Página 1
Quarta-feira, 7 de dezembro de 2016 I Série — Número 26
XIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2016-2017)
REUNIÃOPLENÁRIADE 6 DEDEZEMBRODE 2016
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Sandra Maria Pereira Pontedeira
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 3
minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º
39/XIII (2.ª), dos projetos de lei n.os 349 a 353/XIII (2.ª) e dos projetos de resolução n.os 557 a 559/XIII (2.ª).
Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, teve lugar um debate de atualidade, requerido pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», sobre os resíduos importados de Itália para Setúbal, tendo proferido intervenções, além da Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes), que abriu o debate, e do Ministro do Ambiente (João Pedro Matos Fernandes), os Deputados Jorge Paulo Oliveira (PSD), Renato Sampaio (PS), Ana Virgínia Pereira (PCP), Álvaro Castello-Branco (CDS-PP), Jorge Duarte Costa (BE) e Paula Santos (PCP).
Seguiu-se um debate, requerido pelo Governo, sobre a reforma da floresta, tendo usado da palavra, além do Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Regional (Luís Capoulas Santos), que interveio na fase de abertura, os Deputados Nuno Serra (PSD), Joaquim Barreto (PS), Carlos Matias (BE), Patrícia Fonseca (CDS-PP), João Ramos (PCP),
José Luís Ferreira (Os Verdes), Maurício Marques (PSD), Francisco Rocha (PSD), Pedro Soares (BE) e Ilda Araújo Novo (CDS-PP).
Foi aprovado um parecer da Subcomissão de Ética da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à substituição de um Deputado do PSD.
Foram discutidos, conjuntamente, na generalidade, os projetos de lei n.os 341/XIII (2.ª) — Alterações ao Estatuto do Gestor Público e aos regimes jurídicos do setor empresarial do Estado e do setor empresarial local (PSD), 342/XIII (2.ª) — Impõe deveres de transparência aos administradores da Caixa Geral de Depósitos e altera o Estatuto do Gestor Público (PSD), 351/XIII (2.ª) — Altera o Estatuto do Gestor Público, revogando o regime de exceção criado pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho, e clarificando o alcance das respetivas obrigações declarativas (CDS-PP) e 352/XIII (2.ª) — Altera o Estatuto do Gestor Público, revogando o regime de exceção criado pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho, e estabelecendo limites remuneratórios (CDS-PP). Intervieram os Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Cecília Meireles (CDS-PP), Paulo Trigo Pereira (PS), Miguel
Página 2
I SÉRIE — NÚMERO 26
2
Tiago (PCP), Mariana Mortágua (BE), José Luís Ferreira (Os Verdes) e João Galamba (PS).
Foram também discutidos, na generalidade, os projetos de lei n.os 345/XIII (2.ª) — Promove a regulação urgente das responsabilidades parentais e a atribuição de alimentos em situações de violência doméstica e de aplicação de medidas de coação ou de pena acessória que impliquem afastamento entre progenitores (PS), 327/XIII (2.ª) — Procede à primeira alteração ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, e à segunda alteração à Lei n.º 75/98, de 19 de novembro) (BE), 350/XIII (2.ª) — Altera a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, alargando o período de proteção até aos 25 anos (Terceira alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis n.os 142/2015, de 8 de setembro, e
31/2003, de 22 de agosto) (PCP) e 353/XIII (2.ª) — Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades parentais em situações de violência doméstica (PAN), juntamente com o projeto de resolução n.º 558/XIII (/2.ª) — Recomenda ao Governo a avaliação do desempenho do apoio judiciário no âmbito dos crimes de violência doméstica e regulação das responsabilidades parentais e que proceda à verificação da necessidade de criação de uma equipa multidisciplinar que dê apoio ao sistema judiciário (PAN). Proferiram intervenções os Deputados Elza Pais (PS), Sandra Cunha (BE), Rita Rato (PCP), André Silva (PAN), Fernando Negrão (PSD) e Vânia Dias da Silva (CDS-PP).
Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 40 a 42/XIII (2.ª).
O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 18 horas e 20 minutos.
Página 3
7 DE DEZEMBRO DE 2016
3
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, vamos dar
início à nossa sessão.
Eram 15 horas e 3 minutos.
Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias.
Antes de entrarmos na ordem do dia, o Sr. Secretário Duarte Pacheco vai proceder à leitura do expediente.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram
admitidas, várias iniciativas legislativas.
Deu entrada a proposta de lei n.º 39/XIII (2.ª) — Procede à 13.ª alteração ao Código do Trabalho e à quarta
alteração ao Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril, na sua redação atual, no sentido do reforço do regime de
proteção na parentalidade (Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira), que baixa à 10.ª
Comissão.
Deram ainda entrada os projetos de lei n.os 349/XIII (2.ª) — Aprova o estatuto da condição policial (PCP), que
baixa à 1.ª Comissão, 350/XIII (2.ª) — Altera a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, alargando o
período de proteção até aos 25 anos (Terceira alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo,
aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis n.º 142/2015, de 8 de setembro, e n.º
31/2003, de 22 de agosto) (PCP), 351/XIII (2.ª) — Altera o Estatuto do Gestor Público, revogando o regime de
exceção criado pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de Julho, e clarificando o alcance das respetivas obrigações
declarativas (CDS-PP), 352/XIII (2.ª) — Altera o Estatuto do Gestor Público, revogando o regime de exceção
criado pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de Julho, e estabelecendo limites remuneratórios (CDS-PP) e 353/XIII
(2.ª) — Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades parentais em situações de violência
doméstica (PAN).
Por fim, deram entrada os projetos de resolução n.os 557/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que tome
diligências junto da União Europeia no sentido de promover a menção clara, nos rótulos do mel, do país ou
países onde o mel é produzido (BE), que baixa à 7.ª Comissão, 558/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a
avaliação do desempenho do apoio judiciário no âmbito dos crimes de violência doméstica e regulação das
responsabilidades parentais e que proceda à verificação da necessidade de criação de uma equipa
multidisciplinar que dê apoio ao sistema judiciário (PAN) e 559/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a
implementação de medidas para a redução das infeções hospitalares (BE).
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, da ordem do dia de hoje consta, em primeiro lugar, um debate de
atualidade, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, requerido pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os
Verdes», sobre os resíduos importados de Itália para Setúbal.
Para abrir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, Sr.as e Srs. Deputados:
Os Verdes marcaram este debate de atualidade porque consideram que há respostas que não estão a ser dadas
ao País e que devem ser prestadas. Não vimos aqui fazer nenhum tipo de acusação, vimos fazer perguntas, e
gostaríamos de obter respostas concretas.
Sr. Ministro, talvez o ponto de partida seja este: há muitos anos que Os Verdes denunciam o caminho que
foi prosseguido por vários governos — do PS, do PSD, do CDS — no sentido de tornar alguns setores na área
do ambiente uma verdadeira área de negócio, ou seja, um setor lucrativo, e a área dos resíduos foi um deles. E
quando temos presente que o grande objetivo não é de caráter ambiental, mas sim de caráter económico, há
qualquer coisa que começa a resvalar, ou seja, quando o tratamento de resíduos é guiado pela palavra «lucro»
há qualquer coisa que começa a resvalar.
Até nem me admirava nada, Sr. Ministro, que, nesta matéria do movimento transfronteiriço de resíduos, e,
designadamente, da nossa parte, da importação de resíduos, houvesse até uma brutal concorrência entre
algumas das empresas que gerem infraestruturas de eliminação, tratamento e deposição de resíduos, como,
por exemplo, o CITRI (Centro Integrado de Tratamento de Resíduos Industriais, SA) ou a Secil. Não me admirava
nada que houvesse concorrência a esse nível.
Página 4
I SÉRIE — NÚMERO 26
4
Mas, Sr. Ministro, aquilo que nós sabemos — e este é um caso particular que vem revelar a acusação que
Os Verdes fazem há muitos anos — é que a RTP veio denunciar um conjunto grande, relevante, de praticamente
2700 toneladas de resíduos que tinham chegado a Setúbal, ao CITRI, provenientes de Itália, que muitas mais
toneladas estariam previstas para chegar a Portugal e, Sr. Ministro, logo na altura, Os Verdes dirigiram uma
pergunta escrita ao Governo no sentido de procurar obter alguma informação. Designadamente, perguntávamos
se o Ministério do Ambiente confirmava esta informação, de que quantidade de resíduos se tratava, que
acompanhamento é que as entidades nacionais tinham feito e que entidades, que análises tinham sido feitas e
que resultados se teria obtido dessas análises, de que tipo de resíduos se tratava, qual o destino final previsto,
se tinha sido dada autorização para receber mais resíduos de Itália, como constava da informação, que
quantidade, para quando, se sim por que razão.
Sr. Ministro, passou quase um mês e até à data não obtivemos resposta por parte do Governo. E porque Os
Verdes consideram que a Assembleia tem várias figuras, vários instrumentos, vários mecanismos para o
exercício da sua função de controlo e fiscalização do Governo, entendemos marcar este debate de atualidade
para que essa resposta viesse de uma forma mais célere.
Lembramos, Sr. Ministro, que, numa reunião realizada nesta mesma Sala, no âmbito da apreciação do
Orçamento do Estado, foram-lhe colocadas questões por várias bancadas relativamente a esta matéria dos
resíduos provenientes de Itália para Setúbal. O Sr. Ministro disse estar confortável em relação a essa questão
e que, de resto, não se tinha até pronunciado porque se tratava de uma operação perfeitamente recorrente,
normal.
Os Verdes alertaram-no, na altura, para que, mesmo para operações recorrentes e normais, a transparência
e a informação são dados absolutamente necessários.
O Ministro diz não haver qualquer problema, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) diz que confiou nas
análises feitas pelas autoridades italianas e considerou não ser preciso fazer rigorosamente mais nada para
receber os resíduos, e o IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do
Território), pelos vistos, entendeu que havia razões para fazer análises, procedeu a essas análises e detetou
eventuais irregularidades. Foram levantadas dúvidas e, por essa mesma razão, os resíduos ficaram retidos,
suspensos relativamente ao seu destino e ao processo normal que deveria daí recorrer.
Agora, está nas mãos da empresa, neste caso concreto do CITRI, a obrigação de dar esclarecimentos
adicionais relativamente ao resultado destas análises.
Esta é a informação que temos daquilo que tem vindo a público.
Queria que o Sr. Ministro confirmasse tudo isto, que dissesse se é assim, se não é, o que é que se está a
passar. Nós, como Deputados, temos de ter essa informação diretamente por parte do Governo.
Por isso, Sr. Ministro, impõe-se que seja dada resposta a um conjunto de perguntas.
Quantos resíduos chegaram a Setúbal provenientes de Itália? Estão ou não autorizados mais resíduos
provenientes do mesmo país de origem? Qual o tipo de tratamento ou destino a que vão estar sujeitos? Há ou
não triagem desses resíduos? Vão alguns para reciclagem? Vão todos para aterro? Como é que é? De que tipo
de resíduos se trata e qual a sua classificação? Qual foi o resultado das análises feitas pelo IGAMAOT? Quando
os resíduos são importados para Portugal não se fazem análises a amostras desses resíduos? Não é esse um
procedimento normal? É ou não?
Sr. Ministro, a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) deve ter um levantamento de todos os resíduos
importados e exportados e o destino, em Portugal, dos importados.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, já ultrapassou o tempo de que dispunha.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.
Queria só dizer o seguinte: nós, Deputados à Assembleia da República, precisamos urgentemente de tomar
conhecimento de um dossier da APA que dê conta de todos os resíduos que são importados para Portugal.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira.
Página 5
7 DE DEZEMBRO DE 2016
5
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, Sr.as e Srs. Deputados: A
temática que o Partido Ecologista «Os Verdes» escolheu para a marcação deste debate de atualidade trata de
uma matéria que também nós temos vindo a acompanhar.
No final do mês de outubro, na sequência de notícias vindas a público sobre a importação de 2700 toneladas
de lixo provenientes de Itália e com destino ao CITRI, em Setúbal, fomos a primeira força política a dirigir uma
pergunta ao Sr. Ministro do Ambiente…
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não é verdade!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — … sobre os contornos desta operação, pergunta essa a que o Governo
não oficiou qualquer resposta até ao presente.
Ato contínuo, em sede de discussão de Orçamento do Estado para 2017, aproveitámos a circunstância — e
fomos a única força política a fazê-lo — …
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É falso!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — … para questionar novamente o Sr. Ministro do Ambiente sobre o
assunto e, muito concretamente, sobre o seu silêncio perante o avolumar de notícias que, do nosso ponto de
vista, mereciam um esclarecimento formal da parte do Governo.
O Sr. Ministro não fugiu à interpelação e foi perentório, ao dizer: «O meu silêncio não tem nenhum significado,
porque esta é uma operação banal e, como tal, está a ser gerida pelo Ministério do Ambiente com normalidade».
Estamos, como se alcança, empenhados neste debate, mas queremos que este seja um debate sério,
rigoroso, esclarecedor e clarificador. E gostaríamos também que esta fosse uma discussão mais ampla e mais
abrangente, uma discussão que ultrapassasse os próprios limites geográficos do distrito de Setúbal. Isto porque
a atividade de gestão de resíduos que está arrolada corre em todo o território nacional, envolve empresas de
resíduos, envolve fábricas de reciclagem e envolve autarquias, como todos sabemos, e gera, anualmente, mais
de 500 milhões de euros. Há muitos anos que importamos lixo, há muitos anos que exportamos lixo. Importamos
e exportamos resíduos banais e importamos e exportamos resíduos perigosos.
A importação do lixo nada tem a ver, por isso, com a privatização da EGF (Empresa Geral de Fomento),
como sugere uma certa esquerda.
Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.
Importamos lixo pelas mais variadas razões, entre as quais, por exemplo, como forma de obter matérias-
primas para a indústria. Mas também exportamos lixo. Nos últimos cinco anos, exportámos 307 000 toneladas
de resíduos. Exportámos lixo para a Alemanha, para a Dinamarca, para a Espanha, para os Estados Unidos da
América, para a França, para a Holanda, para Marrocos e para a Suécia.
Em 2015, dos resíduos que exportámos, 58% são resíduos perigosos que temos dificuldade em valorizar e
mesmo em eliminar. Por isso, somos daqueles que defendem que as questões ambientais têm de ser olhadas
de forma global e não de Estado a Estado.
Por isso mesmo, também não nos revemos naqueles que defendem, por exemplo, a proibição dos
movimentos transfronteiriços de resíduos.
Vamos continuar a acompanhar este assunto. Mas a nossa discussão não pode circunscrever-se à
importação de lixo proveniente de Itália, ou de qualquer outro país, com destino ao CITRI de Setúbal, ou a
qualquer outro equipamento ambiental do nosso País — aliás, seria estranho que limitássemos o nosso debate
a esse âmbito, e digo porquê. Seria estranho porque, nessa altura, colocar-se-ia a seguinte questão: então, as
80 000 toneladas de lixo que anualmente importamos para queimar nas cimenteiras não devem merecer a nossa
atenção? Então, a coincineração dos resíduos industriais perigosos, na Secil, no Parque Natural da Arrábida,
em Setúbal, ou na Cimpor de Souselas, em Coimbra, não deve merecer igualmente a nossa preocupação e a
nossa atenção? Então, as 46 000 toneladas de resíduos perigosos que importamos anualmente não devem
merecer a nossa atenção? Nós achamos que sim. Por isso é que esse debate deveria ser mais amplo. E a nossa
disponibilidade para esse debate, sem excluir o debate que aqui nos traz, é total.
Página 6
I SÉRIE — NÚMERO 26
6
Aplausos do PSD.
Protestos de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.
O Sr. Renato Sampaio (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É recorrente nesta Câmara, através
de vários formatos regimentais, debater a problemática dos resíduos, sinal de que, em vários momentos, as
políticas dos resíduos são nossa preocupação.
Este debate de atualidade até pode fazer sentido, porque se trata de resíduos importados e, por isso, deve
haver um estreito controlo da sua origem e do tipo de resíduos, que foi exatamente o que aconteceu neste caso,
em que as autoridades portuguesas efetuaram uma ação inspetiva para obter as respetivas informações. E
obtiveram-nas: inspecionaram a documentação para a autorização das importações, a origem dos resíduos, o
tipo de resíduos; recolheram a informação necessária para saber se os resíduos rececionados tinham sido
previamente sujeitos, antes do embarque, ao tratamento mecânico e biológico, condição necessária para serem
importados; foram feitas diversas análises, cujo resultado demonstrou que os parâmetros de carbono orgânico
dissolvido estavam acima dos valores normais, é verdade — mas estes valores demonstram apenas a existência
de material orgânico em excesso, e aqui o que era necessário saber era se o aterro onde estavam para ser
depositados os resíduos reunia as condições necessárias para o seu tratamento. Ora, a Inspeção-Geral, como
medida de precaução, e em função dos valores encontrados, decidiu e determinou que se retivessem os
resíduos para depósito até existirem análises mais globais e mais rigorosas para se encontrar a melhor solução
para este caso.
Do nosso ponto de vista, as autoridades portuguesas agiram bem, dentro das normas e da legislação em
vigor. E temos a certeza de que, em função dos resultados obtidos, encontrarão a melhor solução ambiental
para resolver os problemas relativos a estes resíduos.
Confiamos, obviamente, nos mecanismos disponíveis para a execução deste tipo de operações, quer seja
na importação, quer seja na exportação. Confiamos ainda mais nas autoridades portuguesas e em quem as
tutela, que têm a responsabilidade de permitir e de autorizar a sua deposição em aterros preparados para tal.
Continuaremos, obviamente, a acompanhar este assunto sem dramatismos e sem provocar qualquer tipo de
alarme para que a solução encontrada possa ser a melhor, a melhor para Portugal, a melhor para os portugueses
e, fundamentalmente, a melhor para o ambiente. Mas, Sr. Ministro, gostaria que, na sua intervenção final, nos
pudesse dizer se existem dados novos que justifiquem um alarme — que até pode ser considerado um alarme
social — à volta de uma operação que, do ponto de vista da legislação portuguesa e da legislação europeia, é
uma operação absolutamente normal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra a Sr.ª
Deputada Ana Virgínia Pereira.
A Sr.ª Ana Virgínia Pereira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Foi
tornado público que as autoridades ambientais portuguesas e italianas concretizaram um acordo para o envio
de 20 000 toneladas de resíduos, alegadamente de baixo risco, para um aterro, o CITRI, Centro Integrado de
Tratamento de Resíduos Industriais, na região de Setúbal. Todos sabemos que já chegaram a Portugal as
primeiras 2700 toneladas, tendo estas sido colocadas em quarentena até haver resultado das análises efetuadas
aos resíduos, por imposição da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do
Território.
Srs. Deputados, Sr. Ministro, conhecidos que foram os resultados das referidas análises, foi tornada pública
a existência de um parâmetro presente nos resíduos, o carbono orgânico dissolvido, que ultrapassava em muito
os níveis de perigosidade permitidos, razão pela qual o Governo terá interditado o processamento dos resíduos
até que se procedesse a um esclarecimento da situação real dos riscos dos resíduos.
Página 7
7 DE DEZEMBRO DE 2016
7
Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, este episódio vem comprovar a legitimidade das preocupações da
população e das autarquias da região, que sempre se opuseram à construção do aterro do CITRI, pelas
implicações ambientais e ao nível da saúde pública que atividades desta natureza poderão provocar, mormente
quando se localizam a escassos metros de um património ambiental, como é o caso da Reserva Natural do
Estuário do Sado.
Sr. Ministro, deixo-lhe três questões: face à decisão de impedimento do tratamento dos resíduos, quais são
os próximos passos a dar? No caso de se concluir que estes resíduos não podem ser tratados no CITRI, qual
será a resolução a tomar pelo Governo? Finalmente, Sr. Ministro, a Comissão de Acompanhamento do CITRI
foi informada e auscultada sobre o tratamento destes resíduos?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco, do Grupo Parlamentar do CDS,
para uma intervenção.
O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro do Ambiente,
Sr.ª Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza: Sem dúvida nenhuma
que este debate configura uma discussão importante, oportuna e atempada desta relevantíssima questão.
Aliás, na sequência das notícias que vieram a público, que nos causaram grande preocupação, quer pelas
contradições, quer pela falta de resposta pronta das entidades diretamente responsáveis, quer ainda pela
resposta pouco esclarecedora do Sr. Ministro do Ambiente, quando foi confrontado com a importação destas
cerca de 3000 toneladas de resíduos vindos de Itália para processamento numa empresa sediada em Setúbal,
o CDS colocou várias questões por escrito ao Sr. Ministro, mas, até hoje, não obtivemos qualquer resposta da
sua parte, o que nos aumenta a apreensão e nos aumenta também a preocupação. Esta falta de resposta dos
responsáveis políticos coloca ainda mais reservas em todo este processo.
Sabemos que a importação dos resíduos terá sido autorizada pela entidade competente, a Agência
Portuguesa do Ambiente, e a sua importação para Portugal resultou de um concurso internacional ganho pela
empresa CITRI. No entanto, das informações que nos chegaram através da comunicação social, a APA não
informou a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território sobre a
importação destes resíduos e também não terá procedido a qualquer inspeção dos mesmos aquando da sua
chegada a Portugal. Esta inspeção efetuada pela IGAMAOT só terá acontecido depois de a comunicação social
ter noticiado o caso e, do que se sabe, a análise dos resíduos realizada posteriormente, no que se refere ao
parâmetro do carbono orgânico dissolvido, levanta muitas reservas a esta entidade, que terá ordenado que os
resíduos não sejam, para já, colocados em aterro.
Ora, Sr. Ministro, a gestão de resíduos é uma atividade que tem de se processar, necessariamente, de acordo
com todas as regras de segurança existentes e que tem de ser sujeita a controlo e acompanhamento apertados
por parte das autoridades responsáveis de forma a melhorar a eficiência da sua utilização e a proteção do
ambiente e da saúde humana.
