos de

candidatura até 50 000 euros, a um máximo de dois projetos, sendo que o maior não pode exceder 40 000, com

50% a fundo perdido.

Existem, igualmente, apoios para os pequenos produtores na transformação e comercialização de produtos

agrícolas, como seja uma pequena salsicharia, uma queijaria, investimentos que dão apoios a 50% a fundo

perdido até ao montante máximo elegível de 200 000 euros.

Todas estas medidas estão consignadas e estão já em perfeita execução desde o dia 25 de maio. Era, aliás,

matéria que constava do Programa do Governo, que, tenho o prazer de o dizer, desse ponto de vista, está

plenamente cumprido. Esperamos agora que a execução corresponda às nossas expectativas.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Serra.

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Começo por felicitar o Partido

Ecologista «Os Verdes» por trazer mais uma vez esta matéria a debate, dizendo que o desperdício alimentar e

as formas de o reduzir a nível global será, com certeza, um dos maiores desafios que o mundo enfrentará no

futuro, mas que hoje já é também uma questão que muitos nos assola.

Este desafio é tanto maior quanto maior tem sido a necessidade de alimentar uma população em crescimento

acelerado, de conseguir uma agricultura mais produtiva, que acompanhe as necessidades de consumo mundial,

de uma política ambiental mais sustentada e de uma política social mais equitativa. Esta preocupação deve

envolver toda a sociedade, procurando, com inovação, reduzir este contrassenso, que é produzir alimentos que

nunca chegam a ser consumidos nem reutilizados.

Página 17

23 DE JUNHO DE 2016

17

Hoje, é imperativo que o conceito da economia circular seja um modelo a implementar, em que a reutilização

dos desperdícios passe a ser um fator económico de produção e de reutilização e não um esbanjamento de

recursos endógenos.

Não é possível continuarmos a utilizar recursos naturais escassos, como a água ou o solo, para produzir algo

que será desperdiçado.

Não é aceitável que as necessidades de muitas famílias e instituições não se coadunem com os desperdícios

alimentares, hoje estimados em 1 milhão de toneladas, no caso português. Há atualmente muitas iniciativas

meritórias da sociedade civil que atuam nesta área e têm atenuado este flagelo. Contudo, como já aqui foi dito,

ainda há muito que fazer, muito para promover e muito para desenvolver.

Para o PSD, a luta contra o desperdício alimentar deve começar na produção e ir até ao consumo doméstico,

passando pela distribuição e comercialização.

As estimativas do projeto de estudo PERDA (Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar,

2012) dizem que é na produção e no consumo onde as perdas são mais elevadas, cerca de 32% e 31%

respetivamente, e que na distribuição o nível de desperdício é de 290 000 t, isto é, de cerca de 28%.

Perante estes valores parece-nos que, sem prejuízo das iniciativas que possam vir a ser implementadas em

Portugal e que já existem em alguns países europeus, nas fases de comercialização e de distribuição, temos de

ter uma maior atenção e objetividade na produção e no consumo. Cada vez mais se torna claro que promover

o consumo de produtos nacionais é uma forma inequívoca de diminuir o desperdício alimentar.

Incentivar políticas públicas a enquadrarem a realidade da produção agrícola nacional, combatendo projetos

desadequados e totalmente desligados da forma como se produz alimentos, alguns promovendo mesmo a

importação de bens substitutos aos nossos produtos endógenos, tem de ser uma prioridade.

Não podemos negar que é de grande importância os incentivos e os estímulos entre as associações de

produtores, cooperativas e IPSS para que se possa escoar os produtos nacionais, que, muitas vezes, não

conseguem chegar aos canais de distribuição mas que têm de chegar à população.

É neste contexto que o PSD se posiciona, reconhecendo, por um lado, a agricultura com um papel

fundamental e de primeira linha na luta contra o desperdício alimentar, defendendo medidas que harmonizem a

procura do consumidor com a oferta do sector. Exemplo disso é a necessidade da rotulagem dos produtos

quanto à sua composição e origem.

Por outro lado, reconhecemos também a importância acrescida que a comercialização e a distribuição pode

ter na defesa, no escoamento e valorização da produção nacional, promovendo consumo dos nossos produtos,

diminuindo os excedentes e, consequentemente, diminuindo o desperdício.

A questão do desperdício alimentar é, cada vez mais, um paradoxo dos tempos modernos. Quanto mais

qualidade, mais segurança alimentar se implementa nos sistemas alimentares europeus, maior é o nível de

desperdícios e de perdas. Quanto mais exigente é o consumidor, maior tendência haverá para desperdiçar

alimentos saudáveis cuja aparência, muitas vezes, não preenche determinados requisitos de marketing ou

comercialização.

O estímulo pelos mercados de proximidade pode ser uma importante oportunidade para combater este

paradoxo. Não só poderá ter vantagem no escoamento dos produtos regionais, como poderá aproximar

consumidores e produtores.

Por outro lado, é crucial empreender mais ações ao nível da educação, da comunicação, da sensibilização,

da responsabilidade e regulação, da agilização e reconhecimento, muitas das quais já promovidas pela

sociedade civil e por muitas instituições de solidariedade social.

Na verdade, quando vemos que mais de 1/3 do desperdício está nas nossas casas percebemos que as

soluções têm de passar por uma alteração dos hábitos de consumo e por uma consciencialização prática sobre

o que estamos a desperdiçar.

Por isso, o PSD congratula-se com todas as iniciativas que promovam a sensibilização dos consumidores no

armazenamento dos produtos, nos prazos de validade e nas perdas no prato.

Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos todos de acordo sobre a dimensão do problema e sobre a

necessidade de procurar soluções para o resolver.

É fácil convergir sobre a urgência de diminuir o desperdício alimentar. Difícil é orientar opções que o consigam

e ter presente na nossa consciência, sempre que apresentamos aqui iniciativas, que este é o caminho.

Página 18

I SÉRIE — NÚMERO 81

18

Não basta orientar discursos sobre a problemática e o flagelo que é o desperdício alimentar, num dia, e, no

outro dia, defender técnicas e práticas que põem em causa a produção nacional e criam mais excedentes, que

distanciam os consumidores dos nossos produtos tradicionais, que dificultam a competitividade das produções

agrícolas nacionais face a outras de outros países.

O PSD está de acordo com a campanha que Os Verdes aqui apresentaram, mas podemos ainda ir mais

longe. Estamos também disponíveis para criar um grupo de trabalho para acompanhar as medidas que o

Governo está a pensar implementar para que o debate neste Parlamento seja alargado e para que possamos

passar à realidade muitas medidas que já tardam em surgir.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Presidente Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Júlia Rodrigues.

A Sr.ª Júlia Rodrigues(PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Felicito,

antes de mais, Os Verdes pelo agendamento desta temática.

A Assembleia da República declarou o ano de 2016 como o ano nacional de combate ao desperdício

alimentar. Esta resolução recomendou, entre outras medidas, que fossem promovidos levantamentos rigorosos

e sistemáticos sobre a realidade do desperdício alimentar em Portugal, bem como a criação de um programa

nacional, construído num processo de participação ativa e colaborativa da sociedade.

