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Quinta-feira, 19 de outubro de 2017 I Série — Número 9

XIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2017-2018)

REUNIÃOPLENÁRIADE18DEOUTUBRODE 2017

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Pedro Filipe dos Santos Alves Sandra Maria Pereira Pontedeira António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro Diogo Feijóo Leão Campos Rodrigues

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa das apreciações

parlamentares n.os 47 a 51/XIII (3.ª), dos projetos de resolução n.os 1081 a 1087/XIII (3.ª) e dos projetos de lei n.os 638 a 644/XIII (3.ª).

Após o Presidente ter procedido à leitura do voto n.º 416/XIII (3.ª) — De pesar pelas vítimas dos incêndios que deflagraram nos dias 15 e 16 de outubro (Presidente da AR), usaram da palavra os Deputados André Silva (PAN), Heloísa Apolónia (Os Verdes), João Oliveira (PCP), Telmo Correia (CDS-PP), Pedro Filipe Soares (BE), Carlos César (PS) e Hugo Lopes Soares (PSD). O voto foi depois aprovado, tendo a Câmara guardado 1 minuto de silêncio.

Ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento, teve lugar o debate quinzenal com o Primeiro-Ministro (António Costa), que respondeu às perguntas formuladas pelos Deputados Fernando Rocha Andrade (PS),

Hugo Lopes Soares (PSD), Catarina Martins (BE), Assunção Cristas (CDS-PP), Jerónimo de Sousa (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e André Silva (PAN).

De seguida, teve lugar o debate preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia, e o debate sobre o discurso do Presidente da Comissão Europeia relativo ao estado da União, realizado no Parlamento Europeu a 13 de setembro de 2017, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º daquela Lei. Proferiram intervenções, além do Primeiro-Ministro, que abriu e encerrou o debate, os Deputados Miguel Morgado (PSD), Vitalino Canas (PS), Isabel Pires (BE), Pedro Mota Soares (CDS-PP), João Oliveira (PCP) e José Luís Ferreira (Os Verdes).

O Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 6 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, está aberta a

sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias.

Antes de dar início à ordem do dia, peço ao Sr. Secretário Pedro Alves o favor de proceder à leitura do

expediente.

O Sr. Secretário (Pedro Alves): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram

admitidas pelo Sr. Presidente, várias iniciativas legislativas.

Refiro, em primeiro lugar, as apreciações parlamentares n.os 47/XIII (3.ª) — Relativa ao Decreto-Lei n.º

117/2017, de 12 de setembro, que altera o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria

de transportes coletivos de passageiros (PCP), 48/XIII (3.ª) — Relativa ao Decreto-Lei n.º 96/2017, de 10 de

agosto, que estabelece o regime das instalações elétricas particulares (PCP), 49/XIII (3.ª) — Relativa ao

Decreto-Lei n.º 97/2017, de 10 de agosto, que estabelece o regime das instalações de gases combustíveis em

edifícios (PCP), 50/XIII (3.ª) — Relativa ao Decreto-Lei n.º 93/2017, de 1 de agosto, que cria o serviço público

de notificações eletrónicas associado à morada única digital (PSD) e 51/XIII (3.ª) — Relativa ao Decreto-Lei n.º

126-A/2017, de 6 de outubro, que institui a prestação social para a inclusão (BE).

Deram também entrada na Mesa os projetos de resolução n.os 1081/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que

submeta à aprovação da Assembleia da República, para ratificação, o Tratado de Proibição das Armas

Nucleares, adotado pela Organização das Nações Unidas, em 7 de julho de 2017 (PCP), que baixa à 2.ª

Comissão, 1082/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que crie uma nova classe de veículos para aplicação das

tarifas de portagem, correspondente exclusivamente a motociclos (BE), que baixa à 6.ª Comissão, 1083/XIII (3.ª)

— Recomenda ao Governo a criação de um centro nacional de documentação sobre a emigração portuguesa

(PSD), 1084/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que adote medidas que visem a diminuição do peso das

mochilas escolares (PAN), 1085/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas que garantam o

cumprimento efetivo dos horários de trabalho e a conciliação do trabalho com a vida familiar (PCP), 1086/XIII

(3.ª) — Recomenda ao Governo que inicie, em sede de concertação social, um debate com vista a incluir o

direito ao desligamento quer no Código do Trabalho, quer nos instrumentos de regulamentação coletiva de

trabalho (CDS-PP) e 1087/XIII (3.ª) — Aponta medidas para reduzir o peso das mochilas escolares (Os Verdes),

que baixa à 8.ª Comissão.

Deram ainda entrada na Mesa os projetos de lei n.os 638/XIII (3.ª) — Assegura a divulgação pública da

utilização de cativações nos orçamentos das entidades que integram a administração direta e indireta do Estado

(PCP), que baixa à 5.ª Comissão, 639/XIII (3.ª) — Torna mais transparentes as regras de rotulagem e de

fiscalização relativas à presença de organismos geneticamente modificados, assegurando aos consumidores o

acesso à informação (PAN), 640/XIII (3.ª) — Altera o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 7 de

fevereiro, consagrando o direito do trabalhador à desconexão profissional (PAN), 641/XIII (3.ª) — Direito à

informação aos consumidores sobre alimentos geneticamente modificados (OGM) (segunda alteração do

Decreto-Lei n.º 72/2003, de 10 de abril) (BE), 642/XIII (3.ª) — Criação da ordem dos fisioterapeutas (CDS-PP),

643/XIII (3.ª) — Qualifica como contraordenação muito grave a violação do período de descanso (Décima quinta

alteração do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro) (Os Verdes) e 644/XIII (3.ª)

— Procede à 13.ª alteração do Código do Trabalho, reforçando o direito ao descanso do trabalhador (PS).

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à ordem do dia.

Do primeiro ponto consta o voto n.º 416/XIII (3.ª) — De pesar pelas vítimas dos incêndios que deflagraram

nos dias 15 e 16 de outubro, apresentado pelo Presidente da Assembleia da República.

Após leitura, por mim próprio, do voto, os diversos grupos parlamentares e o PAN disporão de tempo para

intervir.

Srs. Deputados, vou passar a ler o voto, que é do seguinte teor:

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«Foi com grande consternação que os Deputados à Assembleia da República testemunharam as

consequências dos vários incêndios florestais que, nos passados dias 15 e 16 de outubro, deflagraram no nosso

País.

Até ao momento, sabe-se que faleceram 42 pessoas, havendo 71 feridos, entre os quais bombeiros.

Os nossos primeiros pensamentos estão, naturalmente, com as famílias das vítimas e com todos aqueles

que, no terreno, combateram as chamas e ajudam as populações atingidas.

Foram, segundo a Proteção Civil, os piores dias do ano em matéria de incêndios. Estamos a falar de mais

de 700 fogos deflagrados em dois dias, fruto de uma conjugação de fatores, onde o fenómeno das alterações

climáticas tem particular destaque, assim como o ordenamento florestal do nosso País.

Em Portugal, só neste ano arderam mais de 316 000 hectares, mas, pior, são já mais de 100 as vítimas

mortais, desde junho.

Em respeito pela sua memória não podemos ficar de braços cruzados. A reconstrução e as reparações que

são devidas têm de avançar.

Portugal, que se orgulha de ser um moderno Estado de direito democrático e europeu, tem de estar preparado

para lidar com esta ameaça, com modelos adequados de organização e coordenação, prevenção e combate.

Às famílias e amigos das vítimas, aos autarcas dos concelhos atingidos, bem como aos bombeiros e demais

estruturas da Proteção Civil, a Assembleia da República manifesta o seu mais sentido pesar e a sua mais

profunda solidariedade».

Os grupos parlamentares e o PAN dispõem agora de tempo para intervir sobre este voto.

A primeira intervenção cabe ao Sr. Deputado André Silva, do PAN.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Reforçamos o nosso voto de

pesar pelas vítimas humanas e não humanas dos vários incêndios que, nos passados dias 15 e 16 de outubro,

deflagraram no nosso País e expressamos o profundo respeito e solidariedade às populações que enfrentaram

as chamas e que enfrentam agora o desafio de encontrar forças para reconstruir as suas vidas perante tamanhas

perdas e destruição.

Queremos manifestar também o nosso reconhecimento e manifesta gratidão aos profissionais e aos civis

que, no terreno, foram além dos seus limites para prestar o melhor apoio às populações.

Regressei hoje do distrito de Viseu e, mais do que o trabalho político que possa ter sido feito para perceber

causas, desafios e as principais dificuldades junto das pessoas e dos responsáveis locais, trago a frustração e

a impotência de quem sabe que as palavras não alteram, por si só, a realidade. As pessoas estão assustadas

e confusas, perderam entes queridos, perderam meios de subsistência, todas conhecem alguém afetado de

alguma forma, grandes e pequenos negócios totalmente destruídos e lidam com as memórias perturbadoras do

avanço das chamas, dignas de um cenário de ficção.

Infelizmente, não se trata de ficção, é uma dura lição de realidade sobre as várias décadas de desleixo com

a nossa floresta, que precisou devastar vidas, habitações e negócios para acordar a classe política e todos nós,

enquanto sociedade e membros de uma cultura partilhada, para a gravidade de colocar os interesses

económicos acima do bem comum.

Além dos aspetos estruturais que todos já diagnosticámos, há outras lacunas graves na defesa das

comunidades e existem questões culturais que só com um nível de envolvimento, de proximidade muito forte e

de investimento público, principalmente nas regiões afetadas pelo despovoamento no interior do País, se podem

alterar.

Mas neste momento a nossa principal atenção está na forma como nos podemos todos organizar para apoiar

a reconstrução e a recapacitação física, emocional, psíquica e material daqueles para quem amanhã ainda não

tem significado e que precisam entender como aceder, no imediato, aos vários apoios que já estão e que ainda

serão orientados para estas populações e assegurar que não se repetem as descoordenações burocráticas e

administrativas que tantas vezes atrasam e dificultam a assistência efetiva a quem mais precisa.

O PAN continuará a fazer parte das soluções e a colaborar no caminho da recuperação e de mudanças

profundas que todos — repito, todos — precisamos realizar.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, de Os Verdes.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do

Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O sentimento do País é de grande consternação face ao que

aconteceu nos passados dias 15 e 16 e também conjugado com o que se passou durante o verão,

fundamentalmente em Pedrogão Grande.

Este sentimento de grande consternação é também de uma consciência de que é preciso fazer muito para

que nada semelhante volte a ocorrer no País. É essa conjugação de esforços que todos temos de empreender

no sentido de chegarmos a resultados muito concretos, eficazes e visíveis.

Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Há muitas soluções que se encontram

empreendidas no papel e é preciso passá-las para o terreno.

A grande palavra de Os Verdes nesta fase de discussão do voto é, evidentemente, de condolências para as

famílias das vítimas mortais — que são muitas —, de grande solidariedade com todos aqueles que ficaram

feridos, de grande solidariedade com todos aqueles que perderam tudo o que conseguiram construir na vida e

com todos aqueles que perderam a sua forma de subsistência, mas é também de louvor para todos aqueles

que, intensa e arduamente, combateram dia a dia esta tragédia dos fogos florestais, este drama que assolou o

País.

Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Os Verdes, há muito, alertam, na Assembleia da República, para a

questão de estarmos confrontados com um fenómeno real de alterações climáticas. Não é uma matéria teórica,

é uma matéria prática que todos estamos a sentir no dia a dia e a tendência é mesmo para que se intensifique,

para que os extremos climáticos se intensifiquem.

Por isso, temos de reforçar as respostas para enfrentar essa intensificação real das alterações climáticas,

temos de ter processos de adaptação reais. A nossa floresta é um espaço que tem de ser alvo dessa verdadeira

adaptação e temos de fazer esforços para que o despovoamento do mundo rural não continue à intensidade

com que tem ocorrido neste País. Temos de fazer esforços para que a nossa floresta seja, de facto, mais

resistente, porque torná-la mais resiliente é tornar também o País mais seguro para as suas populações. Os

negócios que são feitos em torno das monoculturas de espécies de crescimento rápido têm de ser equacionados

e ver a forma como são feitos.

Há muito para dizer, Sr. Primeiro-Ministro, mas, seguramente, há muito mais por fazer.

O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados: Perante a tragédia ocorrida com os incêndios dos passados dias 15 e 16 de

outubro, as nossas primeiras palavras são, naturalmente, de pesar e solidariedade para com as vítimas, para

com as suas famílias e todos aqueles que, no terreno, deram combate aos incêndios, que deram e continuam a

dar apoio às vítimas e a procurar minimizar o sofrimento de quem foi atingido pelos incêndios.

Às populações, aos bombeiros, às Forças Armadas, aos serviços e forças de segurança, aos serviços de

saúde e de segurança social, às estruturas públicas, associativas e de solidariedade, que estiveram envolvidas

quer no combate aos incêndios quer no apoio às vítimas, a todos uma palavra do nosso reconhecimento e

solidariedade pela sua ação generosa e abnegada.