Assim, discordamos do Sr. Ministro do Ambiente quando refere que este processo de importação de resíduos
é um processo banal e que este tipo de lixo não levanta preocupações. O que se tem verificado, na realidade,
não é nada disso; o que se tem verificado é que estes resíduos levantam, de facto, preocupações. Se não, por
que razão, depois das análises efetuadas, teria a IGAMAOT ordenado que a empresa prestasse esclarecimentos
adicionais e por que razão teria proibido que os resíduos em causa fossem depositados em aterro?
O que está aqui em causa não é só a preservação do ambiente, mas também é — e principalmente — a
saúde da população. Não são necessários alarmismos, mas é necessária uma preocupação séria e uma atenção
redobrada por parte do Ministério do Ambiente.
Se não há meios suficientes para analisar todos os resíduos que entram no País, o Ministério tem de dotar
de meios as entidades competentes, porque não se afigura razoável ou prevenido que se confie, como estava
a acontecer neste caso, nas análises efetuadas no país de origem. As autoridades nacionais, na sua função
fiscalizadora, devem proceder sempre às análises necessárias.
Sr.as e Srs. Deputados, o ambiente é um tema que tem vindo a ganhar relevância no discurso político, e isso
é de louvar. Mas precisamos de mais do que discursos, precisamos de mais do que palavras, temos já memória,
Página 8
I SÉRIE — NÚMERO 26
8
desagradável por sinal, de facilitismos no passado que levaram a situações muito graves, como é o caso de S.
Pedro da Cova, em Gondomar.
Não queremos, uma vez mais, lamentar. Queremos prevenir este caso e todos os casos futuros, e é isso que
exigimos à tutela. Por isso, Sr. Ministro, aguardamos, hoje, as respostas que seguramente tem para nos dar
para todas estas nossas preocupações, e que são também de todos os portugueses, nomeadamente daqueles
que habitam no distrito de Setúbal.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a
palavra o Sr. Deputado Jorge Costa.
O Sr. Jorge Duarte Costa (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Por muito que
desagrade à direita, e ao Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira em particular, esta é mesmo uma história exemplar
da política de privatização no setor dos resíduos, e é uma história exemplar na origem como é também no
destino.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não, não é!
O Sr. Jorge Duarte Costa (BE): — É uma história exemplar na origem porque esta importação decorre da
incapacidade da região da Campânia, em Itália, de fazer face a essa gestão, fruto da privatização do setor dos
resíduos naquela região. É o facto de a gestão dos resíduos naquela região ter sido capturada por interesses
privados que fez com que se instalasse o caos no setor e sobrasse para Portugal a importação destes resíduos.
E é também uma história exemplar de privatização no destino, Portugal, porque o negócio privado que aqui
está a decorrer aligeira e diminui a atenção pública a cada uma destas importações e a cada um destes
momentos.
Foi por isso que a APA fez fé no que lhe disseram as autoridades italianas e se dispensou de qualquer
verificação, até soar o alarme da comunicação social, como já foi dito pelo Sr. Deputado que falou antes de mim
— pelo menos é essa a notícia que até agora existe. E foi preciso que esse alarme fosse dado para que fosse
verificada a real natureza destes resíduos, que à partida eram apresentados como resíduos banais e domésticos.
Portanto, neste momento, é necessário esclarecer três aspetos: um que diz respeito ao presente e outros
que dizem respeito ao passado e ao futuro, nesta matéria.
Em relação ao presente, é preciso assegurar que este lixo é devolvido no caso de não cumprir aqueles que
eram os requisitos e no caso de não ser aquilo que foi anunciado inicialmente e para o qual foi realizado um
concurso internacional. Queremos que seja explicado porque é que, numa fase inicial, a APA não informou a
IGAMAOT e se limitou a fazer fé naquilo que as autoridades italianas vinham dizendo. E, perante a verificação
da existência destes índices de matéria orgânica nos resíduos, é de exigir a sua devolução quanto antes, para
evitar qualquer contaminação.
Em relação ao passado, é importante verificar também negócios anteriores de importação de resíduos desta
natureza, em particular resíduos que, no momento da sua importação, tenham sido apresentados como resíduos
banais e domésticos, como resíduos sólidos urbanos, porque são esses resíduos e são essas garantias dadas
pelas autoridades italianas que hoje estão sob suspeita, mas que podem ter sido dadas ontem por outras
autoridades de outros países e sobre as quais pode ter sido feita a mesma fé que foi feita desta vez. Portanto,
é preciso investigar o passado, investigar a forma como estas empresas atuaram, de que maneira importaram.
Em particular a Sapec, da qual é administrador o anterior Secretário de Estado do Ambiente, do PSD, tem contas
para dar sobre esta matéria.
Em relação ao futuro, as normas devem ser mais apertadas. A importação de resíduos não deve ser
considerada um negócio central neste setor e, em casos específicos em que ocorra, deve garantir-se uma
fiscalização rigorosa.
É com esta realidade que nos vamos confrontar sempre, e por isso a fiscalização é hoje tão importante,
porque a privatização do setor dos resíduos na Europa, seja em Itália, seja em Portugal, faz com que a vigilância
pública e a responsabilidade das autoridades que têm a seu cargo esta verificação seja uma prioridade, seja
Página 9
7 DE DEZEMBRO DE 2016
9
uma exigência cidadã. É, portanto, muito importante que esta vigilância tivesse estado ativa e tivesse permitido
garantir, em tempo útil, que as averiguações necessárias eram realmente concretizadas. Como os outros
partidos, que também já entregaram, a seu tempo, perguntas ao Governo sobre esta matéria, estamos muito
ansiosos por conhecer as respostas do Sr. Ministro.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente.
O Sr. Ministro do Ambiente (João Pedro Matos Fernandes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
Agradeço as questões colocadas e começo por dizer que, segundo números que estão no site da APA, com link
próprio para permitir obter toda a informação que é recolhida sobre a importação e a exportação de resíduos,
em Portugal, no ano de 2015, foram importados cerca de 2 milhões de toneladas de resíduos e exportados cerca
de 1 milhão.
Muitos deles servem para matérias-primas. Da minha experiência à frente do porto de Leixões, recordo-me
de ver chegar muito casco de vidro de Inglaterra que vai para a Barbosa & Almeida para ser transformado em
garrafas e de ver chegar muita sucata de origens diversas que era transportada para a Siderurgia Nacional, na
Maia, também para transformar em verguinha de aço para a construção.
Neste caso em concreto, respondendo à primeira pergunta que foi colocada, foi autorizada a importação de
40 000 toneladas, em três navios distintos, ao longo do tempo, desde o início de outubro — tenho aqui as datas,
se pretenderem sabê-las. Chegaram já cerca de 2700 toneladas, repito, em três navios distintos e em
contentores.
A legislação europeia não só é muito restritiva relativamente a estas matérias, como, de facto, procura
promover o destino adequado dos resíduos. Por isso, na procura de uma melhor solução noutro país, que não
é, necessariamente, o país da sua produção, tenta definir regras que, de forma muito controlada, permitam esta
passagem dos resíduos nas fronteiras.
Dou-vos um exemplo: em Portugal, não há onde tratar as pilhas e, portanto, todas as pilhas que são
recolhidas têm de ser exportadas para poderem ir à procura de um sítio onde sejam bem tratadas.
Cumprindo essas regras, os resíduos, de facto, saíram de Itália devidamente analisados e os documentos
chegaram às mãos da Agência Portuguesa de Ambiente quando autorizou.
Reconheço que o brouhaha que foi gerado à volta desta matéria fez com que a IGAMAOT promovesse
análises aos resíduos, tendo concluído que um só parâmetro, o COD, ou seja, o carbono orgânico dissolvido,
era superior ao esperado — é um facto! Quer isto dizer o quê? Que os resíduos têm mais matéria orgânica do
que era suposto terem. Mas que fique completamente afastada a palavra «perigosidade».
No que diz respeito — desculpem, mas assim é mais rigoroso — ao arsénio, ao chumbo, ao mercúrio, ao
cádmio, estes, sim, materiais que podem configurar aquilo que podem ser resíduos perigosos, a análise deu
valores muito significativamente abaixo daquele que é o valor limite para poderem ser considerados resíduos
perigosos.
Mas, dada a inconsequência de existir mais matéria orgânica do que era esperado, a IGAMAOT entendeu
por bem avaliar se este aterro tem ou não condições para receber resíduos que têm também matéria orgânica.
Por isso, determinou duas coisas: em primeiro lugar, que os resíduos não fossem espalhados, não fossem
aterrados — alguns estão naqueles big bags já rasgados, devido mais à manipulação do que a qualquer outra
coisa… A análise que foi feita é uma análise pontual. Aquilo que solicitou é que, através de um laboratório
creditado, durante cinco dias, ou seja, até à próxima sexta-feira, fossem realizadas análises já com expressão,
isto é, análises que, em quantidade, permitissem perceber qual aquele universo de resíduos. São essas análises
que estamos a fazer.
Mas não fizemos só isso. Depois daquilo que veio a público, chegámos não só a mais uma conclusão como
uma determinação foi feita. Em primeiro lugar, ontem, numa longa reunião entre a APA e a IGAMAOT concluiu-
se que, de facto, aquele aterro está preparado para poder receber resíduos com alguma quantidade de carga
orgânica. Sim, está preparado para isso na forma de queimar biogás, de tratamento de lixiviados. Ou seja, se
os resultados vierem a ser estes, não parece haver nenhum problema em que aqueles resíduos ali sejam
depositados.
Página 10
I SÉRIE — NÚMERO 26
10
Mas, não contentes com isso — e essas análises, supostamente, começaram a ser feitas hoje; se não
começaram hoje, começam amanhã —, resolvemos fazer uma caraterização física dos resíduos e estimamos
que, no prazo de uma ou duas semanas, conseguiremos ter esse resultado, sendo o promotor destas mesmas
análises, perante, atualmente, uma entidade independente, a própria APA.
Portanto, em conclusão, não há, de facto, nenhuma razão para se considerarem perigosos esses resíduos.
Vamos agora fazer a caraterização física, mas a caraterização química, para já, afasta por completo essa
possibilidade e, por isso, sim, esta só não é uma situação normal porque o Governo, e sobretudo o Estado, as
entidades que dependem do Ministério do Ambiente — a IGAMAOT e a APA — foram mais além do que é
normal e entenderam fazer um conjunto de análises suplementares.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª HeloísaApolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considero que o Sr. Ministro do
Ambiente já prestou alguns esclarecimentos que julgo que eram necessários, mas, ao mesmo tempo que o fez,
deixou aqui, na Assembleia da República, aquelas que eu considero deverem ser verdadeiras preocupações.
O Sr. Ministro acabou de dizer que é muito normal importarmos e exportarmos resíduos — isso já toda a
gente sabia. Mas também é verdade que procurámos, ou isso sempre foi alegado, que o País fosse dotado de
um conjunto de infraestruturas de modo a que tivéssemos capacidade de tratar os nossos próprios resíduos. E
foram-nos vendidas muitas histórias, por exemplo, relativamente à coincineração e à não importação de
resíduos, designadamente pela Secil e pelo Parque Natural da Arrábida. Foi vendida muita história!
Mas repare bem nesta preocupação: o Sr. Ministro disse que a IGAMAOT só atuou e foi para além daquilo
que é normal porque houve muito alarido. Se não tivesse havido alarido, nada disso tinha sido feito. Ou seja, os
resíduos chegam ao País e não são analisados. Portanto, recebemos aquilo que os outros dizem que vamos
receber e que nós não sabemos se é exatamente aquilo. Este é um verdadeiro problema, Sr. Ministro.
O que o Sr. Ministro acaba de dizer, que a IGAMAOT atuou porque houve alarido, é preocupante. Não pode
ser! A IGAMAOT deve atuar porque tem de ter a certeza daquilo que vai depositar em Portugal, porque com o
ambiente e a saúde pública já chega de brincar e já chega de lucrar. Vamos começar a pôr o ambiente e as
regras ambientais num primeiro plano.
Já agora, Sr. Ministro, por falar em matéria orgânica, que eu saiba, o CITRI não é um aterro para resíduos
urbanos. Não foi para isso que foi concebido, mas sim como aterro para resíduos industriais, e, é verdade,
banais.
Portanto, quando falamos de matéria orgânica, parece-me haver algumas coisas que também devem ser
esclarecidas. E o que o Sr. Ministro disse foi que, dentro de dias, saberemos se os resíduos lá vão ser
depositados ou não — foi o que eu fiquei a perceber.
Por outro lado, há uma questão que não foi esclarecida. Segundo o que veio a público, uma enormíssima
percentagem daquele amontoado de resíduos é plástico. A pergunta que fiz e que gostava de ver respondida é
a seguinte: vai ou não haver alguma triagem daqueles resíduos?
Nós, portugueses, andamos sempre a apelar à triagem e a dizer que queremos fazer separação de resíduos
e que os resíduos sejam tratados como deve ser, mas chega um amontoado de resíduos e vai tudo para aterro.
Não queremos esse destino final para todos os resíduos.
Sr. Ministro, ainda há muitas coisas que têm de ser esclarecidas. Como dispõe de 45 segundos, peço-lhe
que faça o favor de esclarecer mais alguma coisa.
O Sr. Presidente: — Para esclarecer mais alguma coisa, tem, então, a palavra o Sr. Ministro do Ambiente.
O Sr. Ministro do Ambiente: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, o CITRI, não sendo
originariamente um aterro para resíduos urbanos, é um aterro que pode receber matérias orgânicas. A prova
disso é que faz, por exemplo, entre outras coisas, tratamento de lamas de ETAR, e dificilmente haveria algo
mais orgânico do que isto mesmo. Por isso, repito, dispõe de mecanismos de osmose inversa, de queima de
biogás e de tratamento de lixiviados que o permitem fazer.
Sr.ª Deputada, sobre os materiais propriamente ditos — e constato que me foi concedido mais algum tempo,
o que agradeço —, os que são originariamente resíduos urbanos já foram tratados, tiveram tratamento mecânico
Página 11
7 DE DEZEMBRO DE 2016
11
e biológico. E os plásticos que ali estão são aquilo a que comummente se chama plásticos mistos, o que, aliás,
tanta discussão tem dado em Portugal a propósito do seu valor como valor de retoma, pois é extraordinariamente
difícil a sua reciclagem.
Acho muito bem que nunca baixemos os braços a convencer e a entusiasmar os portugueses a fazerem a
separação dos resíduos, nomeadamente a dos plásticos, porque esses, sim, podem ser, sem dúvida, reciclados.
Neste caso, há embalagens com resíduos orgânicos porque trazem agarrados restos de bens alimentares.
Por isso, temos em presença uma percentagem significativa de matéria orgânica, em relação à qual, repito,
estamos agora a fazer uma análise física, ficando tudo ainda mais claro do que aquilo que é.
Sr.ª Deputada, sobre o País e o tratamento dos seus próprios resíduos, aquilo que Portugal está inibido de
fazer é de poder receber qualquer outro tipo de resíduos nos aterros para os resíduos sólidos urbanos. É que
esses aterros, que, aliás, são financiados com fundos comunitários, destinam-se apenas e tão-só a receber os
resíduos que são produzidos no nosso País.
No mais, até do ponto de vista ambiental, parece-me mais correto que exista — e não promovendo
investimentos absurdos dos quais possam resultar ativos obsoletos — esta procura de melhor destino final para
esses mesmos resíduos à escala da União Europeia.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, que ainda dispõe de algum tempo.
A Sr.ª HeloísaApolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, voltando ao que disse no início da
minha primeira intervenção, o que acaba por me fazer alguma confusão é o negócio que anda em torno dos
resíduos.
Quando percebemos que determinadas infraestruturas construídas em Portugal — e muitas foram
contestadas pela população — só são rentáveis se importarmos resíduos tem de nos fazer pensar sobre alguma
coisa, Sr. Ministro.
De facto, pôr setores fundamentais na mão dos privados, com lógicas privadas — e a lógica privada é a do
lucro —, faz com que os fatores ambientais não estejam em primeiro plano, mas, sim, os fatores económicos e
da obtenção de lucro.
O Sr. Ministro não se pronunciou relativamente à preocupação que levantei sobre o facto de a IGAMAOT
não fazer análises relativamente aos resíduos que são importados para Portugal. É uma matéria, Sr. Ministro,
em relação à qual Os Verdes também vão dar grande prioridade. Não me diga que não é possível, Sr. Ministro!
De facto, temos de saber o que cai no País e não podemos confiar no que dizem, lá fora, que nos vão mandar
e nós cá dentro recebermos tudo o que nos mandarem. Isso, então, é que não pode ser. E, Sr. Ministro, Os
Verdes não têm falta de solidariedade relativamente a problemas de outros países e à possibilidade de Portugal
poder ajudar nisso. Não é isso que está em causa. Mas, Sr. Ministro, pôr em primeiro plano negócio, lucro e
falta de fiscalização, assim é que está tudo estragado.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao próximo ponto da ordem do dia.
Pausa.
Verifico que a Sr.ª Deputada Paula Santos ainda está inscrita para intervir sobre o ponto que tem estado em
discussão.
É hábito que seja o partido que marca o debate a encerrá-lo. Mas, se houve um acordo entre Os Verdes e o
PCP, a Mesa não se opõe.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Paula Santos.
A Sr.ª PaulaSantos (PCP): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados de Os Verdes, porque, de facto,
a regra é essa e nós gostamos de cumprir com o que está acordado. No entanto, pensei que ainda houvesse
uma segunda ronda de intervenções atendendo aos tempos que estão disponíveis. Foi esse o erro da nossa
parte.
Sr. Ministro, de uma forma muito breve, queria referir dois aspetos.
Página 12
I SÉRIE — NÚMERO 26
12
O primeiro aspeto tem a ver com o facto de o Sr. Ministro não ter respondido a uma questão que lhe
colocámos, que tem a ver com a instalação do centro de tratamento de resíduos, em Setúbal. Essa instalação
não foi pacífica, foi contestada pelas populações e pelas autarquias e, na sequência dessa contestação, foi
criada uma comissão de acompanhamento exatamente para fiscalizar e monitorizar a atividade deste centro.
Importa saber como é que a comissão de acompanhamento foi envolvida nesse processo.
Mas, Sr. Ministro, teremos tempo para aprofundar esta discussão, porque hoje mesmo, na Comissão de
Ambiente, foi aprovado um requerimento do PCP no sentido de ouvirmos a APA, a empresa responsável pelo
tratamento destes resíduos e também o Sr. Ministro. Procuraremos, de facto, conhecer melhor não só as
questões relacionadas com a natureza destes resíduos, mas também todo o processo antecedente: como é que
foram feitas as contratações e qual foi o envolvimento das entidades da Administração Pública em relação a
esta matéria.
Por isso, Sr. Ministro, iremos aprofundar, em sede de Comissão, esta questão, que muito preocupa a
população da região de Setúbal.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições em relação a este ponto, vamos passar
ao ponto seguinte da nossa ordem do dia, que consta de um debate requerido pelo Governo sobre a reforma da
floresta.
Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Luís
Capoulas Santos, que cumprimento.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Luís Capoulas Santos): — Sr.
Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A tragédia que se abateu este ano sobre as nossas florestas e as pessoas
que nelas vivem e delas dependem impeliu o Governo a antecipar a execução do seu Programa no que a este
setor respeita.
O Sr. Primeiro-Ministro assumiu o compromisso, no princípio de agosto, de que, antes do final de outubro,
logo que a temática dos incêndios saísse da agenda mediática, o Governo apresentaria o conjunto de medidas
para lançar a reforma da floresta por forma a atingir o objetivo de defender e aproveitar o enorme ativo ambiental,
económico e social que a mesma representa e, ao mesmo tempo, pôr em execução as ações que permitam
contribuir para reduzir, tanto quanto possível, o risco de incêndios e das suas terríveis consequências.
Nestes termos, por decisão do Conselho de Ministros, foi constituído um grupo interministerial composto por
oito ministros — das Finanças, da Defesa, da Administração Interna, da Justiça, Ministro-Adjunto, da Economia,
do Ambiente e da Agricultura — aos quais foi incumbida a missão de traduzir em medidas concretas os
compromissos contidos no Programa do Governo.
Para a apreciação do trabalho realizado pelo grupo interministerial, o Conselho de Ministros reuniu
extraordinariamente na Lousã no passado dia 27 de outubro.
Nessa reunião foram aprovados 12 diplomas, 10 dos quais na generalidade, por forma a permitir um debate
público alargado na sociedade portuguesa, visando escutar críticas e opiniões e obter contributos que possam
tornar tão consensual quanto possível a reforma da floresta e mais eficazes as medidas que se tornem
necessárias executar.
No contexto deste debate alargado, para o que foram colocados no site do Governo os respetivos diplomas
e criado um mecanismo de recolha de contributos, decidiu o Governo promover, para além da auscultação dos
Conselhos Consultivos dos Ministérios da Agricultura e do Ambiente, sete iniciativas nas regiões de Norte a Sul
do País e este debate na Assembleia da República, sem prejuízo do papel de decisor último que compete ao
Parlamento, em particular quanto aos diplomas que, por imperativos políticos e constitucionais, deverão ser
submetidos à sua aprovação, como é o caso dos diplomas sobre o banco de terras, o fundo de mobilização de
terras, os incentivos fiscais, ou o regime jurídico aplicável às ações de arborização e rearborização, para além,
obviamente, do processo legislativo sobre os baldios, que corre os seus trâmites na Assembleia da República,
razão pela qual o Governo se absteve de se debruçar sobre a matéria.
É por isso que tenho o prazer de, em nome do Governo, vos transmitir as linhas gerais e os objetivos deste
pacote legislativo que não esgota, evidentemente, a reforma que pretendemos executar, num horizonte de longo
Página 13
7 DE DEZEMBRO DE 2016
13
prazo, e que ambicionamos possa vir a constituir uma questão de regime já que a sua execução será,
forçosamente, tarefa de vários governos.