Esta resolução, aprovada há mais de um ano, e até por unanimidade, foi levada a sério? Ou seja, foi

cumprida? Ou, pelo contrário, foi ignorada? A Assembleia da República e as forças políticas tranquilizaram a

consciência? Sim, mas foi só, nada mais.

Ora, as iniciativas legislativas devem ser, sempre que possível, estudadas e elaboradas com a auscultação

dos intervenientes, examinados casos reais bem-sucedidos — alguns com uma longa experiência —, analisados

estudos científicos e dissecados todos os contributos individuais e coletivos de todas as organizações

representativas.

Se assim se fizer, as iniciativas serão consistentes, fundamentadas, assumidas e, como disse atrás, para

levar a sério!

Foi o que o PS fez, há poucos dias, quanto ao tema proposto neste debate: o desperdício alimentar.

Reunimos, em audição pública, no passado dia 14 de junho, intervenientes de toda a cadeia alimentar.

O debate, muito participado, com a presença de investigadores, promotores de projetos, autarcas,

associações e organizações representativas, decorreu em torno das perspetivas da segurança e

sustentabilidade alimentar, da questão ambiental e das motivações de cariz social. Os contributos presenciais e

escritos foram determinantes para sustentar e reforçar a nossa intervenção política nesta área.

Sr.as e Srs. Deputados, o desperdício alimentar é, atualmente, um problema à escala mundial. Na diretiva-

quadro de resíduos da União Europeia, a hierarquia para o tratamento de resíduos dá prioridade à redução de

resíduos na fonte, seguido de reutilização, reciclagem e recuperação, com a eliminação como último recurso.

Esta temática transversal e abrangente inclui áreas tão distintas como a solidariedade social, o ambiente, a

saúde, a economia e finanças, a agricultura e segurança alimentar.

Exige, por isso, a sensibilização de todos os intervenientes, desde a produção agrícola, à agroindústria, à

distribuição, à restauração, até ao consumidor final.

É necessária uma atuação integrada e articulada em toda a cadeia alimentar que, em simultâneo, inclua

preocupações ao nível educacional, de saúde e de combate à pobreza.

As estratégias devem envolver a sensibilização, a formação e a informação, com promoção de campanhas,

mas também a monitorização do desperdício e o melhoramento da logística. Neste âmbito, convém referir a

importância das cadeias curtas de abastecimento, já aqui referidas, cujos circuitos de proximidade evitam o

desperdício alimentar. É prioritário garantir que estas cadeias curtas sejam mais frequentes, ao nível, por

exemplo, das cantinas públicas, das escolas ou dos hospitais.

Página 19

23 DE JUNHO DE 2016

19

Como é do conhecimento de todos, fruto de políticas cegas de cortes estruturais do anterior Governo

PSD/CDS-PP, o número de pessoas carenciadas que procuram assistência alimentar junto de instituições de

solidariedade social aumentou de forma exponencial em Portugal.

Um cenário de carência social contrapõe-se à triste realidade de desperdício diário de excedentes

alimentares produzidos pelos setores público e privado e por particulares. Esta situação escapa assim aos

princípios mais basilares de racionalidade económica.

A necessidade de organizar, estruturar, incentivar e regulamentar o desperdício alimentar em Portugal é uma

obrigação de todos para com todos.

É necessário garantir também o cumprimento das metas estabelecidas pela União Europeia, como a

diminuição em 50% do desperdício alimentar até 2025.

A iniciativa legislativa proposta deverá integrar todas as vertentes do desperdício alimentar. Deve incentivar

a adoção de boas práticas contra o desperdício e contrariar sistemas de penalização e coimas para os

intervenientes.

Sr.as e Srs. Deputados, o desperdício alimentar é uma matéria de natureza pluridisciplinar. Sugerimos, por

isso, a constituição, sob a gestão direta do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, de uma

comissão nacional de combate ao desperdício alimentar, à semelhança da existente, e com muito sucesso, no

município de Lisboa, destinada a promover o diagnóstico do problema e a determinar medidas concretas de

combate ao desperdício alimentar.

Esta comissão deverá integrar objetivos estratégicos de saúde pública, educação escolar, combate à

pobreza, segurança alimentar e de boas práticas de combate ao desperdício alimentar na produção, na indústria,

na distribuição alimentar e no consumidor final.

Nesta área é determinante uma estratégia de políticas públicas para que se conquistem melhorias

significativas integradoras de diferentes perspetivas, uma estratégia que envolva, desde a sua génese, todos os

intervenientes, uma estratégia integrada assumida por todos e para todos.

Esta sessão plenária deve servir, por isso, para a união de esforços em torno de um objetivo de Portugal, da

Europa e do mundo: o combate ao desperdício alimentar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, a Mesa regista a inscrição da Sr.ª Deputada Fátima Ramos para pedir

esclarecimentos, a quem dou a palavra.

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado,

começo por cumprimentar todos.

O PSD é um partido humanista que defende uma boa gestão dos recursos, quer humanos, quer materiais. É

um partido que acredita que só com uma boa gestão de recursos, com uma gestão de rigor, é que as pessoas

podem viver melhor. É um partido que defende, por isso, o combate às desigualdades, o combate às assimetrias.

Protestos do PS.

É um partido que foi obrigado a aplicar determinadas medidas difíceis pelas quais ainda agora foi criticado

pela Sr.ª Deputada do Partido Socialista…

Vozes do PS: — Ah!

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — … porque, infelizmente, herdou um País onde, de facto, o rigor e a exigência

não existiam.

O Sr. Secretário de Estados dos Assuntos Parlamentares (Pedro Nuno Santos): — O PSD é um

espetáculo!

Página 20

I SÉRIE — NÚMERO 81

20

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Por isso, o que mais tememos neste momento é que esse rigor e a essa

exigência deixem de existir e vimos que já houve algumas medidas nesse sentido.

O PSD é, de facto, um partido que, ao ser assim, se preocupa com a eficiência e com a boa gestão dos

recursos e, por isso, quando falamos em desperdícios alimentares não podíamos estar mais de acordo. Por

essa razão, quer no nosso programa eleitoral, quer no programa da coligação, esta foi sempre uma matéria que

esteve presente, contrariamente a outros partidos que, muitas vezes, falam da mesma mas não a tiveram

presente.

É, efetivamente, uma matéria de futuro, sobre a qual temos de nos debruçar. Vivemos num País com recursos

tão escassos e sabemos que 17% da produção é desperdício, sendo esta é uma realidade que temos de inverter.

Mas, conscientes desta realidade, recordo aqui que, no tempo do Governo anterior foi elaborado um trabalho

denominado Prevenir desperdício alimentar — Um compromisso de todos, que envolveu 25 parceiros, entidades

públicas, privadas, os Ministérios da Economia, da Agricultura, da Saúde, autarquias locais, misericórdias, a

CAP e muitas outras,…

O Sr. Secretário de Estados dos Assuntos Parlamentares: — Etc…

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — … porque o PSD não defendia uma sociedade estatizante mas que o

envolvimento de todos podia trazer medidas que, de facto, fossem transversais e tivessem sucesso para todos.

