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Quinta-feira, 23 de junho de 2016 I Série — Número 81
XIII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2015-2016)
REUNIÃOPLENÁRIADE22DEJUNHODE 2016
Presidente: Ex.mo Sr. Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro
Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Idália Maria Marques Salvador Serrão
S U M Á R I O
A Presidente (Teresa Caeiro) declarou aberta a sessão
às 14 horas e 41 minutos. Deu-se conta da apresentação dos projetos de resolução
n.os 381 a 385/XIII (1.ª). Na abertura do debate da interpelação n.º 4/XIII (1.ª) —
Sobre combater o desperdício alimentar — da produção ao consumo (Os Verdes), intervieram a Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) e o Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Luís Capoulas Santos), tendo-se seguido no uso da palavra, a diverso título, além daqueles oradores, os Deputados Joel Sá (PSD), João Ramos (PCP),
Ulisses Pereira (PSD), Patrícia Fonseca (CDS-PP), Carla Cruz (PCP), Carlos Matias (BE), Nuno Serra (PSD), Júlia Rodrigues (PS), Fátima Ramos (PSD), José Luís Ferreira (Os Verdes), Maurício Marques (PSD), André Silva (PAN), Maria da Luz Rosinha e Sandra Pontedeira (PS).
No encerramento do debate, proferiram intervenções a Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) e o Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.
O Presidente encerrou a sessão eram 16 horas e 57 minutos.
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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início à nossa sessão plenária de
hoje.
Eram 14 horas e 41 minutos.
Peço aos agentes de Autoridade que abram as galerias.
Antes de darmos início à ordem do dia de hoje, peço ao Sr. Deputado Duarte Pacheco que proceda à leitura
do expediente.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e
foram admitidos, os projetos de resolução n.os 381/XIII (1.ª) — Recomenda a promoção de uma estratégia
nacional para o setor das plantas e flores ornamentais (PCP), que baixa à 7.ª Comissão, 382/XIII (1.ª) —
Antecipa o dia de pagamento das pensões do sistema de segurança social (BE), que baixa à 10.ª Comissão,
383/XIII (1.ª) — Recomenda ao Governo o reforço e investimento no Hospital Santa Luzia de Elvas (BE), que
baixa à 9.ª Comissão, 384/XIII (1.ª) — Deslocação do Presidente da República a Marrocos (Presidente da AR),
que baixa à 2.ª Comissão, e 385/XIII (1.ª) — Determina a suspensão dos contratos para prospeção, pesquisa,
desenvolvimento e produção de petróleo e gás no Algarve e na Costa Alentejana (Os Verdes), que baixa à 6.ª
Comissão.
É tudo, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Vamos então dar início ao ponto único da nossa ordem do dia de hoje,
que consiste na interpelação n.º 4/XIII (1.ª) — Sobre combater o desperdício alimentar — da produção ao
consumo (Os Verdes), nos termos do artigo n.º 227 do Regimento da Assembleia da República.
Já se encontram presentes o Sr. Ministro da Agricultura e o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos
Parlamentares.
Para uma intervenção inicial, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar,
desejando que a Seleção Portuguesa não desperdice golos num jogo que se realizará daqui a umas horas, o
que Os Verdes propõem mesmo é que agora debatamos um outro tipo de desperdício, mais concretamente o
desperdício alimentar.
Colocam-se, atualmente, diversos desafios ambientais globais, como a necessidade de combater as
alterações climáticas ou a de inverter a acentuada perda de biodiversidade. A esses diversos desafios
ambientais globais há urgência em adicionar o combate ao desperdício alimentar.
Com efeito, quando falamos de desperdício alimentar falamos de alimentos destinados ao consumo que
acabaram por ser inutilizados em quantidade ou em qualidade. A produção intensiva desses alimentos implica
a vasta utilização de recursos naturais e tem impactos ambientais significativos, como, por exemplo, gastos
acentuados de água, saturação de solos, perda de biodiversidade, produção de resíduos, gastos energéticos e
emissão de gases com efeito de estufa. Consequentemente, fica claro que a inutilização de alimentos significa
o desperdício dos recursos naturais que foram usados em vão para os produzir.
Reduzir o desperdício alimentar é, pois, contribuir para poupar o ambiente, com a consciência de que a
natureza tem limites.
Ocorre que se estima, de acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura), que um terço dos alimentos que são produzidos no mundo são perdidos ao longo de toda a cadeia
alimentar, desde a colheita, ao processamento, ao embalamento, ao transporte, ao armazenamento e à
conservação, à distribuição e à venda, até ao consumo final. São números que coincidem com os de
investigadores que concluíram que a margem de desperdício de alimentos no mundo ronda os 30% a 40% do
que é produzido e, em bom rigor, a perspetiva é a de que possamos chegar ao ano de 2025, daqui a menos de
10 anos, com perdas alimentares mundiais na ordem dos 50% se o rumo de crescimento do desperdício, que
se acentua desde os anos 70 do século XX, se mantiver.
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A América do Norte e a Oceânia são campeãs no desperdício alimentar mundial, logo seguidas da Europa,
o que gera uma responsabilidade destas zonas do globo em relação a ações e medidas concretas para combater
este fenómeno. O absurdo é de tal ordem que a FAO estima que se cerca de 35% dos alimentos desperdiçados
no mundo fossem aproveitados, disponibilizados e distribuídos, não havia carência nem incapacidade de acesso
a alimentos por parte de nenhum ser humano e, mesmo assim, sobravam 65% dos alimentos que acabam no
lixo, tal é a ordem do desperdício. Isto dá-nos bem a perspetiva da hipocrisia reinante neste mundo, porque a
fome não se deve à escassez mundial de alimentos.
Portanto, importa que tenhamos consciência de que os padrões de consumo, de comércio e de produção
têm de ser alterados, de modo a que se gere um sistema alimentar sustentável, ou seja, que garanta segurança
alimentar e nutrição para todos, nas presentes gerações, sem comprometer as bases ambientais que gerem
segurança alimentar e nutrição também para as futuras gerações. Isto implica, necessariamente, uma
solidariedade intra e intergeracional.
Evidentemente que este objetivo não é compatível com duas realidades antagónicas e insustentáveis com
que hoje o mundo está confrontado. Por um lado, uma produção e um consumo alimentares intensivos,
esbanjadores, que ultrapassam e em muito as necessidades básicas e, por outro lado, a fome, a subnutrição, a
incapacidade de acesso a alimentos ou a nutrientes importantes, com que uma larga percentagem da população
está confrontada.
Pensar o desperdício alimentar é, pois, algo intimamente ligado aos processos de produção e de consumo
que se querem sustentáveis e a uma justa repartição de alimentos e de acesso a nutrientes importantes, com
dignas condições de vida das populações, designadamente no que se refere à correta satisfação das mais
elementares necessidades.
Em Portugal, não sabemos quanto se desperdiça em termos alimentares. Não há nenhuma estatística que
nos dê conta dessa realidade a não ser o estudo PERDA — Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício
Alimentar, de 2012, que, como já foi referido pela sua coordenadora, não se trata de mais do que uma estimativa,
numa altura em que os diversos agentes da cadeia alimentar ainda tinham alguma dificuldade em abordar
questões relacionadas com os desperdícios dos alimentos do seu setor em particular. Este facto remete-nos,
desde já, para a primeira exigência que é preciso fazer: Portugal precisa de estudar e de investigar com o
máximo de rigor possível o seu nível de desperdício alimentar. Conhecer esta realidade é a forma mais eficaz
de agir sobre ela.
Entretanto, o País precisa também de uma estratégia, de um programa de combate ao desperdício alimentar.
O guia Prevenir Desperdício Alimentar, assinado entre o Governo e algumas organizações do setor alimentar,
em 2014, não constitui mais do que uma compilação de princípios, importantes, mas não institui medidas para
os concretizar nem metas que orientem as ações.
Foi, justamente, no sentido de corresponder à importância e à urgência da matéria do combate ao desperdício
alimentar e de gerar uma conduta proativa que Os Verdes propuseram à Assembleia da República, na
Legislatura passada, um projeto de resolução, que contemplava um conjunto de medidas a empreender e que
declarava o ano de 2016 como o ano nacional do combate ao desperdício alimentar. Essa iniciativa legislativa
de Os Verdes foi aprovada por unanimidade, tendo resultado na Resolução da Assembleia da República n.º
65/2015, de 17 de junho.
Os Verdes sabem que até ao final do ano o problema do desperdício alimentar não ficará resolvido, como é
evidente. Mas o que não podemos aceitar é que se chegue ao final do ano com tudo na mesma.
A declaração de um ano nacional para esta matéria não visa dar-lhe uma mera relevância formal, mas, sim,
gerar uma alavanca para se trabalhar esta questão alimentar. Ora, passado um ano sobre a publicação da
referida Resolução, e tendo em conta que ela determinava 15 recomendações específicas ao Governo, qualquer
que ele seja, Os Verdes entenderam que é tempo de pedir contas a este Governo sobre a sua concretização e
de contribuir para impulsionar a sua efetivação. É esse um dos principais objetivos desta interpelação que Os
Verdes colocaram na agenda parlamentar. No âmbito da função fiscalizadora do Parlamento sobre o Governo,
queremos saber o que já fez ou o que programa este Governo fazer para cumprir a Resolução da Assembleia
da República que propõe o combate ao desperdício alimentar e a promoção da gestão eficiente dos alimentos.
Importa, ainda, relembrar que, no âmbito do Orçamento do Estado para 2016, Os Verdes propuseram uma
norma específica para que houvesse dotação necessária para a criação de uma estratégia nacional com vista à
redução do desperdício alimentar, proposta essa que foi aprovada.
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Também no início do presente mês de junho, Os Verdes realizaram uma audição pública, aqui no Parlamento,
que juntou um vasto conjunto de entidades, associações e cidadãos interessados para debater respostas de
combate ao desperdício alimentar. Foi uma audição muito relevante, que demonstrou que a sociedade está apta
e com vontade de se envolver nesta questão. Há muitas ações pensadas, amadurecidas e outras em prática, e
há condições para um largo empenho dos mais diversos agentes.
De resto, nenhuma estratégia terá eficácia nesta matéria se os objetivos e metas traçados não contarem com
um forte envolvimento ativo da sociedade na sua definição e na sua concretização.
Numa das últimas conferências de líderes, Os Verdes propuseram também que na próxima sessão legislativa
se estabeleça um dia da agenda parlamentar dedicado à discussão de iniciativas legislativas sobre a matéria do
combate ao desperdício alimentar. Foi uma sugestão bem acolhida pelo Sr. Presidente e pelos demais grupos
parlamentares, e Os Verdes estão em crer que essa sessão pode contribuir para que, neste ano nacional do
combate ao desperdício alimentar, se possam dar passos visíveis para enfrentar o desafio que nos está, também
a nós, imposto.
Nesse sentido, Os Verdes estão já a programar um pacote de iniciativas legislativas que, entre outras
questões, incidirá sobre o seguinte: primeiro, a criação de um Simplex para a venda direta de produtos
alimentares por parte dos pequenos produtores. Agilizar esta venda direta é uma forma de multiplicar os
mercados de proximidade e de gerar circuitos curtos de comercialização de alimentos, com grande benefício
para a preferência e o escoamento de produtos locais.
Por um lado, a verdade é que os circuitos longos de comercialização geram grande desperdício nas diversas
fases de aprovisionamento e todos sabemos o que é comprar uma maçã calibrada num dia e vê-la já apodrecida
no dia seguinte, para já não contar com as grandes quantidades de perecíveis podres que são deitados fora
pelas distribuidoras por já não se encontrarem em condições de venda, depois do longo transporte. Isto é
desperdício alimentar.
Por outro lado, a pequena agricultura é muito mais eficaz na colheita do que a produção industrial, deixando
menos alimentos na terra por colher, o que significa que temos menos perdas alimentares. Com a venda direta
do produtor ao consumidor garante-se também maior valor nutritivo, na medida em que os alimentos perecíveis
são mais frescos e duráveis.
Segundo, o estímulo pela preferência da venda a granel, de modo a que se possam adquirir apenas as doses
necessárias à estrutura familiar do consumidor. Mas porque, nos dias que correm, os produtos alimentares
transformados e pré-embalados são muito procurados, é fundamental aproximar a dimensão das embalagens
das necessidades dos consumidores. A verdade é que como o consumidor está dependente do que o mercado
lhe oferece é muitas vezes obrigado a comprar embalagens com doses familiares, porque não existem mais
pequenas, embora use apenas a quantidade necessária, indo, muitas vezes, o restante para o lixo. A dimensão
desadequada das embalagens é fator de promoção de vasto desperdício alimentar.
Terceiro, lançamento de uma campanha nacional, amplamente divulgada, à semelhança do que se fez
outrora com a separação de resíduos e a sua deposição nos ecopontos, que tenha também tradução nas
escolas, de modo a educar os cidadãos para a importância da diminuição substancial do desperdício por parte
do consumidor final, dando a conhecer, para além de outras, sobretudo duas questões: a diferença entre
«consumir antes de» e «consumir de preferência até» e, por outro lado, técnicas de conservação de alimentos
depois de embalagens abertas. Salientamos estas duas questões porque elas são dos maiores fatores de
desperdício de alimentos por parte do consumidor final.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Iniciemos, para já, o debate, que nos permita perceber em que ponto
estamos, depois da Resolução aprovada pela Assembleia da República, para que, depois, possamos definir os
passos a dar nesta caminhada contra o desperdício alimentar.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — A Sr.ª Deputada Idália Serrão, Secretária da Mesa, já teve
oportunidade de informar as direções das bancadas de que a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia iria ultrapassar o
tempo da sua intervenção, tempo esse que será descontado no tempo de debate. Mas como provavelmente
nem todas as Sr.as e os Srs. Deputados terão sido informados desse facto, ficam agora a sabê-lo.
Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.
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O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Luís Capoulas Santos): — Sr.ª
Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar
por felicitar o Grupo Parlamentar de Os Verdes por esta iniciativa parlamentar. É uma questão de grande
pertinência e atualidade, para a qual a sociedade tem de ser mobilizada e as instituições políticas têm de
encontrar soluções traduzidas em resultados palpáveis.
Nunca se produziram tantos alimentos no planeta, e nunca ocorreu tanto desperdício, ao mesmo tempo que
milhões de pessoas sofrem as agruras da fome e da malnutrição.