Consideramos, por isso, que as causas principais para o declínio da floresta assentam, como todos sabemos,
em fatores bióticos e abióticos e na ausência de gestão e de ordenamento.
Relembro que Portugal foi mesmo o único Estado-membro da União Europeia que perdeu área florestal nos
últimos 15 anos, cerca de 150 000 hectares.
Tal situação decorre da ausência de gestão profissional, particularmente nas zonas de minifúndio e de
ordenamento florestal dificultadas, em grande parte, por ausência de conhecimento dos limites da propriedade
e em muitos casos até dos seus titulares.
O Governo pretende assim atacar estes problemas, criando um quadro de regras e de incentivos que
favoreçam a gestão profissional da floresta através de entidades públicas ou privadas.
Estamos convictos de que numa floresta bem gerida se reduzirão significativamente os riscos de incêndio e
se atrairão mais facilmente capitais para uma exploração sustentável, criadora de emprego e de riqueza, em
particular para os pequenos proprietários florestais, e geradora de mais matéria-prima para a indústria,
promovendo o aumento da produção nacional e das exportações.
Destacaria, assim, da dezena de diplomas em discussão pública os que me parecem carecer de maior
esclarecimento: os que criam o banco de terras; o sistema cadastral simplificado; o balcão único; as sociedades
de gestão florestal; os incentivos fiscais; assim como o que altera a arquitetura do ordenamento florestal,
determinando a incorporação dos planos regionais de ordenamento florestal nos planos diretores municipais
(PDM).
Com o banco de terras pretendemos otimizar o uso do património fundiário já pertencente ao Estado, sendo
que as terras sem dono conhecido virão a ser nele integradas.
Com a criação do sistema cadastral simplificado e do balcão único, pretendemos, com total isenção de custos
e emolumentos para os proprietários, identificar o património cujos limites físicos são desconhecidos. Este
sistema vigorará por dois anos, período após o qual, por exclusão de partes, será igualmente possível identificar
o património sem dono conhecido a integrar no banco de terras.
Com as sociedades de gestão florestal e outras entidades afins – públicas, privadas ou mistas –, pretende-
se trazer capacidade de gestão para a floresta.
Com o novo regime de incentivos fiscais, aliás uma das poucas questões da Lei de Bases da Política
Florestal, de 1996, que ainda está por regulamentar, pretende-se estimular a criação de entidades gestoras,
atrair profissionalismo para a gestão florestal e, com isso, garantir o acréscimo de área certificada, sem o que é
cada vez mais difícil exportar produtos florestais.
Com a incorporação da componente de ordenamento dos PDM, pretendemos suprir a lacuna da ausência
de ordenamento florestal.
Estamos determinados a levar a cabo o que consideramos ser uma tarefa inadiável e patriótica.
O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, pode continuar no uso da palavra, mas a partir de agora o tempo será
descontado no tempo da sua segunda intervenção.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Peço apenas mais um minuto, Sr.
Presidente.
Continuando, diria que o Governo gostaria que esta tarefa fosse obra de todos e, se dela puderem vir a ser
recolhidos louros políticos, que eles sejam justamente repartidos por todos os que nela se empenharem.
O debate que estamos a promover é um exercício sincero no qual participamos com humildade e ausência
de preconceitos.
Todas as contribuições válidas ou ideias alternativas serão bem-vindas e devidamente apreciadas.
Aguardamos, por isso, com esperança e expectativa positiva, o contributo da Assembleia da República, com
a qual estamos disponíveis para colaborar no sentido de se encontrarem as melhores soluções para os muitos,
graves e persistentes problemas com que a floresta portuguesa se confronta.
Aplausos do PS.
Página 14
I SÉRIE — NÚMERO 26
14
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos entrar na primeira ronda de intervenções.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Serra, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Nuno Serra (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: A
floresta tem um valor incontornável no território português, seja na sua componente económica, ambiental ou
social.
Uma política florestal deve ter um horizonte alargado no tempo, mesmo de longo prazo, e não estar limitada
às vontades políticas de cada Governo, ou, pior ainda, que se use a floresta como moeda de troca para garantir
acordos políticos e que seja vista através da lente ideológico-partidária, como acontece atualmente.
Acreditamos que existem sempre melhorias a fazer, o mundo evolui e a legislação precisa de se adaptar às
novas realidades, mas não conseguimos compreender, porém, como é que nas palavras deste Governo a
reforma da floresta é para ser de longo prazo e a primeira opção que toma neste setor é a de reverter um
conjunto de medidas tomadas pelo anterior Governo há pouco mais de três anos.
Será que o mundo para o Governo mudou tanto assim em três anos? Ou, mais uma vez, será que as medidas
de longo prazo, de que o Sr. Ministro tanto fala, só podem ser aquelas que esta maioria de esquerda proclama?
Sr.as e Srs. Deputados: A floresta tem de ser devidamente valorizada, e isto obriga-nos a rever a forma com
olhamos para a floresta. O complexo florestal deve ser visto como uma solução para o crescimento económico
do nosso País, ou seja, como uma prioridade governativa e não como um problema político para a gestão de
um Governo.
A floresta deve ser vista e pensada, em primeiro lugar, como atividade económica ímpar, capaz de gerar
emprego, criar riqueza e uma mais-valia em termos de balança comercial.
Hoje, a indústria da fileira florestal representa quase 10% das nossas exportações e dá emprego a cerca de
2% da nossa população ativa. A floresta nacional, em que 86% são de domínio privado, 3% são de domínio
público e 11% são de baldios, deve ser tida em conta tal como ela é. Esta é a nossa floresta e é esta que temos
de gerir.
A fileira do sobro e da cortiça e a fileira do eucalipto e da pasta de papel são de enorme importância para as
exportações nacionais. São duas fileiras em que Portugal é uma referência mundial e que contribuem
positivamente para o saldo da nossa balança comercial.
Só a fileira do eucalipto assegura cerca de 3% do total de bens exportados e representa quase 1% do PIB
nacional, uma fileira que tanto divide a sociedade em Portugal, mas, curiosamente, são os eucaliptos que os
produtores florestais preferem plantar por terem uma melhor e mais rápida perspetiva de remuneração — esta
é a questão do valor da floresta.
Este Governo, preso ao acordo político com a esquerda, tem nesta reforma a intenção de proibir a plantação
desta espécie e de, sacudindo a água do capote, passar essa responsabilidade para os municípios.
Aqui, coloca-se uma primeira questão fundamental: se a floresta deve evoluir sustentadamente nas vertentes
económica, ambiental e social, será que a reversão do RJAAR (Regime Jurídico Aplicável às Ações de
Arborização e Rearborização) pretendida por este Governo assegura a melhoria nestes três pilares básicos da
floresta?
Será que impedir de plantar uma espécie rentável obrigará ou condicionará o proprietário a plantar outra no
seu lugar com menos retorno? Ou será que isto será um motivo suficiente para aumentar o abandono das terras
em Portugal?
Não será que, em simultâneo, o Governo, ao proibir a plantação de uma espécie que tem valor económico
para o proprietário, não deveria, através da mesma reforma, criar condições e mais-valias para espécies
alternativas, também de valor acrescentado, para que a floresta continue a crescer, a criar riqueza e a criar
postos de trabalho?
Será que criar maior dinâmica, até garantir incentivos fiscais, com o que o PSD concorda totalmente, às
sociedades de gestão florestal, para que possam ter um papel ativo na criação de valor na floresta, é
compaginável com a limitação do uso do solo que o Governo quer impor nesta reforma?
Será que, sem o aumento do valor intrínseco da floresta, as ZIF (Zonas de Intervenção Florestal) vão
conseguir progredir no seu caminho de expansão e crescimento?
Sr.as e Srs. Deputados, não podemos continuar a só dar valor à floresta quando ela arde ou quando aparece
na televisão. O caminho é dar-lhe mais valor todos os dias, em particular nas políticas públicas, para que todos
Página 15
7 DE DEZEMBRO DE 2016
15
os intervenientes trabalhem afincadamente na prevenção contra incêndios para que ela não arda, garantindo o
seu valor económico e continuando a dar rendimentos aos seus proprietários.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, pode continuar no uso da palavra, mas o tempo que usar a partir de
agora será descontado no tempo atribuído ao seu grupo parlamentar para a segunda ronda.
O Sr. Nuno Serra (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.
A floresta representa um bem comum, em que o Governo tem a responsabilidade máxima de criar
ferramentas que possibilitem um crescimento ordenado, um ordenamento do território mais eficaz e capaz de
criar as sinergias suficientes para melhorar a prevenção contra incêndios, aumentar o valor económico do setor,
preservar o meio ambiente e garantir a sua componente social.
Trata-se de um caminho onde todos têm de participar e onde todos têm de ser ouvidos – municípios,
associações, produtores, políticos. Mas, em suma, a estratégia só pode ser uma: mais e melhor floresta para
Portugal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado
Joaquim Barreto.
O Sr. Joaquim Barreto (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Por
iniciativa do Governo, estamos hoje a debater a reforma do setor florestal.
Manifesto o meu apreço pelo facto de, em dezembro, estarmos a discutir matérias ligadas à floresta, o que,
geralmente, só era debatido no verão, na época dos incêndios.
Igualmente registo com satisfação o modelo abrangente, alargado e inclusivo que está a ser adotado para a
discussão pública desta reforma.
Estamos, no inverno, a debater com todos os interessados a floresta. Esta alteração de paradigma é muito
positiva.
Falar da floresta é falar dos espaços florestais, do seu uso múltiplo e necessariamente das comunidades e
das pessoas que deles usufruem e do emprego criado por este importante sector.
Falar da floresta é olhar, pensar, planear e ordenar um espaço com vida, que tenha sempre em conta a sua
dimensão social, ambiental e económica.
Falar da floresta implica também saber que 35,4% do solo de Portugal Continental tem um uso florestal, e
que 32% do nosso território está coberto com mato e pastagens pobres.
Falar da floresta implica igualmente saber e ter consciência que Portugal tem vindo a perder, de uma forma
gradual, em média, 10 000 ha por ano.
Falar da floresta é sentirmos o alento para acreditarmos que as florestas portuguesas têm futuro, um futuro
com impacto importante na riqueza do País. Portugal é o País da Europa onde as florestas têm maior peso no
PIB, com 3,2 %.
Falar da floresta é termos em atenção que estamos na presença do sector que mais contribui com recursos
endógenos para as nossas exportações.
Portugal é o líder mundial na exportação de cortiça e o líder europeu na fileira da pasta de papel.
Éurgente um combate à desflorestação. É imperativo assumir a rearborização.
É necessário mudar o rumo, investindo mais no ordenamento, na gestão e na prevenção da floresta para
poupar no combate aos incêndios.
É inadiável combater a desertificação e o despovoamento do interior. A nossa floresta tem um passado, tem
história, usos, costumes e tradições.
O Partido Socialista orgulha-se dos seus governantes e tem provas dadas na elaboração e execução de
políticas públicas para as florestas nacionais.
Permitam-me que refira o Prof. Azevedo Gomes, que ajudou a construir o melhor da história que ainda está
bem viva na memória dos portugueses.
Página 16
I SÉRIE — NÚMERO 26
16
Também agora, com este Governo e com esta reforma coordenada pelo Ministro Capoulas Santos e com o
envolvimento de toda a sociedade, podemos fazer história. Estamos a agir e não a reagir. Vamos prevenir em
vez de combater os incêndios florestais. Vamos criar riqueza, somos pelo verde e não pelos tons de cinza dos
incêndios.
É com grande esperança e confiança que acolhemos estas medidas para a reforma do sector florestal,
assentes na titularidade da propriedade, gestão e ordenamento florestal, defesa da floresta nas vertentes da
prevenção e de combate aos incêndios.
A titularidade da propriedade florestal, com a criação do banco de terras e do sistema de informação cadastral
simplificada, permitirá o fomento de novos espaços de floresta e a redução de terrenos incultos e com mato. Por
outro lado, vai proporcionar aos atuais produtores florestais condições para ampliarem as suas áreas de
produção silvícola e atrair para o interior novos produtores que desejem investir neste importante sector,
combatendo-se a desertificação através da criação de riqueza e de novos empregos.
É ainda importante a simplificação das normas que regulam as ZIF (zonas de intervenção florestal), bem
como o seu alargamento, permitindo a adesão de novos proprietários e de pessoas com atividade florestal e
com uma gestão mais profissionalizada.
A transferência de diretivas dos planos regionais de ordenamento florestal para os planos diretores
municipais vai permitir que os municípios fiquem com maior intervenção nos processos de decisão do uso do
solo.
Os incentivos que vão premiar as boas práticas silvícolas também serão importantes na promoção e
valorização da floresta.
Congratulo-me com o plano de prevenção de incêndios florestais e de valorização e recuperação de habitat
naturais no Parque Nacional da Peneda Gerês com um investimento de 8,4 milhões de euros a implementar em
oito anos.
A reestruturação do Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios, com melhor prevenção para tornar mais
ágil e eficaz a função das equipas de sapadores florestais, vai aumentar o controlo e reduzir a expansão dos
incêndios.
Na revisão do regime jurídico das ações de rearborização devemos ter em conta planos integrados e
sustentados que criem equilíbrio entre as espécies utilizadas, promovendo o uso múltiplo da floresta, com o
gosto e a atração daqueles que lhe estão mais próximos, nomeadamente das comunidades rurais, produtores,
pastores, caçadores, apicultores, amantes do desporto, da natureza e do lazer, entre outros.
Importa ainda salientar o incentivo à floresta autóctone na sua dimensão ecológica, social e paisagística com
mais interesse para o turismo e com mais vantagem para a sociedade, nomeadamente ao nível da purificação
do ar e da água — serviços de ecossistema tão necessários nas sociedades modernas.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados, considero oportuno, nesta minha intervenção, realçar a revisão
da Lei dos Baldios que está em curso nesta Assembleia. Devemos dar-lhe a maior atenção, principalmente no
papel que têm de ter todos os agentes que gerem estes territórios.
Importa ainda referir, no que concerne à valorização do espaço florestal, o Programa Nacional para a Coesão
Territorial que contempla medidas de que se destacam, entre outras, a necessidade de um interior mais
conectado, ou seja, com maior cobertura de banda larga móvel (Internet) e com o programa Aldeias 4G
Sustentáveis.
Foi para mim uma grande satisfação e honra participar hoje neste debate em torno da floresta e do seu uso
múltiplo.
Anunciamos mais e melhor floresta e vamos cumprir. Portugal tem área disponível para expandir a sua
floresta, porém terá de plantar mais e gerir melhor as áreas florestais que temos.
É urgente promover a gestão profissional das nossas florestas. É urgente semearmos para as futuras
gerações colherem. A floresta deve ser encarada como um desígnio nacional. Vamos mobilizar a sociedade
portuguesa para a causa das florestas.
A todos os que diariamente pugnam pela defesa, valorização e promoção da fileira agroflorestal, deixo uma
palavra de incentivo e apreço pelo trabalho desenvolvido em prol da floresta em Portugal.
Aplausos do PS.
Página 17
7 DE DEZEMBRO DE 2016
17
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Matias, do Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:
Em 2013, numa iniciativa legislativa do PSD/CDS, saiu o RJAAR (Regime Jurídico aplicável às Ações de
Arborização e Rearborização), muito justamente conhecido como «lei da liberalização do eucalipto», um diploma
preparado para promover a eucaliptização do País.
Compreensivelmente, o PSD, como vimos agora, e as empresas de celuloses e de papel não se cansam de
defender a continuidade do atual RJAAR.
No início deste ano, em sede de comissão parlamentar, um responsável da indústria explicou claramente
que ainda pretendia um poucochinho mais de área de eucalipto, a par de mais rentabilidade por hectare. O facto
de só agora ter surgido a proposta de paragem da expansão da área de eucalipto já terá assegurado à CELPA
(Associação da Indústria Papeleira) esse tal poucochinho mais de área que ambicionava.
É que a maioria dos mais recentes projetos de arborização e rearborização têm sido para eucalipto. É de
eucalipto a maior área plantada desde então e já é de eucalipto a espécie com maior área de floresta. Portanto,
Sr.as e Srs. Deputados, tem todo o apoio do Bloco de Esquerda a proposta do Governo de parar a expansão da
área de eucalipto. Esta iniciativa só peca por tardia.
Um novo RJAAR deveria ainda ir mais longe. Antes de mais reconheçamos que se é um problema a
larguíssima mancha florestal de eucalipto, não é problema menor tratar-se, em boa parte dos casos, de áreas
florestais em mancha contínua. De resto, é um problema a existência de manchas florestais contínuas de
quaisquer espécies altamente inflamáveis, como é o eucalipto ou o pinheiro.
Um novo RJAAR tem de contribuir para o ordenamento florestal, dificultando ou impedindo a floresta em
mancha contínua e promovendo a criação de mosaicos florestais diversificados.
Deveriam ainda ser tapados alguns dos buracos do decreto-lei do atual RJAAR. Por exemplo, devem acabar
quaisquer dispensas de autorização para ações com recurso a espécies integradas em projetos aprovados no
âmbito de programas de apoio financeiro com fundos da União Europeia. É uma norma que consagra a
prevalência do produtivismo sobre quaisquer avaliações de carácter ambiental.
Por outro lado, atualmente, todas as imposições legais sobre a Reserva Ecológica Nacional (REN) podem
ser torpedeadas pelas chamadas entidades competentes, no âmbito de programas públicos de apoio ao
desenvolvimento florestal. Basta que, na análise dos projetos, estes organismos simplesmente incorporem os
princípios e os objetivos da REN. Ora, deverá ser obrigatório o cumprimento de todo o normativo legal. Além
disto, pelo impacto a que pode sujeitar o ambiente, o adensamento também deve ser classificado como ação
florestal.
Cremos ser correto chamar as câmaras municipais à emissão de pareceres de ações de arborização,
rearborização e adensamento nos seus territórios. O poder local autárquico deverá ter um importante papel
também no planeamento e no controlo da ocupação dos territórios rurais.
No entanto, admitimos que a falta de recursos técnicos nos municípios e uma eventual menor sensibilidade
dos autarcas para esta temática leve a adotar uma fórmula de transição. Os municípios poderiam emitir um
parecer prévio sobre qualquer ação florestal, um parecer não obrigatório, mas que, quando emitido, seria
vinculativo.
Estas são, em resumo, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, algumas das nossas dúvidas e que, com
certeza, merecerão os vossos esclarecimentos.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, do
Grupo Parlamentar do CDS-PP, devo dizer que o tempo usado a mais nesta ronda será descontado na próxima.
Faça favor, Sr. Deputada.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: O Governo traz hoje a debate um conjunto
de diplomas a que chamou reforma da floresta e que respeitam à gestão e prevenção da floresta nacional que,
Página 18
I SÉRIE — NÚMERO 26
18
como aqui já foi dito, é 85% privada e que o Governo delineou, sem ter feito qualquer consulta prévia ao sector
florestal e às suas organizações.
Da análise que fizemos destas medidas, há algumas que entendemos positivas, outras redundantes e uma
particularmente negativa. Mas medidas concretas, imediatas, que verdadeiramente preparem a floresta para o
futuro, como o Sr. Ministro disse desejar, não encontramos nada.
Dentro das propostas redundantes, continuamos sem perceber qual o verdadeiro motivo para a criação de
um banco de terras, que já tanto questionámos e que continuamos sem entender, que o Sr. Ministro diz ser mais
robusto e eficaz mas que, em nosso entender, não traz absolutamente nada de novo relativamente à já existente
bolsa de terras. Continuamos ainda sem perceber qual o fundamento racional da constituição de um fundo de
mobilização de terras num País em que a terra é maioritariamente privada e em que os solos produtivos estão
todos explorados.
Não seria suficiente, mais eficiente e eficaz, Sr. Ministro, empenhar-se em dinamizar a já existente bolsa de
terras, ajustando aqui e ali o que fosse necessário, alterando a lei se assim fosse preciso, impulsionando assim
a integração das restantes terras do Estado?
No grupo das medidas positivas temos a simplificação do regime de constituição das ZIF, apesar de
acharmos que há algum risco em considerar os municípios como gestores da floresta. Também achamos
positiva a constituição de sociedades de gestão florestal e os respetivos incentivos fiscais.
No entanto, no caso das sociedades de gestão florestal, na prática, constatamos que ficam limitadas à
pequena propriedade do norte e centro do País uma vez que há a obrigatoriedade de metade dos proprietários
terem prédios com áreas até 5 ha.
Esta situação parece-nos particularmente grave porque, tendo em conta que se pretendem discriminar
positivamente, nos apoios públicos, estas entidades, num contexto de recursos escassos, outras áreas em que
a floresta é maioritariamente privada e não gerida por sociedades de gestão florestal poderão ficar sem apoios.
Para nós, Sr. Ministro, 1 h de floresta no norte do País vale tanto como 1 ha de floresta no sul do País e, por
isso, o CDS apresentou, no âmbito do Orçamento do Estado, uma proposta de constituição de uma conta de
gestão florestal que se aplicava a todos os proprietários florestais e que poderia ter efeitos, já a partir de 2017 e
que foi, neste Parlamento, chumbada pelo PS, Bloco de Esquerda e PCP. Perdeu-se, no nosso entendimento,
uma boa oportunidade de incentivar o investimento na floresta.
O expoente máximo desta alegada reforma da floresta que pretendem implementar e da falta de peso político
que o sector agroflorestal tem para este Governo é a proibição da plantação de eucalipto.
O único racional que entendemos nesta medida é a cegueira ideológica do Partido Ecologista «Os Verdes»,
apoiada pelo Dr. António Costa na ânsia de se tornar Primeiro-Ministro, sem pensar, de todo, nas consequências
que esta medida teria para o País. Entendemos, por isso, que, como reforma da floresta, este pacote de medidas
é, Sr. Ministro, um é poucochinho.