No âmbito desse trabalho, surgiram várias medidas, nomeadamente: monitorizar a redução do desperdício

alimentar e melhorar a sustentabilidade da cadeia alimentar; incentivar a criação de mercados de proximidade;

analisar a possibilidade de aquisição de bens alimentares junto da produção e nos mercados locais, através da

flexibilização das normas relativas à contratação pública, tendo sempre em conta a segurança alimentar;

privilegiar, ao nível dos contratos públicos, empresas com responsabilidade social e boas práticas de combate

ao desperdício implementadas, preservando a segurança alimentar; avaliar a possibilidade de implementar

incentivos fiscais e/ou económicos direcionados à doação de alimentos; estimular ou distinguir os agentes da

distribuição que apresentem, por gama de produtos, níveis de comercialização de produtos nacionais superiores

a 2/3; criar um concurso para identificar as melhores práticas na prevenção do desperdício alimentar ao longo

de todas as fases do processo; criar um selo de reconhecimento de prevenção do desperdício alimentar que

possa ser identificado pelo stakeholders da entidade…».

O Sr. Secretário de Estados dos Assuntos Parlamentares: — Já deve ter acabado!

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Por isso, pergunto ao Partido Socialista como é que tem ajudado o seu

Governo, que está já há sete meses, a implementar estas medidas.

Acho que é tempo de passar à prática e de fazer. É tempo, de facto, de concretizar.

Protestos da Deputada do PCP Rita Rato.

Estamos disponíveis para colaborar. Foi apresentado e aprovado um projeto de resolução em 2015 que tinha

estas mesmas propostas, muitas das quais, hoje, a Sr.ª Deputada referiu.

O que lhes peço é, como social-democrata e como cidadã, que, de facto, se passe da conversa à prática e

que os senhores colaborem.

Protestos do PS.

Estamos disponíveis para colaborar, para gerir com rigor, com eficiência, por termos a noção do que o País

precisa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Júlia Rodrigues.

Página 21

23 DE JUNHO DE 2016

21

A Sr.ª Júlia Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, em resposta ao seu pedido de esclarecimento,

queria dizer-lhe que rigor e transparência são também as preocupações do PS. A referência que fiz ao Governo

anterior foi, de facto, ao aumento da pobreza e à incapacidade para resolver o problema da pobreza, em

Portugal.

Aplausos do PS.

Como sabe, a assistência das IPSS tem sido, com rigor e com transparência, fundamental no apoio aos mais

carenciados e o PS preocupa-se com as pessoas, preocupa-se com a forma como tratamos as pessoas, para

dar dignidade à vida dos trabalhadores, dos nossos concidadãos. Pena é que tenha aqui havido um desperdício

de tempo a perguntar que medidas são estas. É que as medidas contidas no Prevenir o Desperdício Alimentar

— Um Compromisso de Todos ficaram como medidas avulsas num documento escrito, que é importante, com

bem referiu a Deputada Heloísa Apolónia, mas falta a sua operacionalização, falta ir para o terreno e conseguir

que todos os agentes envolvidos, todos os intervenientes, consigam levar a bom porto a luta contra o desperdício

alimentar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do Grupo

Parlamentar de «Os Verdes».

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Infelizmente, não vivemos apenas numa sociedade de consumo, vivemos também numa sociedade de

desperdício. E independentemente das considerações que possamos fazer em torno de saber se o desperdício

é uma consequência direta da sociedade de consumo, interessa trabalhar no sentido de combater este

preocupante fenómeno do desperdício alimentar.

Lembro a este propósito que, na sua Resolução de 19 de janeiro de 2011, o Parlamento Europeu, manifesta

a sua preocupação pelo facto de, diariamente, uma quantidade considerável de alimentos, mesmo sendo

perfeitamente consumível, ser tratada como resíduo.

No mesmo documento, o Parlamento Europeu considera que o desperdício de alimentos representa um

problema ambiental e ético com custos económicos e sociais, e convida a Comissão Europeia a estudar as

razões que levam a deitar fora, desperdiçar e depositar anualmente nos aterros da Europa cerca de 50% dos

alimentos produzidos.

Trata-se, assim, de um combate que se impõe, não só pela exploração absolutamente inútil dos recursos

naturais que o desperdício exige ou implica, e que poderiam ser poupados, mas também pela infeliz constatação

de que, anualmente, milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados, num mundo onde um sexto da

população passa fome.

Em causa, estão, portanto, não só questões de natureza ambiental, dada a pressão feita desnecessariamente

sobre os recursos naturais, mas também questões de natureza intergeracional. Ou seja, do que falamos, quando

falamos de desperdício alimentar, é de um problema de sustentabilidade.

Por isso mesmo, esta matéria tem vindo a merecer a maior atenção por parte de Os Verdes, seja através da

apresentação de iniciativas legislativas, seja através de iniciativas de outra natureza, como a audição pública

parlamentar sobre propostas e estratégias de combate ao desperdício alimentar, que Os Verdes promoveram,

nesta Assembleia, no início do mês de junho.

Tratou-se de uma iniciativa muito participada e muito interessante, até porque o desperdício alimentar, apesar

de ter sido objeto de diversos estudos noutros países, em Portugal não tem merecido muita atenção e só há

pouco tempo começaram a aparecer projetos tendo como denominador comum, exatamente, o desperdício

alimentar.

Quanto a estudos, o único que existe até hoje no nosso País foi elaborado pelo PERDA — Projeto de Estudo

e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar, designado Do campo ao garfo, o desperdício alimentar em Portugal.

Mas na audição parlamentar que Os Verdes promoveram chegaram-nos experiências e ações no terreno

levadas a cabo por várias associações, nomeadamente: pela IN LOCO, que, em conjunto com algumas

Página 22

I SÉRIE — NÚMERO 81

22

autarquias, municípios e freguesias, e envolvendo escolas e agentes locais, procura criar uma metodologia para

a rastreabilidade do desperdício alimentar ao nível local; pela DECO, que, em matéria da educação do

consumidor, tem a decorrer um projeto com várias escolas, desafiando os jovens a criarem receitas inseridas

no combate ao desperdício alimentar; pelo movimento Re-food, um movimento que se propõe contribuir para

eliminar o desperdício alimentar, acabar com a fome e incluir toda a comunidade nesse esforço; e também pela

OIKOS, com o seu projeto Integrar paraAlimentar — Conhecimento, Saúde e Sustentabilidade e o Quadro Geral

para a Ação sobre Política Alimentar Urbana, cujo objetivo é fornecer opções estratégicas às cidades ou

municípios que pretendam implementar ou desenvolver sistemas alimentares mais saudáveis ao subscreveram

o Pacto de Milão sobre políticas alimentares urbanas.

