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Quarta-feira, 7 de dezembro de 2016 I Série — Número 26

XIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2016-2017)

REUNIÃOPLENÁRIADE 6 DEDEZEMBRODE 2016

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Sandra Maria Pereira Pontedeira

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 3

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º

39/XIII (2.ª), dos projetos de lei n.os 349 a 353/XIII (2.ª) e dos projetos de resolução n.os 557 a 559/XIII (2.ª).

Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, teve lugar um debate de atualidade, requerido pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», sobre os resíduos importados de Itália para Setúbal, tendo proferido intervenções, além da Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes), que abriu o debate, e do Ministro do Ambiente (João Pedro Matos Fernandes), os Deputados Jorge Paulo Oliveira (PSD), Renato Sampaio (PS), Ana Virgínia Pereira (PCP), Álvaro Castello-Branco (CDS-PP), Jorge Duarte Costa (BE) e Paula Santos (PCP).

Seguiu-se um debate, requerido pelo Governo, sobre a reforma da floresta, tendo usado da palavra, além do Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Regional (Luís Capoulas Santos), que interveio na fase de abertura, os Deputados Nuno Serra (PSD), Joaquim Barreto (PS), Carlos Matias (BE), Patrícia Fonseca (CDS-PP), João Ramos (PCP),

José Luís Ferreira (Os Verdes), Maurício Marques (PSD), Francisco Rocha (PSD), Pedro Soares (BE) e Ilda Araújo Novo (CDS-PP).

Foi aprovado um parecer da Subcomissão de Ética da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à substituição de um Deputado do PSD.

Foram discutidos, conjuntamente, na generalidade, os projetos de lei n.os 341/XIII (2.ª) — Alterações ao Estatuto do Gestor Público e aos regimes jurídicos do setor empresarial do Estado e do setor empresarial local (PSD), 342/XIII (2.ª) — Impõe deveres de transparência aos administradores da Caixa Geral de Depósitos e altera o Estatuto do Gestor Público (PSD), 351/XIII (2.ª) — Altera o Estatuto do Gestor Público, revogando o regime de exceção criado pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho, e clarificando o alcance das respetivas obrigações declarativas (CDS-PP) e 352/XIII (2.ª) — Altera o Estatuto do Gestor Público, revogando o regime de exceção criado pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho, e estabelecendo limites remuneratórios (CDS-PP). Intervieram os Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Cecília Meireles (CDS-PP), Paulo Trigo Pereira (PS), Miguel

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Tiago (PCP), Mariana Mortágua (BE), José Luís Ferreira (Os Verdes) e João Galamba (PS).

Foram também discutidos, na generalidade, os projetos de lei n.os 345/XIII (2.ª) — Promove a regulação urgente das responsabilidades parentais e a atribuição de alimentos em situações de violência doméstica e de aplicação de medidas de coação ou de pena acessória que impliquem afastamento entre progenitores (PS), 327/XIII (2.ª) — Procede à primeira alteração ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, e à segunda alteração à Lei n.º 75/98, de 19 de novembro) (BE), 350/XIII (2.ª) — Altera a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, alargando o período de proteção até aos 25 anos (Terceira alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis n.os 142/2015, de 8 de setembro, e

31/2003, de 22 de agosto) (PCP) e 353/XIII (2.ª) — Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades parentais em situações de violência doméstica (PAN), juntamente com o projeto de resolução n.º 558/XIII (/2.ª) — Recomenda ao Governo a avaliação do desempenho do apoio judiciário no âmbito dos crimes de violência doméstica e regulação das responsabilidades parentais e que proceda à verificação da necessidade de criação de uma equipa multidisciplinar que dê apoio ao sistema judiciário (PAN). Proferiram intervenções os Deputados Elza Pais (PS), Sandra Cunha (BE), Rita Rato (PCP), André Silva (PAN), Fernando Negrão (PSD) e Vânia Dias da Silva (CDS-PP).

Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 40 a 42/XIII (2.ª).

O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 18 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, vamos dar

início à nossa sessão.

Eram 15 horas e 3 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias.

Antes de entrarmos na ordem do dia, o Sr. Secretário Duarte Pacheco vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram

admitidas, várias iniciativas legislativas.

Deu entrada a proposta de lei n.º 39/XIII (2.ª) — Procede à 13.ª alteração ao Código do Trabalho e à quarta

alteração ao Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril, na sua redação atual, no sentido do reforço do regime de

proteção na parentalidade (Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira), que baixa à 10.ª

Comissão.

Deram ainda entrada os projetos de lei n.os 349/XIII (2.ª) — Aprova o estatuto da condição policial (PCP), que

baixa à 1.ª Comissão, 350/XIII (2.ª) — Altera a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, alargando o

período de proteção até aos 25 anos (Terceira alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo,

aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis n.º 142/2015, de 8 de setembro, e n.º

31/2003, de 22 de agosto) (PCP), 351/XIII (2.ª) — Altera o Estatuto do Gestor Público, revogando o regime de

exceção criado pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de Julho, e clarificando o alcance das respetivas obrigações

declarativas (CDS-PP), 352/XIII (2.ª) — Altera o Estatuto do Gestor Público, revogando o regime de exceção

criado pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de Julho, e estabelecendo limites remuneratórios (CDS-PP) e 353/XIII

(2.ª) — Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades parentais em situações de violência

doméstica (PAN).

Por fim, deram entrada os projetos de resolução n.os 557/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que tome

diligências junto da União Europeia no sentido de promover a menção clara, nos rótulos do mel, do país ou

países onde o mel é produzido (BE), que baixa à 7.ª Comissão, 558/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a

avaliação do desempenho do apoio judiciário no âmbito dos crimes de violência doméstica e regulação das

responsabilidades parentais e que proceda à verificação da necessidade de criação de uma equipa

multidisciplinar que dê apoio ao sistema judiciário (PAN) e 559/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a

implementação de medidas para a redução das infeções hospitalares (BE).

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, da ordem do dia de hoje consta, em primeiro lugar, um debate de

atualidade, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, requerido pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os

Verdes», sobre os resíduos importados de Itália para Setúbal.

Para abrir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, Sr.as e Srs. Deputados:

Os Verdes marcaram este debate de atualidade porque consideram que há respostas que não estão a ser dadas

ao País e que devem ser prestadas. Não vimos aqui fazer nenhum tipo de acusação, vimos fazer perguntas, e

gostaríamos de obter respostas concretas.

Sr. Ministro, talvez o ponto de partida seja este: há muitos anos que Os Verdes denunciam o caminho que

foi prosseguido por vários governos — do PS, do PSD, do CDS — no sentido de tornar alguns setores na área

do ambiente uma verdadeira área de negócio, ou seja, um setor lucrativo, e a área dos resíduos foi um deles. E

quando temos presente que o grande objetivo não é de caráter ambiental, mas sim de caráter económico, há

qualquer coisa que começa a resvalar, ou seja, quando o tratamento de resíduos é guiado pela palavra «lucro»

há qualquer coisa que começa a resvalar.

Até nem me admirava nada, Sr. Ministro, que, nesta matéria do movimento transfronteiriço de resíduos, e,

designadamente, da nossa parte, da importação de resíduos, houvesse até uma brutal concorrência entre

algumas das empresas que gerem infraestruturas de eliminação, tratamento e deposição de resíduos, como,

por exemplo, o CITRI (Centro Integrado de Tratamento de Resíduos Industriais, SA) ou a Secil. Não me admirava

nada que houvesse concorrência a esse nível.

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Mas, Sr. Ministro, aquilo que nós sabemos — e este é um caso particular que vem revelar a acusação que

Os Verdes fazem há muitos anos — é que a RTP veio denunciar um conjunto grande, relevante, de praticamente

2700 toneladas de resíduos que tinham chegado a Setúbal, ao CITRI, provenientes de Itália, que muitas mais

toneladas estariam previstas para chegar a Portugal e, Sr. Ministro, logo na altura, Os Verdes dirigiram uma

pergunta escrita ao Governo no sentido de procurar obter alguma informação. Designadamente, perguntávamos

se o Ministério do Ambiente confirmava esta informação, de que quantidade de resíduos se tratava, que

acompanhamento é que as entidades nacionais tinham feito e que entidades, que análises tinham sido feitas e

que resultados se teria obtido dessas análises, de que tipo de resíduos se tratava, qual o destino final previsto,

se tinha sido dada autorização para receber mais resíduos de Itália, como constava da informação, que

quantidade, para quando, se sim por que razão.

Sr. Ministro, passou quase um mês e até à data não obtivemos resposta por parte do Governo. E porque Os

Verdes consideram que a Assembleia tem várias figuras, vários instrumentos, vários mecanismos para o

exercício da sua função de controlo e fiscalização do Governo, entendemos marcar este debate de atualidade

para que essa resposta viesse de uma forma mais célere.

Lembramos, Sr. Ministro, que, numa reunião realizada nesta mesma Sala, no âmbito da apreciação do

Orçamento do Estado, foram-lhe colocadas questões por várias bancadas relativamente a esta matéria dos

resíduos provenientes de Itália para Setúbal. O Sr. Ministro disse estar confortável em relação a essa questão

e que, de resto, não se tinha até pronunciado porque se tratava de uma operação perfeitamente recorrente,

normal.

Os Verdes alertaram-no, na altura, para que, mesmo para operações recorrentes e normais, a transparência

e a informação são dados absolutamente necessários.

O Ministro diz não haver qualquer problema, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) diz que confiou nas

análises feitas pelas autoridades italianas e considerou não ser preciso fazer rigorosamente mais nada para

receber os resíduos, e o IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do

Território), pelos vistos, entendeu que havia razões para fazer análises, procedeu a essas análises e detetou

eventuais irregularidades. Foram levantadas dúvidas e, por essa mesma razão, os resíduos ficaram retidos,

suspensos relativamente ao seu destino e ao processo normal que deveria daí recorrer.

Agora, está nas mãos da empresa, neste caso concreto do CITRI, a obrigação de dar esclarecimentos

adicionais relativamente ao resultado destas análises.

Esta é a informação que temos daquilo que tem vindo a público.

Queria que o Sr. Ministro confirmasse tudo isto, que dissesse se é assim, se não é, o que é que se está a

passar. Nós, como Deputados, temos de ter essa informação diretamente por parte do Governo.

Por isso, Sr. Ministro, impõe-se que seja dada resposta a um conjunto de perguntas.

Quantos resíduos chegaram a Setúbal provenientes de Itália? Estão ou não autorizados mais resíduos

provenientes do mesmo país de origem? Qual o tipo de tratamento ou destino a que vão estar sujeitos? Há ou

não triagem desses resíduos? Vão alguns para reciclagem? Vão todos para aterro? Como é que é? De que tipo

de resíduos se trata e qual a sua classificação? Qual foi o resultado das análises feitas pelo IGAMAOT? Quando

os resíduos são importados para Portugal não se fazem análises a amostras desses resíduos? Não é esse um

procedimento normal? É ou não?

Sr. Ministro, a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) deve ter um levantamento de todos os resíduos

importados e exportados e o destino, em Portugal, dos importados.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, já ultrapassou o tempo de que dispunha.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.

Queria só dizer o seguinte: nós, Deputados à Assembleia da República, precisamos urgentemente de tomar

conhecimento de um dossier da APA que dê conta de todos os resíduos que são importados para Portugal.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira.

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O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, Sr.as e Srs. Deputados: A

temática que o Partido Ecologista «Os Verdes» escolheu para a marcação deste debate de atualidade trata de

uma matéria que também nós temos vindo a acompanhar.

No final do mês de outubro, na sequência de notícias vindas a público sobre a importação de 2700 toneladas

de lixo provenientes de Itália e com destino ao CITRI, em Setúbal, fomos a primeira força política a dirigir uma

pergunta ao Sr. Ministro do Ambiente…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não é verdade!

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — … sobre os contornos desta operação, pergunta essa a que o Governo

não oficiou qualquer resposta até ao presente.

Ato contínuo, em sede de discussão de Orçamento do Estado para 2017, aproveitámos a circunstância — e

fomos a única força política a fazê-lo — …

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É falso!

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — … para questionar novamente o Sr. Ministro do Ambiente sobre o

assunto e, muito concretamente, sobre o seu silêncio perante o avolumar de notícias que, do nosso ponto de

vista, mereciam um esclarecimento formal da parte do Governo.

O Sr. Ministro não fugiu à interpelação e foi perentório, ao dizer: «O meu silêncio não tem nenhum significado,

porque esta é uma operação banal e, como tal, está a ser gerida pelo Ministério do Ambiente com normalidade».

Estamos, como se alcança, empenhados neste debate, mas queremos que este seja um debate sério,

rigoroso, esclarecedor e clarificador. E gostaríamos também que esta fosse uma discussão mais ampla e mais

abrangente, uma discussão que ultrapassasse os próprios limites geográficos do distrito de Setúbal. Isto porque

a atividade de gestão de resíduos que está arrolada corre em todo o território nacional, envolve empresas de

resíduos, envolve fábricas de reciclagem e envolve autarquias, como todos sabemos, e gera, anualmente, mais

de 500 milhões de euros. Há muitos anos que importamos lixo, há muitos anos que exportamos lixo. Importamos

e exportamos resíduos banais e importamos e exportamos resíduos perigosos.

A importação do lixo nada tem a ver, por isso, com a privatização da EGF (Empresa Geral de Fomento),

como sugere uma certa esquerda.

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

Importamos lixo pelas mais variadas razões, entre as quais, por exemplo, como forma de obter matérias-

primas para a indústria. Mas também exportamos lixo. Nos últimos cinco anos, exportámos 307 000 toneladas

de resíduos. Exportámos lixo para a Alemanha, para a Dinamarca, para a Espanha, para os Estados Unidos da

América, para a França, para a Holanda, para Marrocos e para a Suécia.

Em 2015, dos resíduos que exportámos, 58% são resíduos perigosos que temos dificuldade em valorizar e

mesmo em eliminar. Por isso, somos daqueles que defendem que as questões ambientais têm de ser olhadas

de forma global e não de Estado a Estado.

Por isso mesmo, também não nos revemos naqueles que defendem, por exemplo, a proibição dos

movimentos transfronteiriços de resíduos.

Vamos continuar a acompanhar este assunto. Mas a nossa discussão não pode circunscrever-se à

importação de lixo proveniente de Itália, ou de qualquer outro país, com destino ao CITRI de Setúbal, ou a

qualquer outro equipamento ambiental do nosso País — aliás, seria estranho que limitássemos o nosso debate

a esse âmbito, e digo porquê. Seria estranho porque, nessa altura, colocar-se-ia a seguinte questão: então, as

80 000 toneladas de lixo que anualmente importamos para queimar nas cimenteiras não devem merecer a nossa

atenção? Então, a coincineração dos resíduos industriais perigosos, na Secil, no Parque Natural da Arrábida,

em Setúbal, ou na Cimpor de Souselas, em Coimbra, não deve merecer igualmente a nossa preocupação e a

nossa atenção? Então, as 46 000 toneladas de resíduos perigosos que importamos anualmente não devem

merecer a nossa atenção? Nós achamos que sim. Por isso é que esse debate deveria ser mais amplo. E a nossa

disponibilidade para esse debate, sem excluir o debate que aqui nos traz, é total.

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Aplausos do PSD.

Protestos de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É recorrente nesta Câmara, através

de vários formatos regimentais, debater a problemática dos resíduos, sinal de que, em vários momentos, as

políticas dos resíduos são nossa preocupação.

Este debate de atualidade até pode fazer sentido, porque se trata de resíduos importados e, por isso, deve

haver um estreito controlo da sua origem e do tipo de resíduos, que foi exatamente o que aconteceu neste caso,

em que as autoridades portuguesas efetuaram uma ação inspetiva para obter as respetivas informações. E

obtiveram-nas: inspecionaram a documentação para a autorização das importações, a origem dos resíduos, o

tipo de resíduos; recolheram a informação necessária para saber se os resíduos rececionados tinham sido

previamente sujeitos, antes do embarque, ao tratamento mecânico e biológico, condição necessária para serem

importados; foram feitas diversas análises, cujo resultado demonstrou que os parâmetros de carbono orgânico

dissolvido estavam acima dos valores normais, é verdade — mas estes valores demonstram apenas a existência

de material orgânico em excesso, e aqui o que era necessário saber era se o aterro onde estavam para ser

depositados os resíduos reunia as condições necessárias para o seu tratamento. Ora, a Inspeção-Geral, como

medida de precaução, e em função dos valores encontrados, decidiu e determinou que se retivessem os

resíduos para depósito até existirem análises mais globais e mais rigorosas para se encontrar a melhor solução

para este caso.

Do nosso ponto de vista, as autoridades portuguesas agiram bem, dentro das normas e da legislação em

vigor. E temos a certeza de que, em função dos resultados obtidos, encontrarão a melhor solução ambiental

para resolver os problemas relativos a estes resíduos.

Confiamos, obviamente, nos mecanismos disponíveis para a execução deste tipo de operações, quer seja

na importação, quer seja na exportação. Confiamos ainda mais nas autoridades portuguesas e em quem as

tutela, que têm a responsabilidade de permitir e de autorizar a sua deposição em aterros preparados para tal.

Continuaremos, obviamente, a acompanhar este assunto sem dramatismos e sem provocar qualquer tipo de

alarme para que a solução encontrada possa ser a melhor, a melhor para Portugal, a melhor para os portugueses

e, fundamentalmente, a melhor para o ambiente. Mas, Sr. Ministro, gostaria que, na sua intervenção final, nos

pudesse dizer se existem dados novos que justifiquem um alarme — que até pode ser considerado um alarme

social — à volta de uma operação que, do ponto de vista da legislação portuguesa e da legislação europeia, é

uma operação absolutamente normal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Ana Virgínia Pereira.

A Sr.ª Ana Virgínia Pereira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Foi

tornado público que as autoridades ambientais portuguesas e italianas concretizaram um acordo para o envio

de 20 000 toneladas de resíduos, alegadamente de baixo risco, para um aterro, o CITRI, Centro Integrado de

Tratamento de Resíduos Industriais, na região de Setúbal. Todos sabemos que já chegaram a Portugal as

primeiras 2700 toneladas, tendo estas sido colocadas em quarentena até haver resultado das análises efetuadas

aos resíduos, por imposição da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do

Território.

Srs. Deputados, Sr. Ministro, conhecidos que foram os resultados das referidas análises, foi tornada pública

a existência de um parâmetro presente nos resíduos, o carbono orgânico dissolvido, que ultrapassava em muito

os níveis de perigosidade permitidos, razão pela qual o Governo terá interditado o processamento dos resíduos

até que se procedesse a um esclarecimento da situação real dos riscos dos resíduos.

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Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, este episódio vem comprovar a legitimidade das preocupações da

população e das autarquias da região, que sempre se opuseram à construção do aterro do CITRI, pelas

implicações ambientais e ao nível da saúde pública que atividades desta natureza poderão provocar, mormente

quando se localizam a escassos metros de um património ambiental, como é o caso da Reserva Natural do

Estuário do Sado.

Sr. Ministro, deixo-lhe três questões: face à decisão de impedimento do tratamento dos resíduos, quais são

os próximos passos a dar? No caso de se concluir que estes resíduos não podem ser tratados no CITRI, qual

será a resolução a tomar pelo Governo? Finalmente, Sr. Ministro, a Comissão de Acompanhamento do CITRI

foi informada e auscultada sobre o tratamento destes resíduos?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco, do Grupo Parlamentar do CDS,

para uma intervenção.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro do Ambiente,

Sr.ª Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza: Sem dúvida nenhuma

que este debate configura uma discussão importante, oportuna e atempada desta relevantíssima questão.

Aliás, na sequência das notícias que vieram a público, que nos causaram grande preocupação, quer pelas

contradições, quer pela falta de resposta pronta das entidades diretamente responsáveis, quer ainda pela

resposta pouco esclarecedora do Sr. Ministro do Ambiente, quando foi confrontado com a importação destas

cerca de 3000 toneladas de resíduos vindos de Itália para processamento numa empresa sediada em Setúbal,

o CDS colocou várias questões por escrito ao Sr. Ministro, mas, até hoje, não obtivemos qualquer resposta da

sua parte, o que nos aumenta a apreensão e nos aumenta também a preocupação. Esta falta de resposta dos

responsáveis políticos coloca ainda mais reservas em todo este processo.

Sabemos que a importação dos resíduos terá sido autorizada pela entidade competente, a Agência

Portuguesa do Ambiente, e a sua importação para Portugal resultou de um concurso internacional ganho pela

empresa CITRI. No entanto, das informações que nos chegaram através da comunicação social, a APA não

informou a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território sobre a

importação destes resíduos e também não terá procedido a qualquer inspeção dos mesmos aquando da sua

chegada a Portugal. Esta inspeção efetuada pela IGAMAOT só terá acontecido depois de a comunicação social

ter noticiado o caso e, do que se sabe, a análise dos resíduos realizada posteriormente, no que se refere ao

parâmetro do carbono orgânico dissolvido, levanta muitas reservas a esta entidade, que terá ordenado que os

resíduos não sejam, para já, colocados em aterro.

Ora, Sr. Ministro, a gestão de resíduos é uma atividade que tem de se processar, necessariamente, de acordo

com todas as regras de segurança existentes e que tem de ser sujeita a controlo e acompanhamento apertados

por parte das autoridades responsáveis de forma a melhorar a eficiência da sua utilização e a proteção do

ambiente e da saúde humana.