Queria deixar também uma nota da nossa preocupação quanto ao risco do papel de recolocar as autarquias
no centro da gestão florestal. Consideramos que há um risco de municipalização. Muitos técnicos dos grupos
técnicos florestais não têm competências florestais, não são técnicos florestais e vão ter de decidir em pareceres
vinculativos, vão ter de gerir as áreas das ZIF e vão ter de transpor os planos regionais de ordenamento do
território para os planos diretores municipais (PDM).
Estamos disponíveis para dar os nossos contributos para este pacto de regime, Sr. Ministro, assim haja
vontade do Governo para os acolher.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado João Ramos.
O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A marcação do
Governo de hoje discute a reforma florestal, matéria onde existem projetos em discussão pública que, na nossa
perspetiva, contêm linhas e orientação ao lado das necessidades centrais da floresta portuguesa.
Entende o PCP que as propostas legislativas poderão conter medidas parciais corretas, mas não trazem a
resposta necessária e adequada que os problemas de ordenamento, prevenção e dinamização económica e
social da floresta nacional e o País exigem.
Página 19
7 DE DEZEMBRO DE 2016
19
Uma primeira preocupação que se pode apontar ao pacote florestal é o facto de colocar a tónica em matérias
que, tendo a sua importância, não a têm na dimensão que lhe quer ser atribuída. Exemplo disto é a
sobrevalorização do caso das áreas abandonadas e sem dono conhecido, uma vez que, até hoje, não foi
demonstrada a sua relação com os incêndios florestais. Contudo, têm funcionado como manobra de diversão
para a falta de resposta aos problemas.
O PCP alerta, como sempre tem alertado, para o facto de o combate às supostas parcelas sem dono
conhecido poder traduzir-se na ilegítima expropriação de pequenas parcelas a quem lutou a vida inteira para as
adquirir ou para as manter.
Uma matéria que o PCP não acompanha nas propostas em discussão é a possibilidade de entregar áreas
públicas a interesses privados, e é isto que preveem fazer com as sociedades de gestão florestal.
É evidente que a floresta portuguesa precisa de ordenamento e prevenção, mas também precisa de
dinamização económica da produção florestal. O pacote florestal continua a insistir no recurso a mecanismos
de mercado, esperando-se que estes façam o que até aqui não fizeram e que só a intervenção pública poderá
fazer, como a experiência de longos anos demonstra. O principal problema da floresta portuguesa é o da
rentabilidade. O preço a que a madeira é paga é muito baixo. As celuloses pagam o eucalipto em Portugal a
metade do preço que é pago em Espanha, e com outras madeiras acontece o mesmo.
As ditas medidas de mercado têm sido usadas claramente para condicionar. Um desses exemplos é a
certificação da floresta. Apresentada como uma forma de valorizar a madeira, tem um primeiro problema que se
relaciona com os custos da certificação, difíceis de suportar por pequenos proprietários, e, por outro lado, as
celuloses pagam hoje a madeira certificada aos preços que pagavam antes dos processos de certificação, não
correspondendo à verdade que a certificação tenha vindo aumentar o preço a que a madeira é paga.
Continua por abordar outra matéria que é fundamental neste sector e que são os mercados da produção
lenhosa, com preços manifestamente degradados da madeira, em virtude da ação monopolista de duas ou três
empresas da fileira.
A realidade demonstra que as orientações dos Governos, na resposta a tão urgente e exigente problema
nacional, têm sido desadequadas. É preciso fazer mais, mas também é preciso fazer diferente.
O PCP irá intervir de forma construtiva em defesa da floresta portuguesa, do povo dos baldios e dos pequenos
produtores florestais.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Tem, ainda, a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Estamos no outono, mas quem faça uma viagem, por exemplo, de Lisboa a Viana do Castelo ou quem percorra
várias áreas do nosso interior não dá pelo outono. E não dá, porque só vê eucaliptos, eucaliptos e mais
eucaliptos.
Recordo que o eucalipto é a espécie com maior área implantada no nosso País: são mais, muito mais de 800
000 ha. E, como já ouvimos aqui hoje, há quem queira mais. Nós, há pouco, ouvimos o Sr. Deputado Nuno Serra
falar como se a liberalização do eucalipto, que o PSD e o CDS provocaram, não fosse já, por si, um grave
problema. E é isto, Sr. Ministro, que queremos travar, queremos travar a expansão do eucalipto no nosso País.
Queremos que o dourado outonal, que ocupa, hoje em dia, nichos pouco significativos da nossa paisagem,
volte a ter mais expressão. Mais: a sua reafirmação na paisagem será indiciadora de uma viragem na floresta
portuguesa, consubstanciada no aumento de algumas espécies autóctones da floresta portuguesa, como os
carvalhos, os castanheiros, entre outras.
Mas, uma vez que isto demora o seu tempo, não só por razões naturais mas também por razões económicas
e sociais, temos de começar já a criar as condições e os incentivos para que isso aconteça. Tanto mais que este
dourado ausente de vastas áreas do território acaba por se impor também no verão, por via das chamas dos
incêndios. É que, por muito que os grandes interesses económicos o tentem negar, a verdade é que a violência
e os impactos dos incêndios em Portugal aumentaram à medida que a expansão do eucalipto se foi impondo no
território, no nosso País, desde os anos 80.
Página 20
I SÉRIE — NÚMERO 26
20
Ora, a nosso ver, um combate eficiente passa por uma mudança profunda, estrutural da nossa floresta e das
políticas públicas que, naturalmente, lhe dão suporte e orientação e, por isso, registamos com agrado que, após
um verão que, em termos de incêndios, foi uma desgraça, em que Portugal contribuiu para mais de metade da
área ardida na Europa, o Sr. Ministro venha, em período de acalmia, apresentar um conjunto de diplomas sobre
a matéria das florestas.
Não vamos agora pronunciar-nos sobre todos os diplomas em discussão, porque o tempo disponível para
intervenção também não o permite, mas vamos fazê-lo, certamente, em sede de consulta pública, continuando
a apresentar propostas na Assembleia da República e também junto do Governo.
Mais uma vez, reafirmamos que sairia muito mais barato ao erário público investir na prevenção, investindo
no pilar fundamental desta prevenção, que é a floresta, do que no combate aos incêndios.
Mas, ainda assim, não podíamos deixar de referir aqui, hoje, mais especificamente, um dos diplomas
apresentados pelo Governo. Refiro-me à alteração ao Regime Jurídico aplicável às Ações de Arborização e
Rearborização. Na verdade, a alteração aqui apresentada pelo Governo contou com o contributo de Os Verdes
e, não sendo ainda o regime que Os Verdes pretendiam para as florestas, consideramos, no entanto, que este
diploma vai ao encontro do essencial daquelas que foram as conversações com o Partido Socialista e que
acabaram por ficar expressas na posição conjunta que o Partido Socialista estabeleceu com o Partido Ecologista
«Os Verdes», ou seja, travar a expansão do eucalipto em Portugal, que foi liberalizada pelo anterior Governo do
PSD e do CDS-PP.
Deixo-lhe uma pergunta, Sr. Ministro da Agricultura: este é ou não um dos propósitos fundamentais da
proposta de alteração ao Regime Jurídico aplicável às Ações de Arborização e Rearborização — travar a
expansão do eucalipto no nosso País?!
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Quero agradecer todas as intervenções, porque elas dão um grande alento ao Governo e permitem-nos ter a
esperança de que possamos, sobre esta reforma, vir a obter um consenso político razoável, por forma a que os
seus resultados sejam tarefa de todos e todos se possam rever neles.
Pelo conjunto das intervenções que acabaram de ser produzidas, posso constatar que não há verdadeiras
objeções de fundo. Há algumas questões que decorrem de falta de esclarecimento, e que terei gosto em
precisar, mas, no essencial, a principal linha de divergência pareceu-me ser à volta da questão do eucalipto,
que acho que, facilmente, posso demonstrar ser uma falsa questão. E é uma falsa questão, pelo seguinte: em
fevereiro de 2015, o Governo anterior fez a revisão da Estratégia Nacional para as Florestas, que é um
documento que já vinha de trás e que, nessa altura, foi reatualizado. Ora, aquilo que estamos a propor
relativamente ao eucalipto é exatamente aquilo que o Governo anterior preconizou. E chamo a vossa atenção
de que basta consultar o Diário da República, I Série, n.º 24, de 4 de fevereiro de 2015, onde se diz, com toda
a clareza,…
Protestos do Deputado do CDS-PP Telmo Correia.
… e não estou a fazer demagogia com isto, que a área estimada de eucalipto, em 2010, era de 812 000 ha
— todos estamos convencidos de que hoje será um pouco mais do que isto — e que aquilo que o Governo
preconizava para 2030 era uma área de 812 000 ha. Ou seja, o Governo, em 2015, decidiu travar a expansão
do eucalipto nos seus limites à data.
Portanto, aquilo que estamos a fazer agora, ao alterar o RJAAR, é precisamente dar expressão concreta
àquilo que foi consensualizado com todo o sector, incluindo a indústria das celuloses. A indústria das celuloses
subscreveu essa orientação.
Por isso, gostaria que tivéssemos uma atitude positiva sobre esta matéria, porque o Governo está a plasmar
na lei, de forma inequívoca, aquele que foi um compromisso assumido em 2015 pelo Governo anterior.
Relativamente às demais questões, as únicas críticas que vi serem aqui apresentadas foram,
designadamente, pela Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, referindo que se pretende atribuir um papel excessivo
às autarquias. Não creio que assim seja, Sr.ª Deputada. Ainda ontem participei numa reunião pública, em
Página 21
7 DE DEZEMBRO DE 2016
21
Alfândega da Fé, destinada à sociedade civil de Trás-os-Montes, e aquilo que nos foi reclamado foi exatamente
que atribuíssemos um papel acrescido às autarquias, porque consideram que ele é insuficiente.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Não na gestão!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Aquilo que nós propomos,
essencialmente, ao nível das autarquias, é que se incorporem nos planos diretores municipais as orientações
dos programas regionais de ordenamento florestal que vamos ter concluídos em março, por forma a que as
autarquias, relativamente à floresta, se comportem como hoje se comportam em relação ao urbanismo.
Trazendo esta matéria para uma escala mais fina, com proximidade de decisão, penso que todos ganharemos,
porque, ao nível de cada município, o «mosaico» será aquele que estiver plasmado nos seus planos diretores
municipais.
Sobre as capacidades técnicas nos municípios, Sr. Deputado Carlos Matias, através do Fundo Florestal
Permanente, o Ministério da Agricultura já financia hoje 228 técnicos municipais em outros tantos municípios,
por via dos chamados gabinetes técnicos florestais (GTF). Isto significa que já há um pequeno núcleo de
capacidade florestal. Aliás, ainda há poucos dias transferimos cerca de 3 milhões de euros (digamos que é a
comparticipação do Ministério).
Portanto, registo com muito interesse a proposta que faz de, nos casos onde essa capacidade possa não
estar instalada, estabelecermos um mecanismo transitório para garantir que estas matérias sejam tratadas, do
ponto de vista técnico, de forma absolutamente correta, como não pode deixar de ser.
A terceira questão, relativamente à qual vi não uma oposição mas dúvidas, tem a ver com o banco de terras.
Já falei várias vezes com a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca e tenho tido dificuldade em convencê-la da bondade
desta proposta, mas vamos ver o seguinte: o Governo anterior propôs uma bolsa de terras que o atual Governo
decidiu manter.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Não, Sr. Ministro!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Nós reconhecemos mérito a essa
proposta, ainda que os resultados tenham ficado aquém das expectativas, razão pela qual vamos manter a bolsa
de terras.
Porém, quisemos ir mais longe, criando um banco de terras. O que é o banco de terras? O banco de terras
será um instituto — um instituto entre aspas, porque não vamos criar nenhum novo departamento na
Administração Pública, ele vai ficar sediado na Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR)
e no Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), que são organismos que já existem — no qual
vamos integrar todo o património rústico que já pertence ao Estado, independentemente dos ministérios que o
estejam a gerir. Depois, vamos fazer um escrutínio daquilo que é verdadeiramente indispensável a cada
ministério e isso será atribuído ao respetivo ministério. Tudo o resto irá ser atribuído, se tiver aptidão agrícola, a
agricultores e, preferentemente, a jovens agricultores. E aqui aproveito para responder ao Sr. Deputado João
Ramos, dizendo-lhe que não se trata de pôr a terra pública ao serviço de privados. Não creio que entenda que,
quando o Estado entrega uma parcela a um jovem agricultor, por arrendamento, está a transferir interesses
públicos para a esfera privada, porque está apenas a permitir a instalação.
Se se tratar de património florestal, estamos apenas a criar condições para que o património florestal que,
hoje, é improdutivo, que hoje, pela sua pequena dimensão… Ó Srs. Deputados, há parcelas florestais que cabem
várias vezes no espaço deste Hemiciclo, que são insuscetíveis de serem geridas. Aquilo que queremos, sem
qualquer preconceito quanto ao público e ao privado, é entregar a cooperativas de produtores, a sociedades de
gestão florestal, inclusive a autarquias ou até a entidades mistas, que sejam constituídas por uma componente
pública e uma componente privada, por forma a que essa floresta possa ser gerida, possa criar riqueza, possa
aumentar a matéria prima disponível para a indústria e a que, com ela, possamos até aumentar as exportações,
sejam elas da pasta de papel, sejam elas da indústria do mobiliário, da cortiça ou de qualquer outra.
Por outro lado, não há nenhuma discriminação negativa relativamente à pequena propriedade ou à grande
propriedade. Quando dizemos que as sociedades de gestão florestal ou entidades afins vão beneficiar do regime
de incentivos fiscais, o que queremos dizer é que, pelo menos metade da área destas entidades tem de ser
Página 22
I SÉRIE — NÚMERO 26
22
composta por prédios com menos de 5 ha, porque é exatamente na pequena propriedade que falta capacidade
de gestão, o que quer dizer que uma sociedade de gestão florestal precisará de ter um mínimo de 100 ha, pode
ter uma única propriedade com 50 ha e outras 50 com 1 ha cada uma e não exigimos sequer que haja uma total
continuidade entre as diferentes parcelas, ainda que, obviamente, isso seja desejável.
Foram estas as objeções, que me parecem de pequena monta, que estamos disponíveis a trabalhar com os
diversos grupos parlamentares, no sentido de as consensualizar tanto quanto possível, porque relativamente ao
restante pacote de medidas não houve verdadeiras objeções de fundo. É que me parece, de facto, que é matéria
facilmente consensualizável.
Portanto, Srs. Deputados, as vossas intervenções deixam-me esperançado e digo isto sem nenhum sentido
ou qualquer intuito de oportunismo político. Como digo, o Governo não quer invocar para si louros políticos que
vão ser visíveis, em alguns casos, daqui a três, quatro ou cinco governos. O que queremos é criar condições
para que aquilo que decidamos hoje seja irreversível no futuro, para que aquilo que vamos decidir agora não
seja destroçado pelo Governo seguinte ou daqui a dois governos.
Contrariamente ao que disse, no essencial, à exceção da questão do eucalipto, que, como já tive
oportunidade de referir, se tratou de repor aquilo que foi uma decisão do Governo anterior, não há nenhuma
matéria que o Governo tenha alterado, a não ser para melhorar, como é o caso dos sapadores florestais, cujo
financiamento acabámos agora de aumentar de 35 para 40 000 € por ano. Fizemos esta modificação que, estou
certo, todos aplaudirão.
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, agradeço, uma vez mais, e reitero a disponibilidade do Governo para,
relativamente às questões em relação às quais ainda subsistem pontos de desacordo, podermos chegar a
consensos, de uma forma tão ampla quanto possível.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Vamos entrar na segunda ronda do nosso debate. Peço aos serviços o favor de
atualizarem os tempos disponíveis para os diferentes grupos, fazendo já os descontos devidos do tempo
ultrapassado ainda durante a primeira ronda.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Maurício Marques, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Maurício Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.
Deputados, o Sr. Ministro assumiu, aqui, que a tragédia que ocorreu este ano levou o Governo a antecipar a
reforma que hoje se discute nesta Câmara. Quis assim o Governo relevar a incompetência demonstrada na
gestão dos incêndios do ano de 2016, pois este ano tivemos, em Portugal continental, o menor número de
ocorrências registadas nos últimos 10 anos. Tivemos o menor número de incêndios, mas tivemos a maior área
ardida nos últimos 10 anos.
Isto foi responsabilidade do Governo, através da ausência de prevenção florestal — problema para o qual,
em bom tempo, alertámos — e também através de alguma despreocupação, por parte do Governo, no combate
aos incêndios.
Sr. Ministro, fala muito de floresta. A sua elevada competência política leva-o a falar daquilo que as pessoas
gostam de ouvir. Falou, aqui, de Alfândega da Fé, mas não falou de Portel. Gostaríamos de saber como é que
teria corrido este debate público se o mesmo tivesse decorrido em Portel.
Sr. Ministro, quanto ao tema rentabilizar a floresta, obviamente temos de rentabilizar a floresta, qualquer que
seja a espécie. Sabemos bem que para rentabilizar a floresta são necessários incentivos fiscais. Sabemos bem,
também, que temos um problema identificado, o problema do minifúndio — temos de fazer, de promover, o
emparcelamento.
O Sr. Ministro, numa outra legislatura em que foi membro do Governo, escrevia isso mesmo, que tínhamos
de incentivar o emparcelamento, de forma a dar dimensão e possibilidade ao ordenamento florestal.
Ora, o que vimos em sede do Orçamento, recentemente aprovado? É que há uma discriminação negativa
para áreas superiores a 50 ha! O Sr. Ministro diz, por um lado, que é necessário emparcelamento para dar
dimensão à floresta mas, por outro lado, desincentiva o dito emparcelamento.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo, peço-lhe que conclua.
Página 23
7 DE DEZEMBRO DE 2016
23
O Sr. Maurício Marques (PSD): — Termino, Sr. Presidente.
Falar de floresta é também falar de incêndios e falar de bombeiros. O Sr. Ministro faz parte de um Governo
que ainda não repôs os equipamentos que se perderam nos últimos incêndios e faz também parte de um
Governo que não paga aos bombeiros as despesas feitas no âmbito do Ministério da Saúde.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Francisco Rocha, do Grupo
Parlamentar do PS.
O Sr. Francisco Rocha (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Segundo um provérbio oriental,
«se não tem remédio, porque te lamentas? Se tem remédio, porque te lamentas?»
Assim, será mais fácil perceber que, pela sua importância, pelos objetivos substantivos que pretende
alcançar, pela marca participativa que se quer colocar neste processo, a reforma da floresta portuguesa deve
ser entendida como um desígnio nacional.
Em pleno século XXI, Portugal tem dificuldades notórias em saber quem é quem numa mancha florestal que
é detida em mais de 90% por privados e por comunidades rurais. Por isso, o Governo propõe-nos que se avance
com o conhecimento real das parcelas, que se promova o levantamento dos indivisos, que se conheça a
realidade da gestão ancestral mas nunca registada. No dia em que terminar esse trabalho, vamos passar a
pertencer à esmagadora maioria dos países europeus que se conhecem a si próprios.
Mas também temos noção de que, em Portugal, é fundamental reforçar a componente económica da fileira
florestal, pelo que consideramos acertadas as propostas que visam a promoção de uma gestão florestal
sustentável, ativa e profissional, que abranjam o sector público e privado e que promovam a valorização da
produção, o aumento da sua competitividade, o desenvolvimento das zonas rurais, a recreação e o ecoturismo,
dando corpo ao conceito de uso múltiplo da floresta.
Mas não podemos ficar por aqui. Apesar de Portugal deter e aplicar, ano após ano, um sistema de defesa da
floresta contra incêndios, é tempo de ponderar de forma diferente vários conceitos e reforçar o pilar da prevenção
estrutural e operacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, felicitamos o Governo por esta iniciativa coerente e corajosa, que apela e
interpela à participação de toda a sociedade: partidos políticos, autarquias, administração central, comunidade
académica e científica, organizações do sector e cidadãos.
Por isso, reclamamos de todos os membros desta Câmara espírito aberto numa reforma que fique para a
História. Como disse Platão: «Não há nada de grandioso que não tenha dificuldades».
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Soares, do Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
A nossa preocupação neste debate prende-se com a necessidade de ultrapassar uma dificuldade que parece
estrutural e que se exprime bem no facto de, apesar de termos aprovado, por unanimidade, nesta Casa, uma
Lei de Bases do Desenvolvimento Florestal, há 20 anos, pouco se ter feito em relação à floresta e o que temos
é uma floresta que continua abandonada, uma floresta que apresenta vários problemas que é preciso enfrentar.
Identificamo-nos com muitos dos objetivos que o Governo apresenta nas suas propostas: ordenamento
florestal e controlo da eucaliptização, gestão agrupada da floresta nas áreas de minifúndio e mudança do
combate direto aos incêndios como prioridade para um novo paradigma de prevenção dos fogos florestais.
Numa floresta marcada pelo minifúndio, a gestão agrupada é, de facto, a estratégia correta.
O Bloco de Esquerda defende uma intervenção pública, firme, forte, assertiva, no sentido de resolver o
problema da gestão das zonas do minifúndio. A criação de unidades de gestão florestal é, de facto, o caminho
necessário, mas, Sr. Ministro, temos algumas dificuldades de compreensão relativamente às propostas que
apresentou nesta área. As unidades de gestão agrupada da floresta devem poder constituir-se sob formas
Página 24
I SÉRIE — NÚMERO 26
24
diversas, mas não nos parece correto afastar desta forma de constituição de sociedades de gestão florestal as
associações, as formas associativas. Esta possibilidade de constituição de unidades de gestão florestal através
do associativismo é essencial, porque sabemos o papel essencial que o associativismo tem tido na floresta.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.
O Sr. Pedro Soares (BE): — Concluo, Sr. Presidente.
Se o objetivo é agrupar a gestão nas áreas de minifúndio, não percebemos a razão pela qual se pretende
juntar, quase de forma imposta, a grande propriedade com a pequena propriedade. Sabemos que, quando se
juntam, o caminho normal é o da absorção da pequena propriedade pela grande.
