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I SÉRIE — NÚMERO 88

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O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O

debate que temos estado a travar apresenta-se como sendo sobre o combate ao terrorismo, mas não se pode

esconder o debate que, realmente, aqui travamos hoje e que é sobre limitações lícitas e limitações não lícitas

aos direitos e às liberdades fundamentais, de acordo com a Constituição. E creio que há duas falsidades que

têm alimentado este debate sobre o combate ao terrorismo em Portugal, a primeira das quais é a de que somos

o único País em que não há acesso a dados de comunicações que permitam investigar com uma eficácia

acrescida as responsabilidades neste domínio.

Ora, a verdade é que, como todas as Sr.as Deputadas e todos os Srs. Deputados saberão, a Polícia Judiciária,

enquanto polícia de investigação criminal, tem acesso aos dados sobre comunicações no âmbito de um processo

criminal, exatamente como manda a Constituição.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Isso é outra coisa!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — A Constituição é clara deste ponto de vista: o acesso a estes dados só

pode dar-se no contexto de um processo criminal.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — E há um órgão que tem competência para isso, de acordo com aquilo

que diz a Constituição.

Em segundo lugar, há uma outra falsidade: a de que, para combater o terrorismo, temos de pôr entre

parêntesis aspetos essenciais do Estado de direito, do Estado de direito democrático, da legalidade democrática

e criar, portanto, Estados de exceção, onde não valem direitos e liberdades fundamentais. Ora, eu creio que isto

é falso e perigoso. Isto porque, Sr.as e Srs. Deputados, é aceitável que um jornalista, por exemplo, veja os dados

sobre as suas comunicações com uma das suas fontes serem alvo de ingerência por essa fonte ser suspeita,

por exemplo, de prática de espionagem?! Não creio que isto seja aceitável num Estado de direito, e, portanto,

entendo que devemos ter a máxima prudência em defesa do Estado de direito democrático.

Portanto, a questão de fundo, creio, é saber se somos intransigentes na defesa do Estado de direito

democrático ou se cedemos à chantagem e diminuímos o Estado de direito democrático. Ora, a Constituição é

clara a este respeito. Escuso de lembrar aos Srs. Deputados o teor literal do artigo 34.º, n.º 4, da Constituição,

que proíbe literalmente a ingerência nas comunicações, nas telecomunicações, «(…) salvos os casos previstos

na lei em matéria de processo criminal». Está cá tudo, e claríssimo! E o Tribunal Constitucional, que já foi aqui

citado pelo Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, foi também claro, a este respeito, no seu Acórdão de 2015, que

passo a citar, para que não haja qualquer dúvida. Disse o Tribunal Constitucional: «(…) há um largo consenso

(…), no sentido de se incluir os dados de tráfego no conceito de comunicações constitucionalmente relevante

para a proibição de ingerência». Não creio que o Tribunal Constitucional deixe alguma dúvida a este respeito.

Mas, ainda assim, acrescenta o Tribunal Constitucional: «Quer dizer: o âmbito de proteção do artigo 34.º, n.º 4,

abrange não apenas o conteúdo das telecomunicações mas também os dados de tráfego».

Portanto, creio que a jurisprudência do Tribunal Constitucional, pese embora todas as vicissitudes que já aqui

foram sublinhadas, é rigorosamente inequívoca a este respeito.

A questão decisiva, a meu ver, não é saber quem é que autoriza o acesso a estes dados, como foi referido

pelo Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, mas se o acesso é fora de um processo criminal, caso em que, então,

esse acesso é inconstitucional, e creio que este obstáculo não pode ser contornado. Facultar esse acesso a

agentes ou funcionários de uma entidade cuja finalidade, cujo mandato não é o de avaliar judicialmente

responsabilidades, é outro mandato, acresce na inconstitucionalidade desta medida.

Eis, pois, a nossa posição sobre a proposta de lei e o projeto de lei do CDS, a respeito dos chamados

«metadados». Entendemos que ambas as iniciativas são inconstitucionais e que não se deve violar a

Constituição nesta matéria, seja qual for o pretexto. E confiamos, aliás, que as entidades que têm competência

para suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade o farão e permitirão ao Tribunal Constitucional

confirmar — assim o entendemos — a sua jurisprudência anterior.

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