Assim, discordamos do Sr. Ministro do Ambiente quando refere que este processo de importação de resíduos

é um processo banal e que este tipo de lixo não levanta preocupações. O que se tem verificado, na realidade,

não é nada disso; o que se tem verificado é que estes resíduos levantam, de facto, preocupações. Se não, por

que razão, depois das análises efetuadas, teria a IGAMAOT ordenado que a empresa prestasse esclarecimentos

adicionais e por que razão teria proibido que os resíduos em causa fossem depositados em aterro?

O que está aqui em causa não é só a preservação do ambiente, mas também é — e principalmente — a

saúde da população. Não são necessários alarmismos, mas é necessária uma preocupação séria e uma atenção

redobrada por parte do Ministério do Ambiente.

Se não há meios suficientes para analisar todos os resíduos que entram no País, o Ministério tem de dotar

de meios as entidades competentes, porque não se afigura razoável ou prevenido que se confie, como estava

a acontecer neste caso, nas análises efetuadas no país de origem. As autoridades nacionais, na sua função

fiscalizadora, devem proceder sempre às análises necessárias.

Sr.as e Srs. Deputados, o ambiente é um tema que tem vindo a ganhar relevância no discurso político, e isso

é de louvar. Mas precisamos de mais do que discursos, precisamos de mais do que palavras, temos já memória,

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desagradável por sinal, de facilitismos no passado que levaram a situações muito graves, como é o caso de S.

Pedro da Cova, em Gondomar.

Não queremos, uma vez mais, lamentar. Queremos prevenir este caso e todos os casos futuros, e é isso que

exigimos à tutela. Por isso, Sr. Ministro, aguardamos, hoje, as respostas que seguramente tem para nos dar

para todas estas nossas preocupações, e que são também de todos os portugueses, nomeadamente daqueles

que habitam no distrito de Setúbal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a

palavra o Sr. Deputado Jorge Costa.

O Sr. Jorge Duarte Costa (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Por muito que

desagrade à direita, e ao Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira em particular, esta é mesmo uma história exemplar

da política de privatização no setor dos resíduos, e é uma história exemplar na origem como é também no

destino.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não, não é!

O Sr. Jorge Duarte Costa (BE): — É uma história exemplar na origem porque esta importação decorre da

incapacidade da região da Campânia, em Itália, de fazer face a essa gestão, fruto da privatização do setor dos

resíduos naquela região. É o facto de a gestão dos resíduos naquela região ter sido capturada por interesses

privados que fez com que se instalasse o caos no setor e sobrasse para Portugal a importação destes resíduos.

E é também uma história exemplar de privatização no destino, Portugal, porque o negócio privado que aqui

está a decorrer aligeira e diminui a atenção pública a cada uma destas importações e a cada um destes

momentos.

Foi por isso que a APA fez fé no que lhe disseram as autoridades italianas e se dispensou de qualquer

verificação, até soar o alarme da comunicação social, como já foi dito pelo Sr. Deputado que falou antes de mim

— pelo menos é essa a notícia que até agora existe. E foi preciso que esse alarme fosse dado para que fosse

verificada a real natureza destes resíduos, que à partida eram apresentados como resíduos banais e domésticos.

Portanto, neste momento, é necessário esclarecer três aspetos: um que diz respeito ao presente e outros

que dizem respeito ao passado e ao futuro, nesta matéria.

Em relação ao presente, é preciso assegurar que este lixo é devolvido no caso de não cumprir aqueles que

eram os requisitos e no caso de não ser aquilo que foi anunciado inicialmente e para o qual foi realizado um

concurso internacional. Queremos que seja explicado porque é que, numa fase inicial, a APA não informou a

IGAMAOT e se limitou a fazer fé naquilo que as autoridades italianas vinham dizendo. E, perante a verificação

da existência destes índices de matéria orgânica nos resíduos, é de exigir a sua devolução quanto antes, para

evitar qualquer contaminação.

Em relação ao passado, é importante verificar também negócios anteriores de importação de resíduos desta

natureza, em particular resíduos que, no momento da sua importação, tenham sido apresentados como resíduos

banais e domésticos, como resíduos sólidos urbanos, porque são esses resíduos e são essas garantias dadas

pelas autoridades italianas que hoje estão sob suspeita, mas que podem ter sido dadas ontem por outras

autoridades de outros países e sobre as quais pode ter sido feita a mesma fé que foi feita desta vez. Portanto,

é preciso investigar o passado, investigar a forma como estas empresas atuaram, de que maneira importaram.

Em particular a Sapec, da qual é administrador o anterior Secretário de Estado do Ambiente, do PSD, tem contas

para dar sobre esta matéria.

Em relação ao futuro, as normas devem ser mais apertadas. A importação de resíduos não deve ser

considerada um negócio central neste setor e, em casos específicos em que ocorra, deve garantir-se uma

fiscalização rigorosa.

É com esta realidade que nos vamos confrontar sempre, e por isso a fiscalização é hoje tão importante,

porque a privatização do setor dos resíduos na Europa, seja em Itália, seja em Portugal, faz com que a vigilância

pública e a responsabilidade das autoridades que têm a seu cargo esta verificação seja uma prioridade, seja

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uma exigência cidadã. É, portanto, muito importante que esta vigilância tivesse estado ativa e tivesse permitido

garantir, em tempo útil, que as averiguações necessárias eram realmente concretizadas. Como os outros

partidos, que também já entregaram, a seu tempo, perguntas ao Governo sobre esta matéria, estamos muito

ansiosos por conhecer as respostas do Sr. Ministro.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente.

O Sr. Ministro do Ambiente (João Pedro Matos Fernandes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:

Agradeço as questões colocadas e começo por dizer que, segundo números que estão no site da APA, com link

próprio para permitir obter toda a informação que é recolhida sobre a importação e a exportação de resíduos,

em Portugal, no ano de 2015, foram importados cerca de 2 milhões de toneladas de resíduos e exportados cerca

de 1 milhão.

Muitos deles servem para matérias-primas. Da minha experiência à frente do porto de Leixões, recordo-me

de ver chegar muito casco de vidro de Inglaterra que vai para a Barbosa & Almeida para ser transformado em

garrafas e de ver chegar muita sucata de origens diversas que era transportada para a Siderurgia Nacional, na

Maia, também para transformar em verguinha de aço para a construção.

Neste caso em concreto, respondendo à primeira pergunta que foi colocada, foi autorizada a importação de

40 000 toneladas, em três navios distintos, ao longo do tempo, desde o início de outubro — tenho aqui as datas,

se pretenderem sabê-las. Chegaram já cerca de 2700 toneladas, repito, em três navios distintos e em

contentores.

A legislação europeia não só é muito restritiva relativamente a estas matérias, como, de facto, procura

promover o destino adequado dos resíduos. Por isso, na procura de uma melhor solução noutro país, que não

é, necessariamente, o país da sua produção, tenta definir regras que, de forma muito controlada, permitam esta

passagem dos resíduos nas fronteiras.

Dou-vos um exemplo: em Portugal, não há onde tratar as pilhas e, portanto, todas as pilhas que são

recolhidas têm de ser exportadas para poderem ir à procura de um sítio onde sejam bem tratadas.

Cumprindo essas regras, os resíduos, de facto, saíram de Itália devidamente analisados e os documentos

chegaram às mãos da Agência Portuguesa de Ambiente quando autorizou.

Reconheço que o brouhaha que foi gerado à volta desta matéria fez com que a IGAMAOT promovesse

análises aos resíduos, tendo concluído que um só parâmetro, o COD, ou seja, o carbono orgânico dissolvido,

era superior ao esperado — é um facto! Quer isto dizer o quê? Que os resíduos têm mais matéria orgânica do

que era suposto terem. Mas que fique completamente afastada a palavra «perigosidade».

No que diz respeito — desculpem, mas assim é mais rigoroso — ao arsénio, ao chumbo, ao mercúrio, ao

cádmio, estes, sim, materiais que podem configurar aquilo que podem ser resíduos perigosos, a análise deu

valores muito significativamente abaixo daquele que é o valor limite para poderem ser considerados resíduos

perigosos.

Mas, dada a inconsequência de existir mais matéria orgânica do que era esperado, a IGAMAOT entendeu

por bem avaliar se este aterro tem ou não condições para receber resíduos que têm também matéria orgânica.

Por isso, determinou duas coisas: em primeiro lugar, que os resíduos não fossem espalhados, não fossem

aterrados — alguns estão naqueles big bags já rasgados, devido mais à manipulação do que a qualquer outra

coisa… A análise que foi feita é uma análise pontual. Aquilo que solicitou é que, através de um laboratório

creditado, durante cinco dias, ou seja, até à próxima sexta-feira, fossem realizadas análises já com expressão,

isto é, análises que, em quantidade, permitissem perceber qual aquele universo de resíduos. São essas análises

que estamos a fazer.

Mas não fizemos só isso. Depois daquilo que veio a público, chegámos não só a mais uma conclusão como

uma determinação foi feita. Em primeiro lugar, ontem, numa longa reunião entre a APA e a IGAMAOT concluiu-

se que, de facto, aquele aterro está preparado para poder receber resíduos com alguma quantidade de carga

orgânica. Sim, está preparado para isso na forma de queimar biogás, de tratamento de lixiviados. Ou seja, se

os resultados vierem a ser estes, não parece haver nenhum problema em que aqueles resíduos ali sejam

depositados.

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Mas, não contentes com isso — e essas análises, supostamente, começaram a ser feitas hoje; se não

começaram hoje, começam amanhã —, resolvemos fazer uma caraterização física dos resíduos e estimamos

que, no prazo de uma ou duas semanas, conseguiremos ter esse resultado, sendo o promotor destas mesmas

análises, perante, atualmente, uma entidade independente, a própria APA.

Portanto, em conclusão, não há, de facto, nenhuma razão para se considerarem perigosos esses resíduos.

Vamos agora fazer a caraterização física, mas a caraterização química, para já, afasta por completo essa

possibilidade e, por isso, sim, esta só não é uma situação normal porque o Governo, e sobretudo o Estado, as

entidades que dependem do Ministério do Ambiente — a IGAMAOT e a APA — foram mais além do que é

normal e entenderam fazer um conjunto de análises suplementares.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª HeloísaApolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considero que o Sr. Ministro do

Ambiente já prestou alguns esclarecimentos que julgo que eram necessários, mas, ao mesmo tempo que o fez,

deixou aqui, na Assembleia da República, aquelas que eu considero deverem ser verdadeiras preocupações.

O Sr. Ministro acabou de dizer que é muito normal importarmos e exportarmos resíduos — isso já toda a

gente sabia. Mas também é verdade que procurámos, ou isso sempre foi alegado, que o País fosse dotado de

um conjunto de infraestruturas de modo a que tivéssemos capacidade de tratar os nossos próprios resíduos. E

foram-nos vendidas muitas histórias, por exemplo, relativamente à coincineração e à não importação de

resíduos, designadamente pela Secil e pelo Parque Natural da Arrábida. Foi vendida muita história!

Mas repare bem nesta preocupação: o Sr. Ministro disse que a IGAMAOT só atuou e foi para além daquilo

que é normal porque houve muito alarido. Se não tivesse havido alarido, nada disso tinha sido feito. Ou seja, os

resíduos chegam ao País e não são analisados. Portanto, recebemos aquilo que os outros dizem que vamos

receber e que nós não sabemos se é exatamente aquilo. Este é um verdadeiro problema, Sr. Ministro.

O que o Sr. Ministro acaba de dizer, que a IGAMAOT atuou porque houve alarido, é preocupante. Não pode

ser! A IGAMAOT deve atuar porque tem de ter a certeza daquilo que vai depositar em Portugal, porque com o

ambiente e a saúde pública já chega de brincar e já chega de lucrar. Vamos começar a pôr o ambiente e as

regras ambientais num primeiro plano.

Já agora, Sr. Ministro, por falar em matéria orgânica, que eu saiba, o CITRI não é um aterro para resíduos

urbanos. Não foi para isso que foi concebido, mas sim como aterro para resíduos industriais, e, é verdade,

banais.

Portanto, quando falamos de matéria orgânica, parece-me haver algumas coisas que também devem ser

esclarecidas. E o que o Sr. Ministro disse foi que, dentro de dias, saberemos se os resíduos lá vão ser

depositados ou não — foi o que eu fiquei a perceber.

Por outro lado, há uma questão que não foi esclarecida. Segundo o que veio a público, uma enormíssima

percentagem daquele amontoado de resíduos é plástico. A pergunta que fiz e que gostava de ver respondida é

a seguinte: vai ou não haver alguma triagem daqueles resíduos?

Nós, portugueses, andamos sempre a apelar à triagem e a dizer que queremos fazer separação de resíduos

e que os resíduos sejam tratados como deve ser, mas chega um amontoado de resíduos e vai tudo para aterro.

Não queremos esse destino final para todos os resíduos.

Sr. Ministro, ainda há muitas coisas que têm de ser esclarecidas. Como dispõe de 45 segundos, peço-lhe

que faça o favor de esclarecer mais alguma coisa.

O Sr. Presidente: — Para esclarecer mais alguma coisa, tem, então, a palavra o Sr. Ministro do Ambiente.

O Sr. Ministro do Ambiente: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, o CITRI, não sendo

originariamente um aterro para resíduos urbanos, é um aterro que pode receber matérias orgânicas. A prova

disso é que faz, por exemplo, entre outras coisas, tratamento de lamas de ETAR, e dificilmente haveria algo

mais orgânico do que isto mesmo. Por isso, repito, dispõe de mecanismos de osmose inversa, de queima de

biogás e de tratamento de lixiviados que o permitem fazer.

Sr.ª Deputada, sobre os materiais propriamente ditos — e constato que me foi concedido mais algum tempo,

o que agradeço —, os que são originariamente resíduos urbanos já foram tratados, tiveram tratamento mecânico

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e biológico. E os plásticos que ali estão são aquilo a que comummente se chama plásticos mistos, o que, aliás,

tanta discussão tem dado em Portugal a propósito do seu valor como valor de retoma, pois é extraordinariamente

difícil a sua reciclagem.

Acho muito bem que nunca baixemos os braços a convencer e a entusiasmar os portugueses a fazerem a

separação dos resíduos, nomeadamente a dos plásticos, porque esses, sim, podem ser, sem dúvida, reciclados.

Neste caso, há embalagens com resíduos orgânicos porque trazem agarrados restos de bens alimentares.

Por isso, temos em presença uma percentagem significativa de matéria orgânica, em relação à qual, repito,

estamos agora a fazer uma análise física, ficando tudo ainda mais claro do que aquilo que é.

Sr.ª Deputada, sobre o País e o tratamento dos seus próprios resíduos, aquilo que Portugal está inibido de

fazer é de poder receber qualquer outro tipo de resíduos nos aterros para os resíduos sólidos urbanos. É que

esses aterros, que, aliás, são financiados com fundos comunitários, destinam-se apenas e tão-só a receber os

resíduos que são produzidos no nosso País.

No mais, até do ponto de vista ambiental, parece-me mais correto que exista — e não promovendo

investimentos absurdos dos quais possam resultar ativos obsoletos — esta procura de melhor destino final para

esses mesmos resíduos à escala da União Europeia.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, que ainda dispõe de algum tempo.

A Sr.ª HeloísaApolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, voltando ao que disse no início da

minha primeira intervenção, o que acaba por me fazer alguma confusão é o negócio que anda em torno dos

resíduos.

Quando percebemos que determinadas infraestruturas construídas em Portugal — e muitas foram

contestadas pela população — só são rentáveis se importarmos resíduos tem de nos fazer pensar sobre alguma

coisa, Sr. Ministro.

De facto, pôr setores fundamentais na mão dos privados, com lógicas privadas — e a lógica privada é a do

lucro —, faz com que os fatores ambientais não estejam em primeiro plano, mas, sim, os fatores económicos e

da obtenção de lucro.

O Sr. Ministro não se pronunciou relativamente à preocupação que levantei sobre o facto de a IGAMAOT

não fazer análises relativamente aos resíduos que são importados para Portugal. É uma matéria, Sr. Ministro,

em relação à qual Os Verdes também vão dar grande prioridade. Não me diga que não é possível, Sr. Ministro!

De facto, temos de saber o que cai no País e não podemos confiar no que dizem, lá fora, que nos vão mandar

e nós cá dentro recebermos tudo o que nos mandarem. Isso, então, é que não pode ser. E, Sr. Ministro, Os

Verdes não têm falta de solidariedade relativamente a problemas de outros países e à possibilidade de Portugal

poder ajudar nisso. Não é isso que está em causa. Mas, Sr. Ministro, pôr em primeiro plano negócio, lucro e

falta de fiscalização, assim é que está tudo estragado.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao próximo ponto da ordem do dia.

Pausa.

Verifico que a Sr.ª Deputada Paula Santos ainda está inscrita para intervir sobre o ponto que tem estado em

discussão.

É hábito que seja o partido que marca o debate a encerrá-lo. Mas, se houve um acordo entre Os Verdes e o

PCP, a Mesa não se opõe.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª PaulaSantos (PCP): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados de Os Verdes, porque, de facto,

a regra é essa e nós gostamos de cumprir com o que está acordado. No entanto, pensei que ainda houvesse

uma segunda ronda de intervenções atendendo aos tempos que estão disponíveis. Foi esse o erro da nossa

parte.

Sr. Ministro, de uma forma muito breve, queria referir dois aspetos.

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O primeiro aspeto tem a ver com o facto de o Sr. Ministro não ter respondido a uma questão que lhe

colocámos, que tem a ver com a instalação do centro de tratamento de resíduos, em Setúbal. Essa instalação

não foi pacífica, foi contestada pelas populações e pelas autarquias e, na sequência dessa contestação, foi

criada uma comissão de acompanhamento exatamente para fiscalizar e monitorizar a atividade deste centro.

Importa saber como é que a comissão de acompanhamento foi envolvida nesse processo.

Mas, Sr. Ministro, teremos tempo para aprofundar esta discussão, porque hoje mesmo, na Comissão de

Ambiente, foi aprovado um requerimento do PCP no sentido de ouvirmos a APA, a empresa responsável pelo

tratamento destes resíduos e também o Sr. Ministro. Procuraremos, de facto, conhecer melhor não só as

questões relacionadas com a natureza destes resíduos, mas também todo o processo antecedente: como é que

foram feitas as contratações e qual foi o envolvimento das entidades da Administração Pública em relação a

esta matéria.

Por isso, Sr. Ministro, iremos aprofundar, em sede de Comissão, esta questão, que muito preocupa a

população da região de Setúbal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições em relação a este ponto, vamos passar

ao ponto seguinte da nossa ordem do dia, que consta de um debate requerido pelo Governo sobre a reforma da

floresta.

Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Luís

Capoulas Santos, que cumprimento.

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Luís Capoulas Santos): — Sr.

Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A tragédia que se abateu este ano sobre as nossas florestas e as pessoas

que nelas vivem e delas dependem impeliu o Governo a antecipar a execução do seu Programa no que a este

setor respeita.

O Sr. Primeiro-Ministro assumiu o compromisso, no princípio de agosto, de que, antes do final de outubro,

logo que a temática dos incêndios saísse da agenda mediática, o Governo apresentaria o conjunto de medidas

para lançar a reforma da floresta por forma a atingir o objetivo de defender e aproveitar o enorme ativo ambiental,

económico e social que a mesma representa e, ao mesmo tempo, pôr em execução as ações que permitam

contribuir para reduzir, tanto quanto possível, o risco de incêndios e das suas terríveis consequências.

Nestes termos, por decisão do Conselho de Ministros, foi constituído um grupo interministerial composto por

oito ministros — das Finanças, da Defesa, da Administração Interna, da Justiça, Ministro-Adjunto, da Economia,

do Ambiente e da Agricultura — aos quais foi incumbida a missão de traduzir em medidas concretas os

compromissos contidos no Programa do Governo.

Para a apreciação do trabalho realizado pelo grupo interministerial, o Conselho de Ministros reuniu

extraordinariamente na Lousã no passado dia 27 de outubro.

Nessa reunião foram aprovados 12 diplomas, 10 dos quais na generalidade, por forma a permitir um debate

público alargado na sociedade portuguesa, visando escutar críticas e opiniões e obter contributos que possam

tornar tão consensual quanto possível a reforma da floresta e mais eficazes as medidas que se tornem

necessárias executar.

No contexto deste debate alargado, para o que foram colocados no site do Governo os respetivos diplomas

e criado um mecanismo de recolha de contributos, decidiu o Governo promover, para além da auscultação dos

Conselhos Consultivos dos Ministérios da Agricultura e do Ambiente, sete iniciativas nas regiões de Norte a Sul

do País e este debate na Assembleia da República, sem prejuízo do papel de decisor último que compete ao

Parlamento, em particular quanto aos diplomas que, por imperativos políticos e constitucionais, deverão ser

submetidos à sua aprovação, como é o caso dos diplomas sobre o banco de terras, o fundo de mobilização de

terras, os incentivos fiscais, ou o regime jurídico aplicável às ações de arborização e rearborização, para além,

obviamente, do processo legislativo sobre os baldios, que corre os seus trâmites na Assembleia da República,

razão pela qual o Governo se absteve de se debruçar sobre a matéria.

É por isso que tenho o prazer de, em nome do Governo, vos transmitir as linhas gerais e os objetivos deste

pacote legislativo que não esgota, evidentemente, a reforma que pretendemos executar, num horizonte de longo

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prazo, e que ambicionamos possa vir a constituir uma questão de regime já que a sua execução será,

forçosamente, tarefa de vários governos.