E esta é uma preocupação que, efetivamente, temos.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Ilda Novo, do Grupo
Parlamentar do CDS-PP.
A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, uma das
medidas deste pacote das florestas pretende redinamizar as centrais a biomassa florestal residual que, como o
próprio Governo afirma, não foram totalmente mobilizadas pela iniciativa privada. Assim sendo, o Governo vem
propor agora, para um ano de eleições autárquicas, a instalação e exploração de novas centrais por municípios,
comunidades intermunicipais ou associações de municípios.
Ora, o CDS entende que esta poderá ser, efetivamente, uma interessante alternativa de produção de energia,
em pequena escala, para autoconsumo, como proposto, mas não será, à partida, uma solução de sucesso. A
iniciativa privada não foi suficiente para esgotar a potência colocada a concurso no passado. Além de que a
operação não é, como se sabe, na grande maioria dos casos, rentável. É essa a razão que leva o Governo a
propor a atribuição de tarifas subsidiadas?
Após o recente esforço de redução do défice tarifário, vai agora inverter-se essa tendência, mesmo que essa
medida se sustentando-se tal medida em intenções bondosas? E sobre quem vai recair este custo acrescido?
Onde se encontram previstas as transferências financeiras para as autarquias fazerem face a estes
investimentos?
Segundo o que organizações do sector oportunamente afirmaram, para ser eficaz na prevenção de incêndios,
uma central a biomassa deveria consumir preferencialmente matos e outra vegetação, que possuem grande
volume por tonelada (ou por unidade energética), o que implica ter de se recolher e transportar grandes volumes,
para um ganho energético relativamente modesto. Isto leva a que o custo financeiro e ambiental destas
operações seja incomportável quando estão em causa longas distâncias.
Acresce que uma área total de 636 000 ha é insuficiente para assegurar o abastecimento por biomassa,
resultante da atividade silvícola, de uma central, ainda que de dimensões reduzidas.
Paralelamente, salientamos outros riscos a considerar e prevenir, como as consequências nefastas para a
biodiversidade e preservação dos solos que resultarão de uma eventual remoção total dos resíduos da floresta,
ou seja, entende o CDS que deverá existir um equilíbrio — como em tudo na vida —, entre a redução da carga
combustível e a manutenção de resíduos vegetais que, indiscutivelmente, contribuem para a melhoria da
estrutura do solo e a prevenção da erosão.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.
Estas são questões que o diploma patentemente não acautela, embora preconize, no seu preâmbulo, a
preservação, recuperação e reabilitação dos ecossistemas.
Aplausos do CDS-PP.
Página 25
7 DE DEZEMBRO DE 2016
25
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado João Ramos, do Grupo
Parlamentar do PCP.
O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, a floresta tem uma
importância estratégica para o País. É o elemento fundamental de combate à desertificação dos solos e à
manutenção de reservas de água.
A forma como as políticas florestais têm sido desenvolvidas tem efeitos nas alterações significativas no meio
rural, em profundo despovoamento. A monocultura florestal, em área de extensão muito além do que seria
desejável, é um problema que tem entre os seus maiores reflexos os dramáticos incêndios que, ano após ano,
lavram no espaço florestal, consumindo cada vez mais área.
A floresta portuguesa está em declínio, com a redução de área e a redução de algumas espécies,
nomeadamente as autóctones, em detrimento do eucalipto.
O anterior Governo PSD/CDS-PP deu um importante contributo para que isto acontecesse, retirando 150
milhões de euros ao ProDer (Programa de Desenvolvimento Rural) para a área da floresta, liberalizando a
plantação de eucalipto e atacando os baldios. O avolumar destes problemas na floresta portuguesa ocorre
apesar dos milhões de euros afetos ao setor por diferentes quadros comunitários.
As matérias relacionadas com a floresta têm tido, grosso modo, aprovação unânime da Assembleia da
República. É, pois, evidente que tem faltado ação governativa e decisão.
A sobreposição de interesses do negócio da transformação de madeira ao interesse nacional vai contra as
necessidades do País. Ultimamente têm-se multiplicado as notícias e informações relativamente a floresta criada
para alimentar celuloses, produzida através de regadio, nomeadamente em regadios públicos.
Pode até ser uma medida importante para a indústria deficitária em matéria-prima, mas o País tem défices
profundíssimos em várias produções estratégicas e, por isso, não é admissível retirar recursos tão importantes
como a terra ou a água à produção alimentar para os afetar ao desenvolvimento de uma estratégia empresarial
privada.
Isto, porque a soberania alimentar não é um valor menor. O País tem condições para produzir madeiras
nobres de maior valor acrescentado, mas isso não é estimulado, nem a madeira é valorizada.
A indústria para a produção de mobiliário, de grande importância no País, também precisa de produção
florestal, mas, por exemplo, o pinho não é corretamente valorizado.
A valorização da floresta tem também de passar pela diversificação e pela valorização de espécies que
podem alimentar outras indústrias ou em que o País é inigualável produtor, como a cortiça.
A floresta enfrenta hoje um grave problema fitossanitário, não controlado em muitas áreas, e que condiciona
não só o valor como a atividade da indústria transformadora. Tanto o pinho como o montado, nomeadamente
de sobro, atravessam grandes problemas sem fim ou controlo à vista.
Entende o PCP que os problemas da floresta portuguesa e paralelamente do mundo rural, fortemente atingido
pela desertificação económica e pelo despovoamento, não se resolverão sem uma significativa mobilização de
recursos públicos, nomeadamente sem a indispensável intervenção do Estado, com meios financeiros e
recursos humanos à altura da gravidade dos problemas e dos estrangulamentos existentes.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, tem a
palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, a proposta do
Governo relativa ao RJAAR vai, na nossa perspetiva, permitir travar a expansão do eucalipto que foi liberalizada
pelo Governo anterior do PSD e do CDS. Mas vai fazer mais: vai permitir recuperar áreas abandonadas de e
com eucaliptos, criar oportunidades para a sua recuperação através da reflorestação com espécies autóctones
e corrigir erros de arborização anteriores que permitiram plantações em áreas totalmente impróprias e que
acentuaram as manchas contínuas de eucalipto, que, por sua vez, agravaram a dimensão dos incêndios.
Porém, como certamente o Sr. Ministro já se apercebeu, estas alterações têm sido alvo de constantes e
violentos ataques, com grande realce na comunicação social, por parte dos grandes interesses económicos
Página 26
I SÉRIE — NÚMERO 26
26
ligados à área da indústria de celulose que, durante vários anos, mas sobretudo durante o Governo PSD/CDS,
beneficiaram de uma proteção total.
Como tal, sabendo nós, e o Sr. Ministro também, que a consulta pública vai ser uma excelente oportunidade
para este setor, que tem grandes meios à sua disposição para continuar a exacerbar as suas pressões e
chantagens, gostaria de lhe perguntar, Sr. Ministro, se considera que os termos do que ficou estabelecido como
propósito fundamental da alteração ao RJAAR — que é travar a expansão do eucalipto — continuam enraizados
e se vão contribuir para uma floresta mais diversificada onde as espécies autóctones, como o sobreiro, a
azinheira, o pinho ou o carvalho, e outras espécies, possam vir a ocupar uma importância que, infelizmente,
hoje não têm na nossa floresta.
Acho que era importante que o Sr. Ministro nos clarificasse este propósito.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Mesa foi informada de que o Sr. Ministro irá juntar o tempo a que
tem direito nesta segunda ronda, para resposta aos pedidos de esclarecimento, com o da intervenção final.
Tem, portanto, a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr. Presidente, Srs. Deputados,
renovo o meu agradecimento pelas questões que colocaram e que confirmam o que disse na ronda anterior.
Estou, de facto, convicto de que as questões que aparentemente nos dividem são suscetíveis de serem
ultrapassadas.
O Sr. Deputado Maurício Marques fez alusão ao ano terrível de incêndios que vivemos. O Sr. Deputado sabe
que neste ano, tal como em 2003 ou 2005, se verificaram situações extremas, com a conjugação de três fatores
terríveis: temperatura acima dos 30 ºC, humidade abaixo dos 30% e vento acima dos 30 km/h — o tal valor 30.
São situações que tornam os incêndios incontroláveis e, quando isso acontece, não é a cor do Governo que
decide a dimensão da tragédia.
Portanto, o que queremos é evitar que, no futuro, tragédias destas se repitam, o que passa naturalmente
pela adoção atempada e ao longo de muitos anos de um conjunto de alterações estruturais da nossa floresta.
Queria felicitar o Sr. Deputado pelo facto de estar a acompanhar o debate público uma vez que fez referência
à sessão que teve lugar para a região do Alentejo há poucos dias e à que teve ontem lugar para a região de
Trás-os-Montes, onde curiosamente houve tónicas ligeiramente diferenciadas. No Alentejo, de facto, houve
algumas críticas na medida em que se disse que há um excesso de municipalização nesta proposta, mas em
Trás-os-Montes foi dito exatamente o contrário, o que demonstra que vamos ter de encontrar a justa medida de
equilíbrio entre estas duas posições.
O Sr. Deputado Francisco Rocha falou das dificuldades e, de facto, temos consciência de que não vai ser
fácil para este Governo e para os próximos levar a cabo esta tarefa. Desde logo sabemos quão complexa vai
ser a questão da legalização da titularidade dos prédios. Vai ser certamente um processo complexo.
Como sabe, irá ser criado um balcão único, quer virtual, quer físico, nas conservatórias do registo predial,
onde serão facultados a todos os proprietários os ortofotomapas em que têm de ser identificadas as parcelas.
Vai ser adotado também o princípio de não onerosidade, ou seja, todos os custos com taxas e emolumentos,
até 31 de dezembro de 2018, serão inteiramente gratuitos. Isto porque, como sabe, muitas vezes, legalizar um
pequeno prédio rústico custa mais do que o valor de mercado do próprio prédio e é por isso que muitos estão
por legalizar.
Temos consciência da dificuldade desta tarefa, porque admitimos que podem estar nesta situação mais de
10 milhões de prédios rústicos, mas é importante que esta tarefa se faça e que se faça com alguma celeridade.
Não podemos estar mais 10, 20, 30 ou 40 anos à espera que este problema se resolva e, por isso, fomos
ambiciosos na meta de 31 de dezembro de 2018.
De qualquer forma, repito, temos consciência das dificuldades inerentes a esta tarefa, mas vamo-nos
empenhar para que se faça. Será uma tarefa em que estará particularmente mobilizado o Ministério da Justiça,
uma vez que é essa a sede da resolução deste problema.
Sr. Deputado Pedro Soares, agradeço também a sua intervenção, mas parece-me que por detrás dela está
algum equívoco. O Governo não pretende impor a junção da pequena com a grande propriedade. Qualquer
Página 27
7 DE DEZEMBRO DE 2016
27
entidade gestora pode ser constituída exclusivamente por pequena propriedade. Apelamos à participação do
movimento associativo, naturalmente, não através de associações, porque isso é ilegal, uma vez que se trata,
neste caso de explorar a floresta, de uma atividade económica, mas esse movimento pode desenvolvido por
cooperativas de proprietários florestais. Portanto, o associativismo florestal é chamado e é bem-vindo a esta
tarefa e admitimos até a possibilidade de, quando se tratar de concessionar áreas, as cooperativas virem em
primeiro lugar ou de outro tipo de sociedades virem no fim dessa lista de prioridades, assim como as autarquias
ou entidades que resultem da cooperação entre estas.
Portanto, não há nenhuma imposição. Para evitar que apenas a grande propriedade viesse aproveitar este
regime para beneficiar dos incentivos fiscais, determinámos que as sociedades e outras entidades, para
beneficiarem deles, tenham obrigatoriamente de ter, pelo menos, 50% da sua área com prédios inferiores a 5
ha.
A Sr.ª Deputada Ilda Novo colocou uma questão muito pertinente relativa à criação de centrais de biomassa.
Nós pretendemos criá-las, mas estamos a trabalhar num passo mais além. Neste momento, houve uma decisão
do Conselho de Ministros para ser estudada e aprofundada — porque existe já algum trabalho nesse sentido —
a possibilidade de as biorrefinarias de pequena escala utilizarem os desperdícios da floresta não apenas para
produzir energia. Naturalmente, em relação aos desperdícios da floresta, haverá uma portaria que identificará
que resíduos são esses, porque não queremos na combustão para produzir eletricidade materiais que podem
ter outra utilização com outra valorização económica. A nossa ambição é a de de ter biorrefinarias em que a
produção de energia acabe por ser o subproduto da produção de biodiesel.
Creio que se os estudos que estão em curso forem conduzidos a bom termo e se revelarem economicamente
interessantes, provavelmente iremos ter, a partir dos resíduos da floresta, produção de biocombustíveis, ao
mesmo tempo que limpamos a floresta.
O Sr. Deputado João Ramos também disse algumas coisas com as quais concordo, nomeadamente que a
monocultura é um problema. É por isso que queremos ordenar e passar para a esfera dos PDM essas regras
de ordenamento, precisamente para evitar a área mono-extensiva que tem tido consequências nos incêndios.
Mas, gostaria de o esclarecer — não sei se há algum equívoco da sua parte — porque não há nenhuma intenção
do Governo, aliás, está absolutamente fora de causa, de alocar áreas de regadio público à produção de matéria
florestal.
Neste momento, estão em curso algumas experiências que se estão a revelar bastante positivas no sentido
de acelerar o crescimento dos sobreiros. Tive a oportunidade de visitar, há poucos dias, uma experiência
segundo a qual sobreiros regados, que teriam a primeira extração de cortiça ao fim de 30 anos, conseguiram
produzir a mesma quantidade ao fim do oitavo ou do nono ano.
Naturalmente que a possibilidade de termos um montado regado terá de ser uma questão equacionada e
nunca será permitida a utilização de águas, muito menos daquelas que têm gestão pública, para regar floresta,
em detrimento da produção de alimentos, como é evidente.
O Sr. Deputado José Luís Ferreira colocou a questão do eucalipto. É claro que o Governo, na apresentação
desta proposta de lei, honra o compromisso que está plasmado no Programa do Governo, segundo o qual o
objetivo é travar a expansão da área de eucalipto que, como lhe disse, aliás, já vinha da estratégia florestal
nacional. Infelizmente era apenas uma orientação que estava no papel e que não estava a ser cumprida, mas
agora vamos criar condições para que o seja efetivamente.
Pensamos que é possível, com esta área florestal, em termos de eucalipto, aumentar bastante a produção
de matéria-prima para a indústria, porque a produção de pasta de papel tem um peso económico importante e
um valor de exportações que não é negligenciável, sobretudo num País em que a produtividade é tão baixa. A
produtividade média do eucalipto em Portugal é de 5 m3/ha. Ora, basta que aumentemos esta produtividade em
2 m3/ha para que tenhamos matéria-prima suficiente para tornar desnecessárias as atuais importações. Isso é
possível uma vez que, com esta legislação, pretendemos retirar eucaliptos das áreas marginais pouco
produtivas, a maior parte delas abandonadas, para que essa área possa ser compensada noutras com
produtividades que nalguns casos vão até aos 30 m3/ha.
Portanto, respondendo objetivamente à sua pergunta, é evidente que o compromisso que está plasmado no
Programa do Governo e que está vertido nesta proposta de lei é efetivamente para honrar escrupulosamente.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.
Página 28
I SÉRIE — NÚMERO 26
28
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, damos por encerrado este ponto da nossa ordem de trabalhos.
Antes de passamos ao próximo ponto, o Sr. Secretário, Pedro Alves, dar-vos-á conta de um parecer da
Subcomissão de Ética da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Sr. Secretário (Pedro Alves): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o relatório e parecer da Comissão
para a Ética, a Cidadania e a Comunicação refere-se à substituição do mandato, nos termos da alínea a) do n.º
2 e n.º 3 artigo 5.º do Estatuto dos Deputados, do Sr. Deputado António Leitão Amaro (PSD), círculo eleitoral do
Viseu, sendo substituído pela Sr.ª Deputada Eugénia Maria de Oliveira Duarte, por um período de licença
parental de 25 dias úteis, a partir de 6 de dezembro.
O parecer é no sentido de a substituição do Deputado em causa ser de admitir, uma vez que se encontram
verificados os requisitos legais.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Vamos, então, passar ao terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos que consiste na discussão, na
generalidade, dos projetos de lei n.os 341/XIII (2.ª) — Alterações ao Estatuto do Gestor Público e aos regimes
jurídicos do setor empresarial do Estado e do setor empresarial local (PSD), 342/XIII (2.ª) — Impõe deveres de
transparência aos administradores da Caixa Geral de Depósitos e altera o Estatuto do Gestor Público (PSD),
351/XIII (2.ª) — Altera o Estatuto do Gestor Público, revogando o regime de exceção criado pelo Decreto-Lei nº
39/2016, de 28 de Julho, e clarificando o alcance das respetivas obrigações declarativas (CDS-PP) e 352/XIII
(2.ª) — Altera o Estatuto do Gestor Público, revogando o regime de exceção criado pelo Decreto-Lei n.º 39/2016,
de 28 de Julho, e estabelecendo limites remuneratórios (CDS-PP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pode haver várias e legítimas
razões para se alterar o Estatuto do Gestor Público, mas seguramente que a de criar um fato à medida, por
encomenda dos seus destinatários, não é uma delas.
Foi isso mesmo que o atual Governo fez, e fê-lo com manifesta incompetência, aprovando um diploma ferido
de inconstitucionalidade para, de seguida, se desmultiplicar num perfeito rol de indignidades.
À vez, todos no Governo procuraram pôr-se de fora e fugir às suas próprias responsabilidades. O Ministro
das Finanças apressou-se a rasgar os compromissos que firmara, e em nome dos quais avançou com a
alteração da lei, para em 48 horas vir dar o dito por não dito, virando as costas àqueles com quem se
comprometera.
O Primeiro-Ministro, assim que viu o caso mal parado, em vez de se comportar como Chefe do Governo,
tratou de se fingir enganado. Enganado num processo que ele próprio politicamente conduzira junto do
Presidente da República.
O Conselho de Ministros — a cereja no topo do bolo — assumiu-se como uma reunião de curiosos que não
sabiam bem, ou não eram capazes de perceber, as implicações daquilo que aprovam.
Seria trágico, Srs. Deputados, se acreditássemos nesta cínica pantomina montada pelo Governo que temos.
Mas também não é mais consolador o triste espetáculo de absoluta falta de ética e de desrespeito pelos mais
elementares valores da verdade e da decência na governação.
Nada me move, nem em defesa nem contra os atuais ou demissionários administradores da Caixa Geral de
Depósitos. Muito menos tenho qualquer simpatia pelas condições inaceitáveis que inicialmente concertaram
com quem os convidou e aliciou.
Página 29
7 DE DEZEMBRO DE 2016
29
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Mas acho inqualificável que o Governo, só para salvar a sua pele,
os tenha feito passar por maus da fita e tratado como joguetes descartáveis de uma operação que ele próprio
encenou e montou.
O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Bem lembrado!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — É muito feio atirar a pedra e esconder a mão.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Foi o que o Governo fez, ao mais alto nível, reiterada e
conscientemente.
Aplausos do PSD.
Sr.as e Srs. Deputados, se estamos, e está o País, perfeitamente elucidados quanto ao juízo político a retirar
deste processo inenarrável, a verdade é que temos ainda uma borrada jurídica para resolver.
O diploma aprovado pelo Governo, embora inconstitucional, está em vigor e assim será, ou até ser declarado
inconstitucional, ou até que esta Assembleia o altere, repondo o respeito pelos princípios constitucionais que
regem a ordem jurídica.
De facto, a nossa Constituição estatui uma hierarquia nas leis. Hierarquia que obriga os diplomas a
subordinarem-se ao estabelecido naqueles que desenvolvem as bases gerais dos respetivos regimes jurídicos.
Ora, o decreto-lei medida do Governo está em frontal e expressa violação da lei que aprova as bases gerais
do setor público empresarial.
Nesta estabelece-se o seguinte, e cito: «Só podem ser admitidos a prestar funções como titulares de órgãos
de administração de empresas públicas pessoas singulares com comprovada idoneidade, mérito, competência
(…) sendo-lhes aplicável o disposto no Estatuto do Gestor Público». Repito: só podem prestar funções como
titulares de órgãos de empresas públicas as pessoas a quem se aplique o Estatuto de Gestor Público. O que
faz o Governo? Trata de lhes desaplicar o Estatuto de Gestor Público por decreto-lei, ao arrepio dos mais básicos
princípios constitucionais.
Perante isto, de duas, uma: ou cruzamos os braços e demitimo-nos das nossas responsabilidades fingindo
que não percebemos esta violação grosseira da lei de bases, lei de bases que é de reserva de competência
legislativa desta Assembleia…
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — … e ficamos à espera que o Tribunal Constitucional intervenha ou,
então, emendamos esta trapalhada, como é nossa obrigação, salvaguardando o interesse público que, neste
processo, desde o princípio deveria ter prevalecido.
Nesta bancada, não temos por hábito fugir às responsabilidades e, por isso, agendámos este debate.
Reportando-me ao conteúdo dos projetos, recordo que os mesmos foram apresentados pelo PSD no final de
outubro, antes da discussão que travámos em sede do Orçamento do Estado.
Cabe, por isso, referir que, embora não concedendo, não ignoramos as posições defendidas pelas outras
bancadas nessa discussão.
Limitarmo-nos agora a insistir nas soluções que a maioria já mostrou querer rejeitar, seria cinicamente criar
as condições para que nada se faça ou, pelo menos, dar todos os pretextos para que assim fosse. Quem isso
desejar, deve assumi-lo sem falsos pretextos.
Pela nossa parte, aqui formalmente expresso a abertura desta bancada para fazermos evoluir a legislação
ao encontro de soluções que possam colher, em trabalho de especialidade na Comissão, consensos alargados.