As consequências e proporções destes incêndios e a tragédia que provocaram somam-se àquela que era já

uma catástrofe de dimensões inéditas no nosso País, ocorrida em junho, com o incêndio de Pedrógão Grande.

Mais uma vez, se impõe, com urgência, uma resposta pronta e eficaz às vítimas, bem como o cabal

esclarecimento de todas as circunstâncias que envolveram aqueles incêndios, nomeadamente, quanto ao

apuramento das responsabilidades criminais que possam existir.

A lei de apoio e indemnização às vítimas dos incêndios, aprovada nesta Assembleia, na passada sexta-feira,

sendo promulgada com brevidade pelo Presidente da República, deve ser rapidamente acionada para apoio e

indemnização às vítimas destes incêndios.

Essa é uma medida indispensável para garantir o imediato apoio e assistência às vítimas e suas famílias,

nos cuidados de saúde, na garantia de habitação, na recomposição das condições de subsistência daqueles

que as perderam, na recuperação da normalidade do quotidiano das populações atingidas, na medida em que

as consequências dos incêndios não tenham tornado isso impossível, designadamente pela perda de vidas.

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À Assembleia da República e ao Governo impõe-se reverter as opções de décadas de política de direita, que

acumularam na floresta portuguesa os problemas que estão na origem de uma tragédia desta dimensão.

Impõe-se concretizar as medidas que, há muito, estão identificadas como necessárias ao ordenamento da

floresta e à prevenção dos fogos florestais, não com a aprovação de mais leis, mas com a dotação dos meios

orçamentais necessários ao cumprimento daquelas que já existem.

Impõe-se reforçar o Estado onde ele foi desmantelado ou reduzido a mínimos, impõe-se reforçar os serviços

públicos e o apoio aos setores produtivos para garantir a fixação das populações e a ocupação do interior,

contrariando as lógicas de desertificação e abandono do território e de isolamento das populações.

Impõe-se defender o povo e o desenvolvimento do País perante os critérios mercantilistas e financeiros que,

designadamente a partir da União Europeia, nos impõem a liquidação da agricultura e da pecuária, ou reduções

de défice, em completa desconsideração pelas nossas necessidades.

Nenhuma destas questões pode ser deixada em aberto e o PCP cá estará para as medidas que é preciso

concretizar, no momento em que esse debate tem de ser feito.

Lamentamos que PSD e CDS não tenham permitido o respeito pelo luto nacional, nos mesmos termos em

que isso aconteceu em relação ao incêndio de Pedrógão.

Essa é a opção do PSD e do CDS, não é a opção do PCP.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, o Sr. Deputado Telmo

Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo,

Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Este é o momento da consternação, do luto e do pesar.

Quatro meses apenas após a tragédia e os 64 mortos de Pedrógão Grande, o País foi, mais uma vez,

confrontado com o horror, com um inferno de chamas e de morte. Apenas quatro meses depois! E esse facto

não é indiferente.

Agora, e desta vez, morreram 42 pessoas e existem 71 feridos, feridos esses cuja recuperação obviamente

só podemos desejar e alguns dos quais, infelizmente, em situação de gravidade.

O que assistimos no distrito de Coimbra, em Oliveira do Hospital, em Arganil, em Pampilhosa da Serra ou

em Penacova, em Santa Comba Dão, em Nelas, em Carregal do Sal, em Tondela, em Oliveira de Frades ou em

Vouzela, no distrito de Viseu, na Guarda ou em Seia, somado com o acontecido em Pedrógão, o que dá 107

mortes num único ano civil, foi, num País habituado a dramas de fogos rurais e a incêndios todos os anos, uma

tragédia nunca vista e sem precedentes.

Impressionam-nos muito — e, estou certo, nunca, nenhum de nós, nem nenhum daqueles que nos ouvem

neste momento, esquecerá — as imagens dos portugueses e das portuguesas a fazerem face a uma tragédia

desta dimensão. Concidadãos nossos de mangueira na mão, muitas vezes com não mais do que uma enxada,

a percorrerem estradas onde o fogo estava de um lado e do outro, fogo que, desta vez, chegou a zonas urbanas

ou à periferia de zonas urbanas e que destruiu zonas industriais, são imagens que nunca esqueceremos. E

pensemos que, quatro meses depois de Pedrógão Grande, desta vez, Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs.

Deputados, todo o País foi Pedrógão Grande. Todo o Portugal, desta vez, foi Pedrógão Grande.

A palavra hoje, obviamente, é de pesar, de consternação. De pesar pelas vítimas, de pesar e solidariedade

com as famílias que as estão a chorar neste momento, solidariedade com os bombeiros, com os agentes da

proteção civil, com os autarcas deste País, com aqueles que, no terreno, tentaram minorar esta enorme tragédia.

Como dissemos aqui, quando falámos de Pedrógão, mais uma vez, o País, os portugueses, as populações

vão chorar, mas vão levantar-se. Resiliência, no nosso País, é uma forma de vida. Mais uma vez, estas

populações irão levantar-se.

O que aconteceu foi fruto de fatores extremos, mas também foi fruto de um falhanço completo do Estado. As

populações vão levantar-se, não é necessário sequer recomendar-lhes resiliência, pois o que assistimos foi a

uma enorme valentia e a uma enorme bravura, designadamente dos bombeiros.

O Sr. Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Não voltemos a dizer, como dissemos há quatro meses, que isto não

pode repetir-se, pois repetiu-se. E isso é grande parte do drama.

O Sr. Presidente: — Em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado

Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs.

Deputados: Este é um voto de pesar que não deveria ter lugar. Nenhum país devia levantar-se para assistir à

morte dos seus em situações tão difíceis como aquelas que aconteceram nos passados dias.

Somando estes últimos dias com todo o verão, com a época dos incêndios, mais de 100 pessoas perderam

a vida, em Portugal, nesses incêndios, homens, mulheres e crianças que pedem mais do que o nosso pesar

para respeitarmos a sua memória.

O pesar existe, a solidariedade também, para com aqueles que perderam a vida, para com as suas famílias,

para com tantas e tantos profissionais, voluntários, simplesmente vizinhos que deram o melhor que tinham para

salvar o que podiam, principalmente as vidas de quem podiam salvar.

E essa solidariedade é o que faz a união de um País, que exige dos seus dirigentes políticos um maior

empenho na sua proteção do que tem acontecido nas últimas décadas.

Este ano, nos últimos dias, o Estado falhou aos seus. E, quando isso acontece, nenhum nem nenhuma de

nós pode dormir em paz.

A exigência, portanto, é saber se estaremos ou não à altura do que exigem de nós, à altura do que de melhor

temos para dar a quem não espera outra coisa que não esse melhor, porque é essa a sua exigência. A exigência

de passar para lá do jogo partidário corriqueiro, passar para lá dos relatórios que não saem do papel, passar

para lá das leis que não são cumpridas e que, a cada incumprimento, colocam a vida das pessoas em causa.

Esse desafio é o desafio único de quem quer respeitar aqueles que perderam a vida, de quem sabe, como

creio que todas e todos nós sabemos, o que é ligar para um familiar e não saber se está vivo, o que é ficar sem

comunicações, sem eletricidade, sem água, quando aquele besta enorme nos bate à porta.

Se temos, de facto, alguma exigência é perante a história do nosso País, neste momento, respondendo como

é que queremos ser lembrados daqui a 5, a 10, a 50 anos. Se como aqueles e aquelas que fizeram por estar à

altura daqueles que esperavam tudo deles, ou se daqueles e daquelas que falharam, quando o País, os seus

familiares, os seus vizinhos, a sua população deles pedia muito mais e melhor.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, em nome do Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado Carlos César.

O Sr. Carlos César (PS): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs.

Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Infelizmente, o Parlamento é chamado, uma vez mais,

a exprimir a sua solidariedade face a acontecimentos cuja repetição nos devolve uma dor que todos

desejávamos não voltar a sentir.

Hoje, neste dia de luto nacional, esta Câmara tem de cumprir, à cabeça, o seu doloroso dever de manifestar

o seu sentido pesar e expressar a sua profunda solidariedade a todos e a cada um dos membros das famílias

das vítimas, mas também a todos os portugueses. É que todos nós fomos feridos em mais esta desmedida

tragédia.

Deixo aqui, em nome do Partido Socialista, o registo desse nosso sentimento. De aldeia em aldeia, de

freguesia em freguesia, em todos os lugares de Portugal onde este flagelo atingiu o coração dos portugueses e

roubou vidas vencidas por uma brutalidade inaudita, os socialistas estiveram e estão ao lado dos que sofreram,

dos que sofrem e dos que alimentam a esperança de não voltar a sofrer.

Sentimos uma grande mágoa por verificarmos da pior forma que, ao longo dos anos, de muitos anos,

situações, com a perigosidade e as terríveis consequências que suportámos, não foram eficazmente prevenidas

ou evitadas.

Sentimos que o País, o Estado, o Governo ou os serviços e sistemas públicos não podem mais falhar.

Sentimos que todos temos de encontrar os caminhos para fazer a diferença.

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Sentimos que a missão a que nos devemos devotar para esses efeitos não é a do desperdício de disputas

sem nexo, nem a do restrito combate partidário, mas, sim, a do combate coletivo a eventos e devastações como

os que temos experimentado e que podem ser diminuídos nos seus danos.

Sentimos que a própria democracia depende desse discernimento e do sucesso dessas confluências mais

ativas e construtivas.

Temos, por isso, a certeza de que, como salientou o Primeiro-Ministro, nada pode ficar como dantes.

Permitam-me também, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, um registo pessoal. No exercício de outras funções

públicas, passei igualmente por dolorosas experiências, em que provei várias vezes este fel amargo da morte

de amigos e concidadãos.

No dia último deste mês, por exemplo, completar-se-ão 20 anos da tragédia da freguesia da Ribeira Quente,

na ilha de São Miguel, em que faleceram, esmagadas pela montanha, 29 pessoas, muitas das quais segurei

com as minhas mãos, com idades entre as 3 semanas e os 76 anos.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos César (PS): — Sei bem, por isso, como esses sofrimentos consumados também nos fazem

sofrer e nos podem fazer ser mais vigilantes e determinados.

Termino, Sr. Presidente, lembrando que organizar, coordenar, prevenir, combater, como se diz no voto de

pesar desta Assembleia, são as tarefas a que todos, mas todos, temos o dever de corresponder com os melhores

resultados, neste novo ciclo que temos a obrigação de intentar, como disse o Sr. Presidente da República.

Sr. Presidente, este dia de dor é também, por conseguinte, um dia de um percurso de exigência.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Hugo Lopes

Soares.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Membros do Governo,

Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD associa-se a este voto de pesar com profunda

dor, com uma palavra de enorme solidariedade com todos aqueles que combateram os fogos nos últimos meses,

com uma palavra de consternação por todos aqueles que viram as suas vidas ceifadas nos incêndios que

ocorreram neste verão e também, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, com uma palavra de muita e de profunda

indignação.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados:

Nós estamos muito disponíveis para não ficar na história como aqueles que nada fizeram perante estas

circunstâncias, mas sabemos hoje que já ficámos na história por ter falhado.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, esgotado o tempo para intervenções, vamos votar o voto n.º 416/XIII

(3.ª) — De pesar pelas vítimas dos incêndios que deflagraram nos dias 15 e 16 de outubro, apresentado pelo

Presidente da AR.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, vamos guardar 1 minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Vamos passar ao segundo ponto da ordem de trabalhos, que consta do debate quinzenal com o Primeiro-

Ministro, ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento. Como sabem, neste caso, o debate inicia-

se com a fase de perguntas dos Deputados, seguidas das respetivas respostas do Primeiro-Ministro.

A ordem das intervenções vai mudando de debate para debate e hoje cabe ao Grupo Parlamentar do PS

iniciar o debate, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rocha Andrade para formular perguntas.

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O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Sr.as e Srs.

Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro, queria começar por me associar às palavras ditas há pouco pelo

Sr. Deputado Carlos César e pelos restantes Deputados que intervieram em representação dos seus grupos

parlamentares.

Portanto, as minhas primeiras palavras são para as vítimas da tragédia ocorrida nos passados dias de

domingo e segunda-feira: de condolência para as famílias daqueles que perderam a vida e de solidariedade

para os feridos, para os que tiveram os seus bens destruídos, para os que sofreram horas de angústia com a

situação de familiares e amigos. A memória de uns e o sofrimento dos outros convoca-nos a todos, ao Governo

e ao Parlamento, para a ação. Queria também saudar todos aqueles, voluntários ou profissionais, que

abnegadamente se empenharam no combate aos incêndios e no socorro às suas vítimas.

Estamos conscientes de que, naquele domingo, as condições de risco e as dificuldades do combate foram

extremas. Tal deve-se, em parte, à acumulação, durante anos, desses fatores de risco nas florestas

portuguesas. É também provável, como alertam os especialistas, que estejamos a assistir no nosso território a

consequências novas, mas duradouras, do processo de alterações climáticas.