Como a Sr.ª Deputada há pouco referiu, a FAO estima que um terço dos alimentos produzidos em todo o
mundo é desperdiçado no circuito entre o produtor e o consumidor.
Esta constatação conduziu a que, em setembro 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas tenha
estabelecido, a meta de, até 2030, reduzir o desperdício de alimentos per capita em 50%.
Só na Europa desperdiçar-se-ão cerca de 100 milhões de t/ano, o que corresponde a um valor de cerca de
143 000 milhões de euros. Isto representa cerca de 170 kg por pessoa e por ano, ou seja, 20% do total dos
alimentos produzidos.
Em cada mesa com cinco lugares, os alimentos correspondentes a um deles têm o lixo como destino.
No nosso País, apesar das dificuldades e da ausência de uma recolha sistemática de informação, que é
necessário colmatar, o desperdício alimentar ascenderá a 1 milhão de t/ano, um terço das quais logo ao nível
da produção, e outras tantas ao nível do consumo final.
Não admira por isso que este tema tenha vindo a ocupar, de forma crescente, nos últimos anos, a agenda
política e a atenção da comunicação social.
A evidência e a premência do problema não têm, contudo, apesar do acréscimo do debate e do lançamento
de algumas iniciativas meritórias, permitido encontrar soluções com resultados satisfatórios compatíveis com a
dimensão do problema.
Quer a FAO, quer a OCDE, quer a União Europeia, têm promovido diversas iniciativas. A Comissão lançou,
em 2011, o road map para o uso eficiente dos recursos e, em 2014, apresentou uma comunicação, através da
qual propunha a meta de redução de 30 % até 2025, sucedendo-se a criação de vários comités e observatórios
e a realização de conferências, com destaque para a Conferência de Haia, de 2015.
Mais recentemente, em dezembro do ano passado, a Comissão apresentou um pacote legislativo sobre
economia circular e um plano de ação que visa, para além do apelo aos Estados-membros para reduzirem o
desperdício alimentar para cada fase da cadeia, o desenvolvimento de métodos e indicadores comuns, que não
existem, a criação de uma plataforma que congregue os Estados-membros e todos os intervenientes na cadeia
alimentar para definir medidas comuns e partilhar novas práticas. A Comissão propõe ainda que se tomem
medidas para clarificar a legislação da União Europeia sobre o tema e facilitar a doação de alimentos e analisar
a questão do «período de validade» dos bens alimentares.
Em simultâneo, vários Estados-membros, dos quais se destacam a Itália, a França, a Dinamarca, a Hungria
e a Grécia, anunciaram já a intenção de legislar, ou aprovaram mesmo já algumas medidas, tais como a
obrigatoriedade de as grandes superfícies doarem um certo tipo de alimentos a pessoas necessitadas,
compensando-as, por outro lado, através da redução de impostos, ou outro tipo de normas, visando o
aproveitamento de bens alimentares que, em condições normais, seriam destinados às lixeiras.
Também em Portugal, boas e diversas iniciativas vindas da Assembleia da República, do Governo, de
autarquias locais, ou da sociedade civil, foram anunciadas, ou estão em marcha, com maior ou menor sucesso.
Refiro-me, por exemplo, à Resolução da Assembleia da República, há pouco mencionada e que declarou
2016 como o ano nacional de combate ao desperdício alimentar e fez várias recomendações ao Governo, cujo
ponto de situação terei oportunidade de esclarecer durante o debate, ou à iniciativa Prevenir Desperdício
Alimentar, promovida pelo anterior Governo e subscrita por cerca de dezena e meia de entidades públicas e
privadas, contendo um conjunto de princípios orientadores e onde se insere o PRA-TØ, que visa atribuir um selo
de reconhecimento de boas práticas sobre a prevenção do desperdício.
Também muitas autarquias, de que Lisboa é um excelente exemplo, têm manifestado preocupação e
concretizado iniciativas, por forma a minimizar este problema que nos choca a todos.
Cerca de 30 outros municípios portugueses subscreveram o Pacto de Milão e alguns deles têm desenvolvido
formas de cooperação com a sociedade civil, ela própria autora de outras iniciativas, reconhecidas
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internacionalmente como exemplares, como é o caso da Re-food, que envolve cerca de 4000 voluntários na
recolha e distribuição de alimentos sobrantes da restauração e hotelaria, do movimento Zero Desperdício, ou
ainda a cooperativa Fruta Feia, criada para escoar frutas que os produtores não conseguem colocar no mercado
e tantos outros bons exemplos promovidos por instituições de solidariedade social, confissões religiosas ou
simples cidadãos anónimos.
A oportunidade do tema é confirmada pelo facto de, já na próxima segunda-feira, ter lugar um Conselho de
Ministros da Agricultura da União Europeia, no Luxemburgo, onde estará em discussão um conjunto de
propostas da presidência holandesa, que, em princípio, contam com o apoio de Portugal, e que têm como
objetivo relembrar aos Estados-membros e à Comissão a necessidade da inclusão desta temática nos seus
objetivos de política e os instam a adotar estratégias e ações comuns visando atingir as metas de redução de
desperdício já fixadas.
Para concretizar internamente estas preocupações e objetivos que todos partilhamos, estou certo disso, o
Ministério da Agricultura tem vindo a preparar e apresentará brevemente para apreciação em Conselho de
Ministros (e quando digo brevemente, é até meados do mês de agosto) uma proposta, visando a definição de
uma estratégia nacional, que contemple iniciativas legislativas que permitam configurar um plano de ação de
combate ao desperdício alimentar, articulando e potenciando todos os recursos e iniciativas públicas e privadas.
Estou certo de que a Assembleia da República dará um importante contributo para a definição desta
estratégia. Já ouvi, há pouco, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia apresentar algumas medidas concretas e, desde
já, posso dizer que o Governo está disponível para as acolher e para trabalhar com o Parlamento na
concretização da estratégia e na formulação do plano de ação que queremos pôr em execução no princípio de
setembro deste ano.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,
inscreveram-se dois Srs. Deputados, um do PSD e outro do PCP. E, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro,
inscreveram-se três Srs. Deputados, sendo que o Sr. Ministro acaba de informar a Mesa de que responderá, em
conjunto, aos três Srs. Deputados.
E a Deputada Heloísa Apolónia…
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Peço a palavra, para uma interpelação à Mesa, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Faça favor.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, a Mesa tem a minha inscrição para pedir
esclarecimentos ao Sr. Ministro?
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Não, não tem.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Mas pensei que, sendo o meu grupo parlamentar o interpelante, a
inscrição seria automática.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Mas está em tempo, Sr.ª Deputada.
Só que, primeiro, serão dirigidas perguntas à Sr.ª Deputada.
E o primeiro inscrito para o efeito é o Sr. Deputado Joel Sá. Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Joel Sá (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, começo por cumprimentar o Partido
Ecologista «Os Verdes» pelo tema trazido a debate e por declarar a importância de continuarmos a discutir esta
matéria, que merece, desta Câmara, linhas orientadoras claras e não apenas meras intenções de valores.
Estaremos certamente todos de acordo sobre a necessidade de combater o desperdício alimentar. Contudo,
apesar da sua consciencialização, as ações individuais e coletivas do homem mantêm elevados níveis de
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desperdício, e o problema resiste e persiste. Há mesmo estimativas que apontam para o seu agravamento, já
em 2020.
Os dados de 2012 e de 2013 apontam para valores impressionantes. Estimava-se, em termos europeus e
norte americanos, que cada habitante desperdiçava, em média, 30 kg de alimentos, o que correspondia a cerca
de 30% a 50% de desperdício, em termos de alimentos comestíveis produzidos mundialmente.
Em Portugal, os cálculos conhecidos são menores, mas nem por isso menos graves. Estudos de 2012
apontam para o facto de, ao longo da cadeia, o desperdício alimentar representar 17% da produção alimentar
anual, com um valor económico de cerca de 1 milhão de toneladas.
Os atuais níveis de desperdício alimentar, mais do que uma questão económica e ambiental, são, acima de
tudo, uma questão moral e ética.
Mais, o atual volume de desperdício contribui para uma forte pressão nos recursos e no preço dos alimentos,
dificultando o acesso a estes por parte dos mais desfavorecidos.
Por isso, combater o desperdício alimentar é também combater o problema da fome e das desigualdades
sociais no acesso a bens de primeira necessidade, como são os bens alimentares.
Diminuir o volume da produção agrícola não utilizada reduzirá o custo da produção de alimentos e contribuirá
para manter a nobre função da agricultura: alimentar eficientemente uma população mundial, em forte
crescimento.
No PSD, estamos cientes desta questão há muito e, desde cedo, abordámos o assunto em diversos fóruns.
Consideramos, por isso, útil um debate alargado, de modo a que se construam políticas públicas adequadas,
duradouras e estáveis para lidar com a questão.
Sr.ª Presidente, Sr.a Deputada Heloísa Apolónia, sabendo que o combate ao desperdiço alimentar passa
também pelo envolvimento da sociedade, incluindo o sector terciário, que tem desenvolvido um trabalho
incansável ao nível do apoio a carenciados e da distribuição dos alimentos não consumidos, ao nível da
restauração e da distribuição, gostaria de perceber qual é a posição de Os Verdes a este nível.
Em segundo lugar, gostaria de saber se concorda com as ações do Governo anterior, na promoção e
incentivo de práticas de prevenção do desperdício alimentar pela sociedade civil, como é exemplo do PRA-TØ?
Em terceiro e último lugar, considerando que o presente ano é o ano do combate ao desperdício alimentar,
por proposta de Os Verdes, como avalia as ações e iniciativas que estão a decorrer, nomeadamente as
propostas e as medidas do Governo nesta matéria?
Estão a ser cumpridas as 15 recomendações deste Parlamento, aprovadas em junho de 2015?
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — A Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia optou por responder também em
conjunto aos pedidos de esclarecimento dos dois Srs. Deputados.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.
O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em nome do Grupo
Parlamentar do PCP, gostaria de cumprimentá-la pelo tema que aqui nos traz.
Compreendemos perfeitamente a interpelação feita pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os
Verdes», tendo em conta que, há um ano, o mesmo apresentou a esta Assembleia um projeto de resolução,
que foi aprovado por unanimidade e que deu origem a uma Resolução da Assembleia da República, que a Sr.ª
Presidente referiu. Por isso, o que o vosso grupo parlamentar faz agora é perceber até que ponto é que esta
Resolução está cumprida, tendo a Sr.ª Deputada adiantado agora algumas preocupações que demonstram que
a Resolução não está cumprida, nomeadamente em relação a estudos.
A Sr.ª Deputada falou em estudos e, ainda recentemente, tive oportunidade de procurar estudos sobre
desperdício alimentar e verifiquei que os mesmos são efetivamente muito poucos, apesar de, logo no n.º 2 da
Resolução, se dizer que era preciso «Promover levantamentos rigorosos, e continuadamente atualizados, sobre
a realidade do desperdício alimentar, em Portugal». Ora, isto demonstra que há ainda um percurso a fazer sobre
esta matéria.
Nós, PCP, entendemos que, em matéria de desperdício alimentar, existe aqui o cruzamento de duas
perspetivas: uma, que é a perspetiva da garantia alimentar, no nosso caso, aos portugueses; e outra que tem a
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ver com o desenvolvimento, até à exaustão, da componente de negócio da produção alimentar. Isto acontece
na produção agrícola, de que falarei mais tarde relativamente a esta matéria, mas acontece também no âmbito
da venda ao consumidor.
A Sr.ª Deputada falou de uma proposta que tem a ver com a venda a granel, com a possibilidade de vender
de forma adequada os produtos em função daquilo que são as necessidades das famílias, mas a verdade é que
a distribuição acaba por promover a venda dos produtos alimentares em função daquilo que são as suas
estratégias de mercado, as suas estratégias económicas, e não em função daquilo que é a necessidade
alimentar das pessoas que adquirem estes produtos.
Sr.ª Deputada, tendo em conta que esta é uma matéria cara para Os Verdes, inclusive no âmbito de outras
iniciativas que já aqui foram apresentadas, nomeadamente a preocupação com a embalagem e a forma como
os produtos eram embalados para promover a sua venda, pergunto se não entende que há um valor alimentar
dos produtos que é subalternizado relativamente ao seu valor económico e que, depois, tem uma exploração, a
partir das entidades que fazem a sua distribuição e até a partir da produção, que tem pouco a ver com a sua
necessidade de garantir uma alimentação adequada das populações.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder às perguntas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa
Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, quero agradecer aos Srs. Deputados as questões
que foram colocadas e, de uma forma muito breve, dizer ao Sr. Deputado Joel Sá que não gostava de ligar o
debate sobre o desperdício alimentar a uma lógica assistencialista. É que, na verdade, sabemos que todas as
pessoas têm o seu direito à alimentação, com a maior dignidade possível. Como tal, a possibilidade e a
capacidade de a pessoa, por via do seu trabalho, sustentar-se e gerir a sua vida nas mais básicas necessidades
é fundamental.
Portanto, não gostávamos de ligar este debate a uma lógica assistencialista.
Contudo, é evidente que há um conjunto de estratégias que podem ser encontradas no sentido de que
produtos alimentares que já existem, em vez de irem parar ao lixo, possam ser aproveitados, até
independentemente da condição económica das pessoas, numa reutilização ou num aproveitamento desses
produtos. E, não sendo para consumo humano, podemos sempre hierarquizar para o consumo animal e, depois,
eventualmente para outros métodos inclusive de produção de energia, compostagem, entre outros. Ou seja,
temos um conjunto de metodologias a que nos devemos agarrar no sentido de não desperdiçar.
Mas a questão fundamental é prevenir! Prevenir logo na causa. Isso é que é fundamental! E o Sr. Deputado
diz que no PSD também estão muito preocupados. Sr. Deputado, estão muito preocupados, mas fizeram muito
pouco sobre a matéria, convenhamos!
O Sr. Joel Sá (PSD): — Mas fizemos!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Deputado João Ramos, de facto, quanto à Resolução, temos
de olhar para ela de uma forma séria. Ela foi aprovada pela Assembleia da República mas, na verdade, o que
está aos olhos de todos é que está por cumprir! Portanto, um dos objetivos deste debate é que possamos
também, aqui, impulsionar e agilizar a sua concretização. É, no fundo, esse puxão — se me permite a expressão
— que gostaríamos de dar ao Governo, porque o País beneficia com isso.