Consideramos, por isso, que as causas principais para o declínio da floresta assentam, como todos sabemos,

em fatores bióticos e abióticos e na ausência de gestão e de ordenamento.

Relembro que Portugal foi mesmo o único Estado-membro da União Europeia que perdeu área florestal nos

últimos 15 anos, cerca de 150 000 hectares.

Tal situação decorre da ausência de gestão profissional, particularmente nas zonas de minifúndio e de

ordenamento florestal dificultadas, em grande parte, por ausência de conhecimento dos limites da propriedade

e em muitos casos até dos seus titulares.

O Governo pretende assim atacar estes problemas, criando um quadro de regras e de incentivos que

favoreçam a gestão profissional da floresta através de entidades públicas ou privadas.

Estamos convictos de que numa floresta bem gerida se reduzirão significativamente os riscos de incêndio e

se atrairão mais facilmente capitais para uma exploração sustentável, criadora de emprego e de riqueza, em

particular para os pequenos proprietários florestais, e geradora de mais matéria-prima para a indústria,

promovendo o aumento da produção nacional e das exportações.

Destacaria, assim, da dezena de diplomas em discussão pública os que me parecem carecer de maior

esclarecimento: os que criam o banco de terras; o sistema cadastral simplificado; o balcão único; as sociedades

de gestão florestal; os incentivos fiscais; assim como o que altera a arquitetura do ordenamento florestal,

determinando a incorporação dos planos regionais de ordenamento florestal nos planos diretores municipais

(PDM).

Com o banco de terras pretendemos otimizar o uso do património fundiário já pertencente ao Estado, sendo

que as terras sem dono conhecido virão a ser nele integradas.

Com a criação do sistema cadastral simplificado e do balcão único, pretendemos, com total isenção de custos

e emolumentos para os proprietários, identificar o património cujos limites físicos são desconhecidos. Este

sistema vigorará por dois anos, período após o qual, por exclusão de partes, será igualmente possível identificar

o património sem dono conhecido a integrar no banco de terras.

Com as sociedades de gestão florestal e outras entidades afins – públicas, privadas ou mistas –, pretende-

se trazer capacidade de gestão para a floresta.

Com o novo regime de incentivos fiscais, aliás uma das poucas questões da Lei de Bases da Política

Florestal, de 1996, que ainda está por regulamentar, pretende-se estimular a criação de entidades gestoras,

atrair profissionalismo para a gestão florestal e, com isso, garantir o acréscimo de área certificada, sem o que é

cada vez mais difícil exportar produtos florestais.

Com a incorporação da componente de ordenamento dos PDM, pretendemos suprir a lacuna da ausência

de ordenamento florestal.

Estamos determinados a levar a cabo o que consideramos ser uma tarefa inadiável e patriótica.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, pode continuar no uso da palavra, mas a partir de agora o tempo será

descontado no tempo da sua segunda intervenção.

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Peço apenas mais um minuto, Sr.

Presidente.

Continuando, diria que o Governo gostaria que esta tarefa fosse obra de todos e, se dela puderem vir a ser

recolhidos louros políticos, que eles sejam justamente repartidos por todos os que nela se empenharem.

O debate que estamos a promover é um exercício sincero no qual participamos com humildade e ausência

de preconceitos.

Todas as contribuições válidas ou ideias alternativas serão bem-vindas e devidamente apreciadas.

Aguardamos, por isso, com esperança e expectativa positiva, o contributo da Assembleia da República, com

a qual estamos disponíveis para colaborar no sentido de se encontrarem as melhores soluções para os muitos,

graves e persistentes problemas com que a floresta portuguesa se confronta.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos entrar na primeira ronda de intervenções.

Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Serra, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: A

floresta tem um valor incontornável no território português, seja na sua componente económica, ambiental ou

social.

Uma política florestal deve ter um horizonte alargado no tempo, mesmo de longo prazo, e não estar limitada

às vontades políticas de cada Governo, ou, pior ainda, que se use a floresta como moeda de troca para garantir

acordos políticos e que seja vista através da lente ideológico-partidária, como acontece atualmente.

Acreditamos que existem sempre melhorias a fazer, o mundo evolui e a legislação precisa de se adaptar às

novas realidades, mas não conseguimos compreender, porém, como é que nas palavras deste Governo a

reforma da floresta é para ser de longo prazo e a primeira opção que toma neste setor é a de reverter um

conjunto de medidas tomadas pelo anterior Governo há pouco mais de três anos.

Será que o mundo para o Governo mudou tanto assim em três anos? Ou, mais uma vez, será que as medidas

de longo prazo, de que o Sr. Ministro tanto fala, só podem ser aquelas que esta maioria de esquerda proclama?

Sr.as e Srs. Deputados: A floresta tem de ser devidamente valorizada, e isto obriga-nos a rever a forma com

olhamos para a floresta. O complexo florestal deve ser visto como uma solução para o crescimento económico

do nosso País, ou seja, como uma prioridade governativa e não como um problema político para a gestão de

um Governo.

A floresta deve ser vista e pensada, em primeiro lugar, como atividade económica ímpar, capaz de gerar

emprego, criar riqueza e uma mais-valia em termos de balança comercial.

Hoje, a indústria da fileira florestal representa quase 10% das nossas exportações e dá emprego a cerca de

2% da nossa população ativa. A floresta nacional, em que 86% são de domínio privado, 3% são de domínio

público e 11% são de baldios, deve ser tida em conta tal como ela é. Esta é a nossa floresta e é esta que temos

de gerir.

A fileira do sobro e da cortiça e a fileira do eucalipto e da pasta de papel são de enorme importância para as

exportações nacionais. São duas fileiras em que Portugal é uma referência mundial e que contribuem

positivamente para o saldo da nossa balança comercial.

Só a fileira do eucalipto assegura cerca de 3% do total de bens exportados e representa quase 1% do PIB

nacional, uma fileira que tanto divide a sociedade em Portugal, mas, curiosamente, são os eucaliptos que os

produtores florestais preferem plantar por terem uma melhor e mais rápida perspetiva de remuneração — esta

é a questão do valor da floresta.

Este Governo, preso ao acordo político com a esquerda, tem nesta reforma a intenção de proibir a plantação

desta espécie e de, sacudindo a água do capote, passar essa responsabilidade para os municípios.

Aqui, coloca-se uma primeira questão fundamental: se a floresta deve evoluir sustentadamente nas vertentes

económica, ambiental e social, será que a reversão do RJAAR (Regime Jurídico Aplicável às Ações de

Arborização e Rearborização) pretendida por este Governo assegura a melhoria nestes três pilares básicos da

floresta?

Será que impedir de plantar uma espécie rentável obrigará ou condicionará o proprietário a plantar outra no

seu lugar com menos retorno? Ou será que isto será um motivo suficiente para aumentar o abandono das terras

em Portugal?

Não será que, em simultâneo, o Governo, ao proibir a plantação de uma espécie que tem valor económico

para o proprietário, não deveria, através da mesma reforma, criar condições e mais-valias para espécies

alternativas, também de valor acrescentado, para que a floresta continue a crescer, a criar riqueza e a criar

postos de trabalho?

Será que criar maior dinâmica, até garantir incentivos fiscais, com o que o PSD concorda totalmente, às

sociedades de gestão florestal, para que possam ter um papel ativo na criação de valor na floresta, é

compaginável com a limitação do uso do solo que o Governo quer impor nesta reforma?

Será que, sem o aumento do valor intrínseco da floresta, as ZIF (Zonas de Intervenção Florestal) vão

conseguir progredir no seu caminho de expansão e crescimento?

Sr.as e Srs. Deputados, não podemos continuar a só dar valor à floresta quando ela arde ou quando aparece

na televisão. O caminho é dar-lhe mais valor todos os dias, em particular nas políticas públicas, para que todos

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os intervenientes trabalhem afincadamente na prevenção contra incêndios para que ela não arda, garantindo o

seu valor económico e continuando a dar rendimentos aos seus proprietários.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, pode continuar no uso da palavra, mas o tempo que usar a partir de

agora será descontado no tempo atribuído ao seu grupo parlamentar para a segunda ronda.

O Sr. Nuno Serra (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.

A floresta representa um bem comum, em que o Governo tem a responsabilidade máxima de criar

ferramentas que possibilitem um crescimento ordenado, um ordenamento do território mais eficaz e capaz de

criar as sinergias suficientes para melhorar a prevenção contra incêndios, aumentar o valor económico do setor,

preservar o meio ambiente e garantir a sua componente social.

Trata-se de um caminho onde todos têm de participar e onde todos têm de ser ouvidos – municípios,

associações, produtores, políticos. Mas, em suma, a estratégia só pode ser uma: mais e melhor floresta para

Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado

Joaquim Barreto.

O Sr. Joaquim Barreto (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Por

iniciativa do Governo, estamos hoje a debater a reforma do setor florestal.

Manifesto o meu apreço pelo facto de, em dezembro, estarmos a discutir matérias ligadas à floresta, o que,

geralmente, só era debatido no verão, na época dos incêndios.

Igualmente registo com satisfação o modelo abrangente, alargado e inclusivo que está a ser adotado para a

discussão pública desta reforma.

Estamos, no inverno, a debater com todos os interessados a floresta. Esta alteração de paradigma é muito

positiva.

Falar da floresta é falar dos espaços florestais, do seu uso múltiplo e necessariamente das comunidades e

das pessoas que deles usufruem e do emprego criado por este importante sector.

Falar da floresta é olhar, pensar, planear e ordenar um espaço com vida, que tenha sempre em conta a sua

dimensão social, ambiental e económica.

Falar da floresta implica também saber que 35,4% do solo de Portugal Continental tem um uso florestal, e

que 32% do nosso território está coberto com mato e pastagens pobres.

Falar da floresta implica igualmente saber e ter consciência que Portugal tem vindo a perder, de uma forma

gradual, em média, 10 000 ha por ano.

Falar da floresta é sentirmos o alento para acreditarmos que as florestas portuguesas têm futuro, um futuro

com impacto importante na riqueza do País. Portugal é o País da Europa onde as florestas têm maior peso no

PIB, com 3,2 %.

Falar da floresta é termos em atenção que estamos na presença do sector que mais contribui com recursos

endógenos para as nossas exportações.

Portugal é o líder mundial na exportação de cortiça e o líder europeu na fileira da pasta de papel.

Éurgente um combate à desflorestação. É imperativo assumir a rearborização.

É necessário mudar o rumo, investindo mais no ordenamento, na gestão e na prevenção da floresta para

poupar no combate aos incêndios.

É inadiável combater a desertificação e o despovoamento do interior. A nossa floresta tem um passado, tem

história, usos, costumes e tradições.

O Partido Socialista orgulha-se dos seus governantes e tem provas dadas na elaboração e execução de

políticas públicas para as florestas nacionais.

Permitam-me que refira o Prof. Azevedo Gomes, que ajudou a construir o melhor da história que ainda está

bem viva na memória dos portugueses.

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Também agora, com este Governo e com esta reforma coordenada pelo Ministro Capoulas Santos e com o

envolvimento de toda a sociedade, podemos fazer história. Estamos a agir e não a reagir. Vamos prevenir em

vez de combater os incêndios florestais. Vamos criar riqueza, somos pelo verde e não pelos tons de cinza dos

incêndios.

É com grande esperança e confiança que acolhemos estas medidas para a reforma do sector florestal,

assentes na titularidade da propriedade, gestão e ordenamento florestal, defesa da floresta nas vertentes da

prevenção e de combate aos incêndios.

A titularidade da propriedade florestal, com a criação do banco de terras e do sistema de informação cadastral

simplificada, permitirá o fomento de novos espaços de floresta e a redução de terrenos incultos e com mato. Por

outro lado, vai proporcionar aos atuais produtores florestais condições para ampliarem as suas áreas de

produção silvícola e atrair para o interior novos produtores que desejem investir neste importante sector,

combatendo-se a desertificação através da criação de riqueza e de novos empregos.

É ainda importante a simplificação das normas que regulam as ZIF (zonas de intervenção florestal), bem

como o seu alargamento, permitindo a adesão de novos proprietários e de pessoas com atividade florestal e

com uma gestão mais profissionalizada.

A transferência de diretivas dos planos regionais de ordenamento florestal para os planos diretores

municipais vai permitir que os municípios fiquem com maior intervenção nos processos de decisão do uso do

solo.

Os incentivos que vão premiar as boas práticas silvícolas também serão importantes na promoção e

valorização da floresta.

Congratulo-me com o plano de prevenção de incêndios florestais e de valorização e recuperação de habitat

naturais no Parque Nacional da Peneda Gerês com um investimento de 8,4 milhões de euros a implementar em

oito anos.

A reestruturação do Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios, com melhor prevenção para tornar mais

ágil e eficaz a função das equipas de sapadores florestais, vai aumentar o controlo e reduzir a expansão dos

incêndios.

Na revisão do regime jurídico das ações de rearborização devemos ter em conta planos integrados e

sustentados que criem equilíbrio entre as espécies utilizadas, promovendo o uso múltiplo da floresta, com o

gosto e a atração daqueles que lhe estão mais próximos, nomeadamente das comunidades rurais, produtores,

pastores, caçadores, apicultores, amantes do desporto, da natureza e do lazer, entre outros.

Importa ainda salientar o incentivo à floresta autóctone na sua dimensão ecológica, social e paisagística com

mais interesse para o turismo e com mais vantagem para a sociedade, nomeadamente ao nível da purificação

do ar e da água — serviços de ecossistema tão necessários nas sociedades modernas.

Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados, considero oportuno, nesta minha intervenção, realçar a revisão

da Lei dos Baldios que está em curso nesta Assembleia. Devemos dar-lhe a maior atenção, principalmente no

papel que têm de ter todos os agentes que gerem estes territórios.

Importa ainda referir, no que concerne à valorização do espaço florestal, o Programa Nacional para a Coesão

Territorial que contempla medidas de que se destacam, entre outras, a necessidade de um interior mais

conectado, ou seja, com maior cobertura de banda larga móvel (Internet) e com o programa Aldeias 4G

Sustentáveis.

Foi para mim uma grande satisfação e honra participar hoje neste debate em torno da floresta e do seu uso

múltiplo.

Anunciamos mais e melhor floresta e vamos cumprir. Portugal tem área disponível para expandir a sua

floresta, porém terá de plantar mais e gerir melhor as áreas florestais que temos.

É urgente promover a gestão profissional das nossas florestas. É urgente semearmos para as futuras

gerações colherem. A floresta deve ser encarada como um desígnio nacional. Vamos mobilizar a sociedade

portuguesa para a causa das florestas.

A todos os que diariamente pugnam pela defesa, valorização e promoção da fileira agroflorestal, deixo uma

palavra de incentivo e apreço pelo trabalho desenvolvido em prol da floresta em Portugal.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Matias, do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:

Em 2013, numa iniciativa legislativa do PSD/CDS, saiu o RJAAR (Regime Jurídico aplicável às Ações de

Arborização e Rearborização), muito justamente conhecido como «lei da liberalização do eucalipto», um diploma

preparado para promover a eucaliptização do País.

Compreensivelmente, o PSD, como vimos agora, e as empresas de celuloses e de papel não se cansam de

defender a continuidade do atual RJAAR.

No início deste ano, em sede de comissão parlamentar, um responsável da indústria explicou claramente

que ainda pretendia um poucochinho mais de área de eucalipto, a par de mais rentabilidade por hectare. O facto

de só agora ter surgido a proposta de paragem da expansão da área de eucalipto já terá assegurado à CELPA

(Associação da Indústria Papeleira) esse tal poucochinho mais de área que ambicionava.

É que a maioria dos mais recentes projetos de arborização e rearborização têm sido para eucalipto. É de

eucalipto a maior área plantada desde então e já é de eucalipto a espécie com maior área de floresta. Portanto,

Sr.as e Srs. Deputados, tem todo o apoio do Bloco de Esquerda a proposta do Governo de parar a expansão da

área de eucalipto. Esta iniciativa só peca por tardia.

Um novo RJAAR deveria ainda ir mais longe. Antes de mais reconheçamos que se é um problema a

larguíssima mancha florestal de eucalipto, não é problema menor tratar-se, em boa parte dos casos, de áreas

florestais em mancha contínua. De resto, é um problema a existência de manchas florestais contínuas de

quaisquer espécies altamente inflamáveis, como é o eucalipto ou o pinheiro.

Um novo RJAAR tem de contribuir para o ordenamento florestal, dificultando ou impedindo a floresta em

mancha contínua e promovendo a criação de mosaicos florestais diversificados.

Deveriam ainda ser tapados alguns dos buracos do decreto-lei do atual RJAAR. Por exemplo, devem acabar

quaisquer dispensas de autorização para ações com recurso a espécies integradas em projetos aprovados no

âmbito de programas de apoio financeiro com fundos da União Europeia. É uma norma que consagra a

prevalência do produtivismo sobre quaisquer avaliações de carácter ambiental.

Por outro lado, atualmente, todas as imposições legais sobre a Reserva Ecológica Nacional (REN) podem

ser torpedeadas pelas chamadas entidades competentes, no âmbito de programas públicos de apoio ao

desenvolvimento florestal. Basta que, na análise dos projetos, estes organismos simplesmente incorporem os

princípios e os objetivos da REN. Ora, deverá ser obrigatório o cumprimento de todo o normativo legal. Além

disto, pelo impacto a que pode sujeitar o ambiente, o adensamento também deve ser classificado como ação

florestal.

Cremos ser correto chamar as câmaras municipais à emissão de pareceres de ações de arborização,

rearborização e adensamento nos seus territórios. O poder local autárquico deverá ter um importante papel

também no planeamento e no controlo da ocupação dos territórios rurais.

No entanto, admitimos que a falta de recursos técnicos nos municípios e uma eventual menor sensibilidade

dos autarcas para esta temática leve a adotar uma fórmula de transição. Os municípios poderiam emitir um

parecer prévio sobre qualquer ação florestal, um parecer não obrigatório, mas que, quando emitido, seria

vinculativo.

Estas são, em resumo, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, algumas das nossas dúvidas e que, com

certeza, merecerão os vossos esclarecimentos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, do

Grupo Parlamentar do CDS-PP, devo dizer que o tempo usado a mais nesta ronda será descontado na próxima.

Faça favor, Sr. Deputada.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: O Governo traz hoje a debate um conjunto

de diplomas a que chamou reforma da floresta e que respeitam à gestão e prevenção da floresta nacional que,

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como aqui já foi dito, é 85% privada e que o Governo delineou, sem ter feito qualquer consulta prévia ao sector

florestal e às suas organizações.

Da análise que fizemos destas medidas, há algumas que entendemos positivas, outras redundantes e uma

particularmente negativa. Mas medidas concretas, imediatas, que verdadeiramente preparem a floresta para o

futuro, como o Sr. Ministro disse desejar, não encontramos nada.

Dentro das propostas redundantes, continuamos sem perceber qual o verdadeiro motivo para a criação de

um banco de terras, que já tanto questionámos e que continuamos sem entender, que o Sr. Ministro diz ser mais

robusto e eficaz mas que, em nosso entender, não traz absolutamente nada de novo relativamente à já existente

bolsa de terras. Continuamos ainda sem perceber qual o fundamento racional da constituição de um fundo de

mobilização de terras num País em que a terra é maioritariamente privada e em que os solos produtivos estão

todos explorados.

Não seria suficiente, mais eficiente e eficaz, Sr. Ministro, empenhar-se em dinamizar a já existente bolsa de

terras, ajustando aqui e ali o que fosse necessário, alterando a lei se assim fosse preciso, impulsionando assim

a integração das restantes terras do Estado?

No grupo das medidas positivas temos a simplificação do regime de constituição das ZIF, apesar de

acharmos que há algum risco em considerar os municípios como gestores da floresta. Também achamos

positiva a constituição de sociedades de gestão florestal e os respetivos incentivos fiscais.

No entanto, no caso das sociedades de gestão florestal, na prática, constatamos que ficam limitadas à

pequena propriedade do norte e centro do País uma vez que há a obrigatoriedade de metade dos proprietários

terem prédios com áreas até 5 ha.

Esta situação parece-nos particularmente grave porque, tendo em conta que se pretendem discriminar

positivamente, nos apoios públicos, estas entidades, num contexto de recursos escassos, outras áreas em que

a floresta é maioritariamente privada e não gerida por sociedades de gestão florestal poderão ficar sem apoios.

Para nós, Sr. Ministro, 1 h de floresta no norte do País vale tanto como 1 ha de floresta no sul do País e, por

isso, o CDS apresentou, no âmbito do Orçamento do Estado, uma proposta de constituição de uma conta de

gestão florestal que se aplicava a todos os proprietários florestais e que poderia ter efeitos, já a partir de 2017 e

que foi, neste Parlamento, chumbada pelo PS, Bloco de Esquerda e PCP. Perdeu-se, no nosso entendimento,

uma boa oportunidade de incentivar o investimento na floresta.

O expoente máximo desta alegada reforma da floresta que pretendem implementar e da falta de peso político

que o sector agroflorestal tem para este Governo é a proibição da plantação de eucalipto.

O único racional que entendemos nesta medida é a cegueira ideológica do Partido Ecologista «Os Verdes»,

apoiada pelo Dr. António Costa na ânsia de se tornar Primeiro-Ministro, sem pensar, de todo, nas consequências

que esta medida teria para o País. Entendemos, por isso, que, como reforma da floresta, este pacote de medidas

é, Sr. Ministro, um é poucochinho.