O processo de reforma da floresta, cuja discussão pública foi iniciada por este Governo no ano passado, não

podia, naturalmente, ter tido qualquer efeito na redução destes fatores de risco neste ano e temos de esperar

ainda alguns anos até que os seus efeitos se façam sentir. É, assim, provável, é quase inevitável, que voltemos

a ter de enfrentar, num futuro próximo, situações semelhantes. Temos de aceitar esse facto, mas, se temos de

aceitar que existirão dias em que a natureza nos confrontará com estas situações extremas, não temos,

naturalmente, de aceitar que as consequências em perda de bens e em perda de vidas sejam inevitáveis.

Aplausos do PS.

É nesse sentido, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, que interpreto as palavras do Sr.

Primeiro-Ministro, de que nada pode ficar e nada ficará como dantes.

Creio, assim, Sr. Primeiro-Ministro, que o Governo está confrontado com uma dupla urgência: por um lado,

a de acorrer aos danos e apoiar as vítimas, por outro lado, a de tomar as medidas necessárias, ao nível da

proteção civil e da prevenção e do combate a incêndios florestais, para que, numa próxima situação de risco

extremo, se possam evitar estas consequências trágicas.

Sabemos, Sr. Primeiro-Ministro, que, estando marcada para o próximo sábado uma reunião do Conselho de

Ministros sobre esta matéria, não será possível conhecer ainda hoje todas as propostas do Governo, e é

compreensível que assim seja, porque, neste âmbito, a urgência deve ser temperada com a adequada

ponderação.

Queria, por isso, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, manifestar a nossa confiança em que

o Governo saberá encontrar as medidas mais adequadas e terá capacidade para as concretizar, bem como a

nossa disponibilidade para trabalhar as medidas que, em função das nossas competências, sejam trazidas a

esta Assembleia, procurando o mais alargado consenso que assegure, para o futuro, a estabilidade das políticas

públicas que venham a ser decididas. Antecipo, portanto, que não poderemos fazer hoje um debate que tenha

presente, em toda a sua extensão, as propostas do Governo em matéria de combate a incêndios florestais e

apoio às vítimas.

Agradecendo antecipadamente todos os esclarecimentos que, neste momento, esteja em condições de

prestar sobre esta matéria a esta Câmara, gostaria de me referir, numa segunda parte da minha intervenção, a

uma proposta do Governo que, essa sim, já conhecemos: a proposta do Orçamento do Estado para 2018.

Queria saudar, relativamente a esta proposta do Orçamento, a continuidade das políticas e, nomeadamente,

a continuidade do objetivo fundamental de redução da dívida pública. Em dois anos, no ano corrente e no

próximo ano, o Governo terá reduzido em quase 7 pontos percentuais o peso da dívida pública no PIB (produto

interno bruto). O objetivo traçado para 2018 carrega já consigo a credibilidade decorrente do cumprimento das

metas do défice orçamental em 2016 e do expectável cumprimento das metas do défice orçamental na corrente

execução, de 2017.

Queria saudar especialmente que, nesta continuidade de políticas, se tenha prosseguido a estratégia de

alargamento das fontes de financiamento da segurança social, consignando uma parte da atual receita do IRC

(imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas) ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social

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(FEFSS). Creio que esta consignação, conjugada com a medida em sede de imposto sobre o património,

proposta pelo Governo e que, no ano passado, esta Assembleia aprovou, permitirá — e o Sr. Primeiro-Ministro

poderá confirmá-lo — garantir a suficiência daquele Fundo para o horizonte temporal previsível.

Finalmente, queria assinalar que a redução da dívida pública se faz de acordo com os compromissos e a

estratégia definidos inicialmente no Programa do Governo, compromissos e estratégia que afetam

significativamente tanto a receita como a despesa e que, no Orçamento do Estado para 2018, significam que já

não contamos com a receita da sobretaxa, que se faz uma redução dos impostos indiretos através,

nomeadamente, da revisão dos escalões do IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) e que se

inicia o processo de descongelamento das progressões nas carreiras da Administração Pública.

A redução da dívida pública faz-se também com o cumprimento da Lei de Bases da Segurança Social,

realizando a atualização das pensões que decorre do crescimento económico — daquele crescimento

económico que se dizia impossível —, cumprindo, assim, um princípio da Lei de Bases da Segurança Social

que apelava à partilha dos resultados do crescimento com os mais idosos e, portanto, a uma desejável equidade

e a um equilíbrio intergeracional.

Aplausos do PS.

Finalmente, Sr. Primeiro-Ministro, queria aqui afirmar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista,

que, se as medidas que o Governo vier a propor a partir do próximo sábado tiverem de ter tradução orçamental

já na execução orçamental em 2018, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista está também disponível para

incorporar as consequências financeiras dessas opções já na fase da discussão, na especialidade, deste

Orçamento do Estado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, que aproveito para cumprimentar,

visto que não o fiz no princípio da sessão porque não estava ainda presente.

O Sr. Primeiro-Ministro (António Costa): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Fernando Rocha

Andrade, antes de mais, permitam que me associe, sem exceção, a todas as palavras que aqui foram expressas

por cada um dos grupos parlamentares a propósito dos trágicos incêndios do último fim de semana. É sem

dificuldade que me associo a cada uma dessas palavras: da consternação à indignação, da solidariedade à dor,

são palavras que o Governo, obviamente, partilha.

Mas ao Governo não basta partilhar essas palavras. Ao Governo cumpre mais, cumpre associar a essas

palavras outras que são fundamentais: o apoio imediato às populações, que carecem de apoio, às empresas,

que necessitam de recuperar a capacidade de funcionar, aos agricultores, que precisam de ver reposta a sua

capacidade produtiva, aos territórios, que precisam de ser revitalizados, aos autarcas, que precisam de ver as

suas infraestruturas reconstruídas, aos feridos, que precisam de ser cuidados, e, naturalmente, às famílias, que,

estando hoje enlutadas, têm o direito a exigir a sua reparação.

Temos, por isso, de juntar a estas as palavras da resposta imediata, mas também as palavras daquilo que é

essencial e central fazer, que são as reformas que assegurarão, de modo duradouro, que estes acontecimentos

não podem ter lugar em Portugal. A pergunta não é já, hoje, «o que fazer?», a pergunta é «como agir?», porque

a pergunta «como fazer?» era a que se colocava há uns meses.

O Governo, agindo lealmente perante a Assembleia da República, como age lealmente perante todos os

órgãos de soberania, aceitou, de bom grado, a iniciativa oportuna do principal partido da oposição para a

constituição de uma comissão técnica independente. Pareceu-nos positivo que a Assembleia da República, na

sua pluralidade, pudesse designar um conjunto de técnicos que fizessem uma avaliação do sistema e que essa

comissão, complementada com um conjunto de profissionais designados pelo Conselho de Reitores, não só

estudasse a fundo o que ocorreu naquele incêndio mas, sobretudo, fizesse uma análise de todo o sistema.

Creio que tivemos boas razões para apoiar a iniciativa do PPD/PSD, porque se há algo com que hoje todos

podemos estar confortados é com o facto de, da qualidade técnica dos membros da Comissão, da unanimidade

das decisões que tomaram, termos terreno fértil para construir o consenso político alargado que dê

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sustentabilidade às políticas públicas que são essenciais. Hoje, sabemos que não nos basta olhar para as

alterações climáticas, que não nos basta olhar para a estrutura da floresta, é necessário reconstruir um modelo

de prevenção e combate aos incêndios florestais. E, hoje, é muito claro qual é a prioridade. A prioridade tem de

ser a de reforçar o pilar da prevenção.

O que o Relatório apresenta é claro e inequívoco. Como sempre dissemos, aguardaríamos pelo Relatório

não para adiar o que era urgente fazer, mas para poder fazer assente no conhecimento, na ponderação e na

base do consenso político, essencial para podermos avançar sustentavelmente neste processo. Por isso, disse

que assumiríamos todas as responsabilidades que resultassem apuradas desse inquérito.

Do resultado do Relatório é inequívoco que, em diversos momentos e circunstâncias, houve falhas graves

dos serviços do Estado e, portanto, cumpre ao Estado assumir as responsabilidades perante as vítimas dos

incêndios de Pedrógão Grande.

Aplausos do PS.

Disse também que o que haveria a fazer era transformar em programa de ação as conclusões e as

recomendações que constam do Relatório da Comissão Técnica Independente. Para isso, convocámos um

Conselho de Ministros extraordinário para o próximo sábado para apreciar exclusivamente este Relatório e

adotar as medidas que permitam passar das palavras aos atos, que permitam passar dos relatórios à ação,

porque agora a pergunta não é «que fazer?», a resposta tem de ser «agir». É agir o que temos de fazer.

Espero que o consenso que se gerou nesta Assembleia em torno da iniciativa do PPD/PSD de constituir a

Comissão Técnica Independente e o consenso que se gerou no seio da Comissão Técnica Independente possa

suportar também um consenso alargado quanto às medidas que, por unanimidade, essa Comissão Técnica

propõe que adotemos.

É isso que cumpre ao Governo: retirar consequências do que foi estudado, de forma a criar condições

estruturais para que o que aconteceu não volte a passar-se.

Como disse, depois deste verão, nada pode ficar como antes. Seria intolerável e a forma de honrar,

efetivamente, com atos e não com palavras quem sofreu, sofre e sofrerá é fazendo aquilo que falta fazer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Vamos passar ao Grupo Parlamentar do PSD.

Tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Soares para formular perguntas.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs.

Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, a nossa primeira palavra vai para os heróis nacionais, aqueles que não

precisaram de ouvir do Governo que tinham de se bastar a si próprios, aqueles que sabiam que combatiam

sozinhos nos momentos mais difíceis das suas vidas, os patrões e os empregados, que tentavam salvar as

unidades de indústria onde trabalhavam, os agricultores, que tentavam salvar os seus modos de vida, os pais,

que fugiam com as crianças, os idosos, que estavam abandonados à sua sorte e que, muitas vezes, apenas

com uma enxada tentavam combater o fogo, todos aqueles que perderam a vida sozinhos e a quem o Estado

falhou, a quem o Sr. Primeiro-Ministro falhou.

Queria assumir aqui a responsabilidade política que cabe a cada uma e a cada um dos eleitos e, em nome

da minha bancada, enquanto eleito, pedir desculpa aos portugueses.

Queria perguntar a si, Sr. Primeiro-Ministro, se já está em condições de pedir desculpa a todo o País.

Aplausos do PSD e de Deputados do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hugo Soares, não vou fazer jogos de palavras. Se

quer ouvir-me pedir desculpas, eu peço desculpas.

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Aplausos do PS.

Se não o fiz antes, não foi por sentir menor peso na minha consciência,…

Aplausos do PS.

… porque tenho a certeza de que, tal como eu, quem quer que estivesse nas minhas funções não teria vivido

todos estes meses sem um grande peso na consciência por aquilo que aconteceu em Pedrógão e pelo que

voltou a acontecer o passado fim de semana.

Aplausos do PS.

E, mais, sei que viverei com o peso na consciência até ao último dia da minha vida. Ainda hoje, tenho um

peso na consciência pelo inspetor da Judiciária que foi morto quando eu era Ministro da Justiça, pelos agentes

e pelos chefes da PSP que foram abatidos quando eu era Ministro da Administração Interna, pelos bombeiros

portugueses e chilenos que morreram quando eu era Ministro da Administração Interna. Nunca me passou — e

receio que nunca me venha a passar — o peso na consciência.

Aplausos do PS.

Agora, no meu vocabulário reservo a palavra «desculpa» para a minha vida privada. Enquanto Primeiro-

Ministro, o que uso é a palavra «responsabilidade».

Protestos do PSD.

Como disse, assumiria todas as responsabilidades que viessem a ser demonstradas pelo Ministério Público

quando um dia concluir o inquérito, pela IGAI (Inspeção-Geral da Administração Interna) ou pelo Relatório da

Comissão Técnica Independente, cuja constituição o seu partido propôs e que esta Assembleia criou.

Teria sido uma enorme falta de respeito para com o trabalho da Comissão Técnica Independente ter-me

antecipado aos respetivos juízes.

Protestos do PSD.