Relativamente à matéria das embalagens, diz, e muito bem, o Sr. Deputado, que Os Verdes já têm trazido
aqui, à Assembleia da República, um conjunto de iniciativas sobre esta matéria, ou seja, sobre a necessidade
de prevenir, reduzindo as embalagens por uma lógica ambiental absolutamente compreensível.
Também, aqui, nesta faceta do desperdício alimentar, é fundamental que a embalagem seja adequada às
diversas doses, isto é, que estas sejam compatíveis com as estruturas e as dimensões familiares. Isto porque
um dos maiores fatores de desperdício é o facto de o consumidor ser obrigado a comprar produto numa
embalagem familiar, da qual utiliza uma pequena parte e, depois, a conservação do resto da embalagem não é
feita e vai tudo parar ao lixo. Este é um dos fatores mais óbvios e claros de desperdício alimentar.
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O Sr. Deputado João Ramos também tem razão numa coisa: é que olhamos muitas vezes para os alimentos
apenas numa pura lógica do seu valor comercial e temos de olhar para os alimentos na lógica do valor nutritivo.
Temos de dar outra relevância aos alimentos, temos de amar de outra forma os alimentos, porque essa é a
forma de amarmos também a natureza e, consequentemente, a condição humana e a humanidade no presente
e no futuro.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, vamos iniciar o período de perguntas ao Sr. Ministro
da Agricultura.
Os Verdes, como partido interpelante, teriam a prerrogativa de ser o primeiro a colocar uma questão, mas
fez saber à Mesa que prescindiria dessa prerrogativa.
A Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia pede a palavra para que fim?
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, para uma interpelação.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, não prescindi da possibilidade de fazer uma
pergunta.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Não, não, apenas de ser a primeira a colocar a pergunta.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem, Sr.ª Presidente. Como acabei de intervir, peço
esclarecimentos de acordo com a ordem dos outros intervenientes.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Muito bem, Sr.ª Deputada, foi assim que tinha sido entendido pela
Mesa.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ulisses Pereira.
O Sr. Ulisses Pereira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, o tema do debate desta tarde representa um
dos maiores desafios da humanidade. Não é demais reafirmar que o desperdício alimentar constitui um
constrangimento em termos sociais e morais, sendo, em termos económicos, totalmente irracional. Por isso, o
seu combate parece ser globalmente consensual, em termos teóricos, nas diferentes bancadas.
No PSD, entendemos que a dimensão global e transversal do tema exige diferentes abordagens para as
quais são necessários caminhos, estratégias, e compromissos que coloquem a sociedade no caminho do
desperdício zero!
Defendemos um caminho pragmático e eficaz que passe, não só naturalmente mas prioritariamente por
aproximar os hábitos de consumo às produções locais e regionais, tirando partido dos nossos excedentes em
alguns produtos e envolvendo, para tal, toda a comunidade.
Destaco duas medidas já existentes cujo reforço, reformulação e alargamento são considerados, para nós,
como fundamentais.
Em primeiro lugar o programa comunitário da fruta escolar. São ainda poucos os municípios que aderiram a
este programa de distribuição gratuita, nas escolas. O seu alargamento a mais escolas, abrangendo mais
crianças e jovens, tem a vantagem de promover hábitos de consumo saudáveis e nutritivos — como também é
o caso do leite escolar — e ao mesmo tempo constituir um escoamento para os produtores locais, regionais ou
nacionais de frutas.
Poderá contribuir para um importante escoamento ou comercialização de frutas com calibres pequenos, a
chamada fruta feia, cuja valorização comercial é quase zero, sem possibilidade de venda na grande distribuição.
Aliás, este programa deveria mesmo ser redefinido com a possibilidade de adaptação às regiões onde as escolas
se inserem, de modo a que a fruta fornecida seja mais do que maçãs e peras, podendo ser alargada a prunóideas
ou a citrinos, no caso concreto de algumas regiões do País, como o Alentejo, o Algarve e Trás-os-Montes.
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Neste sentido, gostaria de questionar o Governo: Sr. Ministro, para quando o alargamento do programa de
fruta escolar à generalidade das escolas nacionais, protocolando com os municípios e qual a possibilidade de
adaptação do programa comunitário a Portugal, um País produtor de fruta por excelência?
Em segundo lugar, a PARCA (Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar). A
constituição desta plataforma foi o exemplo de uma medida que visa concretamente uma maior equidade na
relação comercial entre produtores e distribuidores. Tem o mérito de promover a transparência ao longo das
fileiras produtivas, contribuindo positivamente para o bom funcionamento de mercado e para um menor nível de
desperdício.
Ora considerando que, esta semana, o Governo se vangloriou pelo aumento de preço da carne suína, no
âmbito do gabinete de crise que foi constituído, pergunto ao Sr. Ministro se prevê retomar os trabalhos da
PARCA e intensificá-los no sentido de orientar o escoamento de produções agrícolas, locais e regionais, visando
diminuir o desperdício alimentar ao nível da produção agrícola nacional.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Como já tinha informado, o Sr. Ministro optou por responder ao
conjunto de duas perguntas.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, tomei boa nota da informação que o
Sr. Ministro deu da forma como o Governo já está empenhado na construção de um programa de combate ao
desperdício alimentar.
Todavia, o que eu gostava de dizer é que não há programa ou estratégia que possa ser criado, subsistir e
ter sucesso se não for amplamente participado pela nossa sociedade. E, pela audição que Os Verdes fizeram,
aqui, no Parlamento, temos a certeza de que os mais diversos agentes dos mais diversos setores envolvidos ao
longo de toda a cadeia alimentar estão amplamente sensibilizados e com vontade de contribuir para este objetivo
do combate ao desperdício alimentar. Isso ficou perfeitamente patente nesta audição que Os Verdes realizaram.
Portanto, o que Os Verdes propõem não é que se faça um programa à pressa, mas, sim, que se faça um
programa absolutamente participado, consentido, sustentado no conhecimento e que, portanto, seja muito mais
eficaz. É fundamentalmente isso que queremos: eficácia! E, nesse sentido, gostaria que o Sr. Ministro
pormenorizasse um pouco mais, dizendo como é que pensa realizar, criar esse programa e até se tem uma
perspetiva de quando é que esse programa ou essa estratégia podem estar concluídos.
Evidentemente, falo agora por parte do Grupo Parlamentar «Os Verdes», estamos amplamente empenhados,
também, em participar nessa matéria.
Sr. Ministro, coloco-lhe só mais uma pergunta muito rápida que tem a ver com a questão, que já falei, dos
mercados de proximidade.
Gostava de saber se o Sr. Ministro considera, ou não, que esta é uma questão crucial para o combate ao
desperdício alimentar e que medidas considera serem fundamentais para esta venda direta do produtor ao
consumidor e, ainda, como é que considera que se podem dar passos no sentido dessa concretização.
Aplausos de Os Verdes, do BE e do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem agora a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs.
Deputados, muito obrigado pelas questões colocadas.
Começaria por responder, de imediato, ao Sr. Deputado Ulisses Pereira sobre a questão da fruta escolar e
do leite escolar.
Gostaria de dizer que o Governo não só está disponível para promover o alargamento destas matérias, como
já o fez. Isto é, já participou numa decisão no Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia, em
fevereiro, creio, tendo havido uma decisão que alargou a dotação financeira atribuída a Portugal. E,
contrariamente ao que aconteceu no passado, estamos a trabalhar no sentido de aproveitar integralmente estas
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verbas, já que, como o Sr. Deputado saberá, infelizmente, no ano passado, perderam-se quase 70% das verbas
destinadas ao financiamento da fruta escolar nas escolas.
Portanto, não só estamos a tomar medidas para que o aproveitamento seja integral, como conseguimos,
também, na União Europeia, que todas as verbas não utilizadas na fruta escolar passem a poder ser utilizadas
no leite escolar. Isto quer dizer que não haverá nenhum desperdício financeiro e esperamos adquirir no mercado
estes produtos. Se não for possível, por falta de agilidade das autarquias ou por outra razão, utilizar
integralmente estas verbas na fruta escolar, podemos utilizá-las no leite escolar. Mas estamos a trabalhar no
sentido de que ambos os programas possam ser integralmente aproveitados.
No que diz respeito à PARCA, uma iniciativa que veio do Governo anterior e que, como já tive a oportunidade
de dizer em várias circunstâncias, não tencionei alterar, mas, infelizmente, durante os últimos sete meses de
2015 a PARCA não reuniu. Já tive oportunidade, neste semestre, de reconvocar uma reunião da PARCA e, para
além disso, de constituir o gabinete de crise para os dois setores que têm estado a trabalhar de forma diferente:
a PARCA está a fazer mais uma reflexão de longo termo e mais serena e o gabinete de crise está concentrado
naqueles dois setores, sendo que, num deles, tudo indica que a crise está a ficar para trás. Isto porque, ainda
ontem tive informação de que, quando este Governo chegou ao poder, o preço da carne de porco estava em
cerca de 1,6 €, ontem, já terá passado o 1,70 € e tive até algumas informações que já há transações a 2 €.
Portanto, sendo a expetativa dos produtores, ainda há poucos meses, de que 1,20 € era uma meta ambiciosa,
estamos, portanto, muito além dela e para isso muito terá contribuído o diálogo no setor, quer no contexto do
gabinete de crise quer no contexto da PARCA. Acho que foram diálogos muito sérios, muito cara a cara, para o
que outro conjunto de circunstâncias, como tudo o que envolve o mercado, terão também contribuído, mas,
felizmente, deste ponto de vista estamos mais tranquilos.
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, agradeço muito a sua pergunta à qual tenho muita satisfação em responder.
O Governo publicou, no dia 25 de maio, a Portaria n.º 152/2016, que institui a medida das cadeias curtas de
abastecimento, já contratualizou com os GAL (Grupos de Ação Local), que é quem vai fazer a gestão desta
medida, os contratos que permitem a sua execução e, neste momento — isso competirá agora aos Grupos de
Ação Local —, estão abertas as candidaturas para esta medida que é muito importante e da qual gostaria de
sublinhar alguns aspetos.
Assim, os objetivos são os de promover o contacto direto entre o produtor e o consumidor, contribuindo para
o escoamento da produção local; incentivar práticas culturais menos intensivas e ambientalmente sustentáveis,
contribuindo para a diminuição da emissão de gases com efeito de estufa; definir quem são os beneficiários e
qual é o tipo de incentivos, cujo montante pode ir entre 5000 e 200 000 €, com um co-financiamento a fundo
perdido na ordem dos 50%.
Estes apoios destinam-se à criação de estruturas a nível local, como o armazenamento, transporte e
aquisição de pequenas estruturas de venda, ações de sensibilização e educação — que vão ao encontro da
resolução da Assembleia da República, aprovada no ano passado —, o desenvolvimento de plataformas
eletrónicas e outros materiais promocionais, ações de promoção e sensibilização para a comercialização de
proximidade.
Mais: podem candidatar-se pessoas singulares ou coletivas, autarquias locais, associações, agricultores,
desde que não exista mais do que um intermediário na cadeia.
O objetivo é exatamente o de promover a aproximação entre o produtor e o consumidor à escala local,
estando definido o que se entende como tal.
Portanto, é uma medida que se insere no pacote financeiro que foi distribuído aos GAL que, no seu conjunto,
atinge os 200 milhões de euros até 2020 e no qual esta medida está contemplada. Neste momento, posso dizer,
com muita satisfação, que já está em plena execução.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Estão inscritas mais duas Sr.as Deputadas para pedir esclarecimentos
ao Sr. Ministro.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, do CDS-PP.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, referiu-nos, na intervenção, algumas
iniciativas que o anterior Governo implementou.
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A iniciativa, que o Sr. Ministro referiu, PRA-TØ, que visou, como disse, distinguir entidades ou pessoas
individuais que implementem políticas e modelos de boa gestão e que contribuíssem para o desenvolvimento
sustentável numa lógica de combate ao desperdício alimentar e responsabilidade social, contou, no ano passado
— o primeiro ano de implementação —, com 40 candidaturas em cinco categorias, foram atribuídos — o prémio
era um selo que permitia utilizar o logo da iniciativa PRA-TØ — seis selos porque numa das categorias houve
um prémio ex-aequo. Os vencedores foram — penso que vale a pena referi-los pela sua pertinência — o Banco
Alimentar contra a Fome, a Re-Food, a Universidade do Minho, a Universidade de Coimbra, a ITAU e a Liga dos
Amigos do Centro de Saúde de Alfândega da Fé.
A pergunta muito concreta é a de saber se o Governo vai ou não dar continuidade a esta iniciativa PRA-TØ,
tendo em conta que nada consta no site da iniciativa.
Uma segunda questão prende-se com um trabalho que o anterior Governo solicitou ao Conselho
Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos. O anterior Governo encomendou um estudo — não sei se
o Sr. Ministro me poderá responder, mas fica o alerta — para a elaboração de conteúdos programáticos para a
formação avançada de professores dos 1.º e 2.º ciclos, que chegaram a ser validados pelo Ministério da
Educação e Ciência para serem introduzidos nos curricula.
A minha pergunta visa saber se o Governo vai renovar esta aposta da sensibilização e da formação cívica
dos mais jovens em relação a esta matéria do desperdício alimentar.
Por último, o Sr. Ministro referiu que, em setembro — penso que foi decidido em junho em Conselho de
Ministros —, estaria pronta a legislação referente a um programa nacional contra o desperdício alimentar.
Pergunto se esse programa é o que resulta da segunda fase do estudo que foi feito previamente pelo Governo
anterior, tendo em conta que tinha sido elaborado um estudo de avaliação e segmentação do desperdício
alimentar que pretendia definir linhas de ação para a prevenção do desperdício com vista à aproximação do
desperdício à reutilização, cujos resultados da primeira fase foram divulgados na fase final do Governo anterior.
No fundo, pergunto se o estudo que o Sr. Ministro referiu é ou não a continuidade deste trabalho.
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Cruz, do PCP.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro, a
discussão em torno do desperdício alimentar não pode ser desligada de uma abordagem mais global sobre a
alimentação, o acesso a alimentos de qualidade e a sua relação com a saúde.