Queria deixar também uma nota da nossa preocupação quanto ao risco do papel de recolocar as autarquias

no centro da gestão florestal. Consideramos que há um risco de municipalização. Muitos técnicos dos grupos

técnicos florestais não têm competências florestais, não são técnicos florestais e vão ter de decidir em pareceres

vinculativos, vão ter de gerir as áreas das ZIF e vão ter de transpor os planos regionais de ordenamento do

território para os planos diretores municipais (PDM).

Estamos disponíveis para dar os nossos contributos para este pacto de regime, Sr. Ministro, assim haja

vontade do Governo para os acolher.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A marcação do

Governo de hoje discute a reforma florestal, matéria onde existem projetos em discussão pública que, na nossa

perspetiva, contêm linhas e orientação ao lado das necessidades centrais da floresta portuguesa.

Entende o PCP que as propostas legislativas poderão conter medidas parciais corretas, mas não trazem a

resposta necessária e adequada que os problemas de ordenamento, prevenção e dinamização económica e

social da floresta nacional e o País exigem.

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Uma primeira preocupação que se pode apontar ao pacote florestal é o facto de colocar a tónica em matérias

que, tendo a sua importância, não a têm na dimensão que lhe quer ser atribuída. Exemplo disto é a

sobrevalorização do caso das áreas abandonadas e sem dono conhecido, uma vez que, até hoje, não foi

demonstrada a sua relação com os incêndios florestais. Contudo, têm funcionado como manobra de diversão

para a falta de resposta aos problemas.

O PCP alerta, como sempre tem alertado, para o facto de o combate às supostas parcelas sem dono

conhecido poder traduzir-se na ilegítima expropriação de pequenas parcelas a quem lutou a vida inteira para as

adquirir ou para as manter.

Uma matéria que o PCP não acompanha nas propostas em discussão é a possibilidade de entregar áreas

públicas a interesses privados, e é isto que preveem fazer com as sociedades de gestão florestal.

É evidente que a floresta portuguesa precisa de ordenamento e prevenção, mas também precisa de

dinamização económica da produção florestal. O pacote florestal continua a insistir no recurso a mecanismos

de mercado, esperando-se que estes façam o que até aqui não fizeram e que só a intervenção pública poderá

fazer, como a experiência de longos anos demonstra. O principal problema da floresta portuguesa é o da

rentabilidade. O preço a que a madeira é paga é muito baixo. As celuloses pagam o eucalipto em Portugal a

metade do preço que é pago em Espanha, e com outras madeiras acontece o mesmo.

As ditas medidas de mercado têm sido usadas claramente para condicionar. Um desses exemplos é a

certificação da floresta. Apresentada como uma forma de valorizar a madeira, tem um primeiro problema que se

relaciona com os custos da certificação, difíceis de suportar por pequenos proprietários, e, por outro lado, as

celuloses pagam hoje a madeira certificada aos preços que pagavam antes dos processos de certificação, não

correspondendo à verdade que a certificação tenha vindo aumentar o preço a que a madeira é paga.

Continua por abordar outra matéria que é fundamental neste sector e que são os mercados da produção

lenhosa, com preços manifestamente degradados da madeira, em virtude da ação monopolista de duas ou três

empresas da fileira.

A realidade demonstra que as orientações dos Governos, na resposta a tão urgente e exigente problema

nacional, têm sido desadequadas. É preciso fazer mais, mas também é preciso fazer diferente.

O PCP irá intervir de forma construtiva em defesa da floresta portuguesa, do povo dos baldios e dos pequenos

produtores florestais.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Tem, ainda, a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Estamos no outono, mas quem faça uma viagem, por exemplo, de Lisboa a Viana do Castelo ou quem percorra

várias áreas do nosso interior não dá pelo outono. E não dá, porque só vê eucaliptos, eucaliptos e mais

eucaliptos.

Recordo que o eucalipto é a espécie com maior área implantada no nosso País: são mais, muito mais de 800

000 ha. E, como já ouvimos aqui hoje, há quem queira mais. Nós, há pouco, ouvimos o Sr. Deputado Nuno Serra

falar como se a liberalização do eucalipto, que o PSD e o CDS provocaram, não fosse já, por si, um grave

problema. E é isto, Sr. Ministro, que queremos travar, queremos travar a expansão do eucalipto no nosso País.

Queremos que o dourado outonal, que ocupa, hoje em dia, nichos pouco significativos da nossa paisagem,

volte a ter mais expressão. Mais: a sua reafirmação na paisagem será indiciadora de uma viragem na floresta

portuguesa, consubstanciada no aumento de algumas espécies autóctones da floresta portuguesa, como os

carvalhos, os castanheiros, entre outras.

Mas, uma vez que isto demora o seu tempo, não só por razões naturais mas também por razões económicas

e sociais, temos de começar já a criar as condições e os incentivos para que isso aconteça. Tanto mais que este

dourado ausente de vastas áreas do território acaba por se impor também no verão, por via das chamas dos

incêndios. É que, por muito que os grandes interesses económicos o tentem negar, a verdade é que a violência

e os impactos dos incêndios em Portugal aumentaram à medida que a expansão do eucalipto se foi impondo no

território, no nosso País, desde os anos 80.

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Ora, a nosso ver, um combate eficiente passa por uma mudança profunda, estrutural da nossa floresta e das

políticas públicas que, naturalmente, lhe dão suporte e orientação e, por isso, registamos com agrado que, após

um verão que, em termos de incêndios, foi uma desgraça, em que Portugal contribuiu para mais de metade da

área ardida na Europa, o Sr. Ministro venha, em período de acalmia, apresentar um conjunto de diplomas sobre

a matéria das florestas.

Não vamos agora pronunciar-nos sobre todos os diplomas em discussão, porque o tempo disponível para

intervenção também não o permite, mas vamos fazê-lo, certamente, em sede de consulta pública, continuando

a apresentar propostas na Assembleia da República e também junto do Governo.

Mais uma vez, reafirmamos que sairia muito mais barato ao erário público investir na prevenção, investindo

no pilar fundamental desta prevenção, que é a floresta, do que no combate aos incêndios.

Mas, ainda assim, não podíamos deixar de referir aqui, hoje, mais especificamente, um dos diplomas

apresentados pelo Governo. Refiro-me à alteração ao Regime Jurídico aplicável às Ações de Arborização e

Rearborização. Na verdade, a alteração aqui apresentada pelo Governo contou com o contributo de Os Verdes

e, não sendo ainda o regime que Os Verdes pretendiam para as florestas, consideramos, no entanto, que este

diploma vai ao encontro do essencial daquelas que foram as conversações com o Partido Socialista e que

acabaram por ficar expressas na posição conjunta que o Partido Socialista estabeleceu com o Partido Ecologista

«Os Verdes», ou seja, travar a expansão do eucalipto em Portugal, que foi liberalizada pelo anterior Governo do

PSD e do CDS-PP.

Deixo-lhe uma pergunta, Sr. Ministro da Agricultura: este é ou não um dos propósitos fundamentais da

proposta de alteração ao Regime Jurídico aplicável às Ações de Arborização e Rearborização — travar a

expansão do eucalipto no nosso País?!

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Quero agradecer todas as intervenções, porque elas dão um grande alento ao Governo e permitem-nos ter a

esperança de que possamos, sobre esta reforma, vir a obter um consenso político razoável, por forma a que os

seus resultados sejam tarefa de todos e todos se possam rever neles.

Pelo conjunto das intervenções que acabaram de ser produzidas, posso constatar que não há verdadeiras

objeções de fundo. Há algumas questões que decorrem de falta de esclarecimento, e que terei gosto em

precisar, mas, no essencial, a principal linha de divergência pareceu-me ser à volta da questão do eucalipto,

que acho que, facilmente, posso demonstrar ser uma falsa questão. E é uma falsa questão, pelo seguinte: em

fevereiro de 2015, o Governo anterior fez a revisão da Estratégia Nacional para as Florestas, que é um

documento que já vinha de trás e que, nessa altura, foi reatualizado. Ora, aquilo que estamos a propor

relativamente ao eucalipto é exatamente aquilo que o Governo anterior preconizou. E chamo a vossa atenção

de que basta consultar o Diário da República, I Série, n.º 24, de 4 de fevereiro de 2015, onde se diz, com toda

a clareza,…

Protestos do Deputado do CDS-PP Telmo Correia.

… e não estou a fazer demagogia com isto, que a área estimada de eucalipto, em 2010, era de 812 000 ha

— todos estamos convencidos de que hoje será um pouco mais do que isto — e que aquilo que o Governo

preconizava para 2030 era uma área de 812 000 ha. Ou seja, o Governo, em 2015, decidiu travar a expansão

do eucalipto nos seus limites à data.

Portanto, aquilo que estamos a fazer agora, ao alterar o RJAAR, é precisamente dar expressão concreta

àquilo que foi consensualizado com todo o sector, incluindo a indústria das celuloses. A indústria das celuloses

subscreveu essa orientação.

Por isso, gostaria que tivéssemos uma atitude positiva sobre esta matéria, porque o Governo está a plasmar

na lei, de forma inequívoca, aquele que foi um compromisso assumido em 2015 pelo Governo anterior.

Relativamente às demais questões, as únicas críticas que vi serem aqui apresentadas foram,

designadamente, pela Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, referindo que se pretende atribuir um papel excessivo

às autarquias. Não creio que assim seja, Sr.ª Deputada. Ainda ontem participei numa reunião pública, em

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Alfândega da Fé, destinada à sociedade civil de Trás-os-Montes, e aquilo que nos foi reclamado foi exatamente

que atribuíssemos um papel acrescido às autarquias, porque consideram que ele é insuficiente.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Não na gestão!

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Aquilo que nós propomos,

essencialmente, ao nível das autarquias, é que se incorporem nos planos diretores municipais as orientações

dos programas regionais de ordenamento florestal que vamos ter concluídos em março, por forma a que as

autarquias, relativamente à floresta, se comportem como hoje se comportam em relação ao urbanismo.

Trazendo esta matéria para uma escala mais fina, com proximidade de decisão, penso que todos ganharemos,

porque, ao nível de cada município, o «mosaico» será aquele que estiver plasmado nos seus planos diretores

municipais.

Sobre as capacidades técnicas nos municípios, Sr. Deputado Carlos Matias, através do Fundo Florestal

Permanente, o Ministério da Agricultura já financia hoje 228 técnicos municipais em outros tantos municípios,

por via dos chamados gabinetes técnicos florestais (GTF). Isto significa que já há um pequeno núcleo de

capacidade florestal. Aliás, ainda há poucos dias transferimos cerca de 3 milhões de euros (digamos que é a

comparticipação do Ministério).

Portanto, registo com muito interesse a proposta que faz de, nos casos onde essa capacidade possa não

estar instalada, estabelecermos um mecanismo transitório para garantir que estas matérias sejam tratadas, do

ponto de vista técnico, de forma absolutamente correta, como não pode deixar de ser.

A terceira questão, relativamente à qual vi não uma oposição mas dúvidas, tem a ver com o banco de terras.

Já falei várias vezes com a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca e tenho tido dificuldade em convencê-la da bondade

desta proposta, mas vamos ver o seguinte: o Governo anterior propôs uma bolsa de terras que o atual Governo

decidiu manter.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Não, Sr. Ministro!

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Nós reconhecemos mérito a essa

proposta, ainda que os resultados tenham ficado aquém das expectativas, razão pela qual vamos manter a bolsa

de terras.

Porém, quisemos ir mais longe, criando um banco de terras. O que é o banco de terras? O banco de terras

será um instituto — um instituto entre aspas, porque não vamos criar nenhum novo departamento na

Administração Pública, ele vai ficar sediado na Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR)

e no Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), que são organismos que já existem — no qual

vamos integrar todo o património rústico que já pertence ao Estado, independentemente dos ministérios que o

estejam a gerir. Depois, vamos fazer um escrutínio daquilo que é verdadeiramente indispensável a cada

ministério e isso será atribuído ao respetivo ministério. Tudo o resto irá ser atribuído, se tiver aptidão agrícola, a

agricultores e, preferentemente, a jovens agricultores. E aqui aproveito para responder ao Sr. Deputado João

Ramos, dizendo-lhe que não se trata de pôr a terra pública ao serviço de privados. Não creio que entenda que,

quando o Estado entrega uma parcela a um jovem agricultor, por arrendamento, está a transferir interesses

públicos para a esfera privada, porque está apenas a permitir a instalação.

Se se tratar de património florestal, estamos apenas a criar condições para que o património florestal que,

hoje, é improdutivo, que hoje, pela sua pequena dimensão… Ó Srs. Deputados, há parcelas florestais que cabem

várias vezes no espaço deste Hemiciclo, que são insuscetíveis de serem geridas. Aquilo que queremos, sem

qualquer preconceito quanto ao público e ao privado, é entregar a cooperativas de produtores, a sociedades de

gestão florestal, inclusive a autarquias ou até a entidades mistas, que sejam constituídas por uma componente

pública e uma componente privada, por forma a que essa floresta possa ser gerida, possa criar riqueza, possa

aumentar a matéria prima disponível para a indústria e a que, com ela, possamos até aumentar as exportações,

sejam elas da pasta de papel, sejam elas da indústria do mobiliário, da cortiça ou de qualquer outra.

Por outro lado, não há nenhuma discriminação negativa relativamente à pequena propriedade ou à grande

propriedade. Quando dizemos que as sociedades de gestão florestal ou entidades afins vão beneficiar do regime

de incentivos fiscais, o que queremos dizer é que, pelo menos metade da área destas entidades tem de ser

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composta por prédios com menos de 5 ha, porque é exatamente na pequena propriedade que falta capacidade

de gestão, o que quer dizer que uma sociedade de gestão florestal precisará de ter um mínimo de 100 ha, pode

ter uma única propriedade com 50 ha e outras 50 com 1 ha cada uma e não exigimos sequer que haja uma total

continuidade entre as diferentes parcelas, ainda que, obviamente, isso seja desejável.

Foram estas as objeções, que me parecem de pequena monta, que estamos disponíveis a trabalhar com os

diversos grupos parlamentares, no sentido de as consensualizar tanto quanto possível, porque relativamente ao

restante pacote de medidas não houve verdadeiras objeções de fundo. É que me parece, de facto, que é matéria

facilmente consensualizável.

Portanto, Srs. Deputados, as vossas intervenções deixam-me esperançado e digo isto sem nenhum sentido

ou qualquer intuito de oportunismo político. Como digo, o Governo não quer invocar para si louros políticos que

vão ser visíveis, em alguns casos, daqui a três, quatro ou cinco governos. O que queremos é criar condições

para que aquilo que decidamos hoje seja irreversível no futuro, para que aquilo que vamos decidir agora não

seja destroçado pelo Governo seguinte ou daqui a dois governos.

Contrariamente ao que disse, no essencial, à exceção da questão do eucalipto, que, como já tive

oportunidade de referir, se tratou de repor aquilo que foi uma decisão do Governo anterior, não há nenhuma

matéria que o Governo tenha alterado, a não ser para melhorar, como é o caso dos sapadores florestais, cujo

financiamento acabámos agora de aumentar de 35 para 40 000 € por ano. Fizemos esta modificação que, estou

certo, todos aplaudirão.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, agradeço, uma vez mais, e reitero a disponibilidade do Governo para,

relativamente às questões em relação às quais ainda subsistem pontos de desacordo, podermos chegar a

consensos, de uma forma tão ampla quanto possível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Vamos entrar na segunda ronda do nosso debate. Peço aos serviços o favor de

atualizarem os tempos disponíveis para os diferentes grupos, fazendo já os descontos devidos do tempo

ultrapassado ainda durante a primeira ronda.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Maurício Marques, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Maurício Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados, o Sr. Ministro assumiu, aqui, que a tragédia que ocorreu este ano levou o Governo a antecipar a

reforma que hoje se discute nesta Câmara. Quis assim o Governo relevar a incompetência demonstrada na

gestão dos incêndios do ano de 2016, pois este ano tivemos, em Portugal continental, o menor número de

ocorrências registadas nos últimos 10 anos. Tivemos o menor número de incêndios, mas tivemos a maior área

ardida nos últimos 10 anos.

Isto foi responsabilidade do Governo, através da ausência de prevenção florestal — problema para o qual,

em bom tempo, alertámos — e também através de alguma despreocupação, por parte do Governo, no combate

aos incêndios.

Sr. Ministro, fala muito de floresta. A sua elevada competência política leva-o a falar daquilo que as pessoas

gostam de ouvir. Falou, aqui, de Alfândega da Fé, mas não falou de Portel. Gostaríamos de saber como é que

teria corrido este debate público se o mesmo tivesse decorrido em Portel.

Sr. Ministro, quanto ao tema rentabilizar a floresta, obviamente temos de rentabilizar a floresta, qualquer que

seja a espécie. Sabemos bem que para rentabilizar a floresta são necessários incentivos fiscais. Sabemos bem,

também, que temos um problema identificado, o problema do minifúndio — temos de fazer, de promover, o

emparcelamento.

O Sr. Ministro, numa outra legislatura em que foi membro do Governo, escrevia isso mesmo, que tínhamos

de incentivar o emparcelamento, de forma a dar dimensão e possibilidade ao ordenamento florestal.

Ora, o que vimos em sede do Orçamento, recentemente aprovado? É que há uma discriminação negativa

para áreas superiores a 50 ha! O Sr. Ministro diz, por um lado, que é necessário emparcelamento para dar

dimensão à floresta mas, por outro lado, desincentiva o dito emparcelamento.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo, peço-lhe que conclua.

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O Sr. Maurício Marques (PSD): — Termino, Sr. Presidente.

Falar de floresta é também falar de incêndios e falar de bombeiros. O Sr. Ministro faz parte de um Governo

que ainda não repôs os equipamentos que se perderam nos últimos incêndios e faz também parte de um

Governo que não paga aos bombeiros as despesas feitas no âmbito do Ministério da Saúde.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Francisco Rocha, do Grupo

Parlamentar do PS.

O Sr. Francisco Rocha (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Segundo um provérbio oriental,

«se não tem remédio, porque te lamentas? Se tem remédio, porque te lamentas?»

Assim, será mais fácil perceber que, pela sua importância, pelos objetivos substantivos que pretende

alcançar, pela marca participativa que se quer colocar neste processo, a reforma da floresta portuguesa deve

ser entendida como um desígnio nacional.

Em pleno século XXI, Portugal tem dificuldades notórias em saber quem é quem numa mancha florestal que

é detida em mais de 90% por privados e por comunidades rurais. Por isso, o Governo propõe-nos que se avance

com o conhecimento real das parcelas, que se promova o levantamento dos indivisos, que se conheça a

realidade da gestão ancestral mas nunca registada. No dia em que terminar esse trabalho, vamos passar a

pertencer à esmagadora maioria dos países europeus que se conhecem a si próprios.

Mas também temos noção de que, em Portugal, é fundamental reforçar a componente económica da fileira

florestal, pelo que consideramos acertadas as propostas que visam a promoção de uma gestão florestal

sustentável, ativa e profissional, que abranjam o sector público e privado e que promovam a valorização da

produção, o aumento da sua competitividade, o desenvolvimento das zonas rurais, a recreação e o ecoturismo,

dando corpo ao conceito de uso múltiplo da floresta.

Mas não podemos ficar por aqui. Apesar de Portugal deter e aplicar, ano após ano, um sistema de defesa da

floresta contra incêndios, é tempo de ponderar de forma diferente vários conceitos e reforçar o pilar da prevenção

estrutural e operacional.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, felicitamos o Governo por esta iniciativa coerente e corajosa, que apela e

interpela à participação de toda a sociedade: partidos políticos, autarquias, administração central, comunidade

académica e científica, organizações do sector e cidadãos.

Por isso, reclamamos de todos os membros desta Câmara espírito aberto numa reforma que fique para a

História. Como disse Platão: «Não há nada de grandioso que não tenha dificuldades».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Soares, do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. Pedro Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

A nossa preocupação neste debate prende-se com a necessidade de ultrapassar uma dificuldade que parece

estrutural e que se exprime bem no facto de, apesar de termos aprovado, por unanimidade, nesta Casa, uma

Lei de Bases do Desenvolvimento Florestal, há 20 anos, pouco se ter feito em relação à floresta e o que temos

é uma floresta que continua abandonada, uma floresta que apresenta vários problemas que é preciso enfrentar.

Identificamo-nos com muitos dos objetivos que o Governo apresenta nas suas propostas: ordenamento

florestal e controlo da eucaliptização, gestão agrupada da floresta nas áreas de minifúndio e mudança do

combate direto aos incêndios como prioridade para um novo paradigma de prevenção dos fogos florestais.

Numa floresta marcada pelo minifúndio, a gestão agrupada é, de facto, a estratégia correta.

O Bloco de Esquerda defende uma intervenção pública, firme, forte, assertiva, no sentido de resolver o

problema da gestão das zonas do minifúndio. A criação de unidades de gestão florestal é, de facto, o caminho

necessário, mas, Sr. Ministro, temos algumas dificuldades de compreensão relativamente às propostas que

apresentou nesta área. As unidades de gestão agrupada da floresta devem poder constituir-se sob formas

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diversas, mas não nos parece correto afastar desta forma de constituição de sociedades de gestão florestal as

associações, as formas associativas. Esta possibilidade de constituição de unidades de gestão florestal através

do associativismo é essencial, porque sabemos o papel essencial que o associativismo tem tido na floresta.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Pedro Soares (BE): — Concluo, Sr. Presidente.

Se o objetivo é agrupar a gestão nas áreas de minifúndio, não percebemos a razão pela qual se pretende

juntar, quase de forma imposta, a grande propriedade com a pequena propriedade. Sabemos que, quando se

juntam, o caminho normal é o da absorção da pequena propriedade pela grande.