É por isso que mal o Relatório foi conhecido na semana passada e mal obtive um parecer do centro jurídico

da Presidência do Conselho de Ministros assumi a responsabilidade civil extracontratual do Estado e o transmiti

a quem o devia fazer em primeiro lugar: aos familiares das vítimas.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, eu não me escudo nos outros, assumo as minhas responsabilidades como Primeiro-Ministro

e peço sempre desculpa como cidadão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Hugo Soares.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro,

lamento que tenha sido preciso chegar até aqui para o Sr. Primeiro-Ministro pedir desculpas ao País.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — O Sr. Primeiro-Ministro tem razão: deve, e devia, um pedido de

desculpas ao País e já devia ter assumido a sua responsabilidade. Saltava pelos olhos da cara a toda a gente

que a responsabilidade do que aconteceu foi do Estado, que aquelas pessoas a quem o Estado falhou deviam

ser reparadas nos seus danos, nas suas perdas pelo Estado. Não era preciso o PSD ter proposto uma comissão

técnica independente para ser agora a sua boia de salvação para tudo o que quer apresentar como medida de

ação.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Palmira Maciel (PS): — Ah!…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Não era preciso termos chegado até aqui, não era preciso ter passado

quatro meses desde a tragédia de Pedrógão para que o Sr. Primeiro-Ministro nada tivesse feito, já podia ter

reparado o mínimo possível aquelas vidas. Aliás, ainda na passada sexta-feira, os senhores votaram contra

esse mecanismo extrajudicial com que o senhor agora enche a boca a dizer que vai trazer para reparar a vida

dessas pessoas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Primeiro-Ministro, não era preciso esperar dois anos para discutirmos o cadastro, quando há um ano e

meio o PSD já o tinha apresentado nesta Assembleia. Não era preciso ter esperado dois anos para discutir os

territórios de baixa densidade, quando já o tínhamos feito nesta Câmara. Não era preciso termos esperado mais

tempo para fazer aquilo que era preciso.

A Sr.ª Marisabel Moutela (PS): — E no vosso tempo?!

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Primeiro-Ministro, a floresta é a mesma de há, por exemplo, cinco

anos e cabe ao Estado geri-la. O pinhal de Leiria tem pinheiro e não eucalipto — aliás, ainda hoje, o Sr. Ministro

da Agricultura disse que os relatórios referem que estava em condições — e ardeu! Calor e vento sempre houve.

O que falhou foi o comando, foi a prevenção, foi o vosso desleixo, foi a proteção civil, foi a vossa incompetência,

Sr. Primeiro-Ministro!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E responsabilidade política, Sr. Primeiro-Ministro, temos todos. Chegou a hora de o senhor assumir a sua e

não mais se esconder atrás da Sr.ª Ministra da Administração Interna.

Sr. Primeiro-Ministro, o senhor perdeu as eleições legislativas e quis ser o Primeiro-Ministro do Parlamento.

Vozes do PS: — Ah!…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — O senhor perdeu agora a confiança dos portugueses e perdeu ontem

a confiança do Sr. Presidente da República.

A Sr.ª Marisabel Moutela (PS): — Tenha vergonha!

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Primeiro-Ministro, por uma vez seja um estadista, faça aquilo que

a responsabilidade política o obrigue e traga a esta Câmara uma moção de confiança para provar ao País que

continua a ter o Parlamento consigo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Marisabel Moutela (PS): — Ah! Já chegou onde queria!

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hugo Soares, vejo que finalmente chegou ao que

verdadeiramente o preocupa.

Aplausos do PS.

Mas o Governo responde perante esta Assembleia e na próxima semana, por iniciativa do CDS-PP, será

discutida uma moção de censura a este Governo. Na próxima semana, a Assembleia decidirá se o Governo

merece ser censurado ou se tem condições e o apoio parlamentar para continuar a exercer as suas funções.

Aplausos do PS.

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Não tem!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Como ontem disse o Sr. Presidente da República, do voto desta Assembleia

resultará uma de duas coisas: ou a queda do Governo ou a confirmação da confiança política desta Assembleia

no exercício das funções deste Governo. Na próxima semana, teremos o debate da iniciativa do CDS-PP e,

certamente, não nos vamos agora antecipar ao que o CDS já se antecipou a marcar para a próxima terça-feira.

Sobre o que gostaria de falar, Sr. Deputado, para não nos desviarmos do que é realmente importante, é no

apoio às pessoas. É preciso não confundir as indemnizações devidas por danos com os apoios necessários às

famílias, às empresas e às pessoas. E esses apoios não começaram agora nem esperaram por nada.

No dia 18 de junho, eu estava em Pedrógão Grande a reunir com todos os Srs. Presidentes de câmara e

com vários Membros do Governo e acionámos os mecanismos para assegurar os apoios da segurança social,

os apoios à agricultura, os apoios à reconstrução das casas. Tudo isso tem estado e está a acontecer.

Protestos da Deputada do CDS-PP Assunção Cristas.

Ontem, estive em Oliveira do Hospital e na Lousã, a reunir com os Srs. Presidentes de Câmara para tratarmos

do que é necessário resolver agora relativamente aos seus territórios.

Hoje, o Ministro da Agricultura, o Ministro Adjunto, o Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

estão a visitar todos os concelhos atingidos para, em conjunto com os autarcas, definirem o que é prioritário. E

é isso que é necessário fazer. Nós não confundimos o apoio imediato com as indemnizações devidas por danos

patrimoniais e morais sofridos pelas vítimas mortais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Grupo Parlamentar do PSD, por intermédio do Sr.

Deputado Hugo Soares.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o senhor tem muitos anos de

política ativa. O senhor começou há muitos anos na política e para seu próprio gáudio diz que começou com 14

anos.

O Sr. Primeiro-Ministro sabe, como ninguém, que não é a mesma coisa a discussão de uma moção de

censura e a apresentação, por si, de uma moção de confiança neste Parlamento.

O senhor perdeu a oportunidade de mostrar que lidera, que tem a confiança deste Parlamento, que tem a

confiança do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista e do Partido Ecologista «Os Verdes». O senhor tem

medo de apresentar essa moção de confiança, porque não confia nos seus parceiros parlamentares.

Aplausos do PSD.

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O senhor perdeu a confiança do País, perdeu a confiança do Presidente da República, perdeu a confiança

do Parlamento! Na verdade, o Sr. Primeiro-Ministro já não está aí a fazer nada e fazia um favor ao País se

apresentasse a sua demissão ao Sr. Presidente da República.

Protestos do PS.

Sr. Primeiro-Ministro, estamos todos muito disponíveis — estivemos desde a primeira hora — para ajudar

nas soluções de que o País precisa para superar o sofrimento de todos, mas não é a fugir para a frente que

esquecemos o que aconteceu. Assuma, por uma vez, a sua responsabilidade!

Sabe, não é de soberba, não é de sorriso nos cantos dos lábios, não é dizendo «não me façam rir a esta

hora», não é desse tipo de jogo político que os portugueses estão à espera.

Posso dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que também estive a combater os fogos, de mangueira na mão, no

meu concelho, à porta de minha casa.

Vozes do PS: — Ah!…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Mas não o faço para lhe dizer que sou mais que os outros ou que sou

mais que o Sr. Primeiro-Ministro. Faço-o para lhe dizer que só o fiz porque o Estado falhou e o senhor é que

tem a responsabilidade da condução da política pública. O senhor deve assumir a sua responsabilidade!

E volto a perguntar-lhe: o Sr. Primeiro-Ministro tem ou não a coragem de apresentar a este Parlamento uma

moção de confiança?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hugo Soares, tenho a certeza de que a última coisa

que os portugueses desejam ou admitem, sequer, é ver confundir a gravidade dos temas que aqui, hoje, nos

trouxeram com debates desta natureza política.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, admito que se tenha sentido ultrapassado pela iniciativa do CDS-PP. Mérito do CDS-PP!

Aplausos do PS.

No que me respeita e ao Governo, encaramos a iniciativa do CDS-PP como politicamente enquadrada na

Constituição, um direito constitucional, e cá estaremos na terça-feira para o debate da moção de censura.

Mas, Sr. Deputado, moções de confiança só apresenta quem se sente inseguro quanto à confiança, e o

Governo não está inseguro sobre a confiança que esta Câmara nele deposita.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Soares.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, foi a soberba dos que acham que

tudo podem, foi a soberba dos que acham que não precisam de provar nada a ninguém que levou a que tudo

isto tivesse acontecido.

Vozes do PS: — Ah!…

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O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Se o Sr. Primeiro-Ministro não tivesse a soberba política que aqui

demonstrou teria ouvido aquilo que dissemos há quatro meses, teria ouvido o que todos os agentes disseram e

não teria sido displicente e negligente na preparação deste fim de semana de fogos em todo o País. Foi essa a

causa do que aconteceu: a vossa displicência e a vossa negligência!

Sr. Primeiro-Ministro, a grande diferença entre nós é, de facto,…

Voz do PS: — Enorme!

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — … gigante, gigante!

Aplausos do PS.

O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — É, é!

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sabe, Sr. Primeiro-Ministro, nós não nos escondemos atrás de lugares-

comuns nem temos medo das palavras, não temos medo da política, e esta é a Casa onde ela deve fazer-se.

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Muito bem!

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — E o Sr. Primeiro-Ministro esconde-se. Recordamo-nos todos, quando

era líder da oposição, quando era líder parlamentar, de como fazia a sua oposição. Não levo lições suas sobre

essa matéria!

Quero dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que também não levo lições suas sobre a forma como ajudar as

pessoas. Ouvi ontem o seu líder parlamentar — esqueceu-se de lhe dar indicação — dizer que chumbaria a

nossa iniciativa relativa ao mecanismo extrajudicial para ajudar as pessoas que mais precisavam porque

primeiro era preciso o Estado e os tribunais dizerem de quem era a responsabilidade.

O Sr. Carlos César (PS): — Isso é falso! Ainda por cima, é surdo!

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — O Sr. Primeiro-Ministro acabou de o desautorizar, porque dava-lhe jeito

vir ao Parlamento fazer esse número político.

Sr. Primeiro-Ministro, o senhor confessou hoje que não tem a coragem de trazer uma moção de confiança a

este Parlamento, porque também sabe que essa sua soberba esbarra na falta de confiança que o Bloco de

Esquerda, o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista «Os Verdes» têm no seu Governo.

Aplausos do PSD.

Para terminar, queria dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, uma coisa muito simples.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Vai pedir um referendo? É agora?

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Há uns anos, houve um Primeiro-Ministro que disse ao País que, se

fosse preciso perder eleições para fazer aquilo que os portugueses precisavam de fazer, então que se lixassem

as eleições.

Quero dizer ao Sr. Primeiro-Ministro, sem medo das palavras, que o senhor, para se manter no poder, diz:

«Que se lixem os portugueses».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

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O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hugo Soares, aceitar que o Governo responde

exclusivamente perante a Assembleia da República e que o faz nos termos da Constituição, desde logo, através

da iniciativa das moções de censura, como a que o CDS apresentou, não é soberba, é simplesmente aceitar,

responsavelmente, o jogo constitucional. É assim que funciona a Constituição!

Estou bem ciente de que a legitimidade deste Governo é exclusivamente parlamentar. É pelo facto de haver

uma maioria de Deputados contra uma minoria da oposição que este Governo existe e tem legitimidade para

exercer as suas funções.

Aplausos do PS.

No dia em que essa maioria deixar de existir, o Governo deixará de existir. É o que resulta diretamente da

Constituição. E tanto resulta pela rejeição de uma moção de confiança como pela aprovação de uma moção de

censura.

Se a moção de censura for aprovada, o Governo cairá; se não for aprovada, como disse ontem o Presidente

da República, o Governo verá renovada e reforçada a sua legitimidade política. É assim, e cá estaremos na

próxima terça-feira.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, creio que a Assembleia da República tem já para votação final global o texto final que resultou

de várias iniciativas legislativas e que visa, precisamente, criar um mecanismo extrajudicial de reparação e

apoio… Aliás, dizem-me que já foi aprovado. Muito bem!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Está enganado!

O Sr. Primeiro-Ministro: — O que hoje eu disse à comissão de acompanhamento das famílias das vítimas

foi que, relativamente às vítimas mortais, estamos disponíveis para acrescentar um mecanismo que permita

agilizar toda a assunção das responsabilidades.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Termino já, Sr. Presidente.

Mas o que registo, Sr. Deputado, com toda a franqueza, é que, depois de várias intervenções que aqui fez,

nada disse sobre a questão essencial que importava que o PPD/PSD esclarecesse: se o PPD/PSD se revê ou

não nas conclusões e recomendações da Comissão Técnica Independente que esta Assembleia da República

constituiu, e por proposta de VV. Ex.as.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para terminar, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Apoiarão, apoiam ou não apoiam a reforma do sistema de prevenção e combate

aos incêndios florestais? Essa é a questão que importa, essas ideias é que importam aos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Segue-se o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

Para formular perguntas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, pesa sobre nós a tragédia que se

abateu sobre o País, porque o Estado falhou. Falhou a quem perdeu a vida, a quem ficou ferido. O Estado falhou

a quem ficou sozinho a fazer frente ao fogo, a quem foi combatê-lo sem meios, a quem perdeu tudo e a quem

caminha hoje sobre as cinzas.

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Falhou o Estado e, por isso, a responsabilidade é política. É de muitos Governos, incluindo o atual, é de

muitas maiorias parlamentares, incluindo a atual.

Pesam estas mortes, este sofrimento, esta destruição sobre o Estado e, portanto, sobre cada um de nós, no

Parlamento, e sobre cada um dos membros do Governo.

Reconhecer isto é o patamar mínimo para podermos responder ao País, e o Bloco reconhece.

Prestamos, pois, as nossas condolências ao País, agradecemos a generosidade e a coragem de quem

combateu o fogo em condições tão difíceis e de quem acode às vítimas e comprometemo-nos com solidariedade

para todos os afetados, para todo o País.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Mas temos de fazer mais!