Há muitos anos que sabemos que a abordagem à alimentação, à promoção de hábitos alimentares
saudáveis, assim como a relação entre alimentação e saúde, devem ser feitas de forma transversal e
abrangendo diversos níveis de atuação: a saúde, a educação e a produção alimentar.
Segundo os dados publicados pela Direção-Geral de Saúde, no relatório Portugal — Alimentação Saudável
em Números 2015, «É expectável que um período marcado por crescentes desigualdades na distribuição de
rendimento e por elevadas taxas de pobreza tenha um significativo impacto no consumo alimentar e estado de
saúde da população portuguesa, podendo estar comprometida a garantia da segurança alimentar para um
número elevado de agregados familiares portugueses, isto é, a garantia do acesso a alimentos em quantidade
suficientes, seguros e nutricionalmente adequados».
Mais: o relatório aponta para que «as doenças crónicas como a obesidade, e eventualmente outras que lhe
estão associadas, como a diabetes, as cardiovasculares ou o cancro possuem uma distribuição na população
muito dependente do acesso a alimentos de boa qualidade nutricional».
O já citado relatório diz, ainda, que «a alimentação de má qualidade afeta com maior intensidade crianças,
idosos e os grupos socioeconomicamente mais vulneráveis da nossa população (…)». Ou seja, as crianças, os
jovens e os adultos pobres são aqueles que mais dificuldades têm de aceder à alimentação equilibrada,
diversificada, saudável e a produtos de qualidade.
Nos diversos estudos sobre alimentação, há um aspeto que é sempre referido e que diz respeito ao
autoaprovisionamento alimentar de um país, sendo este entendido como, e cito, «a capacidade para satisfazer
as necessidades de consumo de bens alimentares da sua população através da sua produção interna e/ou da
importação de bens alimentares financiados pelas correspondentes exportações».
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De acordo com os dados do INE, Portugal continua incapaz de ser autossuficiente em vários bens
alimentares, como os cereais, o açúcar, as leguminosas secas e, em menor escala, as carnes.
Os dados do INE mostram também que, em 2014, se registou um aumento no autoaprovisionamento de
certos produtos alimentares, como os ovos e os alimentos do grupo do leite e derivados.
Em relação aos géneros alimentícios disponíveis para consumo humano, a disponibilidade de cereais, de
frutos e de raízes e tubérculos aumentou em 2013/2014, face aos anos de 2012/2013.
Pese embora estes aumentos, há milhares de portugueses, especialmente crianças, que não conseguem
aceder e comprar tais alimentos. E, sobre as crianças, nunca é demais relembrar que há muitas cuja única
refeição equilibrada, diversificada e com acesso a alimentos de qualidade que têm é apenas nas escolas, porque
as suas famílias não têm possibilidades de lhes oferecer este tipo de alimentos diversificados.
Sr. Ministro, o acesso a uma alimentação saudável é essencial para a prevenção do desenvolvimento de
doenças. O acesso a bens alimentares de qualidade é um fator determinante para a prevenção e o
desenvolvimento destas doenças.
Sr. Ministro, sabendo destas associações, sabendo da importância de ter acesso a alimentos de qualidade,
de proximidade, como é que o Governo, muito em concreto o Ministério da Agricultura, pensa intervir para
melhorar não só o acesso aos alimentos, mas também o acesso a alimentos de qualidade, em Portugal?
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e
Desenvolvimento Rural, para responder.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas,
começo por agradecer as perguntas que fizeram.
Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, em relação a esta matéria, as iniciativas que vêm do Governo anterior são
acarinhadas e tidas em conta e não é nossa intenção modificar nada do que de positivo tenha sido feito, como
seja a iniciativa PRA-TØ, que referiu, ou as iniciativas no âmbito da educação que o Governo anterior formulou
mas que, infelizmente, depois não deu sequência. Isto porque os contactos que tive com o Ministério da
Educação foram os de que, no início do ano escolar, as iniciativas que eram dirigidas quer aos professores, quer
aos alunos do 1.º ciclo não foram implementadas.
No entanto, é intenção do atual Governo retomar essas iniciativas e dar-lhes sequência. Aliás, há poucos
dias o Ministério da Educação tomou mesmo a iniciativa de penalizar os pais das crianças que reservem
refeições nas cantinas escolares e depois não as utilizem, fazendo com que essas refeições vão para o lixo. Isto
para dizer que quer os estudos que estão disponíveis no Ministério da Agricultura que tenham sido iniciados
mesmo que não concluídos, quer iniciativas consideradas positivas formuladas e não implementadas, quer
aquelas que estão em implementação, como é a iniciativa PRA-TØ, que, como eu disse, tencionamos dar
sequência, a nossa intenção é a de integrá-las na estratégia e no plano de ação para o combate ao desperdício
que vamos pôr em execução. Como também já disse, estamos a fazer um levantamento sobre a eventual
necessidade de criar nova legislação ou de promover alterações à legislação existente.
Portanto, Sr.ª Deputada, em termos globais, pretendemos apoiar iniciativas positivas, dar-lhes continuidade
e ir tão longe quanto possível na formulação da estratégia e na elaboração de um plano que, como já tive
oportunidade de dizer, queremos que seja tão participado quanto possível. Iremos definir um período para uma
discussão pública e, naturalmente, profícua com o Parlamento.
A Sr.ª Deputada Carla Cruz falou em garantia da segurança alimentar — segurança, neste caso, no duplo
sentido, ou seja, ter acesso a e, tendo acesso, que ela esteja em boas condições de higiene e salubridade.
Naturalmente, é esta parte que compete ao Ministério da Agricultura e, sob esse ponto de vista, os serviços
estão equipados, funcionam com competência reconhecida e Portugal — mas também toda a Europa — é,
seguramente, dos locais do mundo onde há melhor garantia e segurança nos alimentos que consumimos. Muitas
vezes, a deteção de algumas crises apenas comprova que o sistema está apetrechado para as detetar e há,
portanto, que preveni-las, mais do que combatê-las.
No que diz respeito à questão muito importante que colocou, a do autoaprovisionamento, o objetivo deste
Governo é o de, no horizonte máximo de cinco anos, até 2020/2021, garantir o equilíbrio da nossa balança
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comercial agrícola, em valor. O que é que isto quer dizer? Que o valor das exportações seja equivalente ao valor
das importações de produtos agrícolas.
Os dados que temos dos últimos anos indicam-nos uma trajetória em que pensamos ser possível atingir esse
objetivo no horizonte de quatro ou cinco anos. Aliás, o gap que, neste momento, temos de preencher não atinge
já os 4000 milhões de euros e o ritmo quer do crescimento da produção, quer das exportações dão-nos fundadas
expetativas de que esse objetivo é plenamente atingível.
É evidente que nunca seremos autossuficientes em tudo, não há nenhum país do mundo — nem mesmo
aqueles que têm uma escala continental, como a Rússia, os Estados Unidos, o Canadá, o Brasil — que consiga
produzir 100%. Naturalmente que o objetivo é o de que consigamos um autoaprovisionamento tão elevado
quanto possível no maior número de produtos. Felizmente, já conseguimos ser autossuficientes no azeite, no
vinho, nas aves e nos ovos, no leite. Em relação aos outros produtos, temos graus de dependência, o pior dos
quais é, efetivamente, o dos cereais, porque não há condições, em Portugal, de produzir cereais de forma
competitiva, a não ser com a inclusão do regadio e, como sabe, as áreas do regadio, apesar dos esforços para
aumentar, são muito pequenas face às necessidades do País.
Mas estamos a trabalhar nesse sentido. Os dados das exportações, no primeiro trimestre deste ano, são
impressionantes no que diz respeito, por exemplo, aos frutos vermelhos. Ninguém imaginaria que tivéssemos
atingido os 90 milhões de euros nas exportações ou ninguém imaginaria que, por exemplo, as frutas e os
legumes tivessem ultrapassado o vinho em termos de exportação.
Portanto, estamos numa trajetória muito positiva para atingir esse equilíbrio num horizonte que, pensamos,
irá pouco além do final desta Legislatura. No final da Legislatura, talvez possamos fazer um balanço e verificar
que, pela primeira, Portugal, porventura em muitos séculos, tem uma balança comercial agrícola plenamente
equilibrada.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Vamos passar ao período de intervenções.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Matias, do Bloco de Esquerda.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos
Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Centrar o debate que hoje nos é proposto apenas nos desperdícios e
nas perdas de bens alimentares, sem ir às suas verdadeiras causas, pode levar-nos a ignorar o debate essencial
sobre o direito humano à alimentação adequada e o direito dos pequenos agricultores a uma vida digna, com
rendimentos ao nível dos trabalhadores de outros sectores, em harmonia com os territórios numa base de
respeito pelo ambiente e pela biodiversidade.
De acordo com os dados da FAO, dados de 2013, a quantidade de alimentos desperdiçados anualmente é
de 1300 milhões de toneladas. Este megadesperdício não só causa grandes perdas económicas como também
tem impacto significativo nos recursos naturais, nos quais a Humanidade depende para se alimentar. Cerca de
um terço da produção é desperdiçada ou perdida. Contudo, este valor não é uniforme nas diversas regiões do
mundo. Na Europa e na América Latina a quantidade de alimentos desperdiçados ou perdidos é de 95 kg a 115
kg por ano e per capita; na África Subsariana é de 6 kg a 11 kg por ano e por pessoa.
Mas um outro olhar se impõe para se compreender a diferença entre as regiões ditas desenvolvidas da
Europa e América do Norte e as regiões menos desenvolvidas, nomeadamente a África Subsariana, América
Latina e sudoeste asiático.
Os desperdícios e as perdas, apesar de muito menores em valor absoluto, são muito maiores em valor
relativo. Nestas regiões do mundo, onde se localizam as agriculturas mais pobres e onde a pobreza é maior as
perdas e desperdícios são muito maiores em valor relativo do que na Europa e na América do Norte. Por
exemplo, na África Subsariana a produção per capita/ano é cerca de 150 kg de alimentos/ano dos quais apenas
há um consumo de 25 kg/per capita/ano. Na Europa, para uma produção per capita/ano de 175 kg, verifica-se
um consumo de 100 kg/per capita/ano.
O enorme peso dos desperdícios e perdas nas diferentes regiões do mundo resulta essencialmente de
sistemas produtivos, organizações de mercados diferentes, embora os hábitos de consumo também possam
ter, e têm, alguma influência.
Dificuldades na organização da produção, na transformação, no armazenamento, na conservação e no
transporte são apontadas pela FAO como causas de desperdício e perdas nas regiões menos desenvolvidas.
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O desperdício de alimentos nas sociedades mais ricas resulta de uma combinação entre o comportamento
do consumidor — e todos sabemos como o comportamento do consumidor é muito importante — e a falta de
comunicação ao longo da cadeia de abastecimento.
Sem descurar a atenção que nos deve merecer a procura de novos sistemas alimentares que promovam
hábitos de consumo responsáveis e saudáveis, é a montante que devemos centrar a nossa discussão. Centrar
o discurso apenas nos desperdícios e nas perdas de produtos alimentares pode desviar-nos de uma abordagem
sistémica das questões alimentares, que permita resolver os problemas de forma integrada e «cortar o mal pela
raiz».
Primeiro, assumimos que a alimentação saudável é um direito humano. Depois, assumimos que a melhor
maneira de o atingir é a defesa da segurança e soberania alimentar para todos os povos do mundo.
Acrescentamos, por fim, a necessidade de basear a produção de alimentos em sistemas produtivos
respeitadores do ambiente e da biodiversidade.
Nestas circunstâncias, não podemos deixar de ter ainda presente que a alimentação mundial é controlada
por meia dúzia de empresas multinacionais, que também, ao nível alimentar, estamos reféns dos grandes
interesses do capital financeiro.
Promover regimes alimentares responsáveis e saudáveis, combater os desperdícios e as perdas de produtos
alimentares implica libertar a produção e comércio de produtos alimentares das grandes empresas
multinacionais, dos interesses do capital financeiro. Implica ter políticas que promovam uma justa distribuição
dos alimentos produzidos e o acesso de todas as pessoas a uma alimentação adequada.
Transpondo esta análise para o nosso País, também aqui se vive a duas velocidades: regiões e explorações
ricas e produtivas, competitivas no mercado internacional, vivem a par de regiões de pequenas e
microexplorações, onde os agricultores sobrevivem a muito custo e justo seria pagar-lhes por gerirem o território.
Gente rica que pode produzir desperdícios — e produze-os, e muito! — vive a par de gente pobre e muito pobre,
em pequenas explorações que acumulam perdas por não chegarem ao mercado.
O BE há muito que tem dirigido as suas preocupações a este universo de pequenas e muito pequenas
explorações que ocupam a grande maioria do território rural no interior e norte do País. Aqui se produz, mas
aqui não se chega ao mercado. Estão ainda por quantificar os produtos, muitas vezes de enorme qualidade, que
se perdem ou que se destinam à alimentação animal na própria exploração por não existir rede de
comercialização adaptada a estas explorações.
Por exemplo, no Algarve e no Ribatejo — que é a minha própria região e que, portanto, conheço bem —
chegaram a ser enterradas toneladas e toneladas de boa laranja, produzidas em pequenos pomares cujos
proprietários não as conseguiram colocar no mercado. E, por vezes, os pescadores devolvem o peixe ao mar,
tão baixos são os preços que lhes pagam.
Tudo isto é um enorme desperdício, Sr.as e Srs. Deputados!
Começam a existir algumas iniciativas por parte de alguns municípios para ultrapassar estes
estrangulamentos, mas são ainda muito tímidas e pouco consequentes. É urgente uma aposta forte nos circuitos
curtos de comercialização de produtos agrícolas, é preciso dar preferência a produtos locais no abastecimento
de cantinas públicas, sendo para isso necessário criar ou encontrar estruturas de concentração da oferta.
Parece-nos, portanto, positivos todos os passos, como aquele que foi anunciado agora pelo Sr. Ministro, que
vão nesse sentido.
Sendo a oferta tão pulverizada, de nada servirá obrigar as cantinas públicas a consumir produtos locais se
não trabalharmos para a organização e concentração da oferta.