Quanto a estudos, como há pouco referi, o único estudo exclusivamente nacional sobre o desperdício

alimentar é o PERDA — Projeto de Estudos e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar.

A metodologia deste estudo foi adaptada do estudo da FAO e a capitação anual estimada das perdas e

desperdício alimentar em Portugal aponta para 97 Kg por habitante/ano, dos quais 31% provêm dos

consumidores.

Estamos, portanto, a falar de estimativas que, no dizer dos próprios autores do estudo, podem ser descritas

como grosseiras, devido à larga utilização de dados meramente aproximados.

Ainda assim, e mesmo sendo estimativas, sabemos que o desperdício alimentar é muito elevado e, seja por

razões económicas, seja por razões ambientais ou até morais, o seu combate deve ser encarado com um

imperativo.

Sabemos também que o desperdício alimentar é um fenómeno complexo, que atravessa todas as etapas

dos alimentos desde a sua produção até ao consumo final. E sabemos ainda que a tendência para o

alongamento das cadeias, afastando cada vez mais o produtor do consumidor, agrava o problema.

É por isso que também nesta matéria o «consumir local» tem de ser encarado como uma das prioridades

das políticas que desenham os nossos destinos coletivos.

É preciso valorizar e fazer renascer os mercados tradicionais, os mercados de proximidade, os mercados

locais, em detrimento das grandes superfícies comerciais.

Da mesma forma, é necessário apostar nos circuitos curtos de comercialização de produtos alimentares, de

forma a valorizar a agricultura familiar, beneficiando de apoios que acabam por gerar benefícios para uma boa

e desejável gestão de produtos alimentares.

É também por isso que as aspirações e necessidades daqueles que produzem, distribuem e consomem os

alimentos têm de estar no centro das políticas agrícolas, alimentares e comerciais e é também por isso que se

exigem políticas públicas que consigam salvaguardar o direito à alimentação e à nutrição adequadas e

promovam a segurança alimentar e nutricional de forma soberana.

São precisos esforços e coragem para combater um conjunto de regras europeias que vieram potenciar o

desperdício alimentar, sobretudo quando falamos de frutos e de produtos hortícolas e das respetivas exigências

europeias de possuírem uma determinada dimensão para poderem ser postos à venda.

É preciso olhar para as embalagens de produtos alimentares que tantas vezes, e sem se perceber porquê,

são apresentadas com um formato absolutamente desproporcional às diferentes dimensões do agregado

familiar e nunca são pensadas para poder contribuir para o combate ao desperdício alimentar.

Por fim, são necessários esforços para alterar hábitos de consumo, e campanhas de sensibilização e

informação são, nesta matéria, instrumentos decisivos. Campanhas de sensibilização para o problema do

desperdício alimentar dirigidas aos agentes económicos mas também aos consumidores, campanhas com

presença nas escolas, com desafios para a criação de iniciativas em torno da necessidade do combate ao

desperdício alimentar. Há, portanto, muito a fazer nesta matéria.

Sr.as e Srs. Deputados, neste combate, que procura ou que pretende afirmar o princípio da sustentabilidade,

tanto os modelos de produção como os padrões de consumo ganham uma relevância absolutamente decisiva.

São uns e outros que importa reverter.

É que se do ponto de vista ambiental é inqualificável que se esbanjem recursos naturais para produzir bens

alimentares que depois acabam nos aterros, do ponto de vista social é também dramático que se desperdicem

alimentos que poderiam ser canalizados com vista a contribuir para satisfazer necessidades básicas alimentares

de uma parte significativa da população.

Página 23

23 DE JUNHO DE 2016

23

Por tudo isto, impõem-se e exigem-se ações sérias e um envolvimento ativo e empenhado por parte do

Estado na materialização de estratégias com vista a reduzir substancialmente a perda de alimentos no nosso

País e nas diferentes fases, desde a produção ao consumo dos alimentos.

Para isso é fundamental e decisivo que o Governo olhe para a resolução que Os Verdes fizeram aprovar

nesta Assembleia, aliás, por unanimidade, e que olhe com olhos se ver, assumindo o compromisso de se

envolver na materialização dos 15 pontos dessa importante resolução em matéria de desperdício alimentar.

Olhar para essa resolução com olhos de ver significará que estaremos no bom caminho.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado José Luís Ferreira tem um pedido de esclarecimentos, do Sr. Deputado

Maurício Marques, do Grupo Parlamentar do PSD, a quem dou a palavra.

Faça favor Sr. Deputado.

O Sr. Maurício Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Dado o escasso

tempo que tenho, era apenas para saudar o Partido Ecologista «Os Verdes» por esta iniciativa.

Na verdade, prevenir o desperdício alimentar é diminuir a fome no mundo e isso não deve ser apenas um

desígnio nacional mas, sim, um desígnio mundial.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado já ultrapassou o seu tempo.

O Sr. Maurício Marques (PSD): — Este deve ser um tema que nos deve unir a todos e não dividir e, por

isso, também faço aqui um apelo ao Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado peço-lhe para concluir.

O Sr. Maurício Marques (PSD): — Este é um tema em que grande parte do desperdício na produção é local

e por isso o Sr. Ministro tem aqui uma oportunidade para promover a produção e o consumo local através das

muitas instituições que temos espalhadas por todo o território nacional.

Bem-haja ao Partido Ecologista «Os Verdes» por esta iniciativa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente. — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, é apenas para dizer ao Sr. Deputado Maurício

Marques que registamos o apreço demonstrado pelo PSD quanto a esta iniciativa, dizendo ainda que é

importante que os partidos tivessem esta preocupação com o desperdício alimentar e também com o combate

à pobreza não apenas quando estão na oposição mas sempre, quer quando estão no poder quer quando estão

na oposição.

De qualquer forma, registamos o que foi dito sobre a iniciativa que Os Verdes hoje trouxeram à discussão.

Aplausos de Os Verdes e de Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr. Deputada Patrícia Fonseca, do Grupo

Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: A melhoria das condições de vida das populações no mundo ocidental veio alterar os hábitos de

consumo, levando muitas vezes a excedentes que posteriormente não são aproveitados, como já aqui foi

referido.

Página 24

I SÉRIE — NÚMERO 81

24

Por esse motivo, são os países mais desenvolvidos que geram mais desperdícios alimentares, que, de

acordo com dados da FAO, correspondem a cerca de 1/3 dos alimentos produzidos anualmente. Em Portugal,

como também já aqui foi referido, estima-se que esse valor atinja cerca de 1 milhão de toneladas de alimentos

por ano. Paradoxalmente, um sexto da população mundial ainda passa fome.

Por outro lado, a FAO estima que, em 2050, a população mundial ascenderá a 9 mil milhões de pessoas.

Este crescimento demográfico levará certamente a uma necessidade de aumento da produção de alimentos,

mas também nos leva a repensar o paradigma da sustentabilidade, seja ela ambiental, económica ou social, o

que nos obriga, necessariamente, a reduzir o desperdício alimentar.