E esta é uma preocupação que, efetivamente, temos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Ilda Novo, do Grupo

Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, uma das

medidas deste pacote das florestas pretende redinamizar as centrais a biomassa florestal residual que, como o

próprio Governo afirma, não foram totalmente mobilizadas pela iniciativa privada. Assim sendo, o Governo vem

propor agora, para um ano de eleições autárquicas, a instalação e exploração de novas centrais por municípios,

comunidades intermunicipais ou associações de municípios.

Ora, o CDS entende que esta poderá ser, efetivamente, uma interessante alternativa de produção de energia,

em pequena escala, para autoconsumo, como proposto, mas não será, à partida, uma solução de sucesso. A

iniciativa privada não foi suficiente para esgotar a potência colocada a concurso no passado. Além de que a

operação não é, como se sabe, na grande maioria dos casos, rentável. É essa a razão que leva o Governo a

propor a atribuição de tarifas subsidiadas?

Após o recente esforço de redução do défice tarifário, vai agora inverter-se essa tendência, mesmo que essa

medida se sustentando-se tal medida em intenções bondosas? E sobre quem vai recair este custo acrescido?

Onde se encontram previstas as transferências financeiras para as autarquias fazerem face a estes

investimentos?

Segundo o que organizações do sector oportunamente afirmaram, para ser eficaz na prevenção de incêndios,

uma central a biomassa deveria consumir preferencialmente matos e outra vegetação, que possuem grande

volume por tonelada (ou por unidade energética), o que implica ter de se recolher e transportar grandes volumes,

para um ganho energético relativamente modesto. Isto leva a que o custo financeiro e ambiental destas

operações seja incomportável quando estão em causa longas distâncias.

Acresce que uma área total de 636 000 ha é insuficiente para assegurar o abastecimento por biomassa,

resultante da atividade silvícola, de uma central, ainda que de dimensões reduzidas.

Paralelamente, salientamos outros riscos a considerar e prevenir, como as consequências nefastas para a

biodiversidade e preservação dos solos que resultarão de uma eventual remoção total dos resíduos da floresta,

ou seja, entende o CDS que deverá existir um equilíbrio — como em tudo na vida —, entre a redução da carga

combustível e a manutenção de resíduos vegetais que, indiscutivelmente, contribuem para a melhoria da

estrutura do solo e a prevenção da erosão.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.

Estas são questões que o diploma patentemente não acautela, embora preconize, no seu preâmbulo, a

preservação, recuperação e reabilitação dos ecossistemas.

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado João Ramos, do Grupo

Parlamentar do PCP.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, a floresta tem uma

importância estratégica para o País. É o elemento fundamental de combate à desertificação dos solos e à

manutenção de reservas de água.

A forma como as políticas florestais têm sido desenvolvidas tem efeitos nas alterações significativas no meio

rural, em profundo despovoamento. A monocultura florestal, em área de extensão muito além do que seria

desejável, é um problema que tem entre os seus maiores reflexos os dramáticos incêndios que, ano após ano,

lavram no espaço florestal, consumindo cada vez mais área.

A floresta portuguesa está em declínio, com a redução de área e a redução de algumas espécies,

nomeadamente as autóctones, em detrimento do eucalipto.

O anterior Governo PSD/CDS-PP deu um importante contributo para que isto acontecesse, retirando 150

milhões de euros ao ProDer (Programa de Desenvolvimento Rural) para a área da floresta, liberalizando a

plantação de eucalipto e atacando os baldios. O avolumar destes problemas na floresta portuguesa ocorre

apesar dos milhões de euros afetos ao setor por diferentes quadros comunitários.

As matérias relacionadas com a floresta têm tido, grosso modo, aprovação unânime da Assembleia da

República. É, pois, evidente que tem faltado ação governativa e decisão.

A sobreposição de interesses do negócio da transformação de madeira ao interesse nacional vai contra as

necessidades do País. Ultimamente têm-se multiplicado as notícias e informações relativamente a floresta criada

para alimentar celuloses, produzida através de regadio, nomeadamente em regadios públicos.

Pode até ser uma medida importante para a indústria deficitária em matéria-prima, mas o País tem défices

profundíssimos em várias produções estratégicas e, por isso, não é admissível retirar recursos tão importantes

como a terra ou a água à produção alimentar para os afetar ao desenvolvimento de uma estratégia empresarial

privada.

Isto, porque a soberania alimentar não é um valor menor. O País tem condições para produzir madeiras

nobres de maior valor acrescentado, mas isso não é estimulado, nem a madeira é valorizada.

A indústria para a produção de mobiliário, de grande importância no País, também precisa de produção

florestal, mas, por exemplo, o pinho não é corretamente valorizado.

A valorização da floresta tem também de passar pela diversificação e pela valorização de espécies que

podem alimentar outras indústrias ou em que o País é inigualável produtor, como a cortiça.

A floresta enfrenta hoje um grave problema fitossanitário, não controlado em muitas áreas, e que condiciona

não só o valor como a atividade da indústria transformadora. Tanto o pinho como o montado, nomeadamente

de sobro, atravessam grandes problemas sem fim ou controlo à vista.

Entende o PCP que os problemas da floresta portuguesa e paralelamente do mundo rural, fortemente atingido

pela desertificação económica e pelo despovoamento, não se resolverão sem uma significativa mobilização de

recursos públicos, nomeadamente sem a indispensável intervenção do Estado, com meios financeiros e

recursos humanos à altura da gravidade dos problemas e dos estrangulamentos existentes.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, tem a

palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, a proposta do

Governo relativa ao RJAAR vai, na nossa perspetiva, permitir travar a expansão do eucalipto que foi liberalizada

pelo Governo anterior do PSD e do CDS. Mas vai fazer mais: vai permitir recuperar áreas abandonadas de e

com eucaliptos, criar oportunidades para a sua recuperação através da reflorestação com espécies autóctones

e corrigir erros de arborização anteriores que permitiram plantações em áreas totalmente impróprias e que

acentuaram as manchas contínuas de eucalipto, que, por sua vez, agravaram a dimensão dos incêndios.

Porém, como certamente o Sr. Ministro já se apercebeu, estas alterações têm sido alvo de constantes e

violentos ataques, com grande realce na comunicação social, por parte dos grandes interesses económicos

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ligados à área da indústria de celulose que, durante vários anos, mas sobretudo durante o Governo PSD/CDS,

beneficiaram de uma proteção total.

Como tal, sabendo nós, e o Sr. Ministro também, que a consulta pública vai ser uma excelente oportunidade

para este setor, que tem grandes meios à sua disposição para continuar a exacerbar as suas pressões e

chantagens, gostaria de lhe perguntar, Sr. Ministro, se considera que os termos do que ficou estabelecido como

propósito fundamental da alteração ao RJAAR — que é travar a expansão do eucalipto — continuam enraizados

e se vão contribuir para uma floresta mais diversificada onde as espécies autóctones, como o sobreiro, a

azinheira, o pinho ou o carvalho, e outras espécies, possam vir a ocupar uma importância que, infelizmente,

hoje não têm na nossa floresta.

Acho que era importante que o Sr. Ministro nos clarificasse este propósito.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Mesa foi informada de que o Sr. Ministro irá juntar o tempo a que

tem direito nesta segunda ronda, para resposta aos pedidos de esclarecimento, com o da intervenção final.

Tem, portanto, a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr. Presidente, Srs. Deputados,

renovo o meu agradecimento pelas questões que colocaram e que confirmam o que disse na ronda anterior.

Estou, de facto, convicto de que as questões que aparentemente nos dividem são suscetíveis de serem

ultrapassadas.

O Sr. Deputado Maurício Marques fez alusão ao ano terrível de incêndios que vivemos. O Sr. Deputado sabe

que neste ano, tal como em 2003 ou 2005, se verificaram situações extremas, com a conjugação de três fatores

terríveis: temperatura acima dos 30 ºC, humidade abaixo dos 30% e vento acima dos 30 km/h — o tal valor 30.

São situações que tornam os incêndios incontroláveis e, quando isso acontece, não é a cor do Governo que

decide a dimensão da tragédia.

Portanto, o que queremos é evitar que, no futuro, tragédias destas se repitam, o que passa naturalmente

pela adoção atempada e ao longo de muitos anos de um conjunto de alterações estruturais da nossa floresta.

Queria felicitar o Sr. Deputado pelo facto de estar a acompanhar o debate público uma vez que fez referência

à sessão que teve lugar para a região do Alentejo há poucos dias e à que teve ontem lugar para a região de

Trás-os-Montes, onde curiosamente houve tónicas ligeiramente diferenciadas. No Alentejo, de facto, houve

algumas críticas na medida em que se disse que há um excesso de municipalização nesta proposta, mas em

Trás-os-Montes foi dito exatamente o contrário, o que demonstra que vamos ter de encontrar a justa medida de

equilíbrio entre estas duas posições.

O Sr. Deputado Francisco Rocha falou das dificuldades e, de facto, temos consciência de que não vai ser

fácil para este Governo e para os próximos levar a cabo esta tarefa. Desde logo sabemos quão complexa vai

ser a questão da legalização da titularidade dos prédios. Vai ser certamente um processo complexo.

Como sabe, irá ser criado um balcão único, quer virtual, quer físico, nas conservatórias do registo predial,

onde serão facultados a todos os proprietários os ortofotomapas em que têm de ser identificadas as parcelas.

Vai ser adotado também o princípio de não onerosidade, ou seja, todos os custos com taxas e emolumentos,

até 31 de dezembro de 2018, serão inteiramente gratuitos. Isto porque, como sabe, muitas vezes, legalizar um

pequeno prédio rústico custa mais do que o valor de mercado do próprio prédio e é por isso que muitos estão

por legalizar.

Temos consciência da dificuldade desta tarefa, porque admitimos que podem estar nesta situação mais de

10 milhões de prédios rústicos, mas é importante que esta tarefa se faça e que se faça com alguma celeridade.

Não podemos estar mais 10, 20, 30 ou 40 anos à espera que este problema se resolva e, por isso, fomos

ambiciosos na meta de 31 de dezembro de 2018.

De qualquer forma, repito, temos consciência das dificuldades inerentes a esta tarefa, mas vamo-nos

empenhar para que se faça. Será uma tarefa em que estará particularmente mobilizado o Ministério da Justiça,

uma vez que é essa a sede da resolução deste problema.

Sr. Deputado Pedro Soares, agradeço também a sua intervenção, mas parece-me que por detrás dela está

algum equívoco. O Governo não pretende impor a junção da pequena com a grande propriedade. Qualquer

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entidade gestora pode ser constituída exclusivamente por pequena propriedade. Apelamos à participação do

movimento associativo, naturalmente, não através de associações, porque isso é ilegal, uma vez que se trata,

neste caso de explorar a floresta, de uma atividade económica, mas esse movimento pode desenvolvido por

cooperativas de proprietários florestais. Portanto, o associativismo florestal é chamado e é bem-vindo a esta

tarefa e admitimos até a possibilidade de, quando se tratar de concessionar áreas, as cooperativas virem em

primeiro lugar ou de outro tipo de sociedades virem no fim dessa lista de prioridades, assim como as autarquias

ou entidades que resultem da cooperação entre estas.

Portanto, não há nenhuma imposição. Para evitar que apenas a grande propriedade viesse aproveitar este

regime para beneficiar dos incentivos fiscais, determinámos que as sociedades e outras entidades, para

beneficiarem deles, tenham obrigatoriamente de ter, pelo menos, 50% da sua área com prédios inferiores a 5

ha.

A Sr.ª Deputada Ilda Novo colocou uma questão muito pertinente relativa à criação de centrais de biomassa.

Nós pretendemos criá-las, mas estamos a trabalhar num passo mais além. Neste momento, houve uma decisão

do Conselho de Ministros para ser estudada e aprofundada — porque existe já algum trabalho nesse sentido —

a possibilidade de as biorrefinarias de pequena escala utilizarem os desperdícios da floresta não apenas para

produzir energia. Naturalmente, em relação aos desperdícios da floresta, haverá uma portaria que identificará

que resíduos são esses, porque não queremos na combustão para produzir eletricidade materiais que podem

ter outra utilização com outra valorização económica. A nossa ambição é a de de ter biorrefinarias em que a

produção de energia acabe por ser o subproduto da produção de biodiesel.

Creio que se os estudos que estão em curso forem conduzidos a bom termo e se revelarem economicamente

interessantes, provavelmente iremos ter, a partir dos resíduos da floresta, produção de biocombustíveis, ao

mesmo tempo que limpamos a floresta.

O Sr. Deputado João Ramos também disse algumas coisas com as quais concordo, nomeadamente que a

monocultura é um problema. É por isso que queremos ordenar e passar para a esfera dos PDM essas regras

de ordenamento, precisamente para evitar a área mono-extensiva que tem tido consequências nos incêndios.

Mas, gostaria de o esclarecer — não sei se há algum equívoco da sua parte — porque não há nenhuma intenção

do Governo, aliás, está absolutamente fora de causa, de alocar áreas de regadio público à produção de matéria

florestal.

Neste momento, estão em curso algumas experiências que se estão a revelar bastante positivas no sentido

de acelerar o crescimento dos sobreiros. Tive a oportunidade de visitar, há poucos dias, uma experiência

segundo a qual sobreiros regados, que teriam a primeira extração de cortiça ao fim de 30 anos, conseguiram

produzir a mesma quantidade ao fim do oitavo ou do nono ano.

Naturalmente que a possibilidade de termos um montado regado terá de ser uma questão equacionada e

nunca será permitida a utilização de águas, muito menos daquelas que têm gestão pública, para regar floresta,

em detrimento da produção de alimentos, como é evidente.

O Sr. Deputado José Luís Ferreira colocou a questão do eucalipto. É claro que o Governo, na apresentação

desta proposta de lei, honra o compromisso que está plasmado no Programa do Governo, segundo o qual o

objetivo é travar a expansão da área de eucalipto que, como lhe disse, aliás, já vinha da estratégia florestal

nacional. Infelizmente era apenas uma orientação que estava no papel e que não estava a ser cumprida, mas

agora vamos criar condições para que o seja efetivamente.

Pensamos que é possível, com esta área florestal, em termos de eucalipto, aumentar bastante a produção

de matéria-prima para a indústria, porque a produção de pasta de papel tem um peso económico importante e

um valor de exportações que não é negligenciável, sobretudo num País em que a produtividade é tão baixa. A

produtividade média do eucalipto em Portugal é de 5 m3/ha. Ora, basta que aumentemos esta produtividade em

2 m3/ha para que tenhamos matéria-prima suficiente para tornar desnecessárias as atuais importações. Isso é

possível uma vez que, com esta legislação, pretendemos retirar eucaliptos das áreas marginais pouco

produtivas, a maior parte delas abandonadas, para que essa área possa ser compensada noutras com

produtividades que nalguns casos vão até aos 30 m3/ha.

Portanto, respondendo objetivamente à sua pergunta, é evidente que o compromisso que está plasmado no

Programa do Governo e que está vertido nesta proposta de lei é efetivamente para honrar escrupulosamente.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, damos por encerrado este ponto da nossa ordem de trabalhos.

Antes de passamos ao próximo ponto, o Sr. Secretário, Pedro Alves, dar-vos-á conta de um parecer da

Subcomissão de Ética da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Pedro Alves): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o relatório e parecer da Comissão

para a Ética, a Cidadania e a Comunicação refere-se à substituição do mandato, nos termos da alínea a) do n.º

2 e n.º 3 artigo 5.º do Estatuto dos Deputados, do Sr. Deputado António Leitão Amaro (PSD), círculo eleitoral do

Viseu, sendo substituído pela Sr.ª Deputada Eugénia Maria de Oliveira Duarte, por um período de licença

parental de 25 dias úteis, a partir de 6 de dezembro.

O parecer é no sentido de a substituição do Deputado em causa ser de admitir, uma vez que se encontram

verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos, então, passar ao terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos que consiste na discussão, na

generalidade, dos projetos de lei n.os 341/XIII (2.ª) — Alterações ao Estatuto do Gestor Público e aos regimes

jurídicos do setor empresarial do Estado e do setor empresarial local (PSD), 342/XIII (2.ª) — Impõe deveres de

transparência aos administradores da Caixa Geral de Depósitos e altera o Estatuto do Gestor Público (PSD),

351/XIII (2.ª) — Altera o Estatuto do Gestor Público, revogando o regime de exceção criado pelo Decreto-Lei nº

39/2016, de 28 de Julho, e clarificando o alcance das respetivas obrigações declarativas (CDS-PP) e 352/XIII

(2.ª) — Altera o Estatuto do Gestor Público, revogando o regime de exceção criado pelo Decreto-Lei n.º 39/2016,

de 28 de Julho, e estabelecendo limites remuneratórios (CDS-PP).

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pode haver várias e legítimas

razões para se alterar o Estatuto do Gestor Público, mas seguramente que a de criar um fato à medida, por

encomenda dos seus destinatários, não é uma delas.

Foi isso mesmo que o atual Governo fez, e fê-lo com manifesta incompetência, aprovando um diploma ferido

de inconstitucionalidade para, de seguida, se desmultiplicar num perfeito rol de indignidades.

À vez, todos no Governo procuraram pôr-se de fora e fugir às suas próprias responsabilidades. O Ministro

das Finanças apressou-se a rasgar os compromissos que firmara, e em nome dos quais avançou com a

alteração da lei, para em 48 horas vir dar o dito por não dito, virando as costas àqueles com quem se

comprometera.

O Primeiro-Ministro, assim que viu o caso mal parado, em vez de se comportar como Chefe do Governo,

tratou de se fingir enganado. Enganado num processo que ele próprio politicamente conduzira junto do

Presidente da República.

O Conselho de Ministros — a cereja no topo do bolo — assumiu-se como uma reunião de curiosos que não

sabiam bem, ou não eram capazes de perceber, as implicações daquilo que aprovam.

Seria trágico, Srs. Deputados, se acreditássemos nesta cínica pantomina montada pelo Governo que temos.

Mas também não é mais consolador o triste espetáculo de absoluta falta de ética e de desrespeito pelos mais

elementares valores da verdade e da decência na governação.

Nada me move, nem em defesa nem contra os atuais ou demissionários administradores da Caixa Geral de

Depósitos. Muito menos tenho qualquer simpatia pelas condições inaceitáveis que inicialmente concertaram

com quem os convidou e aliciou.

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O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Mas acho inqualificável que o Governo, só para salvar a sua pele,

os tenha feito passar por maus da fita e tratado como joguetes descartáveis de uma operação que ele próprio

encenou e montou.

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — É muito feio atirar a pedra e esconder a mão.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Foi o que o Governo fez, ao mais alto nível, reiterada e

conscientemente.

Aplausos do PSD.

Sr.as e Srs. Deputados, se estamos, e está o País, perfeitamente elucidados quanto ao juízo político a retirar

deste processo inenarrável, a verdade é que temos ainda uma borrada jurídica para resolver.

O diploma aprovado pelo Governo, embora inconstitucional, está em vigor e assim será, ou até ser declarado

inconstitucional, ou até que esta Assembleia o altere, repondo o respeito pelos princípios constitucionais que

regem a ordem jurídica.

De facto, a nossa Constituição estatui uma hierarquia nas leis. Hierarquia que obriga os diplomas a

subordinarem-se ao estabelecido naqueles que desenvolvem as bases gerais dos respetivos regimes jurídicos.

Ora, o decreto-lei medida do Governo está em frontal e expressa violação da lei que aprova as bases gerais

do setor público empresarial.

Nesta estabelece-se o seguinte, e cito: «Só podem ser admitidos a prestar funções como titulares de órgãos

de administração de empresas públicas pessoas singulares com comprovada idoneidade, mérito, competência

(…) sendo-lhes aplicável o disposto no Estatuto do Gestor Público». Repito: só podem prestar funções como

titulares de órgãos de empresas públicas as pessoas a quem se aplique o Estatuto de Gestor Público. O que

faz o Governo? Trata de lhes desaplicar o Estatuto de Gestor Público por decreto-lei, ao arrepio dos mais básicos

princípios constitucionais.

Perante isto, de duas, uma: ou cruzamos os braços e demitimo-nos das nossas responsabilidades fingindo

que não percebemos esta violação grosseira da lei de bases, lei de bases que é de reserva de competência

legislativa desta Assembleia…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — … e ficamos à espera que o Tribunal Constitucional intervenha ou,

então, emendamos esta trapalhada, como é nossa obrigação, salvaguardando o interesse público que, neste

processo, desde o princípio deveria ter prevalecido.

Nesta bancada, não temos por hábito fugir às responsabilidades e, por isso, agendámos este debate.

Reportando-me ao conteúdo dos projetos, recordo que os mesmos foram apresentados pelo PSD no final de

outubro, antes da discussão que travámos em sede do Orçamento do Estado.

Cabe, por isso, referir que, embora não concedendo, não ignoramos as posições defendidas pelas outras

bancadas nessa discussão.

Limitarmo-nos agora a insistir nas soluções que a maioria já mostrou querer rejeitar, seria cinicamente criar

as condições para que nada se faça ou, pelo menos, dar todos os pretextos para que assim fosse. Quem isso

desejar, deve assumi-lo sem falsos pretextos.

Pela nossa parte, aqui formalmente expresso a abertura desta bancada para fazermos evoluir a legislação

ao encontro de soluções que possam colher, em trabalho de especialidade na Comissão, consensos alargados.