A par disto, Sr.as e Srs. Deputados, é urgente regular a relação entre as grandes cadeias distribuidoras e a
produção, de forma a promover a justa repartição das mais-valias ao longo da cadeia de valor e a garantir prazos
de pagamento curtos, compensadores para os produtores e, frequentemente, a garantia da sua própria
sobrevivência.
A atomização da produção não pode continuar a permitir a ditadura da grande distribuição, continuadamente
a esmagar margens e a impor condições draconianas a quem produz.
Urge também criar medidas de apoio ao investimento na pequena agricultura familiar. No PDR 2020 não há
uma única medida adaptada a este tipo de explorações, mesmo a medida destinada às cadeias curtas e
mercados locais não é dirigida preferencialmente aos produtores, como acontece noutros países da Europa. É
preciso um novo sistema alimentar baseado num modelo territorial integrado, enraizado nas características de
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cada território, em sinergia com a conservação da natureza, o turismo e a educação. Um sistema alimentar
valorizador dos recursos específicos de cada local e das relações de proximidade, um sistema alimentar
promotor de distâncias curtas entre produção e consumo e de dietas baseadas em produtos frescos.
O Bloco de Esquerda tem tido propostas para este caminho e continua empenhado em o prosseguir.
O Bloco de Esquerda propõe-se ainda trabalhar para a criação de uma lei de bases da segurança alimentar
e nutricional que transponha para o ordenamento jurídico nacional o direito humano à alimentação adequada, a
que Portugal já se obrigou internacionalmente. E para criar os necessários mecanismos para a coordenação
das políticas públicas nos sectores da agricultura, do ambiente, da saúde, da educação, da economia e da
segurança social, no âmbito de uma estratégia nacional e de estratégias locais de segurança alimentar e
nutricional, com objetivos, metas e dotação orçamental.
A boa alimentação, Sr.as e Srs. Deputados, é um direito humano, mas é também melhor saúde, melhor
cidadania e, o que não é despiciendo, mais poupanças nas contas públicas.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado
Carlos Matias, não era minha intenção intervir, mas senti-me na obrigação de o fazer porque, concordando, na
generalidade, com a sua intervenção, o Sr. Deputado disse, se bem percebi, que não há no PDR medidas
específicas dirigidas à pequena agricultura…
O Sr. Carlos Matias (BE): — Familiar!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — …à pequena agricultura familiar, e
eu quero dizer-lhe que há.
Felizmente, elas existem e estão consignadas na portaria que há pouco referi (repito, Portaria n.º 152/2016,
de 25 de maio), que estabelece que os pequenos agricultores, e o que isso é está claramente definido na
portaria, serão beneficiados no investimento nas pequenas explorações, podendo apresentar projetos de
candidatura até 50 000 euros, a um máximo de dois projetos, sendo que o maior não pode exceder 40 000, com
50% a fundo perdido.
Existem, igualmente, apoios para os pequenos produtores na transformação e comercialização de produtos
agrícolas, como seja uma pequena salsicharia, uma queijaria, investimentos que dão apoios a 50% a fundo
perdido até ao montante máximo elegível de 200 000 euros.
Todas estas medidas estão consignadas e estão já em perfeita execução desde o dia 25 de maio. Era, aliás,
matéria que constava do Programa do Governo, que, tenho o prazer de o dizer, desse ponto de vista, está
plenamente cumprido. Esperamos agora que a execução corresponda às nossas expectativas.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Serra.
O Sr. Nuno Serra (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Começo por felicitar o Partido
Ecologista «Os Verdes» por trazer mais uma vez esta matéria a debate, dizendo que o desperdício alimentar e
as formas de o reduzir a nível global será, com certeza, um dos maiores desafios que o mundo enfrentará no
futuro, mas que hoje já é também uma questão que muitos nos assola.
Este desafio é tanto maior quanto maior tem sido a necessidade de alimentar uma população em crescimento
acelerado, de conseguir uma agricultura mais produtiva, que acompanhe as necessidades de consumo mundial,
de uma política ambiental mais sustentada e de uma política social mais equitativa. Esta preocupação deve
envolver toda a sociedade, procurando, com inovação, reduzir este contrassenso, que é produzir alimentos que
nunca chegam a ser consumidos nem reutilizados.
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Hoje, é imperativo que o conceito da economia circular seja um modelo a implementar, em que a reutilização
dos desperdícios passe a ser um fator económico de produção e de reutilização e não um esbanjamento de
recursos endógenos.
Não é possível continuarmos a utilizar recursos naturais escassos, como a água ou o solo, para produzir algo
que será desperdiçado.
Não é aceitável que as necessidades de muitas famílias e instituições não se coadunem com os desperdícios
alimentares, hoje estimados em 1 milhão de toneladas, no caso português. Há atualmente muitas iniciativas
meritórias da sociedade civil que atuam nesta área e têm atenuado este flagelo. Contudo, como já aqui foi dito,
ainda há muito que fazer, muito para promover e muito para desenvolver.
Para o PSD, a luta contra o desperdício alimentar deve começar na produção e ir até ao consumo doméstico,
passando pela distribuição e comercialização.
As estimativas do projeto de estudo PERDA (Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar,
2012) dizem que é na produção e no consumo onde as perdas são mais elevadas, cerca de 32% e 31%
respetivamente, e que na distribuição o nível de desperdício é de 290 000 t, isto é, de cerca de 28%.
Perante estes valores parece-nos que, sem prejuízo das iniciativas que possam vir a ser implementadas em
Portugal e que já existem em alguns países europeus, nas fases de comercialização e de distribuição, temos de
ter uma maior atenção e objetividade na produção e no consumo. Cada vez mais se torna claro que promover
o consumo de produtos nacionais é uma forma inequívoca de diminuir o desperdício alimentar.
Incentivar políticas públicas a enquadrarem a realidade da produção agrícola nacional, combatendo projetos
desadequados e totalmente desligados da forma como se produz alimentos, alguns promovendo mesmo a
importação de bens substitutos aos nossos produtos endógenos, tem de ser uma prioridade.
Não podemos negar que é de grande importância os incentivos e os estímulos entre as associações de
produtores, cooperativas e IPSS para que se possa escoar os produtos nacionais, que, muitas vezes, não
conseguem chegar aos canais de distribuição mas que têm de chegar à população.
É neste contexto que o PSD se posiciona, reconhecendo, por um lado, a agricultura com um papel
fundamental e de primeira linha na luta contra o desperdício alimentar, defendendo medidas que harmonizem a
procura do consumidor com a oferta do sector. Exemplo disso é a necessidade da rotulagem dos produtos
quanto à sua composição e origem.
Por outro lado, reconhecemos também a importância acrescida que a comercialização e a distribuição pode
ter na defesa, no escoamento e valorização da produção nacional, promovendo consumo dos nossos produtos,
diminuindo os excedentes e, consequentemente, diminuindo o desperdício.
A questão do desperdício alimentar é, cada vez mais, um paradoxo dos tempos modernos. Quanto mais
qualidade, mais segurança alimentar se implementa nos sistemas alimentares europeus, maior é o nível de
desperdícios e de perdas. Quanto mais exigente é o consumidor, maior tendência haverá para desperdiçar
alimentos saudáveis cuja aparência, muitas vezes, não preenche determinados requisitos de marketing ou
comercialização.
O estímulo pelos mercados de proximidade pode ser uma importante oportunidade para combater este
paradoxo. Não só poderá ter vantagem no escoamento dos produtos regionais, como poderá aproximar
consumidores e produtores.
Por outro lado, é crucial empreender mais ações ao nível da educação, da comunicação, da sensibilização,
da responsabilidade e regulação, da agilização e reconhecimento, muitas das quais já promovidas pela
sociedade civil e por muitas instituições de solidariedade social.
Na verdade, quando vemos que mais de 1/3 do desperdício está nas nossas casas percebemos que as
soluções têm de passar por uma alteração dos hábitos de consumo e por uma consciencialização prática sobre
o que estamos a desperdiçar.
Por isso, o PSD congratula-se com todas as iniciativas que promovam a sensibilização dos consumidores no
armazenamento dos produtos, nos prazos de validade e nas perdas no prato.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos todos de acordo sobre a dimensão do problema e sobre a
necessidade de procurar soluções para o resolver.
É fácil convergir sobre a urgência de diminuir o desperdício alimentar. Difícil é orientar opções que o consigam
e ter presente na nossa consciência, sempre que apresentamos aqui iniciativas, que este é o caminho.
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Não basta orientar discursos sobre a problemática e o flagelo que é o desperdício alimentar, num dia, e, no
outro dia, defender técnicas e práticas que põem em causa a produção nacional e criam mais excedentes, que
distanciam os consumidores dos nossos produtos tradicionais, que dificultam a competitividade das produções
agrícolas nacionais face a outras de outros países.
O PSD está de acordo com a campanha que Os Verdes aqui apresentaram, mas podemos ainda ir mais
longe. Estamos também disponíveis para criar um grupo de trabalho para acompanhar as medidas que o
Governo está a pensar implementar para que o debate neste Parlamento seja alargado e para que possamos
passar à realidade muitas medidas que já tardam em surgir.
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Presidente Ferro Rodrigues.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Júlia Rodrigues.
A Sr.ª Júlia Rodrigues(PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Felicito,
antes de mais, Os Verdes pelo agendamento desta temática.
A Assembleia da República declarou o ano de 2016 como o ano nacional de combate ao desperdício
alimentar. Esta resolução recomendou, entre outras medidas, que fossem promovidos levantamentos rigorosos
e sistemáticos sobre a realidade do desperdício alimentar em Portugal, bem como a criação de um programa
nacional, construído num processo de participação ativa e colaborativa da sociedade.
Esta resolução, aprovada há mais de um ano, e até por unanimidade, foi levada a sério? Ou seja, foi
cumprida? Ou, pelo contrário, foi ignorada? A Assembleia da República e as forças políticas tranquilizaram a
consciência? Sim, mas foi só, nada mais.
Ora, as iniciativas legislativas devem ser, sempre que possível, estudadas e elaboradas com a auscultação
dos intervenientes, examinados casos reais bem-sucedidos — alguns com uma longa experiência —, analisados
estudos científicos e dissecados todos os contributos individuais e coletivos de todas as organizações
representativas.
Se assim se fizer, as iniciativas serão consistentes, fundamentadas, assumidas e, como disse atrás, para
levar a sério!
Foi o que o PS fez, há poucos dias, quanto ao tema proposto neste debate: o desperdício alimentar.
Reunimos, em audição pública, no passado dia 14 de junho, intervenientes de toda a cadeia alimentar.
O debate, muito participado, com a presença de investigadores, promotores de projetos, autarcas,
associações e organizações representativas, decorreu em torno das perspetivas da segurança e
sustentabilidade alimentar, da questão ambiental e das motivações de cariz social. Os contributos presenciais e
escritos foram determinantes para sustentar e reforçar a nossa intervenção política nesta área.
Sr.as e Srs. Deputados, o desperdício alimentar é, atualmente, um problema à escala mundial. Na diretiva-
quadro de resíduos da União Europeia, a hierarquia para o tratamento de resíduos dá prioridade à redução de
resíduos na fonte, seguido de reutilização, reciclagem e recuperação, com a eliminação como último recurso.
Esta temática transversal e abrangente inclui áreas tão distintas como a solidariedade social, o ambiente, a
saúde, a economia e finanças, a agricultura e segurança alimentar.
Exige, por isso, a sensibilização de todos os intervenientes, desde a produção agrícola, à agroindústria, à
distribuição, à restauração, até ao consumidor final.
É necessária uma atuação integrada e articulada em toda a cadeia alimentar que, em simultâneo, inclua
preocupações ao nível educacional, de saúde e de combate à pobreza.
As estratégias devem envolver a sensibilização, a formação e a informação, com promoção de campanhas,
mas também a monitorização do desperdício e o melhoramento da logística. Neste âmbito, convém referir a
importância das cadeias curtas de abastecimento, já aqui referidas, cujos circuitos de proximidade evitam o
desperdício alimentar. É prioritário garantir que estas cadeias curtas sejam mais frequentes, ao nível, por
exemplo, das cantinas públicas, das escolas ou dos hospitais.
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Como é do conhecimento de todos, fruto de políticas cegas de cortes estruturais do anterior Governo
PSD/CDS-PP, o número de pessoas carenciadas que procuram assistência alimentar junto de instituições de
solidariedade social aumentou de forma exponencial em Portugal.
Um cenário de carência social contrapõe-se à triste realidade de desperdício diário de excedentes
alimentares produzidos pelos setores público e privado e por particulares. Esta situação escapa assim aos
princípios mais basilares de racionalidade económica.
A necessidade de organizar, estruturar, incentivar e regulamentar o desperdício alimentar em Portugal é uma
obrigação de todos para com todos.
É necessário garantir também o cumprimento das metas estabelecidas pela União Europeia, como a
diminuição em 50% do desperdício alimentar até 2025.
A iniciativa legislativa proposta deverá integrar todas as vertentes do desperdício alimentar. Deve incentivar
a adoção de boas práticas contra o desperdício e contrariar sistemas de penalização e coimas para os
intervenientes.
Sr.as e Srs. Deputados, o desperdício alimentar é uma matéria de natureza pluridisciplinar. Sugerimos, por
isso, a constituição, sob a gestão direta do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, de uma
comissão nacional de combate ao desperdício alimentar, à semelhança da existente, e com muito sucesso, no
município de Lisboa, destinada a promover o diagnóstico do problema e a determinar medidas concretas de
combate ao desperdício alimentar.
Esta comissão deverá integrar objetivos estratégicos de saúde pública, educação escolar, combate à
pobreza, segurança alimentar e de boas práticas de combate ao desperdício alimentar na produção, na indústria,
na distribuição alimentar e no consumidor final.
Nesta área é determinante uma estratégia de políticas públicas para que se conquistem melhorias
significativas integradoras de diferentes perspetivas, uma estratégia que envolva, desde a sua génese, todos os
intervenientes, uma estratégia integrada assumida por todos e para todos.
Esta sessão plenária deve servir, por isso, para a união de esforços em torno de um objetivo de Portugal, da
Europa e do mundo: o combate ao desperdício alimentar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, a Mesa regista a inscrição da Sr.ª Deputada Fátima Ramos para pedir
esclarecimentos, a quem dou a palavra.
A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado,
começo por cumprimentar todos.