É, por isso, fundamental adotar políticas e comportamentos que, a par de uma maior equidade social,

reduzam os custos decorrentes do desperdício alimentar, não apenas os económicos mas também os

ambientais.

Neste sentido, saúdo Os Verdes por terem, mais uma vez, trazido este tema a debate nesta Câmara.

Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2012, o projeto PERDA, já

qui referido várias vezes, estimou que as perdas, em Portugal, sejam distribuídas, como o Deputado Nuno Serra

também mencionou, de forma relativamente equitativa pela produção, pela distribuição e pelas famílias, sendo

de cerca de 30% em cada uma destas fases da cadeia, e em menor proporção pela indústria (7,5%).

Estes valores são ligeiramente diferentes dos da média europeia mas igualmente preocupantes e

motivadores de uma reflexão com vista à promoção de políticas públicas que contribuam para a redução do

desperdício alimentar.

No caso da produção, e de grande parte da indústria também, podemos facilmente transformar estas perdas

em recursos, reutilizando-as numa lógica de economia circular, como fertilizante orgânico ou encaminhando-as

para a alimentação animal.

Já o mesmo não podemos dizer das perdas originadas nas restantes fases da cadeia alimentar. Por esse

motivo, entendemos que, para minimizar as perdas nas famílias e na distribuição, é fundamental a informação,

a sensibilização e a cooperação dos cidadãos, em particular dos mais jovens, que são geralmente promotores

de alterações comportamentais na sociedade.

Srs. Deputados, reduzir o desperdício alimentar no consumidor final implica uma alteração de

comportamentos, hábitos, atitudes e até das rotinas das famílias e da sociedade. E esse é um processo que é

muito demorado, um processo de continuidade.

É, pois, necessário o comprometimento da sociedade em geral e das instituições de solidariedade social para

um trabalho articulado e de parceria. Acreditamos que um amplo debate, com representação social e política,

poderá contribuir para uma questão que é um desígnio mundial mas, em primeira mão, um desígnio nacional.

Nos últimos anos, o desperdício alimentar tem sido alvo de uma atenção cada vez maior, quer com a

declaração do Ano Europeu de Combate ao Desperdício Alimentar em 2014, e, posteriormente, em 2016, com

a declaração do Ano Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar.

O CDS tem acompanhado esta temática desde a primeira hora. Na sequência da declaração do ano europeu

em 2014, o Governo anterior, como também já aqui foi mencionado, mobilizou-se num conjunto de iniciativas,

desde logo a elaboração do documento Desperdício alimentar — Um compromisso de todos, que envolveu 34

signatários — e não 25, como já foi referido —, na sua maioria da sociedade civil, e que pretendeu ser o primeiro

passo para a definição de princípios comuns e transversais rumo ao desperdício zero.

De facto, não fizemos tudo, mas foi um primeiro passo e este documento continha medidas que iam desde

reforçar a cooperação, passando pela informação ao consumidor sobre os rótulos e datas limites de consumo,

à exploração de mercados alternativos para produtos intermédios ou com menor valorização pelo consumidor e

incentivar cadeias não convencionais de redistribuição de alimentos.

Todos conhecemos a legislação dos circuitos curtos e hoje até já não estranhamos, até valorizamos, a fruta

de menores dimensões que aparece nas grandes superfícies, e também nas pequenas, que geralmente é

dirigida a uma público mais infantil mas que até há poucos anos não qualquer tipo de valorização comercial,

cumprindo todos os padrões de qualidade.

Estamos, ainda assim, muito longe de alcançar o objetivo a que todos nos propomos, mas muito foi já feito

do plano que o anterior Governo traçou. Da parte da produção e indústria, com toda a mobilização que toda a

sociedade civil teve, foram desenvolvidos protocolos de boa gestão para a doação de excedentes e muitas

organizações agrícolas têm já as suas iniciativas próprias. Na distribuição foram desencadeados protocolos de

Página 25

23 DE JUNHO DE 2016

25

encaminhamento de excedentes para a economia social; para a sensibilização e educação foram elaborados

folhetos, em colaboração com as entidades oficiais para garantir toda a segurança alimentar — DGAV, ASAE e

DECO — e, numa lógica de responsabilização, foi lançada a iniciativa PRATØ, também já aqui mencionada.

O CDS defende que os esforços devem ser orientados para a mudança de atitudes, podendo, no entanto,

ser desenvolvidas políticas públicas e criados instrumentos que, direta ou indiretamente, promovam a redução

do desperdício.

O CDS defende por isso um modelo regulatório e não impositivo, um modelo de sensibilização e não de

punição.

Neste campo, há inúmeros bons exemplos de mobilização crescente de toda a sociedade civil que tiveram

como resultado não apenas a redução do desperdício alimentar como o fornecimento de um conjunto de

refeições a um elevadíssimo número de pessoas com diversos tipos de carências, que com esta política de

proximidade podem ser identificadas e encaminhadas para a eventual resolução dos seus problemas, e de outra

forma não teriam sido identificados e não seria possível resolvê-los.

Talvez o melhor exemplo seja mesmo o da Câmara Municipal de Lisboa, que conseguiu ultrapassar todas as

questões partidárias e reunir os consensos necessários para constituir um Comissariado Municipal de Combate

ao Desperdício Alimentar.

E digo que ultrapassou as questões partidárias porque este comissariado resulta de uma proposta do

Vereador do CDS João Gonçalves Pereira, que, na oposição, foi nomeado Comissário em reconhecimento do

seu trabalho e empenho nesta causa, com o apoio do Presidente da Câmara António Costa, agora Primeiro-

Ministro, tendo sido aprovado por unanimidade.

Hoje, a Câmara Municipal de Lisboa é considerada um exemplo a seguir e replicar noutras cidades do mundo,

nomeadamente pelo representante da FAO em Portugal, que afirmou, no final da semana passada, que «a

magia do que tem vindo a ser feito em Lisboa ao nível do combate ao desperdício alimentar assenta no reforço

do protagonismo da sociedade civil».

Para terminar, Sr. Presidente, quero dedicar uma palavra a todos quantos participam nestas iniciativas de

forma voluntária. Para além das empresas, que geralmente o fazem por responsabilidade social, há que destacar

os homens, mulheres, crianças e jovens que dedicam horas e dias das suas vidas pessoais a causas

humanitárias, com entrega e espírito de missão, a fazer voluntariado,…

Aplausos do CDS-PP.

… voluntariado este que é desvalorizado por alguns dirigentes políticas e sem os quais muito do que foi feito

não seria possível ou, pelo menos, muito menos se teria alcançado.

O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada já esgotou o seu tempo, tendo-o até ultrapassado muito porque houve

um problema com os tempos e só começou a descontar já passado 1 minuto.

Queira concluir.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, estou mesmo a terminar.

Dizia eu que muitas vezes o voluntariado é desvalorizado por alguns dirigentes políticos, mas sem ele muito

do que foi feito não seria possível ou muito menos se teria alcançado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saudamos o debate trazido pelo Partido

Ecologista «Os Verdes», um tema tão importante como este e que nos toca a todos.