Soluções novas, se necessárias para esses consensos, mas soluções que respeitem o princípio de que as
Página 30
I SÉRIE — NÚMERO 26
30
empresas do Estado, por respeito para com o dinheiro dos contribuintes que as suporta, devem ser exemplo de
contenção e, quando operem em mercado concorrencial, devem situar o seu estatuto remuneratório num valor
inferior ao da média dos praticados nas empresas privadas do mesmo setor.
Estou a referir-me à questão, ainda controversa, que é a do estatuto remuneratório, naturalmente que sem
menosprezo pelas outras importantes propostas sobre a igualdade de género, a limitação do número de gestores
ou as regras da publicitação que favoreçam a transparência e que me parecem consensuais.
Quanto ao diploma sobre os deveres declarativos, refira-se que, a ser reposta a normalidade constitucional
de aplicação do Estatuto do Gestor Público na banca pública, a sua aprovação tornar-se-ia inútil.
Mas se assim não for, a sua aprovação é estritamente necessária para consolidar em lei permanente aquilo
que só vigorará para 2017, de acordo com o princípio da anualidade das normas orçamentais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, num processo tão mal tratado e gerido pelo Governo, tem agora o
Parlamento a oportunidade, e o dever, de fazer as correções que se impõem, com serenidade e com
responsabilidade.
É esse o desafio que temos à nossa frente!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar os projetos de lei do CDS-PP, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Cecília Meireles.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS apresenta hoje dois
projetos de lei que, não sendo inéditos, são, nas soluções que apresentam, originais, equilibrados, sensatos e
que tentam encontrar um ponto que pode ser de concórdia para, de uma vez para sempre, resolvermos parte,
pelo menos, da grande trapalhada em que o Governo, infelizmente, transformou a Caixa Geral de Depósitos.
Não querendo fazer deste debate o Canal História mas porque importa perceber aquilo que originou o
problema para se saber como é que ele se resolve, gostaria de dizer que tudo isto começou quando o Governo
resolveu criar um estatuto completamente de exceção, tirando a Caixa Geral de Depósitos e a sua regulação do
âmbito do Estatuto do Gestor Público.
Poder-se-á dizer que a Caixa Geral de Depósitos é diferente das outras empresas públicas. É verdade que
as empresas públicas são muito diferentes entre elas e por isso é que o próprio Estatuto do Gestor Público
previa essa situação. Se os senhores entendem que o Estatuto do Gestor Público deve ser mudado, então
apresentem as vossas propostas e vamos discuti-las. Contudo, criar um regime de exceção que não vale
rigorosamente nada a não ser a vontade política do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Ministro das Finanças — que
ainda para mais, ao que parece, em relação a este dossier, têm tendência para mudar mensalmente — é que
francamente não me parece solução para este problema.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Aquilo que o CDS propõe é muito claro.
Quanto ao primeiro projeto de lei, que diz respeito à transparência, acabamos com a regra da exceção para
a administração da Caixa Geral de Depósitos e criamos uma regra bastante mais clara, que se aplica não aos
gestores da Caixa mas a todos os gestores públicos, porque achamos que, em matéria de transparência e de
declaração de entrega de património, as regras têm de ser iguais para todos.
Em relação à questão salarial e respetivos limites, a postura do CDS tem sido muito clara: não fechamos
portas, não inviabilizamos propostas, tentamos criar pontes. Temos a nossa proposta, a qual tem um teto e,
mais, assume que, por exemplo, em momentos em que não cumprimos regras internacionais sobre dívida
pública ou em que temos ainda congelamento salarial da função pública, essas regras têm que ser
particularmente apertadas e esses limites têm que ser particularmente exigentes.
Mais uma vez digo que, nesta matéria, somos muito claros: temos a nossa proposta e o nosso caminho, mas
não fechamos portas, nem invalidamos outras alternativas.
Página 31
7 DE DEZEMBRO DE 2016
31
Mais: nunca fomos coniventes com o jogo de, pura e simplesmente, cada um dizer que prefere a sua proposta
mas inviabiliza todas as outras e, portanto, tudo fica na mesma. Ao contrário de vários outros partidos, o CDS
não foi conivente com esse jogo, e tem muito orgulho nisso.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — A terminar esta apresentação direi o seguinte: os problemas da Caixa,
infelizmente, vão muito para além daqueles problemas que hoje aqui discutimos. No entanto, podíamos dar um
passo e ter um momento importante para os resolver, porque, de facto, Sr.as e Srs. Deputados, nunca, mas
mesmo nunca, nenhum Governo fez tão mal à Caixa Geral de Depósitos em tão pouco tempo. Aliás, com todo
o tempo não me consigo lembrar de um Governo que tenha feito tão mal à Caixa!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — A Caixa foi transformada por este Governo num fenómeno de
notoriedade no pior sentido e no centro de um vendaval de boatos.
Ainda ontem, o Sr. Primeiro-Ministro não conseguiu encontrar nada melhor para dizer a não ser acusar a
Caixa de ter maquilhado as contas para facilitar a saída limpa.
Pois bem, o CDS disse na Comissão de Inquérito e diz hoje ao Sr. Primeiro-Ministro: faça favor de apresentar
os documentos que comprovam a maquilhagem das contas e a sua relação com a saída limpa.
Aplausos do CDS-PP.
Já que criticam tanto a saída limpa, façam também o favor de dizer qual é a alternativa que teriam preferido.
Eu oiço muitas críticas, mas a única alternativa que vejo do lado do PS, aparentemente, é a troica, e essa,
certamente, Srs. Deputados, não quereremos de volta!
Esta é uma boa oportunidade para que tudo não fique na mesma. Esperemos que os outros partidos possam
pensar assim também.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trigo
Pereira.
O Sr. Paulo Trigo Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PS e os partidos à sua esquerda,
que apoiam esta solução governativa, têm estado a trabalhar para uma Caixa pública, uma Caixa que contribua
para a estabilidade do sistema financeiro, uma Caixa que apoie a economia, as empresas e as famílias e uma
Caixa que seja rentável. Isto porque uma Caixa rentável dá dividendos aos cidadãos, que são contribuintes, e
que assim ajudarão a pagar o investimento que, neste momento, estamos a fazer pela Caixa.
Este é o nosso projeto, é um projeto relativamente ao qual o PSD e o CDS — mais o PSD do que o CDS,
diga-se em abono da verdade, por razões que se poderão concretizar —, têm estado num processo de
arremesso político em relação a tudo o que podem encontrar para atrasar, prejudicar e tentar inviabilizá-lo. Aliás,
foi aqui referido pelo Deputado Marques Guedes, com alguma imprecisão… É que, relativamente aos projetos
de lei que estão hoje a ser apreciados, um deles foi apresentado em 2 de novembro e deu entrada a 4 de
novembro. Portanto, o PSD está a atacar, digamos assim, com todas as armas que tem.
O PSD apresentou, em sede de Orçamento do Estado, uma proposta — que, infelizmente, foi aprovada —
ipsis verbis à norma que está hoje a apresentar. O PSD apresentou uma proposta no debate do Orçamento do
Estado e, hoje, traz mais duas e uma série de questões, mas não tenho tempo de as indicar.
O vosso projeto é completamente contraditório, e já vou explicar porquê. Vamos por partes.
Quais são as contradições insanáveis do PSD? Primeiro, a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. O
vosso Deputado Pedro Passos Coelho e ex-Primeiro-Ministro dizia, em 2015, que a Caixa necessitava de uma
recapitalização de cerca de 2500 milhões de euros. Sabem o que é que os senhores votaram — e refiro-me
Página 32
I SÉRIE — NÚMERO 26
32
exclusivamente ao PSD, porque o CDS não votou contra esta proposta neste Orçamento do Estado? Eu digo:
na nossa proposta, apresentámos uma recapitalização até 2700 milhões de euros — «até» significa entre 0 e
2700 milhões de euros — e os senhores votaram contra. Então, expliquem, se faz favor, a esta Casa e ao País
por que é que o PSD se opõe a qualquer recapitalização da Caixa.
Aplausos do PS.
A segunda contradição insanável do PSD tem a ver com a questão do escrutínio da Caixa Geral de Depósitos.
O PSD apresenta dois diplomas a sugerir que a Caixa deve apresentar relatórios trimestrais, que deve colocá-
los na Internet, a sugerir uma série de questões sobre a informação da Caixa. Parece que o PSD, ou algum
PSD, acha que a Caixa não é suficientemente escrutinada!
Mas, hoje, deparámo-nos, e ficámos surpresos, por vir a ex-Ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque
dizer, na sequência do relatório de auditoria do Tribunal de Contas, relatório, esse, que diz coisas muito
interessantes, designadamente que, precisamente no período 2003-2015, há uma falta de controlo pelo Estado
da Caixa Geral de Depósitos, após a recapitalização feita de 1650 milhões de euros…
Srs. Deputados, o último relatório com análise individualizada da Caixa Geral de Depósitos é de 2013. Os
últimos relatórios trimestrais de auditoria à Caixa Geral de Depósitos de 2015 não estavam na Internet, foram
colocados lá por este Governo, já em 2016.
Então, em que ficamos, Srs. Deputados? Qual é o PSD que vale? Aquele que apresentou hoje aqui duas
propostas a pedir mais transparência ou as palavras da Deputada Maria Luís Albuquerque, que diz: «Não
senhora, a Caixa já é escrutinada pelo Banco de Portugal…» — e é! — «… e pelo Banco Central Europeu» —
e é. Em que ficamos, afinal?
Protestos do PSD.
Mas há mais, Srs. Deputados.
Os senhores apresentam dois projetos que são contraditórios entre si: um projeto diz que o Estatuto do
Gestor Público se aplica na integralidade aos gestores da Caixa Geral de Depósitos e o outro diz que só se
aplicam alguns artigos.
Sabem qual é a diferença? Para que o País saiba, a diferença é esta: por exemplo, no artigo 25.º, que os
senhores acham que se deve aplicar, os gestores podem ser demitidos só com fundamentação; na totalidade
do Estatuto do Gestor Público, os gestores da Caixa podem ser demitidos quer com fundamentação, quer por
mera conveniência. Em que ficamos, Srs. Deputados? É com fundamentação ou é com fundamentação e mera
conveniência? É contraditório, Srs. Deputados.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.
E há mais, Srs. Deputados.
As contradições insanáveis também têm a ver com a questão das remunerações, questão que o CDS agora
traz a debate. Não tenho tempo para escalpelizar a proposta do CDS, mas gostava de perguntar o seguinte: os
senhores sabem qual era o salário base do Dr. Fernando Pinto, na TAP, quando os senhores estavam no
governo e quando a TAP era empresa pública e dava prejuízos? Sabem qual era? Ora vejam e comparem:
exatamente o mesmo salário que foi atribuído agora ao gestor da Caixa Geral de Depósitos. Nessa altura não
se preocupavam com os vencimentos e agora preocupam-se? Isto aplica-se ao PSD e ao CDS.
Aplausos do PS.
Como é? Dois pesos e duas medidas? É porque agora se trata da Caixa Geral de Depósitos e, pelos vistos,
querem criar um problema ao Governo, ao Ministro das Finanças e ao País? Os senhores não estão a criar um
Página 33
7 DE DEZEMBRO DE 2016
33
problema ao Governo e a esta maioria; os senhores estão a criar um problema sério — e nós vamos fazer tudo
para que não seja bem sucedido — à Caixa Geral de Depósitos, ao País e aos contribuintes portugueses!
Queremos uma Caixa Geral de Depósitos que dê lucros e dividendos e para isso precisamos de uma
recapitalização não pelos mínimos, mas para aquilo que é necessário para a Caixa. É por isso que estamos a
fazer todo este processo. Os senhores estão a arranjar seja que pretexto for, repito, seja que pretexto for, para
inviabilizarem o processo de recapitalização da Caixa. Mas não vão ter sucesso! Não vão ter sucesso, a bem
dos portugueses e a bem do País!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel
Tiago.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda antes de me debruçar sobre o projeto
de lei do PSD e sem estar aqui a tentar esconder os atuais problemas da Caixa — em boa parte também
provocados pelo constante bombardeamento e o constante enlamear que o PSD tem vindo a fazer —, gostaria
de dizer à Sr.ª Deputada Cecília Meireles…
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Ora diga lá!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … que me lembro de um Governo que prejudicou mais a Caixa do que o atual,
que foi o anterior Governo. Lembro-me, assim de repente, de o anterior Governo ter cobrado em dois anos 82
milhões de euros à Caixa pelo capital contingente que deveria ter sido injetado sob a forma de capital e que
injetou sob a forma de CoCo para descapitalizar a Caixa, a pretexto de uma capitalização.
Aplausos do PCP.
Olhe, Sr.ª Deputada, esses 80 milhões de euros que extorquiram à Caixa Geral de Depósitos a pretexto de
uma suposta capitalização dariam para pagar 200 anos de salários, que agora tantos vos escandalizam!
Aplausos do PCP.
Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.
Sr.ª Deputada Cecília Meireles, Srs. Deputados do PSD, o vosso problema não são os salários, nem a falta
de transparência; o vosso problema é a missão da atual administração. Enquanto testemunharam um secretário
de Estado do vosso Governo a sair para o Banco de Portugal para ir ganhar 30 000 € por mês para vender o
Novo Banco, como era para alienar, privatizar, dar cabo de mais um banco e entregá-lo ao grande capital, isso
mereceu todo o dinheiro, todo o salário, e que mais houvesse. Para gerir um banco público, para capitalizá-lo,
para o tornar robusto e o colocar ao serviço das populações e da economia nacional, 30 000 € por mês é um
exagero. E, Srs. Deputados, o PCP está à vontade porque acha que quer num caso, quer noutro é um exagero.
Aplausos do PCP.
Entendemos propor a esta Assembleia da República, por mais do que uma vez, que esse problema fosse
resolvido. Já na presente Legislatura, o PCP voltou a apresentar uma solução que tinha apresentado no
passado, e os Srs. Deputados conhecem-na porque votaram contra. E o resto é conversa.
Portanto, sobre limites aos salários, o PSD pode fazer trinta por uma linha. Pode fingir que pretende impor
limites aos salários dos gestores de empresas do setor empresarial do Estado, mas, quando olhamos para a
proposta do PSD, verificamos que, na verdade, o que ela defende é a recuperação do que já está na lei e o
limite que já está previsto na lei é o vencimento da média dos últimos três anos do indivíduo. Ora, isso não é
limite nenhum ou é tão válido como o limite atual, que é a mediana do setor.
Página 34
I SÉRIE — NÚMERO 26
34
Portanto, Sr. Deputado, esses são artifícios que, na verdade, não correspondem a limitação nenhuma.
É mais ou menos o caso do CDS. O CDS propõe que o vencimento do gestor tenha por limite o salário do
Primeiro-Ministro, mas pode haver um prémio de desempenho que pode ir até à média dos últimos três anos do
vencimento. Neste caso, nem se trata de um artifício, é mesmo uma descarada falta de vergonha!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Essa é boa!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Srs. Deputados, o PSD também não quer transparência e a prova disso não é
só o seu comportamento no passado, não é só o facto de estarmos agora confrontados com um relatório do
Tribunal de Contas, que nos diz que o PSD não pediu contas aos gestores das empresas do setor empresarial
do Estado durante uma boa parte do seu mandato. Ou seja, confiava-lhes as empresas, deixava aquilo em roda-
viva, tinha mais ou menos o mesmo comportamento que teve com o BANIF: emprestou-lhes 1100 milhões de
euros e disse para fazerem o que entendessem. E, depois, os portugueses tiveram de pagar os custos dessas
opções! Portanto, o PSD também não quer transparência.
Daqui resulta muito claro que o PSD tem dois objetivos com esta campanha de achincalhamento e de
enlamear a Caixa Geral de Depósitos. Um deles é utilizar a Caixa como arma de arremesso político, porque,
para vós, a Caixa deve ser tão pouco importante que até para isso serve. O outro objetivo e o mais fundo, o
mais programático, o mais estratégico, aquele de que o PSD não abdica e que o CDS esconde mas, na verdade,
defende, é a privatização da Caixa Geral de Depósitos.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Essa agora!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Tenha vergonha. Não seja mentiroso! Isso é falso! Seja honesto e não
diga mentiras!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Mentiras?! Os atos valem mais do que as palavras! Honesto, o CDS?!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Se calhar, vou aprender convosco para o Campo Pequeno!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, agradecia que deixassem criar as condições
para que a próxima oradora, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, possa usar da palavra.
Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD teve oportunidade de limitar
o salário dos gestores públicos, pelo menos, três vezes nos últimos dois meses.
Aquando da apreciação parlamentar, o PCP propôs a limitação do salário dos gestores públicos e o PSD
votou contra. Estava lá, na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa.
No Orçamento do Estado, o Bloco de Esquerda propôs a limitação dos salários dos gestores públicos e o
PSD inviabilizou essa proposta.
Está em apreciação na especialidade um projeto do Bloco de Esquerda para limitar os salários dos gestores
públicos, mas, infelizmente, o PSD parece não ter nenhum interesse nesse processo que, neste momento, corre
na especialidade e que pode alterar as regras dos gestores públicos.
Portanto, Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda é hoje, como foi no passado, contra salários milionários na
Caixa ou fora dela, mas já o PSD, por três vezes, poderia ter limitado os salários dos gestores públicos e por
três vezes recusou essa oportunidade.
Por isso, podemos perguntar: o que é que o PSD vem aqui propor? Não foi ao abrigo da lei que agora o PSD
propõe que o Governo de Pedro Passos Coelho pagou 423 000 € por ano a Fernando Pinto, que geria a TAP?
Foi ou não essa lei que agora vem propor que permitiu esse salário a Fernando Pinto, na TAP? Alguém viu, na
altura, algum Deputado do PSD indignado com os mais de 400 000 € que o gestor de uma empresa, que dava
prejuízo, estava a receber? Alguém, na altura, ouviu algum Deputado do PSD levantar a voz quando Sérgio
Página 35
7 DE DEZEMBRO DE 2016
35
Monteiro foi para o Banco de Portugal receber 30 000 € por mês, 400 000 € por ano, para vender o Novo Banco?
Algum Deputado do PSD se lembrou de questionar o conflito de interesses na contratação de um quadro
dirigente da Caixa, que é Sérgio Monteiro, para vender um banco concorrente, que é o Novo Banco? Nunca!
Nunca ouvimos uma palavra do PSD sobre esta matéria!
Por isso, é ou não legítimo perguntar por que é que aqueles que nunca se preocuparam, no passado, com a
limitação de salários se mobilizam agora como se fosse o combate das suas vidas?
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — E por que é que aqueles que se preocuparam deixaram de se preocupar?!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É ou não legítimo perguntar por que é que aqueles que decidiram o salário
de Fernando Pinto e aqueles que protegeram Sérgio Monteiro se dizem agora indignados com um salário da
Caixa Geral de Depósitos?
Srs. Deputados, é também legítimo responder que é oportunismo político. É oportunismo político puro e duro.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — O vosso!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É oportunismo político, sem olhar a meios e sem olhar a consequências.
E as consequências são, sim, a fragilização, em público, da Caixa Geral de Depósitos.
Por isso, o que está em cima da mesa não é sequer a limitação de salários, nem a recapitalização da Caixa.
O que está em cima da mesa é a desorientação política do PSD, porque o que o PSD espera, com muita força
— tem muita esperança —, é que, se fizer muito barulho sobre todos os casos da Caixa Geral de Depósitos,
ninguém perceba que, durante três meses, não teve uma visão alternativa para o Orçamento do Estado, que,
durante três meses, não teve uma visão alternativa para o País e que nem tem uma visão alternativa para o
futuro do banco público, do maior banco português, que é a Caixa Geral de Depósitos.
Aplausos do BE.
O PSD espera, com muita força, que, se não falar de mais nada a não ser dos casos da Caixa, ninguém
perceba que não há estratégia política no PSD.
Srs. Deputados, não contem com o Bloco de Esquerda para este exercício.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Pois, pois!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — O PSD terá de assumir a sua desorientação política, sozinho, sem auxílio
de qualquer outro partido.
Mas o País pode contar com o Bloco de Esquerda para um debate maior, muito mais importante, que é o de
saber qual é o papel do banco público, que é um banco sólido e que deve ser uma garantia de apoio à economia,
ao emprego e à estabilidade do sistema financeiro português.
Porque estamos preocupados com o banco público, preocupa-nos que o Tribunal de Contas tenha vindo
alertar para a falta de controlo, no passado, sobre o funcionamento da Caixa, quando o PSD e o CDS estavam
no Governo e tinham a tutela da Caixa. Tal como nos preocupa agora que o atual plano de reestruturação não
tenha sido alvo de debate sereno e responsável, como merecia o maior banco português.
Deve a Caixa mimetizar o setor privado ou deve ser um elemento disciplinador do mercado? Deve a Caixa
reduzir balcões ou, pelo contrário, contribuir para a coesão territorial e para o acesso aos serviços bancários?
Deve a Caixa privilegiar o crédito à habitação ou o crédito a empresas? Que setores deve a Caixa privilegiar?
Deve a Caixa ter uma política decente de renegociação de dívida de famílias sobreendividadas ou deve ser mais
um fator de empobrecimento? Que papel deve ter a Caixa nas comunidades portuguesas? Deve a Caixa apoiar
a internacionalização de empresas ou, pelo contrário, deve focar-se na atividade nacional?
Todas estas são perguntas importantíssimas sobre o futuro da Caixa e que merecem um debate muito sério
na Assembleia da República.
Srs. Deputados, a privatização do setor financeiro em Portugal fez-nos perder todo o controlo sobre o
funcionamento e o desígnio da banca. A Caixa é o que nos resta. A Caixa é o banco que nos resta, é um banco
Página 36
I SÉRIE — NÚMERO 26
36
sólido e merece que este debate seja feito com serenidade e com responsabilidade. É lamentável que o PSD,
ao longo de todo este processo, tenha vindo a contribuir para fazer o contrário.