O PSD é um partido humanista que defende uma boa gestão dos recursos, quer humanos, quer materiais. É
um partido que acredita que só com uma boa gestão de recursos, com uma gestão de rigor, é que as pessoas
podem viver melhor. É um partido que defende, por isso, o combate às desigualdades, o combate às assimetrias.
Protestos do PS.
É um partido que foi obrigado a aplicar determinadas medidas difíceis pelas quais ainda agora foi criticado
pela Sr.ª Deputada do Partido Socialista…
Vozes do PS: — Ah!
A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — … porque, infelizmente, herdou um País onde, de facto, o rigor e a exigência
não existiam.
O Sr. Secretário de Estados dos Assuntos Parlamentares (Pedro Nuno Santos): — O PSD é um
espetáculo!
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A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Por isso, o que mais tememos neste momento é que esse rigor e a essa
exigência deixem de existir e vimos que já houve algumas medidas nesse sentido.
O PSD é, de facto, um partido que, ao ser assim, se preocupa com a eficiência e com a boa gestão dos
recursos e, por isso, quando falamos em desperdícios alimentares não podíamos estar mais de acordo. Por
essa razão, quer no nosso programa eleitoral, quer no programa da coligação, esta foi sempre uma matéria que
esteve presente, contrariamente a outros partidos que, muitas vezes, falam da mesma mas não a tiveram
presente.
É, efetivamente, uma matéria de futuro, sobre a qual temos de nos debruçar. Vivemos num País com recursos
tão escassos e sabemos que 17% da produção é desperdício, sendo esta é uma realidade que temos de inverter.
Mas, conscientes desta realidade, recordo aqui que, no tempo do Governo anterior foi elaborado um trabalho
denominado Prevenir desperdício alimentar — Um compromisso de todos, que envolveu 25 parceiros, entidades
públicas, privadas, os Ministérios da Economia, da Agricultura, da Saúde, autarquias locais, misericórdias, a
CAP e muitas outras,…
O Sr. Secretário de Estados dos Assuntos Parlamentares: — Etc…
A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — … porque o PSD não defendia uma sociedade estatizante mas que o
envolvimento de todos podia trazer medidas que, de facto, fossem transversais e tivessem sucesso para todos.
No âmbito desse trabalho, surgiram várias medidas, nomeadamente: monitorizar a redução do desperdício
alimentar e melhorar a sustentabilidade da cadeia alimentar; incentivar a criação de mercados de proximidade;
analisar a possibilidade de aquisição de bens alimentares junto da produção e nos mercados locais, através da
flexibilização das normas relativas à contratação pública, tendo sempre em conta a segurança alimentar;
privilegiar, ao nível dos contratos públicos, empresas com responsabilidade social e boas práticas de combate
ao desperdício implementadas, preservando a segurança alimentar; avaliar a possibilidade de implementar
incentivos fiscais e/ou económicos direcionados à doação de alimentos; estimular ou distinguir os agentes da
distribuição que apresentem, por gama de produtos, níveis de comercialização de produtos nacionais superiores
a 2/3; criar um concurso para identificar as melhores práticas na prevenção do desperdício alimentar ao longo
de todas as fases do processo; criar um selo de reconhecimento de prevenção do desperdício alimentar que
possa ser identificado pelo stakeholders da entidade…».
O Sr. Secretário de Estados dos Assuntos Parlamentares: — Já deve ter acabado!
A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Por isso, pergunto ao Partido Socialista como é que tem ajudado o seu
Governo, que está já há sete meses, a implementar estas medidas.
Acho que é tempo de passar à prática e de fazer. É tempo, de facto, de concretizar.
Protestos da Deputada do PCP Rita Rato.
Estamos disponíveis para colaborar. Foi apresentado e aprovado um projeto de resolução em 2015 que tinha
estas mesmas propostas, muitas das quais, hoje, a Sr.ª Deputada referiu.
O que lhes peço é, como social-democrata e como cidadã, que, de facto, se passe da conversa à prática e
que os senhores colaborem.
Protestos do PS.
Estamos disponíveis para colaborar, para gerir com rigor, com eficiência, por termos a noção do que o País
precisa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Júlia Rodrigues.
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A Sr.ª Júlia Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, em resposta ao seu pedido de esclarecimento,
queria dizer-lhe que rigor e transparência são também as preocupações do PS. A referência que fiz ao Governo
anterior foi, de facto, ao aumento da pobreza e à incapacidade para resolver o problema da pobreza, em
Portugal.
Aplausos do PS.
Como sabe, a assistência das IPSS tem sido, com rigor e com transparência, fundamental no apoio aos mais
carenciados e o PS preocupa-se com as pessoas, preocupa-se com a forma como tratamos as pessoas, para
dar dignidade à vida dos trabalhadores, dos nossos concidadãos. Pena é que tenha aqui havido um desperdício
de tempo a perguntar que medidas são estas. É que as medidas contidas no Prevenir o Desperdício Alimentar
— Um Compromisso de Todos ficaram como medidas avulsas num documento escrito, que é importante, com
bem referiu a Deputada Heloísa Apolónia, mas falta a sua operacionalização, falta ir para o terreno e conseguir
que todos os agentes envolvidos, todos os intervenientes, consigam levar a bom porto a luta contra o desperdício
alimentar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do Grupo
Parlamentar de «Os Verdes».
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Infelizmente, não vivemos apenas numa sociedade de consumo, vivemos também numa sociedade de
desperdício. E independentemente das considerações que possamos fazer em torno de saber se o desperdício
é uma consequência direta da sociedade de consumo, interessa trabalhar no sentido de combater este
preocupante fenómeno do desperdício alimentar.
Lembro a este propósito que, na sua Resolução de 19 de janeiro de 2011, o Parlamento Europeu, manifesta
a sua preocupação pelo facto de, diariamente, uma quantidade considerável de alimentos, mesmo sendo
perfeitamente consumível, ser tratada como resíduo.
No mesmo documento, o Parlamento Europeu considera que o desperdício de alimentos representa um
problema ambiental e ético com custos económicos e sociais, e convida a Comissão Europeia a estudar as
razões que levam a deitar fora, desperdiçar e depositar anualmente nos aterros da Europa cerca de 50% dos
alimentos produzidos.
Trata-se, assim, de um combate que se impõe, não só pela exploração absolutamente inútil dos recursos
naturais que o desperdício exige ou implica, e que poderiam ser poupados, mas também pela infeliz constatação
de que, anualmente, milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados, num mundo onde um sexto da
população passa fome.
Em causa, estão, portanto, não só questões de natureza ambiental, dada a pressão feita desnecessariamente
sobre os recursos naturais, mas também questões de natureza intergeracional. Ou seja, do que falamos, quando
falamos de desperdício alimentar, é de um problema de sustentabilidade.
Por isso mesmo, esta matéria tem vindo a merecer a maior atenção por parte de Os Verdes, seja através da
apresentação de iniciativas legislativas, seja através de iniciativas de outra natureza, como a audição pública
parlamentar sobre propostas e estratégias de combate ao desperdício alimentar, que Os Verdes promoveram,
nesta Assembleia, no início do mês de junho.
Tratou-se de uma iniciativa muito participada e muito interessante, até porque o desperdício alimentar, apesar
de ter sido objeto de diversos estudos noutros países, em Portugal não tem merecido muita atenção e só há
pouco tempo começaram a aparecer projetos tendo como denominador comum, exatamente, o desperdício
alimentar.
Quanto a estudos, o único que existe até hoje no nosso País foi elaborado pelo PERDA — Projeto de Estudo
e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar, designado Do campo ao garfo, o desperdício alimentar em Portugal.
Mas na audição parlamentar que Os Verdes promoveram chegaram-nos experiências e ações no terreno
levadas a cabo por várias associações, nomeadamente: pela IN LOCO, que, em conjunto com algumas
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autarquias, municípios e freguesias, e envolvendo escolas e agentes locais, procura criar uma metodologia para
a rastreabilidade do desperdício alimentar ao nível local; pela DECO, que, em matéria da educação do
consumidor, tem a decorrer um projeto com várias escolas, desafiando os jovens a criarem receitas inseridas
no combate ao desperdício alimentar; pelo movimento Re-food, um movimento que se propõe contribuir para
eliminar o desperdício alimentar, acabar com a fome e incluir toda a comunidade nesse esforço; e também pela
OIKOS, com o seu projeto Integrar paraAlimentar — Conhecimento, Saúde e Sustentabilidade e o Quadro Geral
para a Ação sobre Política Alimentar Urbana, cujo objetivo é fornecer opções estratégicas às cidades ou
municípios que pretendam implementar ou desenvolver sistemas alimentares mais saudáveis ao subscreveram
o Pacto de Milão sobre políticas alimentares urbanas.
Quanto a estudos, como há pouco referi, o único estudo exclusivamente nacional sobre o desperdício
alimentar é o PERDA — Projeto de Estudos e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar.
A metodologia deste estudo foi adaptada do estudo da FAO e a capitação anual estimada das perdas e
desperdício alimentar em Portugal aponta para 97 Kg por habitante/ano, dos quais 31% provêm dos
consumidores.
Estamos, portanto, a falar de estimativas que, no dizer dos próprios autores do estudo, podem ser descritas
como grosseiras, devido à larga utilização de dados meramente aproximados.
Ainda assim, e mesmo sendo estimativas, sabemos que o desperdício alimentar é muito elevado e, seja por
razões económicas, seja por razões ambientais ou até morais, o seu combate deve ser encarado com um
imperativo.
Sabemos também que o desperdício alimentar é um fenómeno complexo, que atravessa todas as etapas
dos alimentos desde a sua produção até ao consumo final. E sabemos ainda que a tendência para o
alongamento das cadeias, afastando cada vez mais o produtor do consumidor, agrava o problema.
É por isso que também nesta matéria o «consumir local» tem de ser encarado como uma das prioridades
das políticas que desenham os nossos destinos coletivos.
É preciso valorizar e fazer renascer os mercados tradicionais, os mercados de proximidade, os mercados
locais, em detrimento das grandes superfícies comerciais.
Da mesma forma, é necessário apostar nos circuitos curtos de comercialização de produtos alimentares, de
forma a valorizar a agricultura familiar, beneficiando de apoios que acabam por gerar benefícios para uma boa
e desejável gestão de produtos alimentares.
É também por isso que as aspirações e necessidades daqueles que produzem, distribuem e consomem os
alimentos têm de estar no centro das políticas agrícolas, alimentares e comerciais e é também por isso que se
exigem políticas públicas que consigam salvaguardar o direito à alimentação e à nutrição adequadas e
promovam a segurança alimentar e nutricional de forma soberana.
São precisos esforços e coragem para combater um conjunto de regras europeias que vieram potenciar o
desperdício alimentar, sobretudo quando falamos de frutos e de produtos hortícolas e das respetivas exigências
europeias de possuírem uma determinada dimensão para poderem ser postos à venda.
É preciso olhar para as embalagens de produtos alimentares que tantas vezes, e sem se perceber porquê,
são apresentadas com um formato absolutamente desproporcional às diferentes dimensões do agregado
familiar e nunca são pensadas para poder contribuir para o combate ao desperdício alimentar.
Por fim, são necessários esforços para alterar hábitos de consumo, e campanhas de sensibilização e
informação são, nesta matéria, instrumentos decisivos. Campanhas de sensibilização para o problema do
desperdício alimentar dirigidas aos agentes económicos mas também aos consumidores, campanhas com
presença nas escolas, com desafios para a criação de iniciativas em torno da necessidade do combate ao
desperdício alimentar. Há, portanto, muito a fazer nesta matéria.
Sr.as e Srs. Deputados, neste combate, que procura ou que pretende afirmar o princípio da sustentabilidade,
tanto os modelos de produção como os padrões de consumo ganham uma relevância absolutamente decisiva.
São uns e outros que importa reverter.
É que se do ponto de vista ambiental é inqualificável que se esbanjem recursos naturais para produzir bens
alimentares que depois acabam nos aterros, do ponto de vista social é também dramático que se desperdicem
alimentos que poderiam ser canalizados com vista a contribuir para satisfazer necessidades básicas alimentares
de uma parte significativa da população.
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Por tudo isto, impõem-se e exigem-se ações sérias e um envolvimento ativo e empenhado por parte do
Estado na materialização de estratégias com vista a reduzir substancialmente a perda de alimentos no nosso
País e nas diferentes fases, desde a produção ao consumo dos alimentos.
Para isso é fundamental e decisivo que o Governo olhe para a resolução que Os Verdes fizeram aprovar
nesta Assembleia, aliás, por unanimidade, e que olhe com olhos se ver, assumindo o compromisso de se
envolver na materialização dos 15 pontos dessa importante resolução em matéria de desperdício alimentar.
Olhar para essa resolução com olhos de ver significará que estaremos no bom caminho.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado José Luís Ferreira tem um pedido de esclarecimentos, do Sr. Deputado
Maurício Marques, do Grupo Parlamentar do PSD, a quem dou a palavra.
Faça favor Sr. Deputado.
O Sr. Maurício Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Dado o escasso
tempo que tenho, era apenas para saudar o Partido Ecologista «Os Verdes» por esta iniciativa.
Na verdade, prevenir o desperdício alimentar é diminuir a fome no mundo e isso não deve ser apenas um
desígnio nacional mas, sim, um desígnio mundial.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado já ultrapassou o seu tempo.
O Sr. Maurício Marques (PSD): — Este deve ser um tema que nos deve unir a todos e não dividir e, por
isso, também faço aqui um apelo ao Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado peço-lhe para concluir.
O Sr. Maurício Marques (PSD): — Este é um tema em que grande parte do desperdício na produção é local
e por isso o Sr. Ministro tem aqui uma oportunidade para promover a produção e o consumo local através das
muitas instituições que temos espalhadas por todo o território nacional.
Bem-haja ao Partido Ecologista «Os Verdes» por esta iniciativa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente. — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, é apenas para dizer ao Sr. Deputado Maurício
Marques que registamos o apreço demonstrado pelo PSD quanto a esta iniciativa, dizendo ainda que é
importante que os partidos tivessem esta preocupação com o desperdício alimentar e também com o combate
à pobreza não apenas quando estão na oposição mas sempre, quer quando estão no poder quer quando estão
na oposição.