Ontem, o Presidente da República deixou a pergunta a que temos de responder: se somos capazes de abrir

um novo ciclo, um ciclo capaz de reconstruir confiança e segurança, e empreender a gigantesca tarefa, perante

nós, de apoiar quem perdeu tudo, replantar floresta, recuperar o País.

Se tudo falha é porque tudo deve ser diferente, da floresta à proteção civil, e a proposta que o Bloco de

Esquerda apresenta hoje, aqui, não é original, é a que os especialistas, ao longo do tempo, têm apresentado.

Em 2014, depois de uma comissão ter estudado longamente os fogos e ouvido inúmeros especialistas,

aprovámos aqui, no Parlamento, uma recomendação para articular defesa da floresta e combate aos fogos e

estudar as novas exigências provocadas pelas alterações climáticas.

O relatório sobre Pedrógão aprofunda essa recomendação e propõe concentrar numa mesma entidade a

prevenção estrutural, ou seja, o ordenamento do território; a prevenção conjuntural, limpeza da floresta,

caminhos, vigilância; e o combate aos incêndios.

Este relatório, da Comissão Técnica Independente nomeada pelo Parlamento e pelo Conselho de Reitores,

comprova que o modelo que aposta tudo no combate e nada na prevenção, que dispensa o apoio dos

especialistas em floresta e meteorologia, que não fornece os meios e a profissionalização necessária ao

combate eficaz ao fogo, se provou absolutamente incapaz.

Noutros países, em Espanha, nos Estados Unidos ou na Austrália, países com problemas semelhantes, mas

com menos área ardida em termos relativos, é assim: há uma estrutura que junta floresta e combate aos fogos,

prioridade à prevenção, combate organizado por quem sabe da floresta.

Oiçamos os especialistas, aprendamos com o resto do mundo e tenhamos a coragem de fazer diferente.

A Ministra demitiu-se, era inevitável! Mas falta demitir o modelo que falhou, construir um novo.

Tem razão o Sr. Presidente da República. É necessário um novo ciclo e, pela nossa parte, respondemos às

perguntas concretas que colocou: «O quê?», «quem?», «como?» e «quando serve esse novo ciclo?».

O quê? Uma nova estrutura de responsabilidade no Governo, que reúna ordenamento do território, política

florestal e combate a incêndios.

Como? Articulando o que tem estado desarticulado, com mais meios, muito mais profissionalização e com a

humildade de aprender com os especialistas e ouvir as populações.

Quem? Novos responsáveis, com a capacidade de reconhecer o permanente estado de exceção climática

em que vivemos e com a credibilidade para dialogar com o País e tomar as decisões corajosas face aos

interesses instalados.

Quando? Desde já, no imediato, apoiar quem precisa, indemnizar quem deve ser indemnizado, reconstruir

capacidade produtiva e emprego, prevenir novas vítimas de incêndios e novas catástrofes ambientais

decorrentes do que já ardeu, garantir a investigação dos crimes contra a floresta e impor regras para que

ninguém ganhe com a desgraça de todos.

No médio prazo, fazer o cadastro, tomar conta das terras sem dono, limpar a floresta e prevenir incêndios.

No longo prazo, reverter o abandono do território e construir uma nova floresta, mais resiliente e segura.

O Bloco aqui está, disponível para debater e apoiar essa mudança. Temos estado sempre! Desde há anos,

e ainda este ano, que passámos o inverno a propor mais sapadores florestais, mais vigilância e a reforma da

floresta.

Depois de Pedrógão, pedimos um novo plano de proteção civil que fosse capaz de responder com a

segurança da população, num ano de seca extrema e de todos os perigos.

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Em setembro e outubro, continuámos o trabalho da reforma florestal. No Orçamento do Estado voltaremos a

defender o investimento público, capaz de garantir os meios que faltam e os apoios que têm de ser prioritários.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — É o Governo que tem na mão a escolha. Hoje, como nunca, o País está

disponível para as mudanças necessárias; hoje, como nunca, o País exige essas mudanças e amanhã, como

nunca, o País vai penalizar os que nada fizeram ou os que agravaram os problemas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, agir com responsabilidade é,

como disse, fazer aquilo que é necessário fazer. E o que é necessário fazer é aproveitar o conhecimento que

está produzido e que está consolidado.

O País mudou muitos nos últimos 10 anos e as condições da floresta e do clima agravaram-se muito. Basta

ler o Relatório da Comissão Técnica Independente sobre Pedrógão para perceber bem quanto as condições

climatéricas contribuíram para aquele resultado; basta falar com todos aqueles que vivenciaram o drama deste

fim de semana; basta ter a noção que tivemos projeções que ultrapassaram a barragem da Aguieira, o rio, o IP3

e que, em meia hora, consumiram quase metade daqueles concelhos.

Ontem, falei com muitos presidentes de câmara e o relato que todos me fizeram foi, de todo, coincidente.

Significa isso que não podemos ignorar que as condições se alteraram substancialmente, pelo que temos de ter

um sistema que também se altere substancialmente.

Pensei que quando a Assembleia da República, por unanimidade, perante uma tragédia, definiu uma

metodologia de «vamos estudar para agir», o compromisso que todos tínhamos entre nós era o de aproveitar o

resultado do saber técnico dos especialistas, do conhecimento científico, para o transformar em políticas. É esse

o nosso pressuposto e é isso que iremos fazer no próximo sábado.

Quando digo que nada pode ficar como antes, quero dizer que, de facto, temos de remodelar claramente

todo o sistema. Não nos basta ter as medidas de fundo sobre as alterações climáticas, não nos basta ter as

medidas de fundo sobre a reforma da floresta que aqui aprovámos em julho; é necessário, também, reinventar

todo o sistema de prevenção e de combate, e é por isso que há, claramente, uma lacuna que é necessário

preencher, e essa lacuna chama-se reforçar a vertente de prevenção.

E devemos fazê-lo com bom senso, como, aliás, propõe a Comissão, não diabolizando ninguém, mesmo

aqueles que, numas horas, são os maiores heróis e, depois, noutras horas, são amadores. Não, os bombeiros

profissionais não são amadores, são pessoas empenhadas, com grande sentido cívico, a quem devemos um

enorme respeito e que não podemos abandonar nos dias em que as coisas não correm bem.

Aplausos do PS.

E temos de ter a consciência que se queremos ter um sistema que seja participado pelas populações o

mesmo tem que ter, também, essa componente de voluntariado, cada vez mais ancorado nas suas terras, cada

vez menos a andar de um sítio para o outro, mas que esteja focado na proteção de pessoas, na proteção dos

povoados, separando e profissionalizando, cada vez mais, o combate a incêndios no espaço rural.

E é essa dupla dimensão que o Relatório propõe, pelo que temos, agora, efetivamente, de fazer uma ponte

entre os dois, de forma a assegurar a devida articulação.

Por isso, Sr.ª Deputada, como sabe, o Orçamento do Estado de 2018 foi elaborado antes, ainda, da

apresentação do Relatório e já previa um reforço significativo das verbas destinadas aos sapadores florestais,

decorrendo, aliás, de uma deliberação da Assembleia da República que determinou que, até final de 2019,

teremos 500 equipas de sapadores florestais preparadas.

É evidente, como, aliás, já há pouco referiu o Sr. Deputado Fernando Rocha Andrade, que no quadro do

debate parlamentar vamos ter que encontrar a flexibilidade necessária para reorientar as condições financeiras

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que permitam arrancar com um novo modelo. Mas não o devemos adiar para um próximo orçamento, temos de

começar a fazê-lo já na discussão do Orçamento de 2018.

É agora que todos temos obrigação de corresponder não só às memórias das vítimas, não só à dor de quem

sofre, mas, também, à competência e ao saber técnico de quem os Srs. Deputados e o Conselho de Reitores

designaram para estudar e fazer o que foi recomendado que fizéssemos. Digo isto com o à-vontade de o

Governo não ter tido nenhuma representação nessa Comissão. Mas sabemos bem que para agir bem é preciso

agir de acordo com o melhor conhecimento científico. É esse conhecimento, seguramente, que temos no

Relatório e é esse que temos que transformar em ação. É isso que devemos fazer e, pela nossa parte, é nisso

que estaremos concentrados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda continua no uso da palavra, pelo que tem

a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o País olha com muita expectativa

para o que sejam essas decisões e esses passos concretos já a muito breve trecho.

Não há desculpas para falhar, mas também não há desculpa para quem, nada fazendo para resolver os

problemas estruturais da nossa floresta, para os quais contribuiu decisivamente, aproveita para explorar as suas

consequências.

Uma coisa é promover a monocultura do eucalipto e a extinção dos serviços florestais, a herança deixada

pela ex-ministra Assunção Cristas, outa coisa é diminuir a mancha contínua de eucalipto e pinheiro e investir na

vigilância da floresta.

Há uma diferença entre atacar direitos básicos dos bombeiros, como fez o anterior Governo, ou dar-lhes mais

meios e formação.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Há uma diferença entre ter a proteção civil e a floresta refém de interesses

privados, tal como têm feito sucessivos governos do PS, do PSD e do CDS, ou fazer as escolhas difíceis para

responder pelo interesse público. Essas são as escolhas que contam e é por essas escolhas que o País avalia

o Governo.

A moção de censura do CDS é-nos apresentada por Assunção Cristas, a «ex-ministra dos eucaliptos», que

pessoalmente teve a tutela da política florestal durante quatro anos.

O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Estou quase a terminar, Sr. Presidente.

É chocante que venha invocar as responsabilidades dos outros a mesma Deputada Assunção Cristas que,

enquanto ministra, foi responsável pela liberalização total da expansão do eucalipto. Quem agora censura é o

mesmo partido que, na sequência da tragédia de Pedrógão, não fez uma única proposta para a reforma florestal.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.

Esta moção de censura, anunciada no primeiro dia do luto nacional, é um truque grotesco.

A exigência, hoje, do PSD, de uma moção de confiança é de um ridículo intolerável.

Aplausos de Deputados do PS.

A exploração da vulnerabilidade do País é deplorável e os portugueses não a vão esquecer.

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Aplausos do BE e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, o novo ciclo é feito não de

discursos mas de ação, e agir é aquilo que nos compete fazer. Por isso, vamos ter de tomar as medidas que

são necessárias: em matéria de gestão dos meios aéreos, em matéria de sistemas de comunicações, em matéria

de reforço da prevenção estrutural, em matéria de mecanismos de prevenção, em matéria de qualificação de

todos os agentes. É isso que temos de fazer e é aí que nos temos de concentrar, o resto são jogadas políticas

que, verdadeiramente, são indignas do momento e da gravidade dos acontecimentos que vivemos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção

Cristas.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o CDS continuará a trabalhar,

como sempre, nas questões estruturais e estaremos sempre empenhados, construtivamente, em alcançar

consensos alargados nestas matérias, como, de resto, apresentámos sucessivamente neste Parlamento.

Dissemos sempre que esta área de ação não podia prejudicar o apuramento de todas as responsabilidades,

sem exceção, em relação àquilo que tinha acontecido na tragédia de Pedrógão Grande. Não confundimos os

dois planos e o Relatório é claríssimo: era possível ter evitado a tragédia humana se tivessem sido empenhados

os meios certos que, de resto, existiam e estavam disponíveis na altura certa.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Perante as conclusões do Relatório, aquilo que é muito claro é a

incompetência e a descoordenação de quem foi nomeado pelo seu Governo.

É normal que não tenha havido, logo a seguir, um assumir dessas responsabilidades e um pedido de

desculpa? Não é normal! É normal que só hoje o Sr. Primeiro-Ministro, aqui, nos diga que, afinal, vai indemnizar

as perdas humanas, quando isso era claro desde aquele momento? Não, não é normal! O Sr. Primeiro-Ministro

deveria ter sido o primeiro a pedir desculpa pelo sucedido — a forma como o fez aqui hoje não é nenhum pedido

de desculpa em nenhuma parte do mundo —, a pedir desculpa pela falha brutal de uma estrutura pensada por

si noutras vestes e nomeada por si, pelo seu Governo, já nestas vestes,…

Vozes do CDS-PP: — Bem lembrado!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — … mais a pensar na amizade do que na competência.

Devia ter sido o primeiro a chamar as famílias das vítimas para as indemnizar, porque um Estado que falha

desta forma, no coração da razão da existência do próprio Estado, se não pode trazer as vítimas e as vidas de

volta — porque não pode — tem, no mínimo, de indemnizar as perdas humanas.

A irresponsabilidade a que assistimos até agora, protagonizada por si e pelo seu Governo, envergonhou-nos

e envergonha-nos. Fico um pouco confortada por saber que, afinal, caiu na razão — talvez alguém lhe tenha

chamado devidamente à atenção para isso — e hoje já seja capaz de nos dizer um pouco mais nessa matéria.