A questão da doação de bens alimentares excedentes e a sua redistribuição para fins de solidariedade social

tem sido, e muito bem, amplamente discutida na Assembleia da República.

Reforçando os dados científicos internacionais e o desígnio nacional de várias entidades, esta Assembleia

aprovou uma resolução, em 2015, com vista a combater o desperdício alimentar e para promover uma gestão

Página 26

I SÉRIE — NÚMERO 81

26

eficiente dos alimentos, com 15 recomendações ao Governo, declarando o ano de 2016 como o ano nacional

do combate ao desperdício alimentar.

A aposta numa estratégia nacional integrada de combate ao desperdício alimentar é o único meio eficaz para

uma redução do mesmo na ordem dos 50% até 2025, como propõe o Parlamento Europeu. Perante este alerta,

sentimos necessidade de trazer mais ímpeto e iniciativa de concretização para este debate que dura há já vários

anos, demasiado tempo Srs. Deputados, de audições e reuniões perante evidências tão alarmantes.

Conforme a resolução do Parlamento Europeu, de janeiro de 2012, «Se não se tomarem medidas preventivas

adicionais, o volume global de desperdício alimentar atingirá, em 2020, 126 milhões de toneladas, ou seja, um

aumento de 40%». Quatro anos passaram desde então e não vimos no parlamento português a concretização

destas medidas adicionais, como aconteceu recentemente, por exemplo, em França e Itália.

Com o objetivo de contribuir para este debate, conjuntamente com todos os atores políticos e sociais, o PAN

vem propor a regulamentação da doação de bens alimentares excedentes e a sua redistribuição para fins de

solidariedade social pelas superfícies comerciais superiores a 400m2, a instituições recetoras devidamente

identificadas que depois os distribuam por pessoas com comprovada carência económica.

Vimos também propor a atribuição de benefícios fiscais às empresas dos setores primário, secundário e

terciário que remetam o excedente de alimentos ainda próprios para consumo para as instituições recetoras,

sendo que todas as iniciativas devem ser acompanhadas de uma aposta na formação e sensibilização social de

todos os intervenientes que operam na cadeia e gestão dos géneros alimentares.

Esta será também uma forma de as empresas do sector agroalimentar ampliarem o seu contributo para um

objetivo que é nacional, europeu e mundial, para além de ser um instrumento para valorizar as suas políticas e

estratégias de responsabilidade social.

Não obstante estas propostas, será também fulcral fazer uma nova investigação nacional sobre o desperdício

alimentar que comporte mais dados e variáveis, de modo a complementar o único estudo nacional existente, o

PERDA.

São várias as associações de cariz humanitário que trabalham diariamente para redirecionar bens

alimentares e refeições passíveis de serem desperdiçados, contribuindo também para uma gestão mais

sustentável dos recursos terrestres e promovendo, em simultâneo, a redução da emissão de gases de efeito de

estufa.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado já ultrapassou o seu tempo.

O Sr. André Silva (PAN): — E é desta forma que, desde a produção ao consumo, o Estado, as empresas,

as restantes organizações sociais e humanitárias, tal como os cidadãos, consubstanciam uma cidadania

participativa e empática e reforçam o tecido social, lançando bases de resiliência, sobretudo perante metas tão

claras como as que precisamos cumprir no que respeita à redução do desperdício alimentar. É precisamente

este campo que o Estado deve promover, legislando de modo a que todas estas entidades possam cooperar

para um bem maior.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Cumprimento o Partido Ecologista «Os Verdes» pela iniciativa que tomou trazendo a este debate uma matéria

que nos preocupa a todos.

«O desperdício alimentar assumiu uma dimensão tal que está a ser considerado um problema à escala

mundial, que se reflete ao longo de todos os elos da cadeia agroalimentar, do campo até à mesa do consumidor».

Esta afirmação, emanada do Parlamento Europeu, evidencia uma consciencialização do problema e a

necessidade de intervir para inverter esta realidade.

Segundo um estudo da FAO, anualmente, são desaproveitadas 1.3 mil milhões de toneladas de alimentos,

uma perda económica com graves impactos nos recursos naturais dos quais o ser humano depende para se

alimentar.

Página 27

23 DE JUNHO DE 2016

27

Paralelamente, nos países desenvolvidos, o fluxo de resíduos alimentares representa uma fração

considerável dos resíduos urbanos produzidos, com repercussões no desenvolvimento social, económico e

ambiental.

Durante um ano, os alimentos produzidos mas não consumidos necessitam de um volume de água

equivalente ao volume de água do maior rio do continente europeu, o rio Volga, na Rússia, sendo responsáveis

pela emissão de 3,3 mil milhões de toneladas de gases com efeito estufa para a atmosfera. Estamos perante

impactos ambientais de elevada dimensão que incidem sobre o nosso ecossistema, desequilibrando-o de forma

irreversível.

Conscientes da necessidade de transformar o nosso mundo, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento

Sustentável, que entrou em vigor no passado dia 1 de janeiro, como já foi várias vezes referido, definiu um

conjunto de políticas e de práticas que consolidem a produção e o consumo responsáveis.

A concretização do Plano de Ação para a Produção e Consumo Sustentáveis deve ser o mote, a linha de

orientação que urge concretizar, no sentido de garantirmos a materialização das medidas consignadas, não só

para o seu desenvolvimento mas, sobretudo, para assegurar uma gestão sustentável, com uso eficiente dos

recursos e respeito pelo meio ambiente.

Os ecossistemas não aguentarão durante muito mais tempo esta exploração desenfreada de recursos

naturais e o desrespeito pelo meio ambiente. Nesse sentido, temos de continuar a defender a existência de

áreas protegidas, de preservar e garantir a biodiversidade, de incrementar a educação ambiental, de gerir com

eficiência as nossas florestas, de respeitar o meio através de uma gestão racional do território, de promover uma

gestão eficiente das estruturas públicas, para que os ecossistemas funcionem com naturalidade, garantindo a

própria sobrevivência do ser humano.

Paralelamente, as grandes empresas nacionais e internacionais, as autarquias, as entidades públicas têm

de contribuir com a sua quota-parte, racionalizando o uso da água, dos combustíveis e da energia, reduzindo o

uso dos produtos químicos, efetuando a devida gestão dos seus resíduos e adotando práticas sustentáveis de

produção e consumo.

A consciencialização dos consumidores e o próprio desenvolvimento da educação ambiental conduziu-nos

para um crescente número de pessoas que preconizam práticas diferenciadas e que exigem das empresas, dos

seus concidadãos e do Estado o mesmo comportamento relativamente às formas de consumo, de produção e

à partilha de responsabilidades.

Uma postura mais responsável por parte das empresas que cumprem as leis e que em alguns casos

desenvolvem e apoiam projetos de preservação ambiental, de redução de resíduos, de minimização da emissão

de poluição para o ar, para a água e para os solos, para além do que lhes é exigido, fidelizam consumidores e

projetam-nas como estruturas económicas e empresariais de futuro.