Soluções novas, se necessárias para esses consensos, mas soluções que respeitem o princípio de que as

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empresas do Estado, por respeito para com o dinheiro dos contribuintes que as suporta, devem ser exemplo de

contenção e, quando operem em mercado concorrencial, devem situar o seu estatuto remuneratório num valor

inferior ao da média dos praticados nas empresas privadas do mesmo setor.

Estou a referir-me à questão, ainda controversa, que é a do estatuto remuneratório, naturalmente que sem

menosprezo pelas outras importantes propostas sobre a igualdade de género, a limitação do número de gestores

ou as regras da publicitação que favoreçam a transparência e que me parecem consensuais.

Quanto ao diploma sobre os deveres declarativos, refira-se que, a ser reposta a normalidade constitucional

de aplicação do Estatuto do Gestor Público na banca pública, a sua aprovação tornar-se-ia inútil.

Mas se assim não for, a sua aprovação é estritamente necessária para consolidar em lei permanente aquilo

que só vigorará para 2017, de acordo com o princípio da anualidade das normas orçamentais.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, num processo tão mal tratado e gerido pelo Governo, tem agora o

Parlamento a oportunidade, e o dever, de fazer as correções que se impõem, com serenidade e com

responsabilidade.

É esse o desafio que temos à nossa frente!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar os projetos de lei do CDS-PP, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS apresenta hoje dois

projetos de lei que, não sendo inéditos, são, nas soluções que apresentam, originais, equilibrados, sensatos e

que tentam encontrar um ponto que pode ser de concórdia para, de uma vez para sempre, resolvermos parte,

pelo menos, da grande trapalhada em que o Governo, infelizmente, transformou a Caixa Geral de Depósitos.

Não querendo fazer deste debate o Canal História mas porque importa perceber aquilo que originou o

problema para se saber como é que ele se resolve, gostaria de dizer que tudo isto começou quando o Governo

resolveu criar um estatuto completamente de exceção, tirando a Caixa Geral de Depósitos e a sua regulação do

âmbito do Estatuto do Gestor Público.

Poder-se-á dizer que a Caixa Geral de Depósitos é diferente das outras empresas públicas. É verdade que

as empresas públicas são muito diferentes entre elas e por isso é que o próprio Estatuto do Gestor Público

previa essa situação. Se os senhores entendem que o Estatuto do Gestor Público deve ser mudado, então

apresentem as vossas propostas e vamos discuti-las. Contudo, criar um regime de exceção que não vale

rigorosamente nada a não ser a vontade política do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Ministro das Finanças — que

ainda para mais, ao que parece, em relação a este dossier, têm tendência para mudar mensalmente — é que

francamente não me parece solução para este problema.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Aquilo que o CDS propõe é muito claro.

Quanto ao primeiro projeto de lei, que diz respeito à transparência, acabamos com a regra da exceção para

a administração da Caixa Geral de Depósitos e criamos uma regra bastante mais clara, que se aplica não aos

gestores da Caixa mas a todos os gestores públicos, porque achamos que, em matéria de transparência e de

declaração de entrega de património, as regras têm de ser iguais para todos.

Em relação à questão salarial e respetivos limites, a postura do CDS tem sido muito clara: não fechamos

portas, não inviabilizamos propostas, tentamos criar pontes. Temos a nossa proposta, a qual tem um teto e,

mais, assume que, por exemplo, em momentos em que não cumprimos regras internacionais sobre dívida

pública ou em que temos ainda congelamento salarial da função pública, essas regras têm que ser

particularmente apertadas e esses limites têm que ser particularmente exigentes.

Mais uma vez digo que, nesta matéria, somos muito claros: temos a nossa proposta e o nosso caminho, mas

não fechamos portas, nem invalidamos outras alternativas.

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Mais: nunca fomos coniventes com o jogo de, pura e simplesmente, cada um dizer que prefere a sua proposta

mas inviabiliza todas as outras e, portanto, tudo fica na mesma. Ao contrário de vários outros partidos, o CDS

não foi conivente com esse jogo, e tem muito orgulho nisso.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — A terminar esta apresentação direi o seguinte: os problemas da Caixa,

infelizmente, vão muito para além daqueles problemas que hoje aqui discutimos. No entanto, podíamos dar um

passo e ter um momento importante para os resolver, porque, de facto, Sr.as e Srs. Deputados, nunca, mas

mesmo nunca, nenhum Governo fez tão mal à Caixa Geral de Depósitos em tão pouco tempo. Aliás, com todo

o tempo não me consigo lembrar de um Governo que tenha feito tão mal à Caixa!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — A Caixa foi transformada por este Governo num fenómeno de

notoriedade no pior sentido e no centro de um vendaval de boatos.

Ainda ontem, o Sr. Primeiro-Ministro não conseguiu encontrar nada melhor para dizer a não ser acusar a

Caixa de ter maquilhado as contas para facilitar a saída limpa.

Pois bem, o CDS disse na Comissão de Inquérito e diz hoje ao Sr. Primeiro-Ministro: faça favor de apresentar

os documentos que comprovam a maquilhagem das contas e a sua relação com a saída limpa.

Aplausos do CDS-PP.

Já que criticam tanto a saída limpa, façam também o favor de dizer qual é a alternativa que teriam preferido.

Eu oiço muitas críticas, mas a única alternativa que vejo do lado do PS, aparentemente, é a troica, e essa,

certamente, Srs. Deputados, não quereremos de volta!

Esta é uma boa oportunidade para que tudo não fique na mesma. Esperemos que os outros partidos possam

pensar assim também.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trigo

Pereira.

O Sr. Paulo Trigo Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PS e os partidos à sua esquerda,

que apoiam esta solução governativa, têm estado a trabalhar para uma Caixa pública, uma Caixa que contribua

para a estabilidade do sistema financeiro, uma Caixa que apoie a economia, as empresas e as famílias e uma

Caixa que seja rentável. Isto porque uma Caixa rentável dá dividendos aos cidadãos, que são contribuintes, e

que assim ajudarão a pagar o investimento que, neste momento, estamos a fazer pela Caixa.

Este é o nosso projeto, é um projeto relativamente ao qual o PSD e o CDS — mais o PSD do que o CDS,

diga-se em abono da verdade, por razões que se poderão concretizar —, têm estado num processo de

arremesso político em relação a tudo o que podem encontrar para atrasar, prejudicar e tentar inviabilizá-lo. Aliás,

foi aqui referido pelo Deputado Marques Guedes, com alguma imprecisão… É que, relativamente aos projetos

de lei que estão hoje a ser apreciados, um deles foi apresentado em 2 de novembro e deu entrada a 4 de

novembro. Portanto, o PSD está a atacar, digamos assim, com todas as armas que tem.

O PSD apresentou, em sede de Orçamento do Estado, uma proposta — que, infelizmente, foi aprovada —

ipsis verbis à norma que está hoje a apresentar. O PSD apresentou uma proposta no debate do Orçamento do

Estado e, hoje, traz mais duas e uma série de questões, mas não tenho tempo de as indicar.

O vosso projeto é completamente contraditório, e já vou explicar porquê. Vamos por partes.

Quais são as contradições insanáveis do PSD? Primeiro, a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. O

vosso Deputado Pedro Passos Coelho e ex-Primeiro-Ministro dizia, em 2015, que a Caixa necessitava de uma

recapitalização de cerca de 2500 milhões de euros. Sabem o que é que os senhores votaram — e refiro-me

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exclusivamente ao PSD, porque o CDS não votou contra esta proposta neste Orçamento do Estado? Eu digo:

na nossa proposta, apresentámos uma recapitalização até 2700 milhões de euros — «até» significa entre 0 e

2700 milhões de euros — e os senhores votaram contra. Então, expliquem, se faz favor, a esta Casa e ao País

por que é que o PSD se opõe a qualquer recapitalização da Caixa.

Aplausos do PS.

A segunda contradição insanável do PSD tem a ver com a questão do escrutínio da Caixa Geral de Depósitos.

O PSD apresenta dois diplomas a sugerir que a Caixa deve apresentar relatórios trimestrais, que deve colocá-

los na Internet, a sugerir uma série de questões sobre a informação da Caixa. Parece que o PSD, ou algum

PSD, acha que a Caixa não é suficientemente escrutinada!

Mas, hoje, deparámo-nos, e ficámos surpresos, por vir a ex-Ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque

dizer, na sequência do relatório de auditoria do Tribunal de Contas, relatório, esse, que diz coisas muito

interessantes, designadamente que, precisamente no período 2003-2015, há uma falta de controlo pelo Estado

da Caixa Geral de Depósitos, após a recapitalização feita de 1650 milhões de euros…

Srs. Deputados, o último relatório com análise individualizada da Caixa Geral de Depósitos é de 2013. Os

últimos relatórios trimestrais de auditoria à Caixa Geral de Depósitos de 2015 não estavam na Internet, foram

colocados lá por este Governo, já em 2016.

Então, em que ficamos, Srs. Deputados? Qual é o PSD que vale? Aquele que apresentou hoje aqui duas

propostas a pedir mais transparência ou as palavras da Deputada Maria Luís Albuquerque, que diz: «Não

senhora, a Caixa já é escrutinada pelo Banco de Portugal…» — e é! — «… e pelo Banco Central Europeu» —

e é. Em que ficamos, afinal?

Protestos do PSD.

Mas há mais, Srs. Deputados.

Os senhores apresentam dois projetos que são contraditórios entre si: um projeto diz que o Estatuto do

Gestor Público se aplica na integralidade aos gestores da Caixa Geral de Depósitos e o outro diz que só se

aplicam alguns artigos.

Sabem qual é a diferença? Para que o País saiba, a diferença é esta: por exemplo, no artigo 25.º, que os

senhores acham que se deve aplicar, os gestores podem ser demitidos só com fundamentação; na totalidade

do Estatuto do Gestor Público, os gestores da Caixa podem ser demitidos quer com fundamentação, quer por

mera conveniência. Em que ficamos, Srs. Deputados? É com fundamentação ou é com fundamentação e mera

conveniência? É contraditório, Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.

E há mais, Srs. Deputados.

As contradições insanáveis também têm a ver com a questão das remunerações, questão que o CDS agora

traz a debate. Não tenho tempo para escalpelizar a proposta do CDS, mas gostava de perguntar o seguinte: os

senhores sabem qual era o salário base do Dr. Fernando Pinto, na TAP, quando os senhores estavam no

governo e quando a TAP era empresa pública e dava prejuízos? Sabem qual era? Ora vejam e comparem:

exatamente o mesmo salário que foi atribuído agora ao gestor da Caixa Geral de Depósitos. Nessa altura não

se preocupavam com os vencimentos e agora preocupam-se? Isto aplica-se ao PSD e ao CDS.

Aplausos do PS.

Como é? Dois pesos e duas medidas? É porque agora se trata da Caixa Geral de Depósitos e, pelos vistos,

querem criar um problema ao Governo, ao Ministro das Finanças e ao País? Os senhores não estão a criar um

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problema ao Governo e a esta maioria; os senhores estão a criar um problema sério — e nós vamos fazer tudo

para que não seja bem sucedido — à Caixa Geral de Depósitos, ao País e aos contribuintes portugueses!

Queremos uma Caixa Geral de Depósitos que dê lucros e dividendos e para isso precisamos de uma

recapitalização não pelos mínimos, mas para aquilo que é necessário para a Caixa. É por isso que estamos a

fazer todo este processo. Os senhores estão a arranjar seja que pretexto for, repito, seja que pretexto for, para

inviabilizarem o processo de recapitalização da Caixa. Mas não vão ter sucesso! Não vão ter sucesso, a bem

dos portugueses e a bem do País!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel

Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda antes de me debruçar sobre o projeto

de lei do PSD e sem estar aqui a tentar esconder os atuais problemas da Caixa — em boa parte também

provocados pelo constante bombardeamento e o constante enlamear que o PSD tem vindo a fazer —, gostaria

de dizer à Sr.ª Deputada Cecília Meireles…

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Ora diga lá!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … que me lembro de um Governo que prejudicou mais a Caixa do que o atual,

que foi o anterior Governo. Lembro-me, assim de repente, de o anterior Governo ter cobrado em dois anos 82

milhões de euros à Caixa pelo capital contingente que deveria ter sido injetado sob a forma de capital e que

injetou sob a forma de CoCo para descapitalizar a Caixa, a pretexto de uma capitalização.

Aplausos do PCP.

Olhe, Sr.ª Deputada, esses 80 milhões de euros que extorquiram à Caixa Geral de Depósitos a pretexto de

uma suposta capitalização dariam para pagar 200 anos de salários, que agora tantos vos escandalizam!

Aplausos do PCP.

Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.

Sr.ª Deputada Cecília Meireles, Srs. Deputados do PSD, o vosso problema não são os salários, nem a falta

de transparência; o vosso problema é a missão da atual administração. Enquanto testemunharam um secretário

de Estado do vosso Governo a sair para o Banco de Portugal para ir ganhar 30 000 € por mês para vender o

Novo Banco, como era para alienar, privatizar, dar cabo de mais um banco e entregá-lo ao grande capital, isso

mereceu todo o dinheiro, todo o salário, e que mais houvesse. Para gerir um banco público, para capitalizá-lo,

para o tornar robusto e o colocar ao serviço das populações e da economia nacional, 30 000 € por mês é um

exagero. E, Srs. Deputados, o PCP está à vontade porque acha que quer num caso, quer noutro é um exagero.

Aplausos do PCP.

Entendemos propor a esta Assembleia da República, por mais do que uma vez, que esse problema fosse

resolvido. Já na presente Legislatura, o PCP voltou a apresentar uma solução que tinha apresentado no

passado, e os Srs. Deputados conhecem-na porque votaram contra. E o resto é conversa.

Portanto, sobre limites aos salários, o PSD pode fazer trinta por uma linha. Pode fingir que pretende impor

limites aos salários dos gestores de empresas do setor empresarial do Estado, mas, quando olhamos para a

proposta do PSD, verificamos que, na verdade, o que ela defende é a recuperação do que já está na lei e o

limite que já está previsto na lei é o vencimento da média dos últimos três anos do indivíduo. Ora, isso não é

limite nenhum ou é tão válido como o limite atual, que é a mediana do setor.

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Portanto, Sr. Deputado, esses são artifícios que, na verdade, não correspondem a limitação nenhuma.

É mais ou menos o caso do CDS. O CDS propõe que o vencimento do gestor tenha por limite o salário do

Primeiro-Ministro, mas pode haver um prémio de desempenho que pode ir até à média dos últimos três anos do

vencimento. Neste caso, nem se trata de um artifício, é mesmo uma descarada falta de vergonha!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Essa é boa!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Srs. Deputados, o PSD também não quer transparência e a prova disso não é

só o seu comportamento no passado, não é só o facto de estarmos agora confrontados com um relatório do

Tribunal de Contas, que nos diz que o PSD não pediu contas aos gestores das empresas do setor empresarial

do Estado durante uma boa parte do seu mandato. Ou seja, confiava-lhes as empresas, deixava aquilo em roda-

viva, tinha mais ou menos o mesmo comportamento que teve com o BANIF: emprestou-lhes 1100 milhões de

euros e disse para fazerem o que entendessem. E, depois, os portugueses tiveram de pagar os custos dessas

opções! Portanto, o PSD também não quer transparência.

Daqui resulta muito claro que o PSD tem dois objetivos com esta campanha de achincalhamento e de

enlamear a Caixa Geral de Depósitos. Um deles é utilizar a Caixa como arma de arremesso político, porque,

para vós, a Caixa deve ser tão pouco importante que até para isso serve. O outro objetivo e o mais fundo, o

mais programático, o mais estratégico, aquele de que o PSD não abdica e que o CDS esconde mas, na verdade,

defende, é a privatização da Caixa Geral de Depósitos.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Essa agora!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Tenha vergonha. Não seja mentiroso! Isso é falso! Seja honesto e não

diga mentiras!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Mentiras?! Os atos valem mais do que as palavras! Honesto, o CDS?!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Se calhar, vou aprender convosco para o Campo Pequeno!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, agradecia que deixassem criar as condições

para que a próxima oradora, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, possa usar da palavra.

Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD teve oportunidade de limitar

o salário dos gestores públicos, pelo menos, três vezes nos últimos dois meses.

Aquando da apreciação parlamentar, o PCP propôs a limitação do salário dos gestores públicos e o PSD

votou contra. Estava lá, na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa.

No Orçamento do Estado, o Bloco de Esquerda propôs a limitação dos salários dos gestores públicos e o

PSD inviabilizou essa proposta.

Está em apreciação na especialidade um projeto do Bloco de Esquerda para limitar os salários dos gestores

públicos, mas, infelizmente, o PSD parece não ter nenhum interesse nesse processo que, neste momento, corre

na especialidade e que pode alterar as regras dos gestores públicos.

Portanto, Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda é hoje, como foi no passado, contra salários milionários na

Caixa ou fora dela, mas já o PSD, por três vezes, poderia ter limitado os salários dos gestores públicos e por

três vezes recusou essa oportunidade.

Por isso, podemos perguntar: o que é que o PSD vem aqui propor? Não foi ao abrigo da lei que agora o PSD

propõe que o Governo de Pedro Passos Coelho pagou 423 000 € por ano a Fernando Pinto, que geria a TAP?

Foi ou não essa lei que agora vem propor que permitiu esse salário a Fernando Pinto, na TAP? Alguém viu, na

altura, algum Deputado do PSD indignado com os mais de 400 000 € que o gestor de uma empresa, que dava

prejuízo, estava a receber? Alguém, na altura, ouviu algum Deputado do PSD levantar a voz quando Sérgio

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Monteiro foi para o Banco de Portugal receber 30 000 € por mês, 400 000 € por ano, para vender o Novo Banco?

Algum Deputado do PSD se lembrou de questionar o conflito de interesses na contratação de um quadro

dirigente da Caixa, que é Sérgio Monteiro, para vender um banco concorrente, que é o Novo Banco? Nunca!

Nunca ouvimos uma palavra do PSD sobre esta matéria!

Por isso, é ou não legítimo perguntar por que é que aqueles que nunca se preocuparam, no passado, com a

limitação de salários se mobilizam agora como se fosse o combate das suas vidas?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — E por que é que aqueles que se preocuparam deixaram de se preocupar?!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É ou não legítimo perguntar por que é que aqueles que decidiram o salário

de Fernando Pinto e aqueles que protegeram Sérgio Monteiro se dizem agora indignados com um salário da

Caixa Geral de Depósitos?

Srs. Deputados, é também legítimo responder que é oportunismo político. É oportunismo político puro e duro.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — O vosso!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É oportunismo político, sem olhar a meios e sem olhar a consequências.

E as consequências são, sim, a fragilização, em público, da Caixa Geral de Depósitos.

Por isso, o que está em cima da mesa não é sequer a limitação de salários, nem a recapitalização da Caixa.

O que está em cima da mesa é a desorientação política do PSD, porque o que o PSD espera, com muita força

— tem muita esperança —, é que, se fizer muito barulho sobre todos os casos da Caixa Geral de Depósitos,

ninguém perceba que, durante três meses, não teve uma visão alternativa para o Orçamento do Estado, que,

durante três meses, não teve uma visão alternativa para o País e que nem tem uma visão alternativa para o

futuro do banco público, do maior banco português, que é a Caixa Geral de Depósitos.

Aplausos do BE.

O PSD espera, com muita força, que, se não falar de mais nada a não ser dos casos da Caixa, ninguém

perceba que não há estratégia política no PSD.

Srs. Deputados, não contem com o Bloco de Esquerda para este exercício.

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Pois, pois!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — O PSD terá de assumir a sua desorientação política, sozinho, sem auxílio

de qualquer outro partido.

Mas o País pode contar com o Bloco de Esquerda para um debate maior, muito mais importante, que é o de

saber qual é o papel do banco público, que é um banco sólido e que deve ser uma garantia de apoio à economia,

ao emprego e à estabilidade do sistema financeiro português.

Porque estamos preocupados com o banco público, preocupa-nos que o Tribunal de Contas tenha vindo

alertar para a falta de controlo, no passado, sobre o funcionamento da Caixa, quando o PSD e o CDS estavam

no Governo e tinham a tutela da Caixa. Tal como nos preocupa agora que o atual plano de reestruturação não

tenha sido alvo de debate sereno e responsável, como merecia o maior banco português.

Deve a Caixa mimetizar o setor privado ou deve ser um elemento disciplinador do mercado? Deve a Caixa

reduzir balcões ou, pelo contrário, contribuir para a coesão territorial e para o acesso aos serviços bancários?

Deve a Caixa privilegiar o crédito à habitação ou o crédito a empresas? Que setores deve a Caixa privilegiar?

Deve a Caixa ter uma política decente de renegociação de dívida de famílias sobreendividadas ou deve ser mais

um fator de empobrecimento? Que papel deve ter a Caixa nas comunidades portuguesas? Deve a Caixa apoiar

a internacionalização de empresas ou, pelo contrário, deve focar-se na atividade nacional?

Todas estas são perguntas importantíssimas sobre o futuro da Caixa e que merecem um debate muito sério

na Assembleia da República.

Srs. Deputados, a privatização do setor financeiro em Portugal fez-nos perder todo o controlo sobre o

funcionamento e o desígnio da banca. A Caixa é o que nos resta. A Caixa é o banco que nos resta, é um banco

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sólido e merece que este debate seja feito com serenidade e com responsabilidade. É lamentável que o PSD,

ao longo de todo este processo, tenha vindo a contribuir para fazer o contrário.

Aplausos do BE.