Mas a verdade é que aquilo que todos achávamos que era impossível voltar a acontecer aconteceu de novo,

e na cabeça de todos os portugueses matraqueia a pergunta: como é que isto foi possível? Depois de Pedrógão

o que se exigia era ação pronta. Foi isso que ouvi do Governo.

Aliás, eu ouvi o Governo dizer muitas vezes: «Não é tempo de demissão, é tempo de ação»! E o que é que

aconteceu? A inação total! O que aconteceu foi que se manteve uma ministra enfraquecida — e hoje sabemos

que foi contra a sua expressa vontade —, sem capacidade de dar confiança aos portugueses e sem capacidade

de estabelecer a sua autoridade junto de quem ela reporta. Isto é normal? Não, não é normal, é uma falta de

sentido de Estado!

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E é normal ter mantido dirigentes da ANPC (Autoridade Nacional de Proteção Civil) depois de provas

inequívocas de incompetência? Não, não é normal, Sr. Primeiro-Ministro. Isso é valorizar mais os amigos do

que a proteção dos portugueses!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — É normal ter passado todo o tempo a dizer que a severidade do clima

poderia repetir-se e, depois, não acautelar a extensão de meios para lá do tempo habitual desses meios? Mais,

é normal ter deixado que se reduzissem 29 meios aéreos? Não, não é normal, é irresponsabilidade!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — É normal, depois de Pedrógão, não ter intensificado os meios de

sensibilização das populações para os comportamentos de risco — e eu disse-o em tempo —, nomeadamente

com avisos concretos nos dias mais críticos? Não, não é normal, é desleixo!

É normal que não se tenha garantido, em especial, os meios para o passado fim de semana, quando todos

os avisos meteorológicos apontavam para risco máximo? Não é normal, Sr. Primeiro-Ministro, é, no mínimo,

incúria!

E depois, quando a tragédia se repete, quando perdem a vida dezenas de pessoas — e podia ter sido só

uma, uma só que fosse já seria inadmissível —, vemos o Secretário de Estado, a Ministra e o Primeiro-Ministro

de Portugal numa sucessão de intervenções absolutamente inqualificáveis. O que os senhores tiveram para

dizer aos portugueses foi: «Salve-se quem puder, não esperem pelos meios aéreos, não esperem pelos

bombeiros»!

Morreram pessoas, ficaram destruídas casas, armazéns e fábricas, bem como o nosso pinhal de Leiria, que,

curiosamente, é pinhal.

O Sr. NunoMagalhães (CDS-PP): — É verdade!

A Sr.ª AssunçãoCristas (CDS-PP): — Mais uma vez, o que está à vista de todos é descoordenação,

incompetência e total ausência do Estado.

Não é normal haver gente a passar numa autoestrada ladeada por fogo. Não é e não pode ser! Não é normal

que alguém, em desespero, faça inversão de marcha numa autoestrada e perca a vida. Não pode ser normal!

Não é normal que as pessoas morram dentro de um armazém agrícola sem qualquer auxílio. Não é normal ver

as pessoas chegarem às vilas e às aldeias em desespero sem qualquer informação e sem alguém que os

tranquilize. Não é normal, Sr. Primeiro-Ministro, e não pode ser normal!

Da parte do Governo, vimos uma atitude que transmitia que tudo era normal, que tudo decorria do clima,

como, de resto, também já nos disse hoje, e que tudo decorria do desordenamento florestal.

Quatro meses depois da tragédia de Pedrógão e de mais de 107 mortos, o senhor dirigiu-se aos portugueses,

na segunda-feira à noite, exatamente com o mesmo tom que usou antes para referir que eram de aplicar as

recomendações da comissão técnica, esquecendo que muito ficou por fazer nestes quatro meses e esquecendo

que muito e muito falhou.

Pergunto-lhe: o que nos diz aqui e hoje de novo? Vai indemnizar as 42 vítimas que morreram no passado

domingo?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Assunção Cristas, o que aconteceu não é normal

e, sobretudo, é inaceitável. Não nos podemos conformar com o que aconteceu.

Convém não confundir o realismo, que deve ser sempre transmitido com verdade aos portugueses, com a

aceitação da fatalidade.

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Quando eu disse aos portugueses que não é possível garantir que não volte a acontecer, não é uma

fatalidade que eu aceito, não é renunciar ao dever que tenho de tudo fazer para que não volte a acontecer, é,

pelo contrário, ter a consciência que todos temos, em primeiro lugar eu próprio, de tudo fazer para que não volte

a acontecer.

Aplausos do PS.

É para isso que é necessário termos a consciência dos riscos.

A primeira medida de prevenção é a de termos todos a consciência dos riscos, e isso pode ser politicamente

errado, pode ser até um erro político, mas é falar com verdade aos portugueses. Não gosto de cometer erros

políticos, mas não aceitaria mentir aos portugueses. Isso eu não faço!

Sr.ª Deputada, também lhe queria dizer que nem tudo decorre das alterações climáticas. Não, não decorre

tudo das alterações climáticas. É por isso que já disse — e repetirei as vezes que forem necessárias — que é

fundamental pôr em prática, concretizar em medidas, pôr em ação, tirar do papel as recomendações e as

conclusões de mais uma comissão designada por esta Assembleia.

Espero que aqueles que concordaram com a criação da comissão e aqueles que participaram na

unanimidade das deliberações da decisão, agora também estejam de acordo em pôr em prática e em manter,

no futuro, o sistema que vai ter de ser mudado.

Se há algo que é muito claro é que as coisas não podem ficar como estavam antes, porque a realidade que

nos envolve é hoje completamente diferente.

Sr.ª Deputada, na sua bancada, há pessoas que, tal como eu, também tiveram de gerir verões com incêndios

florestais e nenhuma dessas pessoas, tal como eu, alguma vez tinha passado por aquilo que passámos ao longo

deste verão.

A mudança fundamental tem a ver com as alterações da estrutura e as alterações da conjuntura. A floresta

está pior cada ano, o clima cada vez é mais condicionante e dois anos de seca criam condições únicas.

Esta não é uma questão de desresponsabilização, pelo contrário, é uma condição para nos

responsabilizarmos em relação ao facto de hoje ser preciso fazer mais e melhor, porque as condições são piores

do que eram anteriormente.

Aplausos do PS.

Sr.ª Deputada, quero dizer-lhe que, desde 2007, a lei flexibilizou as fases do risco de incêndio em função das

necessidades. Foi por isso que, na terça-feira passada, perante as indicações de que haveria alteração do risco

de incêndio nos dias seguintes, foram reforçados os meios humanos em mais 1000 efetivos, foram prolongados

os contratos dos meios aéreos que ainda estavam disponíveis e, na sexta-feira, foi feito um aviso operacional,

por parte da Autoridade Nacional de Proteção Civil, que decretou alerta vermelho em todo País, que reforçou os

pré-posicionamentos dos meios e, ao contrário do que tenho ouvido dizer, relembrou que estavam proibidas

iniciativas, como as queimadas e outras.

O Sr. NunoMagalhães (CDS-PP): — Não, não!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Não diga que não, Sr. Deputado. Tenho comigo a cópia do aviso e é preciso

que toda a gente saiba que aconteceu.

É muito fácil tirar as responsabilidades. Eu assumo-as sempre, apuro-as sempre, mas sei bem que primeiro

pergunta-se e depois dispara-se e o que tenho visto muitas vezes é que, como é tanta a vontade de disparar,

nem se formula a pergunta, dá-se logo o tiro. Isso comigo não!

Aplausos do PS.

O Sr. PedroPassosCoelho (PSD): — Foi como o caso dos offshore! Só dispararam!

O Sr. Presidente: — Tem ainda a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas.

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A Sr.ª AssunçãoCristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, afinal, o que mudou este ano?

O clima não foi, porque tivemos anos anteriores exatamente com o mesmo tipo de condições dramáticas; a

floresta não foi, e não me vai dizer que este ano o que ardeu foi eucaliptais com um ou dois anos, que, de resto,

não ardem.

O que mudou este ano? Foi a competência e a coordenação.

O Sr. TelmoCorreia (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª AssunçãoCristas (CDS-PP): — Quando o Sr. Primeiro-Ministro nos diz que tem de fazer tudo e que

tem o dever de tudo fazer, tenho de lhe responder que o senhor falhou rotundamente, porque não fez tudo o

que podia ter feito. Lamento, mas não fez.

Os operacionais, para este fim de semana, estavam em menor número, bem como os meios aéreos, em

relação àqueles que estavam posicionados em maio. Portanto, não fez tudo o que podia ter feito. Lamento, mas

não fez, como não fez quando não demitiu a sua Ministra a tempo e horas.

O Sr. TelmoCorreia (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª AssunçãoCristas (CDS-PP): — Há dois dias, o senhor veio dizer que seria uma infantilidade demitir

a Ministra. Afinal, soubemos que a Ministra quis sair, e bem, logo naquela altura, porque tinha percecionado que

não teria condições para continuar. O senhor não teve sentido de Estado.

Sr. Primeiro-Ministro, digo-lhe outra coisa olhos nos olhos: teve uma oportunidade, a seguir ao que aconteceu

em Pedrógão, de mostrar que era capaz de estar à altura das responsabilidades que são exigidas a um Primeiro-

Ministro. O senhor mostrou que não estava à altura, que não era capaz, que não previu, e deixou que a tragédia

se repetisse.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª AssunçãoCristas (CDS-PP): — Sr. Primeiro-Ministro, é por isso que não podemos voltar a ter

confiança em si, é por isso que os portugueses não têm confiança em si e é por isso que apresentamos, e cá

estaremos para discuti-la, uma moção de censura ao seu Governo, do qual é primeiro e último responsável.

Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD Carlos Abreu Amorim.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Assunção Cristas, temos, seguramente, visões

diferentes do que é o exercício das funções de primeiro-ministro e, um dia, se o for, veremos qual será a forma

da sua atuação.

Do meu ponto de vista, um primeiro-ministro tem o dever de ser solidário com os restantes membros do

Governo e não resolver facilmente um problema político culpabilizando um membro do Governo perante a

primeira calamidade que tem de enfrentar. Isso, sim, é que é um passar de culpas e isso, sim, é que teria sido

esconder-me atrás da Sr.ª Ministra de forma a aliviar um problema político.

Aplausos do PS.

Tenho muita estima, muita consideração e amizade pela Prof.ª Constança Urbano de Sousa. Se insisti para

que se mantivesse em funções, foi porque entendi que era essencial fazermos aquilo que era necessário fazer:

em primeiro lugar, não perturbar o verão; em segundo lugar, apurar as responsabilidades que importavam

apurar; em terceiro lugar, preparar a reforma, o que era muito claro ser necessário fazer, em todo o sistema de

prevenção e em todo o sistema de combate.

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Lamento que o ocorrido no último fim de semana tenha levado a Prof.ª Constança Urbano de Sousa a

entender, por condições que eu respeito, que não poderia esperar pelo próximo sábado, dia em que haverá

Conselho de Ministros, apesar de já ter deixado preparado aquilo que iremos discutir.

Esse é o meu entendimento. Acha que estou errado? Está no seu direito. É assim que eu entendo e é isso

que quero que todos os meus ministros saibam, ou seja, que quando estiverem em dificuldades eu não lavo as

mãos, dou a cara, assumo as responsabilidades e apoio os meus membros do Governo.

Aplausos do PS.

Sr.ª Deputada, deixo-lhe uma nota final: no dia 30 de setembro de 2008, a situação de seca severa no País

era de 0%; em 2010, era de 8%; em 2011, era de 10%; em 2012, era de 15%; em 2013, era de 0%; em 2014,

era de 0%; em 2015, era de 31%; em 2016, era de 0%; e, em 2017, infelizmente, foi de 87,6%. Se acha que o

clima era o mesmo, não era!.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Segue-se o Grupo Parlamentar do PCP.

Para fazer perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. JerónimodeSousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, este debate realiza-se num quadro

particularmente grave da vida nacional.

Neste momento, queremos associar-nos ao luto que percorre o País, queremos transmitir às vítimas e às

suas famílias a nossa mais viva solidariedade e queremos publicamente reconhecer o incansável trabalho dos

bombeiros e forças de proteção civil, forças de segurança e de socorro, que minimizaram os danos e prejuízos.

Estamos a pagar a pesada fatura de décadas de política de direita no mundo rural, na agricultura, na floresta,

no abandono do interior. A desertificação económica e humana de vastos territórios pela liquidação de milhares

de explorações agroflorestais, a falta de rentabilidade económica e a desenfreada expansão do eucalipto, o

desordenamento florestal e a falta do cumprimento mínimo da Estratégia Nacional para as Florestas e do

Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios não são frutos do acaso.

Sobre o encerramento e degradação dos serviços públicos — entre os quais o Ministério da Agricultura —

virados para a floresta, os monopólios da madeira e da cortiça, as políticas de restrição orçamental sujeitas aos

PEC (Programas de Estabilidade e Crescimento) e à União Europeia, dizem-nos que isso é passado, mas o

problema é que não é. Continua presente na nossa vida coletiva.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. JerónimodeSousa (PCP): — Sim, Sr. Primeiro-Ministro, é preciso reconhecer que este é o resultado

de anos de política desastrosa de direita, de sucessivos governos, sem exceção, políticas essas que não podem

continuar a manter-se e que urge inverter, incluindo as do último Governo PSD/CDS — os mesmos partidos que

agora se apresentam como se nada tivessem a ver com a situação que está criada no País. Falam de falhanço

do Estado para esconder o falhanço das políticas de governos concretos.