Aplausos do BE.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Lamentável é mudarem de posição, por conveniência!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís
Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Creio que já todos
percebemos que esta súbita e repentina preocupação, por parte do PSD e do CDS, relativamente aos gestores
públicos é, no mínimo, muito duvidosa. Até diria que não é necessário ser o nobel do «adivinhanço» para
perceber as reais intenções do PSD e do CDS nesta matéria — mais do PSD do que do CDS, é verdade.
Percebe-se bem que o que se pretende nada tem a ver com a defesa ou a afirmação do interesse público ao
nível do Estatuto dos Gestores Públicos. Não tem nada a ver com os vencimentos, nem com a transparência.
O que se pretende é fazer render o peixe. O que o PSD pretende é continuar a dar corda à novela Caixa
Geral de Depósitos, que inventaram.
Protestos do PSD.
Enquanto discutíamos o Orçamento do Estado, houve até momentos em que o PSD discutia a Caixa Geral
de Depósitos. Houve até momentos em que se pensou que aquilo que estava em discussão não era o
Orçamento do Estado para 2017, mas, sim, o Orçamento do Estado da Caixa Geral de Depósitos.
Bem sabemos o que pensa o PSD sobre a recapitalização da Caixa e os esforços que tem vindo a fazer para
fragilizar o processo de recapitalização e para fragilizar a própria Caixa Geral de Depósitos. E bem sabemos
também a «simpatia» com que o PSD olha para a natureza pública da Caixa Geral de Depósitos — e este é que
é o problema. Nós sabemos isso tudo.
Também sabemos por que chamamos de «repentina e súbita» a preocupação, sobretudo do PSD, em
matéria de gestores públicos. Exemplos não faltam.
Ao nível dos vencimentos, já foi aqui falado, por várias vezes, o caso do ex-Secretário de Estado do Governo
PSD/CDS, Sérgio Monteiro, no Novo Banco.
E também poderíamos falar dos vencimentos dos administradores da Autoridade Nacional da Aviação Civil
(ANAC), que, de um dia para o outro, triplicaram os seus salários e, ainda por cima, com efeitos retroativos, algo
que ainda estamos para compreender. E, agora, podem dizer-nos: «Sim, mas isso foi a comissão de
vencimentos». É verdade. Mas também é verdade que, dessa comissão de vencimentos, constituída por três
membros, dois deles foram indicados pelo Governo PSD/CDS, a saber, um, pelo Ministro das Finanças e, outro,
pelo Ministro da Economia.
Portanto, creio que fica clara a dimensão da responsabilidade do Governo PSD/CDS neste aumento salarial,
absolutamente imoral, dos administradores da ANAC, que ainda tem uma outra nuance, já que se fala também
de transparência, que é outra preocupação do PSD e do CDS ao nível da transparência dos gestores públicos.
É que, hoje, estão muito preocupados com a transparência, mas a verdade é que nomearam gestores públicos,
pelo menos para autoridades administrativas independentes, com o parecer negativo da CRESAP (Comissão
de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública).
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É mentira!
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — É verdade, Sr. Deputado Hélder Amaral! Sabe muito bem, porque
até foi lá reunir com eles!
E, num caso, foi nomeada uma administradora pelo Governo PSD/CDS sem essa nomeação ter passado
pela Assembleia da República.
Página 37
7 DE DEZEMBRO DE 2016
37
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Não foi!
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Deputado, se calhar, ela esteve a tomar um cafezinho consigo,
mas à Comissão não foi. Aliás, nós ainda estamos para ver os custos que isto vai trazer.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, terminou o seu tempo. Agradecia que concluísse.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Portanto, Sr. Deputado Hélder Amaral, como o senhor foi o único que esteve com essa administradora, tenho
de felicitá-lo por isso.
Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.
Sr.ª Deputada Cecília Meireles, tanta indignação?!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Agradecia que terminasse, Sr. Deputado,
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Remato já, porque a Sr.ª Deputada está muito indignada.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Pois estou!
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Termino dizendo que Os Verdes não vão dar para este peditório.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília
Meireles.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, é só para, brevemente, numa questão pontual mas
essencial, repor a verdade.
O CDS nunca defendeu a privatização da Caixa Geral de Depósitos.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — O CDS sempre defendeu a Caixa Geral de Depósitos como banco
público…
O Sr. MiguelTiago (PCP): — Blá-blá-blá!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … e banco de fomento para pequenas e médias empresas.
Aplausos do CDS-PP.
E o CDS nunca — jamais! — fez parte de um governo em cujo programa estivesse inscrita a privatização da
Caixa, nem esse assunto lhe foi indiferente, nem olhou para o lado. E tanto assim é que o CDS, de facto, não
fez parte de um governo que tenha privatizado a Caixa.
Percebo que os senhores queiram agitar fantasmas e que queiram fazer política a atirar para os outros
intenções que nunca existiram, porque é confortável. É, sem dúvida, mais confortável do que, por exemplo,
explicarem como é que estiveram o tempo inteiro a acusar o anterior Governo de ter querido privatizar a Caixa
e estarem hoje a defender a administração da Caixa presidida precisamente por um ex-Ministro do anterior
Governo — isto não deixa de ser um pouco estranho para quem faz processos de intenção. E trata-se de pessoa
que respeito. Aliás, o que está aqui em causa não são pessoas, mas essa situação deve ser muito desconfortável
para quem aí está.
Página 38
I SÉRIE — NÚMERO 26
38
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trigo
Pereira.
O Sr. Paulo Trigo Pereira (PS): — Sr. Presidente, quero apenas deixar alguns apontamentos breves.
Sr.ª Deputada Cecília Meireles, é, de facto, uma realidade que o PSD não aprovou a privatização da Caixa
Geral de Depósitos, mas isso não chega. É preciso viabilizar o projeto de recapitalização pública da Caixa Geral
de Depósitos. É que se nós não conseguimos viabilizar um projeto de recapitalização pública da Caixa Geral de
Depósitos, é o mesmo que apoiar implicitamente a privatização.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Não sei se o PSD mudou de opinião ou não. O PSD defendia a privatização, não sei se hoje defende ou não.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Se não sabe, aprenda!
O Sr. Paulo Trigo Pereira (PS): — Mas objetivamente o comportamento do PSD, hoje, é no sentido de
inviabilizar o projeto de recapitalização pública da Caixa Geral de Depósitos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pediu a palavra para
intervir, mas devo esclarecê-lo que esta não é ainda a intervenção de encerramento do debate. Portanto, o Sr.
Deputado pode intervir agora, mas informo-o de que ainda há outros Deputados inscritos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Então, usarei da palavra mais tarde, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito bem, Sr. Deputado.
Tem, então, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Miguel Tiago.
O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Vai pedir desculpa!
O Sr. MiguelTiago (PCP): — Sr. Presidente, os Srs. Deputados do CDS fazem questão de dizer que nunca
defenderam a privatização da Caixa Geral de Depósitos.
Vozes do CDS-PP: — E é verdade!
O Sr. MiguelTiago (PCP): — Na verdade, nunca o disseram abertamente, mas também já estamos muito
habituados a que os partidos nas eleições nunca digam ao que é que vão — aliás, o CDS é muito conhecido
por isso.
Protestos do CDS-PP.
Lembramo-nos bem, Srs. Deputados, de o CDS participar num Governo com o PSD, em que o Primeiro-
Ministro, do PSD, dizia que queria privatizar a Caixa Geral de Depósitos.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não, não dizia!
Página 39
7 DE DEZEMBRO DE 2016
39
O Sr. MiguelTiago (PCP): — E não nos lembramos de o CDS fazer qualquer espécie de reclamação, nem
sequer de invocar linhas vermelhas nessa altura — se bem que as linhas vermelhas para o CDS também não
tenham um valor muito grande.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não sabe do que está a falar!
O Sr. MiguelTiago (PCP): — Srs. Deputados, a verdade, que vale mais do que as palavras do CDS, que
também não valem grande coisa,…
Protestos do CDS-PP.
… é aquilo que fizeram e a forma que utilizaram para capitalizar a Caixa. Se olharmos para o passado, para
2012, verificamos que PSD e CDS, a pretexto de uma capitalização, fizeram tudo para fragilizar a Caixa e, ao
invés de injetarem capital, emprestaram dinheiro cobrando juros altíssimos, que prejudicaram a Caixa e que
pesam hoje na Caixa. De facto, cobraram mais de 80 milhões de euros de juros à Caixa para injetar capital
através de capital contingente, os chamados «CoCo». Essa opção, correspondente, ao mesmo tempo, à
apresentação de um plano de reestruturação, do qual não consta que o CDS se tenha demarcado e que não foi
cumprido, é a base e a origem dos problemas que a Caixa hoje atravessa. PSD e CDS, na altura, tinham a
obrigação de capitalizar a Caixa. Apresentaram um plano de reestruturação e não o cumpriram. E o capital que
injetaram foi sob a forma de empréstimo que, ainda hoje, pesa nas contas da Caixa.
Sobre isso, Srs. Deputados, a realidade demonstra bem que a opção do vosso Governo não era fortalecer a
Caixa. Bem pelo contrário, era criar todas as condições, até através da capitalização — aliás, através de capital
isolado e facilmente isolável para ser alienado —, para privatizar a Caixa.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, esgotou o seu tempo. Agradecia que terminasse.
O Sr. MiguelTiago (PCP): — Essa realidade é iniludível.
Aproveito apenas para relembrar que esta Assembleia terá certamente outras oportunidades para limitar os
salários dos gestores públicos — e não só os da Caixa, mas de todos os gestores públicos — e, nessa altura,
contamos que estes rasgos de preocupação com a transparência e com a disciplina das contas públicas que o
PSD já manifesta venham a manifestar-se com mais intensidade.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada
Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, quanto aos salários dos gestores públicos, penso que ficou
muito claro qual é a verdadeira intenção do PSD: não é a de limitar salários, é a de aproveitar casos para, como
consequência, colocar problemas à recapitalização da Caixa.
Quanto ao projeto da transparência, Srs. Deputados, parece-me que o projeto tem dois problemas de maior.
Em primeiro lugar, um problema de oportunidade, porque o PSD com este projeto de lei vem dizer que há
problemas de transparência na Caixa, mas, hoje, à imprensa, o PSD, ao comentar o relatório do Tribunal de
Contas, disse que não havia problemas de transparência na Caixa. Portanto, ficamos sem perceber se há ou
não problemas de transparência na Caixa, ou se só há problemas de transparência quando o PSD sai do
Governo e quando está no Governo não há problemas de transparência. Mas esse é um conflito que
resolveremos mais à frente.
O segundo problema deste projeto de lei é que ele está mal feito. De facto, é um mau projeto. O PSD está a
colocar à votação um artigo que foi, na íntegra, aprovado há uma semana, nesta Casa, no âmbito do Orçamento
do Estado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não! Há um ano! Não sabe disso?!
Página 40
I SÉRIE — NÚMERO 26
40
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Portanto, estar a colocar à votação um artigo que já foi votado e aprovado
não nos parece, por si só, uma boa técnica legislativa.
Por outro lado, o projeto é mau porque está a fazer exatamente aquilo que o PSD critica que os outros façam,
que é estar a fazer um projeto à medida da administração da Caixa, colocando responsabilidades e imposições
aos administradores da Caixa que não coloca a mais nenhum administrador do setor público empresarial. Ora,
também nos diz a experiência que legislar à medida de interesses momentâneos nunca foi muito boa prática
nem boa conselheira para que, depois, a legislação que produzimos seja aplicável genericamente a todo o setor
empresarial. E é isso que queremos: é que a Assembleia produza legislação séria, responsável e que se aplique
a todo o setor empresarial.
Em terceiro lugar, este projeto de lei cria, de forma apressada, um conjunto de obrigações que merecem, no
mínimo, ser debatidas, escrutinadas,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Com certeza!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — … num trabalho que o Parlamento já está a fazer e que deve ser
continuado.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, terminou o seu tempo.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Termino, Sr. Presidente.
Por isso, Srs. Deputados, porque pensamos que o trabalho legislativo deve ser levado muito a sério e que
este projeto tem muitas falhas, entendemos que este diploma deve — e é esse o desafio que fazemos ao PSD
—, como todos os outros que lidaram com transparência, descer, sem votação, à comissão que lida com as
questões da transparência, onde já estão várias dezenas de projetos do mesmo âmbito e onde podem ser
trabalhados e debatidos.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado
João Galamba.
O Sr. João Galamba (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que dificulta aqui o nosso trabalho é
não percebermos verdadeiramente o que o PSD quer. Ou, melhor, percebemos o que quer. Sabemos que o que
o PSD defende não é aquilo em que acredita. É que, por exemplo, quanto aos salários, lembramo-nos não só
dos exemplos já aqui referidos mas também, e muito bem, da criação de um ministro offshore — portanto, a tal
transparência que tanto vos preocupa não vos preocupava no passado — que ganhava 25 000 €/mês e que
tinha como única incumbência tratar das privatizações, tendo até dado ordens telefónicas à Caixa para privatizar,
por exemplo, a Cimpor.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — É mentira!
O Sr. João Galamba (PS): — É verdade! António Nogueira Leite confirmou isto mesmo no Twitter. Pode
confirmar, pode verificar, é público!
Portanto, o PSD não se importa de pagar salários milionários. Mas só com uma condição: que sejam salários
de pessoas que estão a trabalhar para privatizar empresas públicas ou ministros offshore que estão a trabalhar
para assessorar o Governo nas privatizações.
Aplausos de Deputados do PS.
Mas se for para gerir, cuidar e administrar bens públicos e bancos públicos, o PSD já não gosta.
Portanto, Srs. Deputados do PSD, nós percebemos muito bem o que os senhores querem. Não querem o
que propõem, porque quando estavam no Governo fizeram o oposto. Aliás, talvez por esta razão, Maria Luís
Página 41
7 DE DEZEMBRO DE 2016
41
Albuquerque que, hoje, se manifestou contra os projetos de lei do PSD e do CDS hoje aqui em debate, pelas
suas declarações, estranhamente não está no Hemiciclo.
Portanto, a única coisa que o Partido Socialista pede aos Deputados do PSD é que sejam sérios e, se estão
mesmo empenhados em que a Caixa seja um banco público sólido, então, abandonem o terrorismo político a
que se dedicaram nos últimos tempos e empenhem-se na boa condução deste processo e na garantia de que
a Caixa será um banco público, sólido e recapitalizado.
Se é mesmo isto que querem, então, só vos pedimos algo muito simples: que os vossos atos correspondam
às vossas palavras. É que, até agora, temos visto o oposto.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Cecília
Meireles.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, quero só fazer três observações muito breves.
Ouvimos aqui o PS dizer que o mais importante é a estabilidade do sistema financeiro. Cito, em resposta a
isto, o Sr. Primeiro-Ministro que, ontem, disse: «O que aconteceu seguramente no passado foi maquilhar uma
situação que permitisse anunciar uma saída limpa». Os senhores acham que isto é preservar a estabilidade do
sistema financeiro?!
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. João Galamba (PS): — Isso é denunciar o que os senhores fizeram!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Em segundo lugar, dizem: «Tudo o que queremos é fazer a
recapitalização pública». Ó Srs. Deputados, façam! É que, até agora, tudo o que ouvi foi o Sr. Secretário de
Estado dizer: «Isto é muito, muito urgente!» E nós perguntamos: «Ó Sr. Secretário de Estado, se é muito urgente,
por que é que não fez?» Ao que ele respondeu: «Urgente não quer dizer já».
E eu pergunto: mas urgente quer dizer o quê? Quer dizer daqui a meio ano?!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminou o tempo da sua intervenção, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Por último, queria só responder ao Sr. Deputado Miguel Tiago com
uma pergunta: quanto é que vão custar, em pagamento de juros a privados — não é ao erário público, é a
privados —, os 1000 milhões de euros de capitalização em obrigações que estão previstos no plano da Caixa?
Quanto é que vai custar, isso que o erário público e a Caixa vão pagar a privados?
Aplausos do CDS-PP.
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para encerrar este ponto da nossa ordem de trabalhos, tem a
palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Srs. Deputados da maioria, da
maioria social-comunista nesta Câmara, entretiveram-se, ao longo deste debate, com manobras de diversão.
Recusaram-se, não sei se por não quererem ou por não saberem, a discutir a questão de fundo que está aqui
perante nós, usando manobras de diversão e mentiras sucessivas, dentro daquela máxima, que os senhores
parecem professar, de que uma mentira muitas vezes repetida às tantas pode ser aceite pelas pessoas como
verdade.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Muito bem!
Página 42
I SÉRIE — NÚMERO 26
42
O Sr. Paulo Trigo Pereira (PS): — Diga uma! Diga só uma!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Saibam, Srs. Deputados, que, nesta Câmara, existe uma bancada
que não professa essa vossa doutrina, que é esta bancada, a do PSD.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Grande seriedade, essa!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Com um poucochinho de ética republicana, os senhores saberiam
que, num Estado de direito, há o império da lei. E a lei aprovada por este Governo é inconstitucional, é uma lei
que está em contradição frontal com a lei de bases.
O Sr. Paulo Trigo Pereira (PS): — As vossas leis são contraditórias entre si!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — O que consta do artigo 21.º do Regime Jurídico do Setor Público
Empresarial é o seguinte: «Só podem ser admitidos a prestar funções como titulares de órgãos de administração
de empresas públicas…» — e os senhores são os primeiros a defender que a Caixa é um banco público, é uma
empresa pública — «… pessoas singulares com comprovada idoneidade, mérito profissional (…), sendo-lhes
aplicável o disposto no Estatuto do Gestor Público (…).»
Portanto, os senhores querem enterrar a cabeça na areia pensando que, se não fizerem nada, o problema
se resolve por si.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Essa é a vossa velha máxima!
O Sr. João Galamba (PS): — Isso faziam vocês relativamente ao BANIF e à Caixa!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Pois, Srs. Deputados, com toda a lealdade, devo dizer-vos o seguinte:
se os senhores persistirem nessa atitude autista de enterrar a cabeça na areia,…
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É só «seriedade» e «bom gosto»!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — … o Partido Social Democrata vai suscitar a apreciação de
constitucionalidade do decreto-lei, do Governo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, terminámos a discussão conjunta, na
generalidade, dos projetos de lei n.os 341, 342, 351 e 352/XIII (2.ª).
Do quarto e último ponto da ordem de trabalhos consta a discussão, na generalidade, dos projetos de lei n.os
345/XIII (2.ª) — Promove a regulação urgente das responsabilidades parentais e a atribuição de alimentos em
situações de violência doméstica e de aplicação de medidas de coação ou de pena acessória que impliquem
afastamento entre progenitores (PS), 327/XIII (2.ª) — Procede à primeira alteração ao Regime Geral do
Processo Tutelar Cível (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, e à segunda alteração à Lei n.º 75/98,
de 19 de novembro) (BE), 350/XIII (2.ª) — Altera a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, alargando
o período de proteção até aos 25 anos (Terceira alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo,
aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis n.os 142/2015, de 8 de setembro, e 31/2003,
de 22 de agosto) (PCP) e 353/XIII (2.ª) — Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades
parentais em situações de violência doméstica (PAN), juntamente com o projeto de resolução n.º 558/XIII (2.ª)
— Recomenda ao Governo a avaliação do desempenho do apoio judiciário no âmbito dos crimes de violência
doméstica e regulação das responsabilidades parentais e que proceda à verificação da necessidade de criação
de uma equipa multidisciplinar que dê apoio ao sistema judiciário (PAN).
Para apresentar o projeto de lei do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elza Pais.
Página 43
7 DE DEZEMBRO DE 2016
43
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos cinco anos, cerca de 350
crianças e jovens assistiram a situações de violência extrema entre os seus progenitores e mais de 170 ficaram
órfãs de mãe. Nos últimos 10 anos, cerca de 450 mulheres foram assassinadas e mais de 500 sofreram
tentativas de homicídio conjugal, dados da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta). Ou seja, em
média, é assassinada uma mulher em cada nove dias, muitas na presença dos seus filhos.
As crianças sofrem quando assistem a este tipo de violência e sofrem ainda mais quando são manipuladas,
o que lhes cria um forte receio de insegurança e prejudica o seu saudável desenvolvimento. Em algumas
circunstâncias, o exercício em comum das responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses
dos filhos e das filhas.
Os sucessivos Governos têm colocado o combate à violência doméstica e ao crime contra a
autodeterminação sexual como uma prioridade política: em 2000, determinou-se crime público; em 2007, definiu-
se um novo tipo legal de crime, alargando o conceito às relações homossexuais; em 2009, aprovou-se a lei da
violência doméstica, com recurso à vigilância eletrónica e à teleassistência para tornar mais eficaz o afastamento
dos agressores. Este tipo de crime passou a ser definido como urgente e a pena aplicável passou a ser agravada
pelo resultado, «(…) se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou
no domicílio da vítima (…)».
O Partido Socialista esteve sempre, sempre, na linha da frente destes combates. Em 2015, novos avanços
foram introduzidos, nomeadamente a comunicação entre o tribunal penal e o tribunal de família. Consideramos,
contudo, que esta comunicação se faz tardiamente e queremos que se faça de forma urgente e imediata para
melhor cumprir a Convenção de Istambul, que diz que um qualquer direito de visita ou um qualquer direito de
guarda não pode prejudicar os direitos e a segurança das vítimas e das crianças.
Queremos, assim, e sempre na defesa do superior interesse das crianças, que a regulação das
responsabilidades parentais e a atribuição de alimentos se faça de forma urgente pelo tribunal competente,
questão que não ficou resolvida nas alterações de 2015, como a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à
Vítima) e a Associação Portuguesa das Mulheres Juristas recorrentemente afirmam.
Este é um projeto de justiça, é um projeto para proteger as crianças, é um projeto para reforçar a comunicação
entre o tribunal penal e o tribunal de família. É um projeto para definir de forma urgente as responsabilidades
parentais, os direitos de guarda e de visita, de modo a que não prejudiquem os direitos e a segurança das
vítimas e das crianças. É um projeto para que melhor se explique em que situações o exercício em comum das
responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses dos filhos e das filhas. É um projeto para
que, através do estabelecimento de regras claras e atempadas, se possa reforçar a autonomia das vítimas para
poderem quebrar o ciclo infernal de violência que as pode levar à morte.