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Lamentável é mudarem de posição, por conveniência!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís

Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Creio que já todos

percebemos que esta súbita e repentina preocupação, por parte do PSD e do CDS, relativamente aos gestores

públicos é, no mínimo, muito duvidosa. Até diria que não é necessário ser o nobel do «adivinhanço» para

perceber as reais intenções do PSD e do CDS nesta matéria — mais do PSD do que do CDS, é verdade.

Percebe-se bem que o que se pretende nada tem a ver com a defesa ou a afirmação do interesse público ao

nível do Estatuto dos Gestores Públicos. Não tem nada a ver com os vencimentos, nem com a transparência.

O que se pretende é fazer render o peixe. O que o PSD pretende é continuar a dar corda à novela Caixa

Geral de Depósitos, que inventaram.

Protestos do PSD.

Enquanto discutíamos o Orçamento do Estado, houve até momentos em que o PSD discutia a Caixa Geral

de Depósitos. Houve até momentos em que se pensou que aquilo que estava em discussão não era o

Orçamento do Estado para 2017, mas, sim, o Orçamento do Estado da Caixa Geral de Depósitos.

Bem sabemos o que pensa o PSD sobre a recapitalização da Caixa e os esforços que tem vindo a fazer para

fragilizar o processo de recapitalização e para fragilizar a própria Caixa Geral de Depósitos. E bem sabemos

também a «simpatia» com que o PSD olha para a natureza pública da Caixa Geral de Depósitos — e este é que

é o problema. Nós sabemos isso tudo.

Também sabemos por que chamamos de «repentina e súbita» a preocupação, sobretudo do PSD, em

matéria de gestores públicos. Exemplos não faltam.

Ao nível dos vencimentos, já foi aqui falado, por várias vezes, o caso do ex-Secretário de Estado do Governo

PSD/CDS, Sérgio Monteiro, no Novo Banco.

E também poderíamos falar dos vencimentos dos administradores da Autoridade Nacional da Aviação Civil

(ANAC), que, de um dia para o outro, triplicaram os seus salários e, ainda por cima, com efeitos retroativos, algo

que ainda estamos para compreender. E, agora, podem dizer-nos: «Sim, mas isso foi a comissão de

vencimentos». É verdade. Mas também é verdade que, dessa comissão de vencimentos, constituída por três

membros, dois deles foram indicados pelo Governo PSD/CDS, a saber, um, pelo Ministro das Finanças e, outro,

pelo Ministro da Economia.

Portanto, creio que fica clara a dimensão da responsabilidade do Governo PSD/CDS neste aumento salarial,

absolutamente imoral, dos administradores da ANAC, que ainda tem uma outra nuance, já que se fala também

de transparência, que é outra preocupação do PSD e do CDS ao nível da transparência dos gestores públicos.

É que, hoje, estão muito preocupados com a transparência, mas a verdade é que nomearam gestores públicos,

pelo menos para autoridades administrativas independentes, com o parecer negativo da CRESAP (Comissão

de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública).

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É mentira!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — É verdade, Sr. Deputado Hélder Amaral! Sabe muito bem, porque

até foi lá reunir com eles!

E, num caso, foi nomeada uma administradora pelo Governo PSD/CDS sem essa nomeação ter passado

pela Assembleia da República.

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Não foi!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Deputado, se calhar, ela esteve a tomar um cafezinho consigo,

mas à Comissão não foi. Aliás, nós ainda estamos para ver os custos que isto vai trazer.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, terminou o seu tempo. Agradecia que concluísse.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Portanto, Sr. Deputado Hélder Amaral, como o senhor foi o único que esteve com essa administradora, tenho

de felicitá-lo por isso.

Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.

Sr.ª Deputada Cecília Meireles, tanta indignação?!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Agradecia que terminasse, Sr. Deputado,

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Remato já, porque a Sr.ª Deputada está muito indignada.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Pois estou!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Termino dizendo que Os Verdes não vão dar para este peditório.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília

Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, é só para, brevemente, numa questão pontual mas

essencial, repor a verdade.

O CDS nunca defendeu a privatização da Caixa Geral de Depósitos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — O CDS sempre defendeu a Caixa Geral de Depósitos como banco

público…

O Sr. MiguelTiago (PCP): — Blá-blá-blá!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … e banco de fomento para pequenas e médias empresas.

Aplausos do CDS-PP.

E o CDS nunca — jamais! — fez parte de um governo em cujo programa estivesse inscrita a privatização da

Caixa, nem esse assunto lhe foi indiferente, nem olhou para o lado. E tanto assim é que o CDS, de facto, não

fez parte de um governo que tenha privatizado a Caixa.

Percebo que os senhores queiram agitar fantasmas e que queiram fazer política a atirar para os outros

intenções que nunca existiram, porque é confortável. É, sem dúvida, mais confortável do que, por exemplo,

explicarem como é que estiveram o tempo inteiro a acusar o anterior Governo de ter querido privatizar a Caixa

e estarem hoje a defender a administração da Caixa presidida precisamente por um ex-Ministro do anterior

Governo — isto não deixa de ser um pouco estranho para quem faz processos de intenção. E trata-se de pessoa

que respeito. Aliás, o que está aqui em causa não são pessoas, mas essa situação deve ser muito desconfortável

para quem aí está.

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trigo

Pereira.

O Sr. Paulo Trigo Pereira (PS): — Sr. Presidente, quero apenas deixar alguns apontamentos breves.

Sr.ª Deputada Cecília Meireles, é, de facto, uma realidade que o PSD não aprovou a privatização da Caixa

Geral de Depósitos, mas isso não chega. É preciso viabilizar o projeto de recapitalização pública da Caixa Geral

de Depósitos. É que se nós não conseguimos viabilizar um projeto de recapitalização pública da Caixa Geral de

Depósitos, é o mesmo que apoiar implicitamente a privatização.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Não sei se o PSD mudou de opinião ou não. O PSD defendia a privatização, não sei se hoje defende ou não.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Se não sabe, aprenda!

O Sr. Paulo Trigo Pereira (PS): — Mas objetivamente o comportamento do PSD, hoje, é no sentido de

inviabilizar o projeto de recapitalização pública da Caixa Geral de Depósitos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pediu a palavra para

intervir, mas devo esclarecê-lo que esta não é ainda a intervenção de encerramento do debate. Portanto, o Sr.

Deputado pode intervir agora, mas informo-o de que ainda há outros Deputados inscritos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Então, usarei da palavra mais tarde, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito bem, Sr. Deputado.

Tem, então, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Vai pedir desculpa!

O Sr. MiguelTiago (PCP): — Sr. Presidente, os Srs. Deputados do CDS fazem questão de dizer que nunca

defenderam a privatização da Caixa Geral de Depósitos.

Vozes do CDS-PP: — E é verdade!

O Sr. MiguelTiago (PCP): — Na verdade, nunca o disseram abertamente, mas também já estamos muito

habituados a que os partidos nas eleições nunca digam ao que é que vão — aliás, o CDS é muito conhecido

por isso.

Protestos do CDS-PP.

Lembramo-nos bem, Srs. Deputados, de o CDS participar num Governo com o PSD, em que o Primeiro-

Ministro, do PSD, dizia que queria privatizar a Caixa Geral de Depósitos.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não, não dizia!

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O Sr. MiguelTiago (PCP): — E não nos lembramos de o CDS fazer qualquer espécie de reclamação, nem

sequer de invocar linhas vermelhas nessa altura — se bem que as linhas vermelhas para o CDS também não

tenham um valor muito grande.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não sabe do que está a falar!

O Sr. MiguelTiago (PCP): — Srs. Deputados, a verdade, que vale mais do que as palavras do CDS, que

também não valem grande coisa,…

Protestos do CDS-PP.

… é aquilo que fizeram e a forma que utilizaram para capitalizar a Caixa. Se olharmos para o passado, para

2012, verificamos que PSD e CDS, a pretexto de uma capitalização, fizeram tudo para fragilizar a Caixa e, ao

invés de injetarem capital, emprestaram dinheiro cobrando juros altíssimos, que prejudicaram a Caixa e que

pesam hoje na Caixa. De facto, cobraram mais de 80 milhões de euros de juros à Caixa para injetar capital

através de capital contingente, os chamados «CoCo». Essa opção, correspondente, ao mesmo tempo, à

apresentação de um plano de reestruturação, do qual não consta que o CDS se tenha demarcado e que não foi

cumprido, é a base e a origem dos problemas que a Caixa hoje atravessa. PSD e CDS, na altura, tinham a

obrigação de capitalizar a Caixa. Apresentaram um plano de reestruturação e não o cumpriram. E o capital que

injetaram foi sob a forma de empréstimo que, ainda hoje, pesa nas contas da Caixa.

Sobre isso, Srs. Deputados, a realidade demonstra bem que a opção do vosso Governo não era fortalecer a

Caixa. Bem pelo contrário, era criar todas as condições, até através da capitalização — aliás, através de capital

isolado e facilmente isolável para ser alienado —, para privatizar a Caixa.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, esgotou o seu tempo. Agradecia que terminasse.

O Sr. MiguelTiago (PCP): — Essa realidade é iniludível.

Aproveito apenas para relembrar que esta Assembleia terá certamente outras oportunidades para limitar os

salários dos gestores públicos — e não só os da Caixa, mas de todos os gestores públicos — e, nessa altura,

contamos que estes rasgos de preocupação com a transparência e com a disciplina das contas públicas que o

PSD já manifesta venham a manifestar-se com mais intensidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada

Mariana Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, quanto aos salários dos gestores públicos, penso que ficou

muito claro qual é a verdadeira intenção do PSD: não é a de limitar salários, é a de aproveitar casos para, como

consequência, colocar problemas à recapitalização da Caixa.

Quanto ao projeto da transparência, Srs. Deputados, parece-me que o projeto tem dois problemas de maior.

Em primeiro lugar, um problema de oportunidade, porque o PSD com este projeto de lei vem dizer que há

problemas de transparência na Caixa, mas, hoje, à imprensa, o PSD, ao comentar o relatório do Tribunal de

Contas, disse que não havia problemas de transparência na Caixa. Portanto, ficamos sem perceber se há ou

não problemas de transparência na Caixa, ou se só há problemas de transparência quando o PSD sai do

Governo e quando está no Governo não há problemas de transparência. Mas esse é um conflito que

resolveremos mais à frente.

O segundo problema deste projeto de lei é que ele está mal feito. De facto, é um mau projeto. O PSD está a

colocar à votação um artigo que foi, na íntegra, aprovado há uma semana, nesta Casa, no âmbito do Orçamento

do Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não! Há um ano! Não sabe disso?!

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A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Portanto, estar a colocar à votação um artigo que já foi votado e aprovado

não nos parece, por si só, uma boa técnica legislativa.

Por outro lado, o projeto é mau porque está a fazer exatamente aquilo que o PSD critica que os outros façam,

que é estar a fazer um projeto à medida da administração da Caixa, colocando responsabilidades e imposições

aos administradores da Caixa que não coloca a mais nenhum administrador do setor público empresarial. Ora,

também nos diz a experiência que legislar à medida de interesses momentâneos nunca foi muito boa prática

nem boa conselheira para que, depois, a legislação que produzimos seja aplicável genericamente a todo o setor

empresarial. E é isso que queremos: é que a Assembleia produza legislação séria, responsável e que se aplique

a todo o setor empresarial.

Em terceiro lugar, este projeto de lei cria, de forma apressada, um conjunto de obrigações que merecem, no

mínimo, ser debatidas, escrutinadas,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Com certeza!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — … num trabalho que o Parlamento já está a fazer e que deve ser

continuado.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, terminou o seu tempo.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Termino, Sr. Presidente.

Por isso, Srs. Deputados, porque pensamos que o trabalho legislativo deve ser levado muito a sério e que

este projeto tem muitas falhas, entendemos que este diploma deve — e é esse o desafio que fazemos ao PSD

—, como todos os outros que lidaram com transparência, descer, sem votação, à comissão que lida com as

questões da transparência, onde já estão várias dezenas de projetos do mesmo âmbito e onde podem ser

trabalhados e debatidos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado

João Galamba.

O Sr. João Galamba (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que dificulta aqui o nosso trabalho é

não percebermos verdadeiramente o que o PSD quer. Ou, melhor, percebemos o que quer. Sabemos que o que

o PSD defende não é aquilo em que acredita. É que, por exemplo, quanto aos salários, lembramo-nos não só

dos exemplos já aqui referidos mas também, e muito bem, da criação de um ministro offshore — portanto, a tal

transparência que tanto vos preocupa não vos preocupava no passado — que ganhava 25 000 €/mês e que

tinha como única incumbência tratar das privatizações, tendo até dado ordens telefónicas à Caixa para privatizar,

por exemplo, a Cimpor.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — É mentira!

O Sr. João Galamba (PS): — É verdade! António Nogueira Leite confirmou isto mesmo no Twitter. Pode

confirmar, pode verificar, é público!

Portanto, o PSD não se importa de pagar salários milionários. Mas só com uma condição: que sejam salários

de pessoas que estão a trabalhar para privatizar empresas públicas ou ministros offshore que estão a trabalhar

para assessorar o Governo nas privatizações.

Aplausos de Deputados do PS.

Mas se for para gerir, cuidar e administrar bens públicos e bancos públicos, o PSD já não gosta.

Portanto, Srs. Deputados do PSD, nós percebemos muito bem o que os senhores querem. Não querem o

que propõem, porque quando estavam no Governo fizeram o oposto. Aliás, talvez por esta razão, Maria Luís

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Albuquerque que, hoje, se manifestou contra os projetos de lei do PSD e do CDS hoje aqui em debate, pelas

suas declarações, estranhamente não está no Hemiciclo.

Portanto, a única coisa que o Partido Socialista pede aos Deputados do PSD é que sejam sérios e, se estão

mesmo empenhados em que a Caixa seja um banco público sólido, então, abandonem o terrorismo político a

que se dedicaram nos últimos tempos e empenhem-se na boa condução deste processo e na garantia de que

a Caixa será um banco público, sólido e recapitalizado.

Se é mesmo isto que querem, então, só vos pedimos algo muito simples: que os vossos atos correspondam

às vossas palavras. É que, até agora, temos visto o oposto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Cecília

Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, quero só fazer três observações muito breves.

Ouvimos aqui o PS dizer que o mais importante é a estabilidade do sistema financeiro. Cito, em resposta a

isto, o Sr. Primeiro-Ministro que, ontem, disse: «O que aconteceu seguramente no passado foi maquilhar uma

situação que permitisse anunciar uma saída limpa». Os senhores acham que isto é preservar a estabilidade do

sistema financeiro?!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. João Galamba (PS): — Isso é denunciar o que os senhores fizeram!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Em segundo lugar, dizem: «Tudo o que queremos é fazer a

recapitalização pública». Ó Srs. Deputados, façam! É que, até agora, tudo o que ouvi foi o Sr. Secretário de

Estado dizer: «Isto é muito, muito urgente!» E nós perguntamos: «Ó Sr. Secretário de Estado, se é muito urgente,

por que é que não fez?» Ao que ele respondeu: «Urgente não quer dizer já».

E eu pergunto: mas urgente quer dizer o quê? Quer dizer daqui a meio ano?!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminou o tempo da sua intervenção, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Por último, queria só responder ao Sr. Deputado Miguel Tiago com

uma pergunta: quanto é que vão custar, em pagamento de juros a privados — não é ao erário público, é a

privados —, os 1000 milhões de euros de capitalização em obrigações que estão previstos no plano da Caixa?

Quanto é que vai custar, isso que o erário público e a Caixa vão pagar a privados?

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para encerrar este ponto da nossa ordem de trabalhos, tem a

palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Srs. Deputados da maioria, da

maioria social-comunista nesta Câmara, entretiveram-se, ao longo deste debate, com manobras de diversão.

Recusaram-se, não sei se por não quererem ou por não saberem, a discutir a questão de fundo que está aqui

perante nós, usando manobras de diversão e mentiras sucessivas, dentro daquela máxima, que os senhores

parecem professar, de que uma mentira muitas vezes repetida às tantas pode ser aceite pelas pessoas como

verdade.

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Muito bem!

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O Sr. Paulo Trigo Pereira (PS): — Diga uma! Diga só uma!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Saibam, Srs. Deputados, que, nesta Câmara, existe uma bancada

que não professa essa vossa doutrina, que é esta bancada, a do PSD.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Grande seriedade, essa!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Com um poucochinho de ética republicana, os senhores saberiam

que, num Estado de direito, há o império da lei. E a lei aprovada por este Governo é inconstitucional, é uma lei

que está em contradição frontal com a lei de bases.

O Sr. Paulo Trigo Pereira (PS): — As vossas leis são contraditórias entre si!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — O que consta do artigo 21.º do Regime Jurídico do Setor Público

Empresarial é o seguinte: «Só podem ser admitidos a prestar funções como titulares de órgãos de administração

de empresas públicas…» — e os senhores são os primeiros a defender que a Caixa é um banco público, é uma

empresa pública — «… pessoas singulares com comprovada idoneidade, mérito profissional (…), sendo-lhes

aplicável o disposto no Estatuto do Gestor Público (…).»

Portanto, os senhores querem enterrar a cabeça na areia pensando que, se não fizerem nada, o problema

se resolve por si.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Essa é a vossa velha máxima!

O Sr. João Galamba (PS): — Isso faziam vocês relativamente ao BANIF e à Caixa!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Pois, Srs. Deputados, com toda a lealdade, devo dizer-vos o seguinte:

se os senhores persistirem nessa atitude autista de enterrar a cabeça na areia,…

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É só «seriedade» e «bom gosto»!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — … o Partido Social Democrata vai suscitar a apreciação de

constitucionalidade do decreto-lei, do Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, terminámos a discussão conjunta, na

generalidade, dos projetos de lei n.os 341, 342, 351 e 352/XIII (2.ª).

Do quarto e último ponto da ordem de trabalhos consta a discussão, na generalidade, dos projetos de lei n.os

345/XIII (2.ª) — Promove a regulação urgente das responsabilidades parentais e a atribuição de alimentos em

situações de violência doméstica e de aplicação de medidas de coação ou de pena acessória que impliquem

afastamento entre progenitores (PS), 327/XIII (2.ª) — Procede à primeira alteração ao Regime Geral do

Processo Tutelar Cível (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, e à segunda alteração à Lei n.º 75/98,

de 19 de novembro) (BE), 350/XIII (2.ª) — Altera a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, alargando

o período de proteção até aos 25 anos (Terceira alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo,

aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis n.os 142/2015, de 8 de setembro, e 31/2003,

de 22 de agosto) (PCP) e 353/XIII (2.ª) — Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades

parentais em situações de violência doméstica (PAN), juntamente com o projeto de resolução n.º 558/XIII (2.ª)

— Recomenda ao Governo a avaliação do desempenho do apoio judiciário no âmbito dos crimes de violência

doméstica e regulação das responsabilidades parentais e que proceda à verificação da necessidade de criação

de uma equipa multidisciplinar que dê apoio ao sistema judiciário (PAN).

Para apresentar o projeto de lei do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elza Pais.

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A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos cinco anos, cerca de 350

crianças e jovens assistiram a situações de violência extrema entre os seus progenitores e mais de 170 ficaram

órfãs de mãe. Nos últimos 10 anos, cerca de 450 mulheres foram assassinadas e mais de 500 sofreram

tentativas de homicídio conjugal, dados da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta). Ou seja, em

média, é assassinada uma mulher em cada nove dias, muitas na presença dos seus filhos.

As crianças sofrem quando assistem a este tipo de violência e sofrem ainda mais quando são manipuladas,

o que lhes cria um forte receio de insegurança e prejudica o seu saudável desenvolvimento. Em algumas

circunstâncias, o exercício em comum das responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses

dos filhos e das filhas.

Os sucessivos Governos têm colocado o combate à violência doméstica e ao crime contra a

autodeterminação sexual como uma prioridade política: em 2000, determinou-se crime público; em 2007, definiu-

se um novo tipo legal de crime, alargando o conceito às relações homossexuais; em 2009, aprovou-se a lei da

violência doméstica, com recurso à vigilância eletrónica e à teleassistência para tornar mais eficaz o afastamento

dos agressores. Este tipo de crime passou a ser definido como urgente e a pena aplicável passou a ser agravada

pelo resultado, «(…) se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou

no domicílio da vítima (…)».

O Partido Socialista esteve sempre, sempre, na linha da frente destes combates. Em 2015, novos avanços

foram introduzidos, nomeadamente a comunicação entre o tribunal penal e o tribunal de família. Consideramos,

contudo, que esta comunicação se faz tardiamente e queremos que se faça de forma urgente e imediata para

melhor cumprir a Convenção de Istambul, que diz que um qualquer direito de visita ou um qualquer direito de

guarda não pode prejudicar os direitos e a segurança das vítimas e das crianças.

Queremos, assim, e sempre na defesa do superior interesse das crianças, que a regulação das

responsabilidades parentais e a atribuição de alimentos se faça de forma urgente pelo tribunal competente,

questão que não ficou resolvida nas alterações de 2015, como a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à

Vítima) e a Associação Portuguesa das Mulheres Juristas recorrentemente afirmam.

Este é um projeto de justiça, é um projeto para proteger as crianças, é um projeto para reforçar a comunicação

entre o tribunal penal e o tribunal de família. É um projeto para definir de forma urgente as responsabilidades

parentais, os direitos de guarda e de visita, de modo a que não prejudiquem os direitos e a segurança das

vítimas e das crianças. É um projeto para que melhor se explique em que situações o exercício em comum das

responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses dos filhos e das filhas. É um projeto para

que, através do estabelecimento de regras claras e atempadas, se possa reforçar a autonomia das vítimas para

poderem quebrar o ciclo infernal de violência que as pode levar à morte.