O povo português ainda tem memória dos 150 milhões de euros retirados da floresta portuguesa pela então

Ministra Assunção Cristas e da lei dos eucaliptos que foi preciso alterar e ainda se lembra que o Governo do

PSD e do CDS até foram à isenção das taxas moderadoras dos bombeiros, eliminando-as.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! Uma vergonha!

O Sr. JerónimodeSousa (PCP): — E só agora foram respostas, diga-se.

Dito isto, e porque há muita gente que precisava de pedir desculpa e que se põe de fora e que se esconde

atrás do Estado, precisamos da determinação e do apuramento do que correu mal também agora. E hoje está

claro que houve muita coisa que correu mal.

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No seguimento do incêndio de Pedrógão Grande, afirmámos que era necessário tomar medidas excecionais

para assegurar a resposta a um verão que previsivelmente seria muito duro.

Quanto propusemos, na lei de apoio às vítimas, que o Governo procedesse ao reforço de efetivos e meios

associados ao dispositivo de combate aos incêndios, designadamente alargando o seu período de

funcionamento, era de determinação e de medidas imediatas de que estávamos a falar.

Quando afirmámos que o Governo teria de tirar todas as consequências destes acontecimentos, sabíamos

que não se resolvia tudo com a demissão da Sr.ª Ministra da Administração Interna.

O que se pede é a determinação, desde já, no apoio às vítimas. Por isso, começo por lhe perguntar, Sr.

Primeiro-Ministro, mal esteja promulgada a lei de apoio às vítimas, que prevê apoios a nível de habitação, de

saúde, de emprego, de reposição do potencial produtivo, se tenciona garantir a efetivação da indeminização às

vítimas por parte do Estado.

Para além disso, é nosso entendimento que o povo português quer respostas claras, nomeadamente quer

saber quais são as medidas, quanto é que se vai gastar em cada uma delas e quais as que serão implementadas.

Neste quadro, o PCP entende ser necessário que, já para 2018, o Governo dê um sinal dessa determinação,

designadamente: elaborando um orçamento específico para a defesa das florestas e um orçamento fortemente

reforçado — Sr. Primeiro-Ministro, até regresso à questão que lhe coloquei em julho, no sentido de saber se

está disposto a gastar na floresta e na agricultura familiar tanto como o Estado gastou na salvação do BANIF;

clareza sobre o compromisso de constituição de 100 equipas de sapadores florestais e sobre a reconstituição

do corpo de guardas florestais no seguimento das propostas do PCP; clareza nas verbas a aplicar na rede das

faixas de gestão de combustível na floresta, que tanta falta fez nos incêndios dos últimos dias, e no reforço dos

meios de combate aos incêndios que a realidade da floresta exige; clareza no reforço de apoio aos bombeiros

voluntários; clareza quanto ao reforço das estruturas do Ministério da Agricultura, designadamente do Instituto

da Conservação da Natureza e das Florestas, cujas dificuldades de resposta são evidentes.

Sr. Primeiro-Ministro, está na disposição de, ainda na fase de debate do Orçamento do Estado, assumir essa

clareza e esses compromissos, mesmo considerando ou reconsiderando as metas do défice definidas e

desfasadas das necessidades e da realidade do País? É que, do nosso ponto de vista, as pessoas têm de estar

primeiro que o défice.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Se assim for, estaremos a prestar a melhor homenagem aos que

perderam a vida, os seus bens, a sua habitação, a sua empresa e a sua produção.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, muito obrigado pelo exemplar cumprimento do tempo.

Para responder, dou a palavra ao Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, muito obrigado.

Creio que resultam do Relatório que foi aqui elaborado na Assembleia claras responsabilidades por falha de

serviço do Estado. Acho que a lei aprovada na Assembleia da República responde, por um lado, a um conjunto

de apoios, como a reconstrução de habitações, a reposição do potencial produtivo, a revitalização do território.

Muitos deles, felizmente, já estão neste momento em curso e têm de prosseguir.

Mas há uma outra dimensão, que tem a ver com a criação de um mecanismo extrajudicial para a reparação

de todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais. Nós aderimos a esse mecanismo extrajudicial, que é muito

abrangente quanto aos seus destinatários. Por isso, na reunião que hoje mantive com a Associação dos

Familiares das Vítimas dos Incêndios de Pedrógão, propus um mecanismo complementar que, relativamente às

vítimas mortais, permitisse ter um tratamento mais célere e mais diferenciado.

A Associação ficou de ir estudar com os seus próprios juristas as soluções a trabalhar, estando marcadas

reuniões técnicas já para amanhã, e assim que concluirmos essa discussão iremos implementar esse

mecanismo.

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O Estado deve honrar esses compromissos. Desde 2007 que, felizmente, temos uma lei de responsabilidade

civil extracontratual do Estado, que apesar de ter sido então vetada, foi confirmada pela maioria existente na

altura nesta Assembleia da República, permitindo que ela entrasse em vigor. Essa lei permite cobrir esse tipo

de danos, e eles devem ser, responsavelmente, satisfeitos por parte do Estado.

Há um segundo domínio de questões que o Sr. Deputado colocou centrado no Orçamento do Estado.

Como sabe, entre a apresentação do Relatório, no dia 12, e do Orçamento do Estado, que foi apresentado

ainda no dia 13, com dois dias de antecedência relativamente ao prazo constitucional, não houve, obviamente,

condições para poder antecipar propostas das quais não tínhamos conhecimento.

Creio que, neste debate do Orçamento do Estado, vamos ter de concretizar ou criar um quadro de

flexibilidade que permita executar aquilo que for possível e necessário realizar ao longo do ano de 2018.

Há matérias que já estão previstas. O Sr. Deputado falou dos sapadores florestais e, em linha com a proposta

que foi aqui aprovada, em junho, creio eu, de acelerar a criação das equipas de sapadores florestais, prevemos

um reforço significativo das verbas para a criação dessas equipas num total de 20 milhões de euros.

Sr. Deputado, só no conjunto das medidas do pilar da prevenção, temos inscritos no Orçamento do Estado

131 milhões de euros para investimento durante o ano de 2018.

Em função das propostas que forem aprovadas no próximo sábado, vamos ter de trabalhar por forma a, em

sede de especialidade, podermos melhorar e encontrar os meios financeiros necessários para responder àquilo

que é necessário e, quanto àquilo que ainda não for possível quantificar em fase de Orçamento do Estado,

criaremos um mecanismo de flexibilidade que permita, ao longo do ano, libertar as verbas necessárias.

Creio que não cometo nenhuma inconfidência se disser em público o que o Sr. Ministro das Finanças

recentemente disse numa reunião: que não será, seguramente, o nosso empenho na consolidação orçamental

que frustrará o que é absolutamente prioritário, que é o reforço da prevenção estrutural, conjuntural e operacional

na nossa floresta.

É isto que posso, aqui, hoje, assegurar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, em nome de Os Verdes, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, queria começar por pegar nesta última parte da

resposta do Sr. Primeiro-Ministro à intervenção do PCP, porque me parece importante deixar clara essa matéria.

Para Os Verdes, o que é fundamental fazer neste momento é fazer o que não foi feito até à data: tomar como

prioridade nacional uma intervenção sobre a floresta e também sobre os meios e o modelo de proteção a

pessoas e bens. Esta é, de facto, a prioridade!

Não sei se outras sugestões que aqui foram avançadas, como a da criação de megaestruturas, são, de facto,

muitos eficazes. Nós já tivemos megaministérios que não tiveram eficácia! Eu só acho que, de facto, falta uma

coisa: tomar como prioridade esta matéria. E, face ao flagelo, à tragédia que ocorreu neste verão, nós não

estamos em condições de deixar de tomar como prioridade esta matéria.

O Sr. Presidente da República também veio apelar, justamente, a isso. Só que o Sr. Presidente da República

teve uma frase no seu discurso que a Os Verdes deixou alguma falta de conforto. Disse o Sr. Presidente da

República: «Se houver margens orçamentais, que se dê prioridade à floresta». Se houver margens orçamentais!

E se não houver? Não pode ser, Sr. Primeiro-Ministro! Há aqui uma prioridade! Se a questão da floresta e da

proteção das pessoas e bens tivesse sido tomada como prioridade, como foi o défice ou o salvar a banca, nós

não tínhamos caído nesta situação!

Gostava, portanto, de ter aqui a garantia, por parte do Sr. Primeiro-Ministro, de que o défice não será um

travão a tomar como prioridade medidas necessárias para a floresta e para a proteção de pessoas e bens. É

preciso, de facto, que essa garantia fique tomada, porque estamos aqui, hoje, a ver os resultados de políticas

de anos e anos e anos de fragilização da floresta, de despovoamento do mundo rural, de encerramento de

serviços públicos, de abandono da agricultura, de fragilização da vigilância no mundo rural, da degradação da

capacidade de resposta dos serviços públicos! É evidente que, depois, isto tem de trazer resultados!

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E, Sr. Primeiro-Ministro, só o Governo anterior, o Governo PSD/CDS, entre 2011 e 2015 cortou um quarto

na estrutura dedicada às florestas, no ICNF! Isto é de bradar aos céus! De facto, nós alertámos, na altura, para

isso, mas cortaram!

E mais: fizeram uma lei, como já aqui hoje e tantas vezes tem sido relembrado, a lei da liberalização dos

eucaliptos, que contribuiu, justamente, para a fragilização da nossa floresta.

Agora, é um desses partidos, o CDS, que fazia parte desse Governo, que vai apresentar uma moção de

censura! Eu presumo que seja também uma moção de censura à sua própria política, porque essa sua política

tem consequências nos dias de hoje!

Aplausos de Os Verdes, do PCP e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, já ultrapassou o seu tempo. Peço-lhe que conclua.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que — não posso deixar de o

assinalar —, para Os Verdes, foi absolutamente confrangedor ver o PSD neste debate e nestas circunstâncias

a fazer concorrência cerrada ao CDS, solicitando ao Governo que apresentasse uma moção de confiança.

Quero dizer que Os Verdes se distanciam absolutamente destes exercícios de estratégia partidária.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, de facto, este debate foram dois

debates: um debate em que participaram Os Verdes, o PCP, o BE, o PS e, presumo, o PAN, centrado na

resolução dos problemas das pessoas que estão a sofrer, dos problemas estruturais da prevenção, dos

problemas estruturais do combate, dos problemas estruturais da floresta; depois, houve um outro debate, o

debate da guerrilha política, que, efetivamente, não tinha a ver com os problemas reais do País.

São dois debates, mas, felizmente, estamos cá para ter este debate, que é o que verdadeiramente importa.

Aplausos do PS.

Sobre a prioridade à floresta, Sr.ª Deputada, posso dizer-lhe que é por darmos prioridade à floresta que

iniciámos, em outubro do ano passado, o debate sobre a reforma da floresta.

De facto, fizemos um debate público, a reforma esteve em discussão pública, apresentámo-la na Assembleia

da República em abril e felizmente foi aprovada em julho. Mas a verdade é que essa reforma ataca problemas

que não têm décadas, têm séculos! Por exemplo, a ausência de cadastro em grande parte do território a norte

do Tejo é um problema que tem séculos e que estamos agora a enfrentar.

Ter uma floresta sustentável, com uma diversidade de espécies, sem manchas contínuas de espécies como

o eucalipto ou como o pinheiro; a valorização do coberto vegetal, que é um combustível de grande danosidade;

a criação, finalmente, de condições para termos áreas com dimensão económica de valorização da floresta que

permitam fixar a população, produzir riqueza e gerar os rendimentos necessários à limpeza da floresta e à sua

gestão sustentável; a combinação entre as espécies de crescimento rápido e também as folhosas, que, sendo

de crescimento lento, são essenciais para assegurar a resiliência estrutural da floresta; todas estas são medidas

que estão adotadas e é agora que as temos de pôr em prática.

Agora sabemos mais: é que não há uma alternativa entre tratar da floresta ou tratar dos mecanismos de

prevenção ou de combate; infelizmente, temos de tratar de todos!

E há aqui também um curioso contraste entre o que ouvimos, sistematicamente, os especialistas dizerem,

ou seja, que é tempo de nos focarmos na prevenção, de mobilizarmos os meios para a prevenção, de não

alimentarmos o ciclo vicioso do fogo, e o que ouvimos quando chegamos ao debate parlamentar, que é sempre

pedir mais e mais meios para o combate, sejam meios humanos, sejam meios materiais, sejam meios aéreos.

Ora, de uma vez por todas, temos de nos concentrar numa estratégia, porque, obviamente…

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O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já concluir, Sr. Presidente.