Necessitamos, pois, que os países façam a transição para uma economia verde inclusiva, baixa em carbono

e eficiente na utilização de recursos, e que cada um de nós, junto das nossas famílias, dos estabelecimentos

comerciais, dos restaurantes, nas escolas, nos ministérios, nas empresas, contribua para a sustentabilidade

ambiental, preconizando práticas que garantam a segurança alimentar e uso eficiente dos recursos e dos

alimentos, sem os desperdícios que hoje nos atormentam.

Os governos não podem continuar a permitir que um terço de todos os alimentos produzidos se perca e se

desperdice devido a práticas inadequadas, quando há 870 milhões de pessoas que a cada dia não têm o que

comer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O tema que

hoje discutimos, o desperdício alimentar, é relevante.

É difícil perceber porque se deterioram alimentos sem serem consumidos e, por outro lado, milhões de

pessoas sofrem de carências alimentares. Parecendo anacrónica, esta realidade tem razão de ser.

Uma primeira razão está nos processos produtivos: aqui residirá um dos primeiros problemas. A estratégia

de produção agrícola está orientada e enquadrada por critérios, ditos de mercado, em que o valor económico

Página 28

I SÉRIE — NÚMERO 81

28

dos produtos se sobrepõe ao seu valor alimentar. Isto tem justificado a opção de valorizar modelos de produção

intensiva em detrimento de uma agricultura familiar que, entre outras, está associada à produção de qualidade

e de proximidade.

Com este problema cruza-se a soberania alimentar. Os setores produtivos são orientados em função da

procura de maiores e mais rápidos lucros, independentemente das necessidades do País. Sinal disto é que,

apesar do nível de autoabastecimento do País no sector agroalimentar superar os 70%, em produtos como a

carne, cereais para panificação, batatas e leguminosas, esses níveis são, em alguns casos, dramáticos.

Por isso, entende o PCP que os objetivos nacionais que passem apenas por atingir o equilíbrio da balança

agroalimentar em valor podem ser curtos relativamente às necessidades alimentares dos portugueses.

Um outro problema passa pela normalização dos produtos alimentares. Os produtos alimentares são

valorizados em função do seu aspeto e não em função do seu valor alimentar. Medidas desta natureza fazem

com que muitos produtos acabem por ficar nas explorações. Têm responsabilidade por isto as regras da União

Europeia que, embora tendo sido alvo de alterações, continuam a promover o abandono de alimentos.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo.

O Sr. João Ramos (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Tal como dissemos há um ano, e cito, «um País organizado, moderno e soberano tem de garantir a

alimentação dos seus cidadãos, procurando atingir a autossuficiência, tanto quanto possível, e medidas de

aproveitamento de todos os recursos que implicam a rejeição de imposições que limitem as possibilidades de

consumo, fazendo prevalecer o aspeto ao conteúdo medidas, têm de ser combatidas.

Termino, dizendo que o PCP está disponível para travar o combate ao desperdício alimentar que passe pela

garantia da nossa soberania alimentar e pelo estímulo e valorização da produção nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Ponteira.

A Sr.ª Sandra Pontedeira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de

Estado: Permitam-me, também, fazer uma saudação ao Partido Ecologista «Os Verdes» pela temática desta

interpelação ao Governo. Trata-se, uma vez mais, de um debate indispensável, diria até obrigatório, neste

Parlamento, do qual devem ser extraídas as devidas consequências.

Esta luta não é nova, mas é premente. O desperdício alimentar tem impacto a nível ético, económico,

sanitário e ambiental, como já hoje aqui foi abordado, mas este também é um problema de índole social: Portugal

foi o País onde se registou a maior subida da taxa de privação severa, na qual, como sabemos, entre outras

dificuldades, se incluem as necessidades alimentares. Crianças e jovens são os mais afetados, hoje, e com

sérias repercussões no seu futuro.

Com a crise vivida nos últimos anos também mudaram os hábitos alimentares dos portugueses que em nada

contribuem para uma redução do desperdício alimentar, e muito menos para uma alimentação equilibrada.

Quando 17% dos bens alimentares são desperdiçados, e uma grande fatia ainda na fase da produção, quando

os números são colossais — 200 milhões de pessoas que poderiam ser alimentadas com alimentos que são

todos os dias desperdiçados na Europa —, temos consciência que combater a pobreza também passa pelo

sério combate ao desperdício alimentar.

É imperioso assegurar o direito ao acesso à alimentação a todos e este combate não passa, Srs. Deputados,

aliás, como já hoje foi referido, pelo apoio alimentar com base na caridade, mas, sim, por ser criadas as

condições necessárias para a acessibilidade de todos a alimentos que garantam, ao mesmo tempo, o respeito

pela dignidade humana e autonomia das pessoas e proporcionem uma dieta equilibrada e saudável.

É uma questão transversal — sabemos — que a todos diz respeito, mas é fundamental a educação das

crianças e jovens para o não desperdício alimentar, apostando, desta forma, na prevenção. Para tal, é

necessário promover a educação para a cidadania e para a saúde junto deles.

É, também, fundamental a consolidação legislativa nesta matéria, estudos aprofundados, investigação

relativamente à produção, à indústria, ao comércio e ao consumo, e a devida articulação de políticas públicas

Página 29

23 DE JUNHO DE 2016

29

nos vários domínios, agropecuário, saúde, educação, ambiente, economia e social. É necessário quantificar,

monitorizar e avaliar, criando as condições necessárias para um combate nacional, mas que se quer, também,

regional e local, envolvendo os vários intervenientes, por um lado, na consciencialização e sensibilização e, por

outro, na procura das melhores soluções para os melhores resultados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao fim deste período de debate. Vamos agora passar ao

encerramento.

Tem a palavra, em nome de Os Verdes, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados, deixo umas notas finais para vos dizer o seguinte: na perspetiva de Os Verdes, quando falamos de

desperdício alimentar temos de falar, a montante, sempre e necessariamente, do direito à alimentação e à

alimentação saudável. Este direito é para todas as pessoas!

Ora, precisamos depois de perceber que isto tem uma transversalidade que não podemos perder de vista. É

que, quando o anterior Governo cortou rendimentos às famílias, a nível dos salários ou das pensões, e quando

cortou nos apoios sociais, designadamente no abono de família, no subsídio de desemprego, entre outros,

retirou a muitas destas famílias a sua capacidade de ter acesso e sucesso no seu direito à alimentação.

Lembramo-nos como nos anos de 2012, 2013 e 2014 muitas pessoas chegavam à Assembleia da República

a dar registo de fome! De fome! O que levou, inclusivamente, Os Verdes a apresentar um projeto, na Assembleia

da República, que previa a criação do pequeno-almoço escolar, porque recebíamos queixas de muitas escolas,

diretamente dos professores, de crianças que chegavam à escola sem se terem alimentado e o almoço que

comiam na escola era a única refeição que comiam no dia.

Portanto, isto para dizer que as políticas sociais também são extraordinariamente relevantes quando

discutimos esta matéria.