É, portanto, um projeto para proteger as crianças, autonomizar as vítimas, prevenir o homicídio conjugal e

salvar vidas.

Aplausos do PS e do Deputado do PAN, André Silva.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Sandra Cunha.

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de lei que o Bloco de

Esquerda aqui apresenta procura cumprir as obrigações internacionais assumidas por Portugal através da

ratificação da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres

e à Violência Doméstica, vulgo Convenção de Istambul, especificamente no que respeita a garantir a segurança

e a proteção das vítimas e das crianças em contextos de violência doméstica.

Sabemos que, apesar do esforço que Portugal tem registado na prevenção e no combate à violência

doméstica — e já aqui foi referido —, entre 2004 e 2015, foram assassinadas 428 mulheres, 497 mulheres foram

vítimas de tentativa de homicídio, centenas de crianças ficaram órfãs de uma ou das duas figuras parentais.

Sabemos, igualmente, que a violência doméstica se arrasta frequentemente por longos anos, mantendo um

clima de terror, violência e dominação que, muitas vezes, não diminui com a separação do casal, e disso são

prova os crimes cometidos tantas vezes no decorrer dos processos de regulação das responsabilidades

parentais.

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Com o objetivo de melhorar o regime jurídico atual, relativo ao exercício das responsabilidades parentais e à

atribuição de alimentos, e de assim promover uma maior proteção das vítimas de violência doméstica, o projeto

do Bloco de Esquerda introduz alterações ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível e à Lei n.º 75/98, de 19

de novembro, que estabelece os termos da garantia dos alimentos devidos a menores a cargo do Estado.

As orientações presentes no artigo 48.º da Convenção de Istambul vinculam os Estados Partes a tomar as

medidas legislativas necessárias à proibição de processos obrigatórios alternativos de resolução de disputas,

incluindo a mediação e a conciliação em relação a todas as formas de violência a coberto do âmbito da aplicação

da Convenção.

Visando o cumprimento destes preceitos, propõe-se que o recurso à audição técnica especializada e à

mediação familiar entre as partes não seja admitido, em duas situações concretas: nos casos de violência

doméstica, designadamente quando a algum dos progenitores for atribuído o Estatuto da Vítima, e nos casos

em que algum dos progenitores seja constituído arguido por crime contra a liberdade ou a autodeterminação

sexual do filho ou dos filhos. Colocar frente a frente agressor e vítima em situações em que uma das pessoas

exerceu, e muitas vezes ainda exerce, um forte ascendente de dominação e violência sobre a outra configura,

sem dúvida, outra modalidade de agressão e violência que não concorre nem para a solução consensual, nem

para o dever do Estado na proteção das vítimas e no respeito pelos seus direitos.

Propõe-se, ainda, a gravação das conferências de pais no âmbito dos processos de regulação do exercício

das responsabilidades parentais, assim como das conferências nos processos de atribuição de alimentos

devidos aos filhos, exatamente, aliás, como já é feito noutras situações.

Por fim, é proposta uma alteração à Lei n.º 75/98, por forma a garantir que os jovens até aos 25 anos que

prossigam os seus estudos ou a sua formação profissional não se vejam privados da pensão de alimentos que

lhes é devida quando esta é assegurada pelo Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a

Menores, equiparando-os, assim, aos jovens que recebem esta pensão diretamente dos progenitores. A

incapacidade dos progenitores de cumprir o pagamento da pensão de alimentos aos filhos não pode justificar a

desigualdade de direitos agora vigente entre aqueles que recebem a pensão diretamente dos progenitores e

aqueles que a recebem do Estado.

Estamos convictos de que as alterações que propomos concorrem para a melhoria da proteção das vítimas

de violência doméstica e para um maior respeito pelos seus direitos, assim como cumprem o superior interesse

das crianças.

Aplausos do BE e da Deputada do PS Elza Pais.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos, hoje, várias iniciativas relativas à

proteção das vítimas de violência, que vão no sentido de assegurar coerência e sintonia judicial na sua proteção,

bem como iniciativas relativas aos direitos das crianças e jovens.

Em setembro de 2015, a lei passou a assegurar que, em caso de divórcio ou de separação judicial, a pensão

de alimentos fixada em benefício dos filhos pudesse ser prestada até aos 25 anos de idade quando ainda se

encontrasse por concluir o processo educativo ou de formação profissional. O projeto que o PCP propõe visa

alargar esta matéria, porque entendemos que, se os filhos têm direito a exigir dos pais a pensão de alimentos

para a conclusão do seu percurso educativo ou profissional, este princípio deve ser também extensivo aos jovens

a cargo do Estado, aos jovens acolhidos e institucionalizados. Ora, o projeto do PCP vai exatamente neste

sentido, sob pena de um investimento importante — aliás, de obrigação e tarefa fundamental do Estado perante

estes jovens — poder ser posto em causa com a interrupção de um percurso educativo e de um percurso

profissional.

Sobre este assunto, queria também dizer o seguinte: hoje, discutimos matérias que são particularmente

importantes e que têm um sentido de reforço da proteção das vítimas de violência, em particular das crianças.

Mas, para o PCP, é particularmente difícil fazer este debate olhando apenas para a letra da lei e para os

aperfeiçoamentos que devem e podem ser feitos, porque, na verdade, aquilo que nos chega da realidade

concreta do funcionamento dos tribunais e do acompanhamento das vítimas é que, na grande maioria dos casos,

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existe uma revitimização, por força de falta de acompanhamento e de proteção efetiva, designadamente no

âmbito psicológico, destas vítimas. Da parte do PCP, estamos a fazer este debate conscientes de que há

aspetos na lei que podem e devem ser melhorados e, por isso, o projeto que apresentamos é exatamente neste

sentido, porque os jovens acolhidos pelo Estado devem ter também proteção assegurada sobre esta matéria.

Mas é preciso ir muito mais longe na garantia de uma obrigação do Estado. A proteção às vítimas de violência

não é um favor que o Estado faz às vítimas, é uma obrigação que decorre do Estado de direito democrático e,

por isso mesmo, devem existir mecanismos eficazes de proteção das vítimas. Não é por acaso que muitas

vezes, quando comparecem em tribunal, as vítimas de violência doméstica vão sozinhas, sem terem acesso ao

apoio psicológico que é necessário e sem terem, por isso, mecanismos de proteção que garantam um caminho

de autonomia e de emancipação, um caminho de sucesso na sua vida.

Por isso mesmo, da parte do PCP, contribuiremos com estas propostas, que, em sede de especialidade,

também podem ser melhoradas, ouvindo os vários pareceres que entretanto também chegaram e outros que se

entendam importantes.

Porém, para o PCP, é preciso, para além do aperfeiçoamento da lei, existirem, nos tribunais, garantias de

condições materiais e humanas de acompanhamento e de proteção efetiva das vítimas, sob pena de termos, na

letra da lei, a garantia de um princípio que a realidade impede que se verifique.

Por isso, naturalmente que o compromisso do PCP é relativamente à proteção de todas as vítimas de

violência e à garantia do superior interesse da criança.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar o projeto de lei e o projeto de resolução do PAN,

tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:…

O Sr. AndréSilva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:

O crime de violência doméstica continua a ser dos crimes mais denunciados em Portugal e, portanto, continua

a ser uma realidade para muitas famílias portuguesas.

É, por isso, urgente prevenir e acautelar os direitos das vítimas e dos seus filhos. A vivência deste tipo de

situações fomenta nestas crianças a conceção de um mundo inseguro e assustador, com o desenvolvimento de

sintomas de ansiedade e agressividade.

Conscientes disso, vários partidos vêm hoje propor alterações legislativas com as quais concordamos, mas

trazemos ao debate mais algumas propostas e contributos, como os que passo a referir.

Em situações de violência doméstica, a comunicação entre o tribunal judicial e o tribunal de família e menores

é inexistente, não permitindo uma abordagem integrada, global e eficaz das dinâmicas familiares. Por este

motivo, é fundamental que o despacho de acusação pelo crime de violência doméstica ou a decisão de aplicação

de medida de coação sejam imediatamente comunicados ao tribunal de família e menores.

Nos casos de sentença de condenação por homicídio em contexto conjugal, o tribunal deve ponderar a

inibição das responsabilidades parentais por parte do agressor, tendo em conta parâmetros como a idade da

criança, se a mesma vivia ou não com os progenitores, se há ou não familiares capacitados para se

encarregarem da sua educação e desenvolvimento. Em suma, se existem ou não condições para que o agressor

mantenha o exercício das responsabilidades parentais.

Defendemos que os processos alternativos de resolução de litígios, tais como a mediação, não devem ser

obrigatórios já que dificilmente se conseguirá obter consenso entre o agressor e a vítima, para além de

consubstanciar mais uma agressão para esta.

Propomos ainda que, em complemento à isenção de taxas moderadoras para a vítima e para as crianças em

geral, deva ser possibilitada a prestação gratuita de consultas de psicologia para a vítima e para os filhos, sejam

eles menores ou não, que tenham presenciado, de alguma forma, a prática do crime.

Em paralelo, propomos, através do projeto de resolução, que seja avaliado o desempenho do apoio judiciário

no âmbito destes dois tipos de processos, procurando saber se há vantagem de nomear um único advogado e

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se verifique se há possibilidade de priorizar a nomeação desse advogado. Para além disso, recomendamos

ainda ao Governo que analise os benefícios da criação de uma equipa multidisciplinar que dê apoio técnico aos

atores do sistema judiciário, como profissionais de psicologia ou serviço social, especializados na temática da

violência doméstica.

Para terminar, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a violência doméstica é um crime contra a humanidade,

transversal a toda a sociedade e tem uma natureza estrutural, económica, social e cultural.

Está na mão de cada um de nós, mas também do legislador, contribuir para a erradicação da violência, para

uma sociedade mais justa, mais igual e mais harmoniosa e segura para todos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado

Fernando Negrão.

O Sr. FernandoNegrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Manda o bom senso que,

relativamente a todas as intervenções que aqui foram feitas por Deputados de partidos que apresentaram

iniciativas legislativas, se diga que se concorda, na generalidade, com o seu teor.

Disse a Sr.ª Deputada Elza Pais que este combate, para chegarmos à legislação que temos hoje nesta

matéria, foi feito com base em amplos consensos nesta Casa. A Sr.ª Deputada foi testemunha, eu fui testemunha

e somos testemunhas desse esforço de consenso feito nesta Casa entre todos os partidos políticos.

A Sr.ª ElzaPais (PS): — Verdade!

O Sr. FernandoNegrão (PSD): — Não há ninguém que tenha liderado ou deixado de liderar a legislação a

que chegámos neste momento.

Sr.as e Srs. Deputados, somos o País das boas leis, somos o País das melhores leis e, às vezes, até somos

o País das melhores leis do mundo. Mas por que é que será que muitas destas leis, e algumas são as melhores

do mundo, muitas vezes, colidem com a realidade? E nós sabemos que há muitas leis que colidem com a

realidade. Dir-me-ão, eventualmente, que a responsabilidade dos aplicadores das leis é do sistema de justiça e

eu direi que não, Srs. Deputados, é da realidade e de um problema que há connosco.

Por vezes, há excesso de voluntarismo e queremos fazer leis rapidamente e com pressa demais. E depressa

e bem não há quem, como diz o povo, e diz muito bem.

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Muito bem!

O Sr. FernandoNegrão (PSD): — Queremos alterar, com essas iniciativas, o Código Civil, que é um diploma

que raramente sofre alterações; queremos alterar a lei da violência doméstica, que entrou em vigor em setembro

de 2015; queremos alterar o Código de Processo Penal, um elemento fundamental do nosso mundo jurídico; e

queremos alterar o Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

Sr.as e Srs. Deputados, peço a vossa compreensão para o que vou dizer a seguir: temos de ter muito cuidado

para termos boa legislação e legislação que tenha a ver com a realidade, legislação que seja aceite pelo

destinatário, legislação que não encontre obstáculos no seu caminho.

Estas matérias são demasiado sensíveis e demasiado importantes para irmos a correr discutir e aprovar as

leis.

Temos problemas relativamente às medidas de coação, que têm um objetivo; as medidas de coação têm a

ver com a constituição de arguido e com a proteção da pessoa que é arguida. Por isso, não se pode levar a que

se restrinjam medidas de natureza parental. Mas precisamos de discutir isto. O prazo de cinco dias que é imposto

nas vossas iniciativas legislativas colide com o funcionamento do sistema judicial, é um prazo demasiado curto.

E há muitas outras questões que agora não posso abordar por dispor de pouco tempo, mas temos questões

de natureza jurídica muito sérias e tenho a certeza de que todos nós queremos boa legislação, melhor legislação.

Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, faço um apelo no sentido de estes diplomas, à semelhança do que já se fez

designadamente no que diz respeito à legislação da Convenção de Istambul, desceram à comissão sem votação

e, criando-se ou não um grupo de trabalho, em conjunto, trabalharmos nesta legislação para termos uma

legislação feita com rigor e, principalmente, de acordo com a realidade. É esta a sugestão que deixo.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Vânia Dias

da Silva.

A Sr.ª VâniaDiasdaSilva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O essencial desta questão

foi agora mesmo dito pelo Sr. Deputado Fernando Negrão, mas eu queria fazer uma destrinça.

Discutimos hoje aqui duas coisas diferentes.

Por um lado, discutimos um projeto de lei do PCP, que faz todo o sentido e que colhe o nosso apoio, que

visa a extensão da pensão de alimentos, a cargo do Estado, a jovens até aos 25 anos, e discutimos um projeto

de lei do Bloco que tem uma proposta que também colhe o nosso apoio, contanto que não se exclua ninguém,

portanto que ninguém fique de fora da consagração da pensão de alimentos até aos 25 anos, à semelhança do

que acontece a pais e filhos.

Por outro lado, discutimos as iniciativas do Bloco, do PAN e do PS no que concerne à violência doméstica e

à regulação das responsabilidades parentais.

O BE fá-lo de uma forma lateral e nada temos contra a gravação da conferência, mas temos muitas dúvidas

quanto à proibição da mediação ou da audiência técnica, porque não só prejudica a simplificação, como passa

um atestado de menoridade ao juiz, que deve ter a capacidade de avaliar se a mediação, no caso concreto, faz

ou não sentido.

O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª VâniaDiasdaSilva (CDS-PP): — Portanto, isso tem de ser objeto de estudo e não devemos fazê-lo

por decreto sem mais.

Quanto às iniciativas do PS e do PAN, a questão que está em cima da mesa é, obviamente, louvável,

meritória e colhe todo o nosso apoio.

A violência doméstica é um flagelo que é transversal à nossa sociedade e tem sido combatida pelos vários

governos de uma forma que não tem sido absolutamente eficaz, pelo que persiste. Portanto, temos de fazer

todos mais e melhor, e isto implica, obviamente, mais e melhor investimento que não só legislativo.

Mas — e sublinho este «mas» — para acorrermos a um mal maior, que é o da violência doméstica, não

podemos estar a fazer das crianças um mal menor. E com isso o CDS não compactua. A questão central é

sempre a da vítima e não a da criança.

O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª VâniaDiasdaSilva (CDS-PP): — Se lermos os projetos de lei que estão em cima da mesa,

percebemos que se põe sempre a tónica na vítima. Se a vítima tem de ser protegida, sem rigorosamente

nenhuma dúvida, também temos de ter a certeza de que a criança está protegida. E esta é uma matéria muito

complexa, muito sensível e que implica muita ponderação e não pode ser aligeirada, como está a pretender

fazer-se.

A reboque de uma causa tão nobre, não podemos fazer uma coisa que pode redundar na institucionalização

da alienação parental e, com isso, o CDS nunca vai compactuar.

E nós sabemos, sabemos todos, nesta Câmara todos sabem, aliás, o PAN refere isso no preâmbulo do seu

projeto de lei, que metade das queixas de violência doméstica são falsas e servem precisamente para afastar os

filhos dos pais inimizados em processos de divórcio. É verdade — toda a gente sabe disso — que os filhos servem

de arma de arremesso em processos desta natureza. Portanto, temos muitas reservas quanto a esta matéria.

Hoje em dia, estão consagrados na lei uma série de mecanismos para proteger as crianças nestas questões.

Ouçamos, primeiro, os peritos, vejamos que caminho seguir exatamente, com cautela, com muita prudência,

porque estão em causa também as crianças.

E nós, lamento dizer, não embarcamos na moda de que há um direito absoluto a ter filhos mas não há um

direito absoluto a ter pais. Com isso, não contem connosco.

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I SÉRIE — NÚMERO 26

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª RitaRato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à proposta que aqui foi feita pelo Sr.

Deputado do PSD, Fernando Negrão, da nossa parte, não há problema nenhum em que esta matéria baixe à

comissão sem votação. O projeto de lei do PCP é claro quanto aos seus objetivos e, por isso, entendemos que faz

sentido desde que isso aconteça com um prazo razoável para que o processo tenha a celeridade desejada.

Perguntou o Sr. Deputado Fernando Negrão se temos uma lei e sucessivas alterações à lei, então, por que

é que a situação não melhora. Da parte do PCP, temos vindo a registar que não basta haver alteração na letra

da lei quando há um problema de fundo, que é a falta de meios materiais e humanos dos tribunais.

O Sr. FernandoNegrão (PSD): — É a realidade!

A Sr.ª RitaRato (PCP): — Não é por acaso que o PCP apresentou recentemente uma proposta para a

abertura de um concurso extraordinário de magistrados no Ministério Público, porque, de facto, há falta de

magistrados no Ministério Público, assim como há falta de funcionários judiciais e falta de membros das equipas

multidisciplinares de apoio aos tribunais, que são essenciais, aliás, nestes processos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª RitaRato (PCP): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que, da parte do PCP, entendemos que estes

são combates que correm em paralelo: as alterações legislativas que são necessárias para a proteção das

vítimas de violência, mas também a garantia dos meios materiais e humanos que visam o cumprimento da lei e

o princípio do superior interesse das crianças.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma telegráfica intervenção, a Sr.ª

Deputada Sandra Cunha.

A Sr.ª SandraCunha (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: É só mesmo para referir que não percebo como é

que a Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva tirou essa ideia de que metade das denúncias de violência doméstica são

falsas. Na verdade, só 5% das denúncias é que são falsas, e isso também não é dito no projeto de lei do PAN.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elza Pais.

A Sr.ª ElzaPais (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria também saudar as iniciativas do PCP, do

Bloco de Esquerda e do PAN, que muito contribuirão para que este edifício jurídico possa ser alargado no sentido

de prevenir e combater a violência doméstica e também proteger as vítimas.

Sr. Deputado Fernando Negrão, tenho-o em elevadíssima consideração e seguramente que haverá toda a abertura

para integrar o seu saber, o seu bom senso e os seus contributos, que muito ajudarão a melhorar este projeto.

Só lamento, nesta fase, que não o tenhamos feito há um ano, quando o Partido Socialista apresentou

contributos para melhorar as vossas propostas e eles foram inviabilizados. Mas estamos sempre no momento

do diálogo e é saudável que esse diálogo aconteça em matérias tão sensíveis como esta.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª ElzaPais (PS): — Termino, Sr. Presidente.

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7 DE DEZEMBRO DE 2016

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Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, a questão das falsas queixas e da alienação parental para inviabilizar

este diálogo urgente entre os dois tribunais é uma falsa questão, como teremos oportunidade de discutir em

sede de especialidade e, seguramente, aí, a Sr.ª Deputada irá concordar connosco.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminámos, assim, o último ponto da nossa ordem do dia.

Antes de anunciar a ordem de trabalhos de amanhã, tem a palavra o Sr. Secretário Pedro Alves para proceder

à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Pedro Alves): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram

admitidas, as propostas de lei n.os 40/XIII (2.ª) — Aprova a Lei de Programação de Infraestruturas e

Equipamentos para as Forças e Serviços de Segurança do Ministério da Administração Interna, que baixa à 1.ª

Comissão, 41/XIII (2.ª) — Autoriza o Governo a criar o serviço público de notificações eletrónicas associado à

morada única digital e 42/XIII (2.ª) — Altera a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida, que

baixa à 9.ª Comissão.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Secretário.

Sr.as e Srs. Deputados, a ordem de trabalhos de amanhã, às 15 horas, consta, no primeiro ponto, do debate

quinzenal com o Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento.

Do segundo ponto consta o debate preparatório do próximo Conselho Europeu, com a participação do

Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e

Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia.

No terceiro ponto estão agendadas, sem tempo de discussão, as propostas de resolução n.os 21/XIII (2.ª) —

Aprova o Protocolo Adicional à Convenção sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina, relativo à Investigação

Biomédica, aberto à assinatura em Estrasburgo, em 25 de janeiro de 2005, 22/XIII (2.ª) — Aprova o Protocolo

Adicional à Convenção sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina, relativo à Transplantação de Órgãos e

Tecidos de Origem Humana, aberto à assinatura em Estrasburgo, em 24 de janeiro de 2002, e 23/XIII (2.ª) —

Aprova o acordo entre a República Portuguesa e a República da Moldava sobre Transportes Internacionais

Rodoviários de Passageiros e Mercadorias, assinado em Lisboa, em 28 de maio de 2014.

Por fim, haverá lugar a votações regimentais.

Desejo a continuação de uma boa tarde e até amanhã.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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