É, portanto, um projeto para proteger as crianças, autonomizar as vítimas, prevenir o homicídio conjugal e
salvar vidas.
Aplausos do PS e do Deputado do PAN, André Silva.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a
palavra a Sr.ª Deputada Sandra Cunha.
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de lei que o Bloco de
Esquerda aqui apresenta procura cumprir as obrigações internacionais assumidas por Portugal através da
ratificação da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres
e à Violência Doméstica, vulgo Convenção de Istambul, especificamente no que respeita a garantir a segurança
e a proteção das vítimas e das crianças em contextos de violência doméstica.
Sabemos que, apesar do esforço que Portugal tem registado na prevenção e no combate à violência
doméstica — e já aqui foi referido —, entre 2004 e 2015, foram assassinadas 428 mulheres, 497 mulheres foram
vítimas de tentativa de homicídio, centenas de crianças ficaram órfãs de uma ou das duas figuras parentais.
Sabemos, igualmente, que a violência doméstica se arrasta frequentemente por longos anos, mantendo um
clima de terror, violência e dominação que, muitas vezes, não diminui com a separação do casal, e disso são
prova os crimes cometidos tantas vezes no decorrer dos processos de regulação das responsabilidades
parentais.
Página 44
I SÉRIE — NÚMERO 26
44
Com o objetivo de melhorar o regime jurídico atual, relativo ao exercício das responsabilidades parentais e à
atribuição de alimentos, e de assim promover uma maior proteção das vítimas de violência doméstica, o projeto
do Bloco de Esquerda introduz alterações ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível e à Lei n.º 75/98, de 19
de novembro, que estabelece os termos da garantia dos alimentos devidos a menores a cargo do Estado.
As orientações presentes no artigo 48.º da Convenção de Istambul vinculam os Estados Partes a tomar as
medidas legislativas necessárias à proibição de processos obrigatórios alternativos de resolução de disputas,
incluindo a mediação e a conciliação em relação a todas as formas de violência a coberto do âmbito da aplicação
da Convenção.
Visando o cumprimento destes preceitos, propõe-se que o recurso à audição técnica especializada e à
mediação familiar entre as partes não seja admitido, em duas situações concretas: nos casos de violência
doméstica, designadamente quando a algum dos progenitores for atribuído o Estatuto da Vítima, e nos casos
em que algum dos progenitores seja constituído arguido por crime contra a liberdade ou a autodeterminação
sexual do filho ou dos filhos. Colocar frente a frente agressor e vítima em situações em que uma das pessoas
exerceu, e muitas vezes ainda exerce, um forte ascendente de dominação e violência sobre a outra configura,
sem dúvida, outra modalidade de agressão e violência que não concorre nem para a solução consensual, nem
para o dever do Estado na proteção das vítimas e no respeito pelos seus direitos.
Propõe-se, ainda, a gravação das conferências de pais no âmbito dos processos de regulação do exercício
das responsabilidades parentais, assim como das conferências nos processos de atribuição de alimentos
devidos aos filhos, exatamente, aliás, como já é feito noutras situações.
Por fim, é proposta uma alteração à Lei n.º 75/98, por forma a garantir que os jovens até aos 25 anos que
prossigam os seus estudos ou a sua formação profissional não se vejam privados da pensão de alimentos que
lhes é devida quando esta é assegurada pelo Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a
Menores, equiparando-os, assim, aos jovens que recebem esta pensão diretamente dos progenitores. A
incapacidade dos progenitores de cumprir o pagamento da pensão de alimentos aos filhos não pode justificar a
desigualdade de direitos agora vigente entre aqueles que recebem a pensão diretamente dos progenitores e
aqueles que a recebem do Estado.
Estamos convictos de que as alterações que propomos concorrem para a melhoria da proteção das vítimas
de violência doméstica e para um maior respeito pelos seus direitos, assim como cumprem o superior interesse
das crianças.
Aplausos do BE e da Deputada do PS Elza Pais.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra a Sr.ª
Deputada Rita Rato.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos, hoje, várias iniciativas relativas à
proteção das vítimas de violência, que vão no sentido de assegurar coerência e sintonia judicial na sua proteção,
bem como iniciativas relativas aos direitos das crianças e jovens.
Em setembro de 2015, a lei passou a assegurar que, em caso de divórcio ou de separação judicial, a pensão
de alimentos fixada em benefício dos filhos pudesse ser prestada até aos 25 anos de idade quando ainda se
encontrasse por concluir o processo educativo ou de formação profissional. O projeto que o PCP propõe visa
alargar esta matéria, porque entendemos que, se os filhos têm direito a exigir dos pais a pensão de alimentos
para a conclusão do seu percurso educativo ou profissional, este princípio deve ser também extensivo aos jovens
a cargo do Estado, aos jovens acolhidos e institucionalizados. Ora, o projeto do PCP vai exatamente neste
sentido, sob pena de um investimento importante — aliás, de obrigação e tarefa fundamental do Estado perante
estes jovens — poder ser posto em causa com a interrupção de um percurso educativo e de um percurso
profissional.
Sobre este assunto, queria também dizer o seguinte: hoje, discutimos matérias que são particularmente
importantes e que têm um sentido de reforço da proteção das vítimas de violência, em particular das crianças.
Mas, para o PCP, é particularmente difícil fazer este debate olhando apenas para a letra da lei e para os
aperfeiçoamentos que devem e podem ser feitos, porque, na verdade, aquilo que nos chega da realidade
concreta do funcionamento dos tribunais e do acompanhamento das vítimas é que, na grande maioria dos casos,
Página 45
7 DE DEZEMBRO DE 2016
45
existe uma revitimização, por força de falta de acompanhamento e de proteção efetiva, designadamente no
âmbito psicológico, destas vítimas. Da parte do PCP, estamos a fazer este debate conscientes de que há
aspetos na lei que podem e devem ser melhorados e, por isso, o projeto que apresentamos é exatamente neste
sentido, porque os jovens acolhidos pelo Estado devem ter também proteção assegurada sobre esta matéria.
Mas é preciso ir muito mais longe na garantia de uma obrigação do Estado. A proteção às vítimas de violência
não é um favor que o Estado faz às vítimas, é uma obrigação que decorre do Estado de direito democrático e,
por isso mesmo, devem existir mecanismos eficazes de proteção das vítimas. Não é por acaso que muitas
vezes, quando comparecem em tribunal, as vítimas de violência doméstica vão sozinhas, sem terem acesso ao
apoio psicológico que é necessário e sem terem, por isso, mecanismos de proteção que garantam um caminho
de autonomia e de emancipação, um caminho de sucesso na sua vida.
Por isso mesmo, da parte do PCP, contribuiremos com estas propostas, que, em sede de especialidade,
também podem ser melhoradas, ouvindo os vários pareceres que entretanto também chegaram e outros que se
entendam importantes.
Porém, para o PCP, é preciso, para além do aperfeiçoamento da lei, existirem, nos tribunais, garantias de
condições materiais e humanas de acompanhamento e de proteção efetiva das vítimas, sob pena de termos, na
letra da lei, a garantia de um princípio que a realidade impede que se verifique.
Por isso, naturalmente que o compromisso do PCP é relativamente à proteção de todas as vítimas de
violência e à garantia do superior interesse da criança.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar o projeto de lei e o projeto de resolução do PAN,
tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:…
O Sr. AndréSilva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
O crime de violência doméstica continua a ser dos crimes mais denunciados em Portugal e, portanto, continua
a ser uma realidade para muitas famílias portuguesas.
É, por isso, urgente prevenir e acautelar os direitos das vítimas e dos seus filhos. A vivência deste tipo de
situações fomenta nestas crianças a conceção de um mundo inseguro e assustador, com o desenvolvimento de
sintomas de ansiedade e agressividade.
Conscientes disso, vários partidos vêm hoje propor alterações legislativas com as quais concordamos, mas
trazemos ao debate mais algumas propostas e contributos, como os que passo a referir.
Em situações de violência doméstica, a comunicação entre o tribunal judicial e o tribunal de família e menores
é inexistente, não permitindo uma abordagem integrada, global e eficaz das dinâmicas familiares. Por este
motivo, é fundamental que o despacho de acusação pelo crime de violência doméstica ou a decisão de aplicação
de medida de coação sejam imediatamente comunicados ao tribunal de família e menores.
Nos casos de sentença de condenação por homicídio em contexto conjugal, o tribunal deve ponderar a
inibição das responsabilidades parentais por parte do agressor, tendo em conta parâmetros como a idade da
criança, se a mesma vivia ou não com os progenitores, se há ou não familiares capacitados para se
encarregarem da sua educação e desenvolvimento. Em suma, se existem ou não condições para que o agressor
mantenha o exercício das responsabilidades parentais.
Defendemos que os processos alternativos de resolução de litígios, tais como a mediação, não devem ser
obrigatórios já que dificilmente se conseguirá obter consenso entre o agressor e a vítima, para além de
consubstanciar mais uma agressão para esta.
Propomos ainda que, em complemento à isenção de taxas moderadoras para a vítima e para as crianças em
geral, deva ser possibilitada a prestação gratuita de consultas de psicologia para a vítima e para os filhos, sejam
eles menores ou não, que tenham presenciado, de alguma forma, a prática do crime.
Em paralelo, propomos, através do projeto de resolução, que seja avaliado o desempenho do apoio judiciário
no âmbito destes dois tipos de processos, procurando saber se há vantagem de nomear um único advogado e
Página 46
I SÉRIE — NÚMERO 26
46
se verifique se há possibilidade de priorizar a nomeação desse advogado. Para além disso, recomendamos
ainda ao Governo que analise os benefícios da criação de uma equipa multidisciplinar que dê apoio técnico aos
atores do sistema judiciário, como profissionais de psicologia ou serviço social, especializados na temática da
violência doméstica.
Para terminar, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a violência doméstica é um crime contra a humanidade,
transversal a toda a sociedade e tem uma natureza estrutural, económica, social e cultural.
Está na mão de cada um de nós, mas também do legislador, contribuir para a erradicação da violência, para
uma sociedade mais justa, mais igual e mais harmoniosa e segura para todos.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado
Fernando Negrão.
O Sr. FernandoNegrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Manda o bom senso que,
relativamente a todas as intervenções que aqui foram feitas por Deputados de partidos que apresentaram
iniciativas legislativas, se diga que se concorda, na generalidade, com o seu teor.
Disse a Sr.ª Deputada Elza Pais que este combate, para chegarmos à legislação que temos hoje nesta
matéria, foi feito com base em amplos consensos nesta Casa. A Sr.ª Deputada foi testemunha, eu fui testemunha
e somos testemunhas desse esforço de consenso feito nesta Casa entre todos os partidos políticos.
A Sr.ª ElzaPais (PS): — Verdade!
O Sr. FernandoNegrão (PSD): — Não há ninguém que tenha liderado ou deixado de liderar a legislação a
que chegámos neste momento.
Sr.as e Srs. Deputados, somos o País das boas leis, somos o País das melhores leis e, às vezes, até somos
o País das melhores leis do mundo. Mas por que é que será que muitas destas leis, e algumas são as melhores
do mundo, muitas vezes, colidem com a realidade? E nós sabemos que há muitas leis que colidem com a
realidade. Dir-me-ão, eventualmente, que a responsabilidade dos aplicadores das leis é do sistema de justiça e
eu direi que não, Srs. Deputados, é da realidade e de um problema que há connosco.
Por vezes, há excesso de voluntarismo e queremos fazer leis rapidamente e com pressa demais. E depressa
e bem não há quem, como diz o povo, e diz muito bem.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Muito bem!
O Sr. FernandoNegrão (PSD): — Queremos alterar, com essas iniciativas, o Código Civil, que é um diploma
que raramente sofre alterações; queremos alterar a lei da violência doméstica, que entrou em vigor em setembro
de 2015; queremos alterar o Código de Processo Penal, um elemento fundamental do nosso mundo jurídico; e
queremos alterar o Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Sr.as e Srs. Deputados, peço a vossa compreensão para o que vou dizer a seguir: temos de ter muito cuidado
para termos boa legislação e legislação que tenha a ver com a realidade, legislação que seja aceite pelo
destinatário, legislação que não encontre obstáculos no seu caminho.
Estas matérias são demasiado sensíveis e demasiado importantes para irmos a correr discutir e aprovar as
leis.
Temos problemas relativamente às medidas de coação, que têm um objetivo; as medidas de coação têm a
ver com a constituição de arguido e com a proteção da pessoa que é arguida. Por isso, não se pode levar a que
se restrinjam medidas de natureza parental. Mas precisamos de discutir isto. O prazo de cinco dias que é imposto
nas vossas iniciativas legislativas colide com o funcionamento do sistema judicial, é um prazo demasiado curto.
E há muitas outras questões que agora não posso abordar por dispor de pouco tempo, mas temos questões
de natureza jurídica muito sérias e tenho a certeza de que todos nós queremos boa legislação, melhor legislação.
Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, faço um apelo no sentido de estes diplomas, à semelhança do que já se fez
designadamente no que diz respeito à legislação da Convenção de Istambul, desceram à comissão sem votação
e, criando-se ou não um grupo de trabalho, em conjunto, trabalharmos nesta legislação para termos uma
legislação feita com rigor e, principalmente, de acordo com a realidade. É esta a sugestão que deixo.
Página 47
7 DE DEZEMBRO DE 2016
47
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Vânia Dias
da Silva.
A Sr.ª VâniaDiasdaSilva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O essencial desta questão
foi agora mesmo dito pelo Sr. Deputado Fernando Negrão, mas eu queria fazer uma destrinça.
Discutimos hoje aqui duas coisas diferentes.
Por um lado, discutimos um projeto de lei do PCP, que faz todo o sentido e que colhe o nosso apoio, que
visa a extensão da pensão de alimentos, a cargo do Estado, a jovens até aos 25 anos, e discutimos um projeto
de lei do Bloco que tem uma proposta que também colhe o nosso apoio, contanto que não se exclua ninguém,
portanto que ninguém fique de fora da consagração da pensão de alimentos até aos 25 anos, à semelhança do
que acontece a pais e filhos.
Por outro lado, discutimos as iniciativas do Bloco, do PAN e do PS no que concerne à violência doméstica e
à regulação das responsabilidades parentais.
O BE fá-lo de uma forma lateral e nada temos contra a gravação da conferência, mas temos muitas dúvidas
quanto à proibição da mediação ou da audiência técnica, porque não só prejudica a simplificação, como passa
um atestado de menoridade ao juiz, que deve ter a capacidade de avaliar se a mediação, no caso concreto, faz
ou não sentido.
O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª VâniaDiasdaSilva (CDS-PP): — Portanto, isso tem de ser objeto de estudo e não devemos fazê-lo
por decreto sem mais.
Quanto às iniciativas do PS e do PAN, a questão que está em cima da mesa é, obviamente, louvável,
meritória e colhe todo o nosso apoio.
A violência doméstica é um flagelo que é transversal à nossa sociedade e tem sido combatida pelos vários
governos de uma forma que não tem sido absolutamente eficaz, pelo que persiste. Portanto, temos de fazer
todos mais e melhor, e isto implica, obviamente, mais e melhor investimento que não só legislativo.
Mas — e sublinho este «mas» — para acorrermos a um mal maior, que é o da violência doméstica, não
podemos estar a fazer das crianças um mal menor. E com isso o CDS não compactua. A questão central é
sempre a da vítima e não a da criança.
O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª VâniaDiasdaSilva (CDS-PP): — Se lermos os projetos de lei que estão em cima da mesa,
percebemos que se põe sempre a tónica na vítima. Se a vítima tem de ser protegida, sem rigorosamente
nenhuma dúvida, também temos de ter a certeza de que a criança está protegida. E esta é uma matéria muito
complexa, muito sensível e que implica muita ponderação e não pode ser aligeirada, como está a pretender
fazer-se.
A reboque de uma causa tão nobre, não podemos fazer uma coisa que pode redundar na institucionalização
da alienação parental e, com isso, o CDS nunca vai compactuar.
E nós sabemos, sabemos todos, nesta Câmara todos sabem, aliás, o PAN refere isso no preâmbulo do seu
projeto de lei, que metade das queixas de violência doméstica são falsas e servem precisamente para afastar os
filhos dos pais inimizados em processos de divórcio. É verdade — toda a gente sabe disso — que os filhos servem
de arma de arremesso em processos desta natureza. Portanto, temos muitas reservas quanto a esta matéria.
Hoje em dia, estão consagrados na lei uma série de mecanismos para proteger as crianças nestas questões.
Ouçamos, primeiro, os peritos, vejamos que caminho seguir exatamente, com cautela, com muita prudência,
porque estão em causa também as crianças.
E nós, lamento dizer, não embarcamos na moda de que há um direito absoluto a ter filhos mas não há um
direito absoluto a ter pais. Com isso, não contem connosco.
Página 48
I SÉRIE — NÚMERO 26
48
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.
A Sr.ª RitaRato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à proposta que aqui foi feita pelo Sr.
Deputado do PSD, Fernando Negrão, da nossa parte, não há problema nenhum em que esta matéria baixe à
comissão sem votação. O projeto de lei do PCP é claro quanto aos seus objetivos e, por isso, entendemos que faz
sentido desde que isso aconteça com um prazo razoável para que o processo tenha a celeridade desejada.
Perguntou o Sr. Deputado Fernando Negrão se temos uma lei e sucessivas alterações à lei, então, por que
é que a situação não melhora. Da parte do PCP, temos vindo a registar que não basta haver alteração na letra
da lei quando há um problema de fundo, que é a falta de meios materiais e humanos dos tribunais.
O Sr. FernandoNegrão (PSD): — É a realidade!
A Sr.ª RitaRato (PCP): — Não é por acaso que o PCP apresentou recentemente uma proposta para a
abertura de um concurso extraordinário de magistrados no Ministério Público, porque, de facto, há falta de
magistrados no Ministério Público, assim como há falta de funcionários judiciais e falta de membros das equipas
multidisciplinares de apoio aos tribunais, que são essenciais, aliás, nestes processos.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª RitaRato (PCP): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que, da parte do PCP, entendemos que estes
são combates que correm em paralelo: as alterações legislativas que são necessárias para a proteção das
vítimas de violência, mas também a garantia dos meios materiais e humanos que visam o cumprimento da lei e
o princípio do superior interesse das crianças.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma telegráfica intervenção, a Sr.ª
Deputada Sandra Cunha.
A Sr.ª SandraCunha (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: É só mesmo para referir que não percebo como é
que a Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva tirou essa ideia de que metade das denúncias de violência doméstica são
falsas. Na verdade, só 5% das denúncias é que são falsas, e isso também não é dito no projeto de lei do PAN.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elza Pais.
A Sr.ª ElzaPais (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria também saudar as iniciativas do PCP, do
Bloco de Esquerda e do PAN, que muito contribuirão para que este edifício jurídico possa ser alargado no sentido
de prevenir e combater a violência doméstica e também proteger as vítimas.
Sr. Deputado Fernando Negrão, tenho-o em elevadíssima consideração e seguramente que haverá toda a abertura
para integrar o seu saber, o seu bom senso e os seus contributos, que muito ajudarão a melhorar este projeto.
Só lamento, nesta fase, que não o tenhamos feito há um ano, quando o Partido Socialista apresentou
contributos para melhorar as vossas propostas e eles foram inviabilizados. Mas estamos sempre no momento
do diálogo e é saudável que esse diálogo aconteça em matérias tão sensíveis como esta.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª ElzaPais (PS): — Termino, Sr. Presidente.
Página 49
7 DE DEZEMBRO DE 2016
49
Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, a questão das falsas queixas e da alienação parental para inviabilizar
este diálogo urgente entre os dois tribunais é uma falsa questão, como teremos oportunidade de discutir em
sede de especialidade e, seguramente, aí, a Sr.ª Deputada irá concordar connosco.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminámos, assim, o último ponto da nossa ordem do dia.
Antes de anunciar a ordem de trabalhos de amanhã, tem a palavra o Sr. Secretário Pedro Alves para proceder
à leitura do expediente.
O Sr. Secretário (Pedro Alves): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram
admitidas, as propostas de lei n.os 40/XIII (2.ª) — Aprova a Lei de Programação de Infraestruturas e
Equipamentos para as Forças e Serviços de Segurança do Ministério da Administração Interna, que baixa à 1.ª
Comissão, 41/XIII (2.ª) — Autoriza o Governo a criar o serviço público de notificações eletrónicas associado à
morada única digital e 42/XIII (2.ª) — Altera a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida, que
baixa à 9.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Secretário.
Sr.as e Srs. Deputados, a ordem de trabalhos de amanhã, às 15 horas, consta, no primeiro ponto, do debate
quinzenal com o Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento.
Do segundo ponto consta o debate preparatório do próximo Conselho Europeu, com a participação do
Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e
Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia.
No terceiro ponto estão agendadas, sem tempo de discussão, as propostas de resolução n.os 21/XIII (2.ª) —
Aprova o Protocolo Adicional à Convenção sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina, relativo à Investigação
Biomédica, aberto à assinatura em Estrasburgo, em 25 de janeiro de 2005, 22/XIII (2.ª) — Aprova o Protocolo
Adicional à Convenção sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina, relativo à Transplantação de Órgãos e
Tecidos de Origem Humana, aberto à assinatura em Estrasburgo, em 24 de janeiro de 2002, e 23/XIII (2.ª) —
Aprova o acordo entre a República Portuguesa e a República da Moldava sobre Transportes Internacionais
Rodoviários de Passageiros e Mercadorias, assinado em Lisboa, em 28 de maio de 2014.
Por fim, haverá lugar a votações regimentais.
Desejo a continuação de uma boa tarde e até amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.