De qualquer forma, registamos o que foi dito sobre a iniciativa que Os Verdes hoje trouxeram à discussão.
Aplausos de Os Verdes e de Deputados do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr. Deputada Patrícia Fonseca, do Grupo
Parlamentar do CDS-PP.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs.
Deputados: A melhoria das condições de vida das populações no mundo ocidental veio alterar os hábitos de
consumo, levando muitas vezes a excedentes que posteriormente não são aproveitados, como já aqui foi
referido.
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Por esse motivo, são os países mais desenvolvidos que geram mais desperdícios alimentares, que, de
acordo com dados da FAO, correspondem a cerca de 1/3 dos alimentos produzidos anualmente. Em Portugal,
como também já aqui foi referido, estima-se que esse valor atinja cerca de 1 milhão de toneladas de alimentos
por ano. Paradoxalmente, um sexto da população mundial ainda passa fome.
Por outro lado, a FAO estima que, em 2050, a população mundial ascenderá a 9 mil milhões de pessoas.
Este crescimento demográfico levará certamente a uma necessidade de aumento da produção de alimentos,
mas também nos leva a repensar o paradigma da sustentabilidade, seja ela ambiental, económica ou social, o
que nos obriga, necessariamente, a reduzir o desperdício alimentar.
É, por isso, fundamental adotar políticas e comportamentos que, a par de uma maior equidade social,
reduzam os custos decorrentes do desperdício alimentar, não apenas os económicos mas também os
ambientais.
Neste sentido, saúdo Os Verdes por terem, mais uma vez, trazido este tema a debate nesta Câmara.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2012, o projeto PERDA, já
qui referido várias vezes, estimou que as perdas, em Portugal, sejam distribuídas, como o Deputado Nuno Serra
também mencionou, de forma relativamente equitativa pela produção, pela distribuição e pelas famílias, sendo
de cerca de 30% em cada uma destas fases da cadeia, e em menor proporção pela indústria (7,5%).
Estes valores são ligeiramente diferentes dos da média europeia mas igualmente preocupantes e
motivadores de uma reflexão com vista à promoção de políticas públicas que contribuam para a redução do
desperdício alimentar.
No caso da produção, e de grande parte da indústria também, podemos facilmente transformar estas perdas
em recursos, reutilizando-as numa lógica de economia circular, como fertilizante orgânico ou encaminhando-as
para a alimentação animal.
Já o mesmo não podemos dizer das perdas originadas nas restantes fases da cadeia alimentar. Por esse
motivo, entendemos que, para minimizar as perdas nas famílias e na distribuição, é fundamental a informação,
a sensibilização e a cooperação dos cidadãos, em particular dos mais jovens, que são geralmente promotores
de alterações comportamentais na sociedade.
Srs. Deputados, reduzir o desperdício alimentar no consumidor final implica uma alteração de
comportamentos, hábitos, atitudes e até das rotinas das famílias e da sociedade. E esse é um processo que é
muito demorado, um processo de continuidade.
É, pois, necessário o comprometimento da sociedade em geral e das instituições de solidariedade social para
um trabalho articulado e de parceria. Acreditamos que um amplo debate, com representação social e política,
poderá contribuir para uma questão que é um desígnio mundial mas, em primeira mão, um desígnio nacional.
Nos últimos anos, o desperdício alimentar tem sido alvo de uma atenção cada vez maior, quer com a
declaração do Ano Europeu de Combate ao Desperdício Alimentar em 2014, e, posteriormente, em 2016, com
a declaração do Ano Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar.
O CDS tem acompanhado esta temática desde a primeira hora. Na sequência da declaração do ano europeu
em 2014, o Governo anterior, como também já aqui foi mencionado, mobilizou-se num conjunto de iniciativas,
desde logo a elaboração do documento Desperdício alimentar — Um compromisso de todos, que envolveu 34
signatários — e não 25, como já foi referido —, na sua maioria da sociedade civil, e que pretendeu ser o primeiro
passo para a definição de princípios comuns e transversais rumo ao desperdício zero.
De facto, não fizemos tudo, mas foi um primeiro passo e este documento continha medidas que iam desde
reforçar a cooperação, passando pela informação ao consumidor sobre os rótulos e datas limites de consumo,
à exploração de mercados alternativos para produtos intermédios ou com menor valorização pelo consumidor e
incentivar cadeias não convencionais de redistribuição de alimentos.
Todos conhecemos a legislação dos circuitos curtos e hoje até já não estranhamos, até valorizamos, a fruta
de menores dimensões que aparece nas grandes superfícies, e também nas pequenas, que geralmente é
dirigida a uma público mais infantil mas que até há poucos anos não qualquer tipo de valorização comercial,
cumprindo todos os padrões de qualidade.
Estamos, ainda assim, muito longe de alcançar o objetivo a que todos nos propomos, mas muito foi já feito
do plano que o anterior Governo traçou. Da parte da produção e indústria, com toda a mobilização que toda a
sociedade civil teve, foram desenvolvidos protocolos de boa gestão para a doação de excedentes e muitas
organizações agrícolas têm já as suas iniciativas próprias. Na distribuição foram desencadeados protocolos de
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encaminhamento de excedentes para a economia social; para a sensibilização e educação foram elaborados
folhetos, em colaboração com as entidades oficiais para garantir toda a segurança alimentar — DGAV, ASAE e
DECO — e, numa lógica de responsabilização, foi lançada a iniciativa PRATØ, também já aqui mencionada.
O CDS defende que os esforços devem ser orientados para a mudança de atitudes, podendo, no entanto,
ser desenvolvidas políticas públicas e criados instrumentos que, direta ou indiretamente, promovam a redução
do desperdício.
O CDS defende por isso um modelo regulatório e não impositivo, um modelo de sensibilização e não de
punição.
Neste campo, há inúmeros bons exemplos de mobilização crescente de toda a sociedade civil que tiveram
como resultado não apenas a redução do desperdício alimentar como o fornecimento de um conjunto de
refeições a um elevadíssimo número de pessoas com diversos tipos de carências, que com esta política de
proximidade podem ser identificadas e encaminhadas para a eventual resolução dos seus problemas, e de outra
forma não teriam sido identificados e não seria possível resolvê-los.
Talvez o melhor exemplo seja mesmo o da Câmara Municipal de Lisboa, que conseguiu ultrapassar todas as
questões partidárias e reunir os consensos necessários para constituir um Comissariado Municipal de Combate
ao Desperdício Alimentar.
E digo que ultrapassou as questões partidárias porque este comissariado resulta de uma proposta do
Vereador do CDS João Gonçalves Pereira, que, na oposição, foi nomeado Comissário em reconhecimento do
seu trabalho e empenho nesta causa, com o apoio do Presidente da Câmara António Costa, agora Primeiro-
Ministro, tendo sido aprovado por unanimidade.
Hoje, a Câmara Municipal de Lisboa é considerada um exemplo a seguir e replicar noutras cidades do mundo,
nomeadamente pelo representante da FAO em Portugal, que afirmou, no final da semana passada, que «a
magia do que tem vindo a ser feito em Lisboa ao nível do combate ao desperdício alimentar assenta no reforço
do protagonismo da sociedade civil».
Para terminar, Sr. Presidente, quero dedicar uma palavra a todos quantos participam nestas iniciativas de
forma voluntária. Para além das empresas, que geralmente o fazem por responsabilidade social, há que destacar
os homens, mulheres, crianças e jovens que dedicam horas e dias das suas vidas pessoais a causas
humanitárias, com entrega e espírito de missão, a fazer voluntariado,…
Aplausos do CDS-PP.
… voluntariado este que é desvalorizado por alguns dirigentes políticas e sem os quais muito do que foi feito
não seria possível ou, pelo menos, muito menos se teria alcançado.
O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada já esgotou o seu tempo, tendo-o até ultrapassado muito porque houve
um problema com os tempos e só começou a descontar já passado 1 minuto.
Queira concluir.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, estou mesmo a terminar.
Dizia eu que muitas vezes o voluntariado é desvalorizado por alguns dirigentes políticos, mas sem ele muito
do que foi feito não seria possível ou muito menos se teria alcançado.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saudamos o debate trazido pelo Partido
Ecologista «Os Verdes», um tema tão importante como este e que nos toca a todos.
A questão da doação de bens alimentares excedentes e a sua redistribuição para fins de solidariedade social
tem sido, e muito bem, amplamente discutida na Assembleia da República.
Reforçando os dados científicos internacionais e o desígnio nacional de várias entidades, esta Assembleia
aprovou uma resolução, em 2015, com vista a combater o desperdício alimentar e para promover uma gestão
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eficiente dos alimentos, com 15 recomendações ao Governo, declarando o ano de 2016 como o ano nacional
do combate ao desperdício alimentar.
A aposta numa estratégia nacional integrada de combate ao desperdício alimentar é o único meio eficaz para
uma redução do mesmo na ordem dos 50% até 2025, como propõe o Parlamento Europeu. Perante este alerta,
sentimos necessidade de trazer mais ímpeto e iniciativa de concretização para este debate que dura há já vários
anos, demasiado tempo Srs. Deputados, de audições e reuniões perante evidências tão alarmantes.
Conforme a resolução do Parlamento Europeu, de janeiro de 2012, «Se não se tomarem medidas preventivas
adicionais, o volume global de desperdício alimentar atingirá, em 2020, 126 milhões de toneladas, ou seja, um
aumento de 40%». Quatro anos passaram desde então e não vimos no parlamento português a concretização
destas medidas adicionais, como aconteceu recentemente, por exemplo, em França e Itália.
Com o objetivo de contribuir para este debate, conjuntamente com todos os atores políticos e sociais, o PAN
vem propor a regulamentação da doação de bens alimentares excedentes e a sua redistribuição para fins de
solidariedade social pelas superfícies comerciais superiores a 400m2, a instituições recetoras devidamente
identificadas que depois os distribuam por pessoas com comprovada carência económica.
Vimos também propor a atribuição de benefícios fiscais às empresas dos setores primário, secundário e
terciário que remetam o excedente de alimentos ainda próprios para consumo para as instituições recetoras,
sendo que todas as iniciativas devem ser acompanhadas de uma aposta na formação e sensibilização social de
todos os intervenientes que operam na cadeia e gestão dos géneros alimentares.
Esta será também uma forma de as empresas do sector agroalimentar ampliarem o seu contributo para um
objetivo que é nacional, europeu e mundial, para além de ser um instrumento para valorizar as suas políticas e
estratégias de responsabilidade social.
Não obstante estas propostas, será também fulcral fazer uma nova investigação nacional sobre o desperdício
alimentar que comporte mais dados e variáveis, de modo a complementar o único estudo nacional existente, o
PERDA.
São várias as associações de cariz humanitário que trabalham diariamente para redirecionar bens
alimentares e refeições passíveis de serem desperdiçados, contribuindo também para uma gestão mais
sustentável dos recursos terrestres e promovendo, em simultâneo, a redução da emissão de gases de efeito de
estufa.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado já ultrapassou o seu tempo.
O Sr. André Silva (PAN): — E é desta forma que, desde a produção ao consumo, o Estado, as empresas,
as restantes organizações sociais e humanitárias, tal como os cidadãos, consubstanciam uma cidadania
participativa e empática e reforçam o tecido social, lançando bases de resiliência, sobretudo perante metas tão
claras como as que precisamos cumprir no que respeita à redução do desperdício alimentar. É precisamente
este campo que o Estado deve promover, legislando de modo a que todas estas entidades possam cooperar
para um bem maior.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Cumprimento o Partido Ecologista «Os Verdes» pela iniciativa que tomou trazendo a este debate uma matéria
que nos preocupa a todos.
«O desperdício alimentar assumiu uma dimensão tal que está a ser considerado um problema à escala
mundial, que se reflete ao longo de todos os elos da cadeia agroalimentar, do campo até à mesa do consumidor».
Esta afirmação, emanada do Parlamento Europeu, evidencia uma consciencialização do problema e a
necessidade de intervir para inverter esta realidade.
Segundo um estudo da FAO, anualmente, são desaproveitadas 1.3 mil milhões de toneladas de alimentos,
uma perda económica com graves impactos nos recursos naturais dos quais o ser humano depende para se
alimentar.
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Paralelamente, nos países desenvolvidos, o fluxo de resíduos alimentares representa uma fração
considerável dos resíduos urbanos produzidos, com repercussões no desenvolvimento social, económico e
ambiental.
Durante um ano, os alimentos produzidos mas não consumidos necessitam de um volume de água
equivalente ao volume de água do maior rio do continente europeu, o rio Volga, na Rússia, sendo responsáveis
pela emissão de 3,3 mil milhões de toneladas de gases com efeito estufa para a atmosfera. Estamos perante
impactos ambientais de elevada dimensão que incidem sobre o nosso ecossistema, desequilibrando-o de forma
irreversível.
Conscientes da necessidade de transformar o nosso mundo, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável, que entrou em vigor no passado dia 1 de janeiro, como já foi várias vezes referido, definiu um
conjunto de políticas e de práticas que consolidem a produção e o consumo responsáveis.
A concretização do Plano de Ação para a Produção e Consumo Sustentáveis deve ser o mote, a linha de
orientação que urge concretizar, no sentido de garantirmos a materialização das medidas consignadas, não só
para o seu desenvolvimento mas, sobretudo, para assegurar uma gestão sustentável, com uso eficiente dos
recursos e respeito pelo meio ambiente.
Os ecossistemas não aguentarão durante muito mais tempo esta exploração desenfreada de recursos
naturais e o desrespeito pelo meio ambiente. Nesse sentido, temos de continuar a defender a existência de
áreas protegidas, de preservar e garantir a biodiversidade, de incrementar a educação ambiental, de gerir com
eficiência as nossas florestas, de respeitar o meio através de uma gestão racional do território, de promover uma
gestão eficiente das estruturas públicas, para que os ecossistemas funcionem com naturalidade, garantindo a
própria sobrevivência do ser humano.
Paralelamente, as grandes empresas nacionais e internacionais, as autarquias, as entidades públicas têm
de contribuir com a sua quota-parte, racionalizando o uso da água, dos combustíveis e da energia, reduzindo o
uso dos produtos químicos, efetuando a devida gestão dos seus resíduos e adotando práticas sustentáveis de
produção e consumo.