Por outro lado, e para me colocar um bocadinho na lógica dos Srs. Deputados do CDS, aproveito para lhes

dar ainda esta informação: quando realizámos a audição, como referi, aqui, no Parlamento no início do mês de

junho, a ARESP — Associação de Restauração e Similares de Portugal falou-nos da criação que tinha feito de

um programa de fornecimento de alimentos a pessoas carenciadas e quando os senhores aumentaram o IVA

na restauração o confronto com dificuldades foi de tal ordem que a ARESP teve de suspender o programa.

Portanto, vejam bem como tudo isto está interligado e como tudo isto tem relevância.

Depois, Sr.as e Srs. Deputados, há uma questão que para Os Verdes é fundamental: o conhecimento sobre

aquilo que se desperdiça e como se desperdiça. Não podemos perder este objetivo de vista e, por isso, Os

Verdes também consideram que é importante trabalhar para uma iniciativa legislativa e estamos a trabalhar no

sentido de se perceber, nas cantinas públicas, qual é o nível de desperdício. Porque as cantinas públicas

também têm de ser, de alguma forma, um exemplo nas ações que temos de tomar. Nós não sabemos qual o

nível de desperdício alimentar e a sua causa efetiva nas cantinas.

Por exemplo, no outro dia, quando discutimos o projeto de lei de Os Verdes sobre a alternativa das ementas

vegetarianas nas cantinas, um Sr. Deputado do PSD dizia que, muito provavelmente, introduzir mais essa

ementa leva a mais desperdício alimentar. E não! Curiosamente, na nossa audição, uma das questões que foi

referida foi que nas cantinas escolares, onde é oferecido apenas um prato às crianças, quando as crianças não

gostam desse prato, nota-se um volume de desperdício. Isto é para nos fazer refletir sobre como as ofertas

alimentares também podem promover a redução do desperdício alimentar.

Enfim, há todo um conjunto de fatores que temos, de facto, de nos permitir conhecer e refletir para, depois,

tomarmos medidas mais adequadas. Já agora gostava de dizer que há ameaças que também temos de ter em

conta. Por exemplo, Sr. Ministro, o facto de o PDR 2020 (Programa de Desenvolvimento Rural 2016-2020) não

ter um subprograma para as cadeias de circuitos curtos de comercialização é problemático ou, pelo menos, é

fundamental que essa ajuda mais direta se faça.

Por outro lado, temos a ameaça do TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) e do CETA

(Comprehensive Economic and Trade Agreement) que, como sabemos, são monstros da globalização que

visam servir interesses das multinacionais e espezinhar os pequenos produtores e a produção local. Temos de

Página 30

I SÉRIE — NÚMERO 81

30

estar atentos a esta matéria. Não podemos estar a agir, por um lado, e, depois, a apoiar mega-acordos desta

forma que só beneficiam os grandes e que vão exatamente contra o que é fundamental e de que hoje, aqui,

neste debate tanto falámos, que é a produção familiar e a produção local, que são justamente uma das melhores

formas de permitir a redução do desperdício alimentar.

Sr.ª Deputada Fátima Ramos, relativamente a uma intervenção que fez a este propósito, deixe-me, por favor,

dizer-lhe o seguinte: quanto a esse guia, de que falou, de prevenção do desperdício alimentar de 2014, falámos

dele na nossa intervenção. Contudo, verificamos que se trata de um conjunto de princípios e que não tem metas

estabelecidas. Mas, Sr.ª Deputada, não se olhar ao espelho e não perceber que, em 2014, 2015, o PSD e o

CDS, que estavam no Governo, não fizeram rigorosamente nada sobre a matéria é que já é um bocadinho de

descaramento a mais, permita-me que lhe diga!

Para terminar, Sr. Presidente, quero agradecer todas as saudações que todos os Srs. Deputados que

intervieram fizeram a esta interpelação de Os Verdes. Mas, nós não ficamos satisfeitos só com as saudações,

apesar de as agradecermos. O que consideramos é que esta interpelação pode constituir um motor para a ação,

no Parlamento, dos diferentes grupos parlamentares e também do Governo para a matéria do combate ao

desperdício alimentar. E é isso que esperamos que resulte desta interpelação.

Por parte de Os Verdes, estamos a fazer o nosso trabalho e a construir um conjunto de iniciativas que

gostaríamos de ver discutidas na próxima sessão legislativa.

Aplausos de Os Verdes, do BE e do PCP.

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate tem a palavra, em nome do Governo, o Sr. Ministro da

Agricultura.

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural:— Sr. Presidente, Sr.as e Srs.

Deputados, compreenderão que uma curta intervenção não significa desvalorização do tema que estamos a

discutir.

Queria congratular-me pelo amplo consenso que este tema gerou entre o Parlamento e o Governo,

naturalmente, na sua tripla dimensão: social, económica e ambiental.

Queria também reconhecer e prestar homenagem ao importante e gigantesco esforço que milhares de

cidadãos anónimos e muitas instituições fazem para combater este problema e para praticar a solidariedade.

Aplausos do PS.

Gostaria de reafirmar a atitude do Governo no que concerne ao respeito pelo Parlamento e pelas suas

decisões e recomendações e dizer, ainda, que tudo faremos para, no que nos diz respeito, dar sequência às

recomendações da Resolução n.º 65/2015, e de confirmar o empenho do Governo nas instâncias internacionais,

desde logo, na União Europeia, no sentido de tudo fazer para encontrar metodologias e ações comuns para

encarar e enfrentar este problema.

Por último, queria reafirmar a vontade do Governo de dar expressão urgente à concretização de uma

estratégia nacional de combate ao desperdício e de um plano de ação, no qual espero que participe toda a

sociedade e, desde logo, de uma forma mais relevante do que todas, o Parlamento.

Portanto, o Governo tudo fará para que isso aconteça.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr. Ministro Capoulas Santos pela sua capacidade de síntese.

Amanhã a reunião plenária terá lugar às 15 horas, tendo como primeiro ponto da ordem de trabalhos a

evocação do centenário da Lei n.º 621, de 23 de junho de 1916, que institui as freguesias em Portugal. Do

segundo ponto, consta a interpelação n.º 6/XIII (1.ª) — Sobre políticas de saúde (CDS-PP).

Do terceiro ponto, consta, sem tempos atribuídos, a apresentação das propostas de resolução n.os 9/XIII (1.ª)

— Aprova, para adesão, a Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço

de Quartos para Pessoal de Navios de Pesca, Convenção STCW-F, adotada em Londres, em 7 de julho de

Página 31

23 DE JUNHO DE 2016

31

1995, e 11/XIII (1.ª) — Aprova o Acordo de Parceria Económica Intercalar entre a Costa do Marfim, por um lado,

e a Comunidade Europeia e os seus Estados-membros, por outro, assinado em Abidjan, a 26 de novembro de

2008 e em Bruxelas, a 22 de janeiro de 2009.

Haverá ainda votações regimentais, no final do debate.

Espero que corra tudo bem no final desta tarde…!

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 5 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×