A consciencialização dos consumidores e o próprio desenvolvimento da educação ambiental conduziu-nos
para um crescente número de pessoas que preconizam práticas diferenciadas e que exigem das empresas, dos
seus concidadãos e do Estado o mesmo comportamento relativamente às formas de consumo, de produção e
à partilha de responsabilidades.
Uma postura mais responsável por parte das empresas que cumprem as leis e que em alguns casos
desenvolvem e apoiam projetos de preservação ambiental, de redução de resíduos, de minimização da emissão
de poluição para o ar, para a água e para os solos, para além do que lhes é exigido, fidelizam consumidores e
projetam-nas como estruturas económicas e empresariais de futuro.
Necessitamos, pois, que os países façam a transição para uma economia verde inclusiva, baixa em carbono
e eficiente na utilização de recursos, e que cada um de nós, junto das nossas famílias, dos estabelecimentos
comerciais, dos restaurantes, nas escolas, nos ministérios, nas empresas, contribua para a sustentabilidade
ambiental, preconizando práticas que garantam a segurança alimentar e uso eficiente dos recursos e dos
alimentos, sem os desperdícios que hoje nos atormentam.
Os governos não podem continuar a permitir que um terço de todos os alimentos produzidos se perca e se
desperdice devido a práticas inadequadas, quando há 870 milhões de pessoas que a cada dia não têm o que
comer.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.
O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O tema que
hoje discutimos, o desperdício alimentar, é relevante.
É difícil perceber porque se deterioram alimentos sem serem consumidos e, por outro lado, milhões de
pessoas sofrem de carências alimentares. Parecendo anacrónica, esta realidade tem razão de ser.
Uma primeira razão está nos processos produtivos: aqui residirá um dos primeiros problemas. A estratégia
de produção agrícola está orientada e enquadrada por critérios, ditos de mercado, em que o valor económico
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dos produtos se sobrepõe ao seu valor alimentar. Isto tem justificado a opção de valorizar modelos de produção
intensiva em detrimento de uma agricultura familiar que, entre outras, está associada à produção de qualidade
e de proximidade.
Com este problema cruza-se a soberania alimentar. Os setores produtivos são orientados em função da
procura de maiores e mais rápidos lucros, independentemente das necessidades do País. Sinal disto é que,
apesar do nível de autoabastecimento do País no sector agroalimentar superar os 70%, em produtos como a
carne, cereais para panificação, batatas e leguminosas, esses níveis são, em alguns casos, dramáticos.
Por isso, entende o PCP que os objetivos nacionais que passem apenas por atingir o equilíbrio da balança
agroalimentar em valor podem ser curtos relativamente às necessidades alimentares dos portugueses.
Um outro problema passa pela normalização dos produtos alimentares. Os produtos alimentares são
valorizados em função do seu aspeto e não em função do seu valor alimentar. Medidas desta natureza fazem
com que muitos produtos acabem por ficar nas explorações. Têm responsabilidade por isto as regras da União
Europeia que, embora tendo sido alvo de alterações, continuam a promover o abandono de alimentos.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo.
O Sr. João Ramos (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Tal como dissemos há um ano, e cito, «um País organizado, moderno e soberano tem de garantir a
alimentação dos seus cidadãos, procurando atingir a autossuficiência, tanto quanto possível, e medidas de
aproveitamento de todos os recursos que implicam a rejeição de imposições que limitem as possibilidades de
consumo, fazendo prevalecer o aspeto ao conteúdo medidas, têm de ser combatidas.
Termino, dizendo que o PCP está disponível para travar o combate ao desperdício alimentar que passe pela
garantia da nossa soberania alimentar e pelo estímulo e valorização da produção nacional.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Ponteira.
A Sr.ª Sandra Pontedeira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de
Estado: Permitam-me, também, fazer uma saudação ao Partido Ecologista «Os Verdes» pela temática desta
interpelação ao Governo. Trata-se, uma vez mais, de um debate indispensável, diria até obrigatório, neste
Parlamento, do qual devem ser extraídas as devidas consequências.
Esta luta não é nova, mas é premente. O desperdício alimentar tem impacto a nível ético, económico,
sanitário e ambiental, como já hoje aqui foi abordado, mas este também é um problema de índole social: Portugal
foi o País onde se registou a maior subida da taxa de privação severa, na qual, como sabemos, entre outras
dificuldades, se incluem as necessidades alimentares. Crianças e jovens são os mais afetados, hoje, e com
sérias repercussões no seu futuro.
Com a crise vivida nos últimos anos também mudaram os hábitos alimentares dos portugueses que em nada
contribuem para uma redução do desperdício alimentar, e muito menos para uma alimentação equilibrada.
Quando 17% dos bens alimentares são desperdiçados, e uma grande fatia ainda na fase da produção, quando
os números são colossais — 200 milhões de pessoas que poderiam ser alimentadas com alimentos que são
todos os dias desperdiçados na Europa —, temos consciência que combater a pobreza também passa pelo
sério combate ao desperdício alimentar.
É imperioso assegurar o direito ao acesso à alimentação a todos e este combate não passa, Srs. Deputados,
aliás, como já hoje foi referido, pelo apoio alimentar com base na caridade, mas, sim, por ser criadas as
condições necessárias para a acessibilidade de todos a alimentos que garantam, ao mesmo tempo, o respeito
pela dignidade humana e autonomia das pessoas e proporcionem uma dieta equilibrada e saudável.
É uma questão transversal — sabemos — que a todos diz respeito, mas é fundamental a educação das
crianças e jovens para o não desperdício alimentar, apostando, desta forma, na prevenção. Para tal, é
necessário promover a educação para a cidadania e para a saúde junto deles.
É, também, fundamental a consolidação legislativa nesta matéria, estudos aprofundados, investigação
relativamente à produção, à indústria, ao comércio e ao consumo, e a devida articulação de políticas públicas
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nos vários domínios, agropecuário, saúde, educação, ambiente, economia e social. É necessário quantificar,
monitorizar e avaliar, criando as condições necessárias para um combate nacional, mas que se quer, também,
regional e local, envolvendo os vários intervenientes, por um lado, na consciencialização e sensibilização e, por
outro, na procura das melhores soluções para os melhores resultados.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao fim deste período de debate. Vamos agora passar ao
encerramento.
Tem a palavra, em nome de Os Verdes, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs.
Deputados, deixo umas notas finais para vos dizer o seguinte: na perspetiva de Os Verdes, quando falamos de
desperdício alimentar temos de falar, a montante, sempre e necessariamente, do direito à alimentação e à
alimentação saudável. Este direito é para todas as pessoas!
Ora, precisamos depois de perceber que isto tem uma transversalidade que não podemos perder de vista. É
que, quando o anterior Governo cortou rendimentos às famílias, a nível dos salários ou das pensões, e quando
cortou nos apoios sociais, designadamente no abono de família, no subsídio de desemprego, entre outros,
retirou a muitas destas famílias a sua capacidade de ter acesso e sucesso no seu direito à alimentação.
Lembramo-nos como nos anos de 2012, 2013 e 2014 muitas pessoas chegavam à Assembleia da República
a dar registo de fome! De fome! O que levou, inclusivamente, Os Verdes a apresentar um projeto, na Assembleia
da República, que previa a criação do pequeno-almoço escolar, porque recebíamos queixas de muitas escolas,
diretamente dos professores, de crianças que chegavam à escola sem se terem alimentado e o almoço que
comiam na escola era a única refeição que comiam no dia.
Portanto, isto para dizer que as políticas sociais também são extraordinariamente relevantes quando
discutimos esta matéria.
Por outro lado, e para me colocar um bocadinho na lógica dos Srs. Deputados do CDS, aproveito para lhes
dar ainda esta informação: quando realizámos a audição, como referi, aqui, no Parlamento no início do mês de
junho, a ARESP — Associação de Restauração e Similares de Portugal falou-nos da criação que tinha feito de
um programa de fornecimento de alimentos a pessoas carenciadas e quando os senhores aumentaram o IVA
na restauração o confronto com dificuldades foi de tal ordem que a ARESP teve de suspender o programa.
Portanto, vejam bem como tudo isto está interligado e como tudo isto tem relevância.
Depois, Sr.as e Srs. Deputados, há uma questão que para Os Verdes é fundamental: o conhecimento sobre
aquilo que se desperdiça e como se desperdiça. Não podemos perder este objetivo de vista e, por isso, Os
Verdes também consideram que é importante trabalhar para uma iniciativa legislativa e estamos a trabalhar no
sentido de se perceber, nas cantinas públicas, qual é o nível de desperdício. Porque as cantinas públicas
também têm de ser, de alguma forma, um exemplo nas ações que temos de tomar. Nós não sabemos qual o
nível de desperdício alimentar e a sua causa efetiva nas cantinas.
Por exemplo, no outro dia, quando discutimos o projeto de lei de Os Verdes sobre a alternativa das ementas
vegetarianas nas cantinas, um Sr. Deputado do PSD dizia que, muito provavelmente, introduzir mais essa
ementa leva a mais desperdício alimentar. E não! Curiosamente, na nossa audição, uma das questões que foi
referida foi que nas cantinas escolares, onde é oferecido apenas um prato às crianças, quando as crianças não
gostam desse prato, nota-se um volume de desperdício. Isto é para nos fazer refletir sobre como as ofertas
alimentares também podem promover a redução do desperdício alimentar.
Enfim, há todo um conjunto de fatores que temos, de facto, de nos permitir conhecer e refletir para, depois,
tomarmos medidas mais adequadas. Já agora gostava de dizer que há ameaças que também temos de ter em
conta. Por exemplo, Sr. Ministro, o facto de o PDR 2020 (Programa de Desenvolvimento Rural 2016-2020) não
ter um subprograma para as cadeias de circuitos curtos de comercialização é problemático ou, pelo menos, é
fundamental que essa ajuda mais direta se faça.
Por outro lado, temos a ameaça do TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) e do CETA
(Comprehensive Economic and Trade Agreement) que, como sabemos, são monstros da globalização que
visam servir interesses das multinacionais e espezinhar os pequenos produtores e a produção local. Temos de
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estar atentos a esta matéria. Não podemos estar a agir, por um lado, e, depois, a apoiar mega-acordos desta
forma que só beneficiam os grandes e que vão exatamente contra o que é fundamental e de que hoje, aqui,
neste debate tanto falámos, que é a produção familiar e a produção local, que são justamente uma das melhores
formas de permitir a redução do desperdício alimentar.
Sr.ª Deputada Fátima Ramos, relativamente a uma intervenção que fez a este propósito, deixe-me, por favor,
dizer-lhe o seguinte: quanto a esse guia, de que falou, de prevenção do desperdício alimentar de 2014, falámos
dele na nossa intervenção. Contudo, verificamos que se trata de um conjunto de princípios e que não tem metas
estabelecidas. Mas, Sr.ª Deputada, não se olhar ao espelho e não perceber que, em 2014, 2015, o PSD e o
CDS, que estavam no Governo, não fizeram rigorosamente nada sobre a matéria é que já é um bocadinho de
descaramento a mais, permita-me que lhe diga!
Para terminar, Sr. Presidente, quero agradecer todas as saudações que todos os Srs. Deputados que
intervieram fizeram a esta interpelação de Os Verdes. Mas, nós não ficamos satisfeitos só com as saudações,
apesar de as agradecermos. O que consideramos é que esta interpelação pode constituir um motor para a ação,
no Parlamento, dos diferentes grupos parlamentares e também do Governo para a matéria do combate ao
desperdício alimentar. E é isso que esperamos que resulte desta interpelação.
Por parte de Os Verdes, estamos a fazer o nosso trabalho e a construir um conjunto de iniciativas que
gostaríamos de ver discutidas na próxima sessão legislativa.
Aplausos de Os Verdes, do BE e do PCP.
O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate tem a palavra, em nome do Governo, o Sr. Ministro da
Agricultura.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural:— Sr. Presidente, Sr.as e Srs.
Deputados, compreenderão que uma curta intervenção não significa desvalorização do tema que estamos a
discutir.
Queria congratular-me pelo amplo consenso que este tema gerou entre o Parlamento e o Governo,
naturalmente, na sua tripla dimensão: social, económica e ambiental.
Queria também reconhecer e prestar homenagem ao importante e gigantesco esforço que milhares de
cidadãos anónimos e muitas instituições fazem para combater este problema e para praticar a solidariedade.
Aplausos do PS.
Gostaria de reafirmar a atitude do Governo no que concerne ao respeito pelo Parlamento e pelas suas
decisões e recomendações e dizer, ainda, que tudo faremos para, no que nos diz respeito, dar sequência às
recomendações da Resolução n.º 65/2015, e de confirmar o empenho do Governo nas instâncias internacionais,
desde logo, na União Europeia, no sentido de tudo fazer para encontrar metodologias e ações comuns para
encarar e enfrentar este problema.
Por último, queria reafirmar a vontade do Governo de dar expressão urgente à concretização de uma
estratégia nacional de combate ao desperdício e de um plano de ação, no qual espero que participe toda a
sociedade e, desde logo, de uma forma mais relevante do que todas, o Parlamento.
Portanto, o Governo tudo fará para que isso aconteça.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr. Ministro Capoulas Santos pela sua capacidade de síntese.
Amanhã a reunião plenária terá lugar às 15 horas, tendo como primeiro ponto da ordem de trabalhos a
evocação do centenário da Lei n.º 621, de 23 de junho de 1916, que institui as freguesias em Portugal. Do
segundo ponto, consta a interpelação n.º 6/XIII (1.ª) — Sobre políticas de saúde (CDS-PP).
Do terceiro ponto, consta, sem tempos atribuídos, a apresentação das propostas de resolução n.os 9/XIII (1.ª)
— Aprova, para adesão, a Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço
de Quartos para Pessoal de Navios de Pesca, Convenção STCW-F, adotada em Londres, em 7 de julho de
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1995, e 11/XIII (1.ª) — Aprova o Acordo de Parceria Económica Intercalar entre a Costa do Marfim, por um lado,
e a Comunidade Europeia e os seus Estados-membros, por outro, assinado em Abidjan, a 26 de novembro de
2008 e em Bruxelas, a 22 de janeiro de 2009.
Haverá ainda votações regimentais, no final do debate.
Espero que corra tudo bem no final desta tarde…!
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.