Como é evidente, Sr.ª Deputada — e disse muito bem —, um orçamento é feito de prioridades: prioridades

quanto ao défice, mas prioridades também quanto à despesa, prioridades também quanto à receita, e é no

exercício dessas prioridades que se faz um bom orçamento.

É nisso que temos de trabalhar, de forma a que, partindo de uma boa proposta orçamental, saiamos daqui,

no final de novembro, com um melhor orçamento para 2018.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — A terminar este debate, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, estive nos últimos três dias no distrito de

Viseu, onde pude constatar a banalização do incumprimento da lei aceite por todos.

As faixas de segurança não existem. É comum ver pinheiros e eucaliptos encostados a paredes de fábricas

e ver mato a entrar pelas cozinhas dentro. Percebemos que os municípios não tenham os meios humanos e

equipamentos para limpar todos os terrenos de proprietários incumpridores, mas o mínimo tem de ser

assegurado para que o fogo não atravesse povoações e zonas industriais, criando-se perímetros de segurança.

Para além disso, comprovei que é inequívoca a falta de formação e informação das populações para reagir

a cenários de catástrofe. Há mortes de pessoas e de animais que podiam ter sido evitadas se as populações

estivessem informadas e treinadas sobre como se autoprotegerem até chegar a ajuda externa, e este trabalho

não está a ser feito pelas autarquias.

Sr. Primeiro-Ministro, para além de alterações de responsáveis no Governo que possam ser feitas, os

portugueses querem saber o que o Governo irá fazer para alterar a forma como se faz política em Portugal,

nomeadamente para corrigir a endémica promiscuidade na Administração Pública, para acabar com a evidente

proteção dos interesses instalados na gestão da floresta e dos meios de combate aos incêndios e para adotar

uma política agrícola que defenda as pessoas e os ecossistemas.

Para terminar, Sr. Primeiro-Ministro, pergunto: quanto tempo irão as pessoas ficar à espera para retomar as

suas vidas? Há muitas vidas suspensas, há pessoas que perderam a sua casa, o seu local de trabalho e o seu

emprego, o seu chão, no fundo. Que ações está o Governo a providenciar para que estas pessoas possam

voltar à sua vida normal, com rapidez e dignidade?

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado André Silva, não sei se é politicamente correto

dizer isto, mas hoje também estamos a pagar o custo de, durante uma década, o País ter conseguido reduzir

significativamente as suas áreas ardidas, que tinham uma média anual de 200 000 ha, para uma média de 70

000 ha. Este facto reduziu a pressão política, a pressão mediática, a atenção do conjunto do País sobre os

problemas estruturais da floresta.

Hoje, muitas das práticas que diz faltarem já existiram, mas foram caindo no esquecimento. Foi a brutalidade

deste verão, em toda a sua dimensão, que, tenho a certeza, nos despertou, a todos, para a imprescindibilidade

de nunca mais voltarmos a esquecer aquilo que a última década nos foi fazendo esquecer.

As faixas de proteção são essenciais fazerem-se, seja nas estradas, seja nas infraestruturas elétricas, seja

à volta dos aglomerados populacionais, seja à volta das casas, mas é preciso não esquecer que, quando as

máquinas de rasto ou as motosserras chegarem à floresta para abrirem e reporem as faixas de segurança que

forem necessárias, iremos ouvir muitas vezes proprietários dizerem que não se pode mexer naquilo que é deles.

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Muito bem!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Ora, é para resolver isto que temos de ter estruturas de gestão florestal que

deem escala que permita remunerar todos com justiça, aqueles que têm na sua propriedade espécies de

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crescimento rápido, que dão rendimento em 10 anos, aqueles que têm espécies de crescimento lento, que só

darão rendimento aos seus netos, e aqueles que têm propriedades onde nada pode estar plantado.

O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, peço-lhe para concluir.

O Sr. Primeiro-Ministro: — A única forma de haver uma perequação justa entre todos é podermos ter uma

gestão de zonas alargadas, onde quem arrenda paga justamente a todos.

O critério que hoje vigora, aceite pacificamente por todos no mundo urbano, de que há uma clara distinção

entre o direito de propriedade e o direito a construir, também tem de chegar ao mundo rural, na clara distinção

entre o direito de propriedade e o direito a plantar.

O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já terminar, Sr. Presidente.

Sim, há sítios onde não é possível plantar nada, há sítios onde não é possível plantar aquilo que queremos,

mas só aquilo que os planos locais de ordenamento florestal permitem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminamos assim o debate quinzenal com o Primeiro-Ministro ao

abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento.

Passamos ao debate preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo

4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo

de Construção da União Europeia, e o debate sobre o discurso do Presidente da Comissão Europeia relativo ao

estado da União, realizado no Parlamento Europeu a 13 de setembro de 2017, nos termos do disposto na alínea

c) do n.º 1 do artigo 4.º daquela Lei.

Tem a palavra, para uma intervenção, em nome do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O Conselho Europeu, que

terá lugar amanhã e depois, incidirá sobre os temas da migração, Europa Digital, segurança e defesa,

aproveitando a hora do jantar para debater o tema das relações externas.

Portugal apoia genericamente o projeto de conclusões que nos parece equilibrado.

Em matéria de migrações, reflete a necessidade de prosseguirmos a aplicação das medidas já adotadas para

fazer face à crise no quadro da Agenda Europeia da Migração. Sublinhamos que a rota do Mediterrâneo Central

assume hoje uma posição nuclear nos nossos esforços e queremos aqui reafirmar a necessidade clara de

solidariedade para com a Itália.

Na senda do projeto de conclusões, consideramos que não se devem perder de vista as demais rotas do

Mediterrâneo. A vigilância de todas as rotas deve ser mantida e reforçada, não podemos continuar com esta

trajetória em que, bloqueada a rota dos Balcãs, se abre a rota do Mediterrâneo Central e, uma vez bloqueada

esta, se aproxima do Atlântico.

O combate às causas profundas da imigração é a chave da gestão responsável dos nossos fluxos

migratórios. Para isso, é fundamental a cooperação com os países terceiros e, em particular, com a África. A

importância que atribuímos a um acordo com vista a adoção da reforma do Sistema Europeu Comum de Asilo

(SECA), no respeito pelos princípios da solidariedade e da responsabilidade partilhada, é uma segunda linha da

nossa posição. Portugal continua fortemente empenhado no cumprimento dos seus compromissos em matéria

de recolocação.

Fundamental para a modernização da economia europeia é o tema da Europa Digital. Portugal revê-se na

importância atribuída a este tema no Conselho Europeu e apoia as suas prioridades — a promoção das

competências digitais, o aprofundamento da administração eletrónica, o aumento da cibersegurança, o

investimento em infraestruturas de rede de comunicações eletrónicas 5G — e o quadro de regras que,

orientando o funcionamento equilibrado do mercado, não prejudiquem a inovação e o crescimento.

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O alargamento e o aprofundamento do Mercado Único Digital em bases sólidas e equitativas são condições

fundamentais para atrair o investimento em inovação, acelerar o crescimento económico e promover uma

sociedade mais transformada e participativa. A transformação digital, onde Portugal assume projetos

importantes, como o INCoDe para as competências digitais, o Programa Indústria 4.0 ou o aprofundamento da

administração eletrónica no quadro Simplex é, para nós, uma prioridade para o nosso desenvolvimento, assim

como é também a prioridade que atribuímos ao desenvolvimento do mercado da energia.

No que diz respeito à cibersegurança, em particular, apoiamos a revisão da estratégia da União Europeia de

2013, de forma a assegurar uma abordagem transversal, a par da autonomia da atuação da União Europeia.

Já no que se refere à tributação da economia digital, Portugal concorda em que é necessário alterar as regras

de tributação e é favorável a uma abordagem comum ao nível da União Europeia que permita, a curto prazo, a

tributação dos rendimentos provenientes da economia digital e que possa, posteriormente, numa solução a longo

prazo, ter um tratamento global no quadro dos trabalhos desenvolvidos pela OCDE (Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Económico). Particularmente relevante é a tributação no que diz respeito às

pequenas empresas e às startup que devem ser claramente apoiadas de forma a permitir um melhor estímulo

ao seu desenvolvimento.

Quanto à segurança e à defesa, é essencial garantir o aprofundamento da cooperação europeia na área de

segurança e defesa e que essa constitua mais um fator de coesão da União e de reforço da sua capacidade de

resposta conjunta e estruturada aos múltiplos desafios externos com os quais a União se defronta.

Portugal tem participado nas discussões relativas ao reforço da vertente de segurança e defesa da União,

partilhando com os restantes Estados este objetivo, que deve ser um catalisador da solidariedade e

convergência entre Estados-membros, designadamente, proporcionando oportunidades ao desenvolvimento de

uma indústria de uso múltiplos em que Portugal quer ser também uma parte ativa.

Esta cooperação estruturada e permanente, que estamos a analisar, deve ser um desafio do aprofundamento

do projeto europeu, mas deve, como sempre temos dito, assentar em bases sólidas e bases sólidas só existem

completando e consolidando a união económica e monetária (UEM), o maior desafio já alguma vez cumprido

pela União Europeia e cuja conclusão é necessário assegurar.

Queremos também acompanhar as discussões relativas ao Fundo Europeu de Defesa, ao Programa Europeu

de Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa, que constituirão instrumentos financeiros com o objetivo

de apoiar o desenvolvimento das capacidades e da componente da inovação e da competitividade a partir das

indústrias de defesa.

Estamos a dar a maior atenção ao potencial deste instrumento financeiro como oportunidade para as

indústrias nacionais do setor da defesa, para o seu efeito multiplicador, num conjunto de pequenas e médias

empresas, para o desenvolvimento da inovação e, muito em particular, para podermos desenvolver as indústrias

de uso múltiplo onde julgamos que podemos e devemos dar um contributo positivo em domínios onde temos

clara especialização, desde a metalomecânica ao têxtil ou ao calçado.

Em síntese, Srs. Deputados, é isto que defenderemos no Conselho Europeu.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Miguel Morgado.

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as

Deputadas, Srs. Deputados: Quero começar por confessar que não é fácil, nem para mim nem para os meus

colegas que irão falar, discutir política europeia quando estamos ensombrados pela tragédia que se abateu

sobre o País.

Porém, há um assunto sobre o qual temos de falar e tem de ser mesmo hoje, Sr. Primeiro-Ministro, não só

porque envolve aspetos do núcleo duro da soberania nacional mas também porque o processo político interno,

aqui dentro, na relação entre o Governo e o Parlamento, em torno desse tema não está a correr bem, e estou a

ser eufemista.

Refiro-me, claro, ao chamado «projeto da união da defesa», isto é, aquele domínio de integração da União

Europeia que envolva as áreas da segurança e da defesa.

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Há um ano que todos sabemos que a defesa iria ser, precisamente, aquele domínio que, na Europa pós

Brexit, iria sofrer o maior impulso de integração.

Há um ano que sabemos que iria ser criada, a curto prazo, uma cooperação estruturada permanente.

No último Conselho Europeu, onde o senhor esteve presente, ficou definido que os Estados-membros teriam

de levar trabalho para casa, a ser concluído em três meses, no que diz respeito a propostas para um programa

de desenvolvimento industrial de defesa, a propostas para o programa de aquisição de equipamentos militares

e das suas capacidades militares, a propostas para os mecanismos de financiamento.

Em setembro, no conselho dos ministros da defesa, a Alta-Representante da União para os assuntos

externos Federica Mogherini anunciou, no final da reunião, que havia um consenso alargado sobre as grandes

linhas da cooperação estruturada permanente, que os ministros deram apoio substancial para formar listas

detalhadas de compromissos conjuntos vinculativos. Disse ainda que, até ao final de setembro, os ministros

iriam consolidar essa mesma lista de compromissos, que já havia 30 propostas de projetos a serem

desenvolvidos — o tal mecanismo da cooperação estruturada permanente. E disse até que já havia muitos

Estados-membros que tinham manifestado a vontade de aderir à tal cooperação estruturada permanente.

Isto significa que, durante estes três meses, nestes últimos seis meses deste último ano, houve trabalho dos

governos — esperamos nós que também tenha havido do Governo português —, houve negociações, houve

discussões, houve elaboração de listas, houve preparação de propostas.

Mas o que é que este Parlamento sabe em concreto da posição que o Governo português tem assumido

nestas matérias? Não sabe nada! E não foi por o PSD não ter interpelado, sucessivas vezes, o Governo. Há

seis meses que estamos a fazer perguntas, concretas, sobre estes temas, que já não podem ser abordados,

como o Sr. Primeiro-Ministro acabou de fazer, com generalidades, são importantíssimos para o funcionamento

do Estado português e para o futuro da União Europeia.

A única coisa que sabemos da posição do Governo português é que há Ministros que se gabam de que

ninguém conhece a posição do Governo português sobre estas matérias e querem fazer passar isso como se

fosse uma estratégia. Dá ideia até que os Ministros, eles próprios, não sabem qual é a opinião do Governo sobre

estes temas.

A nós, responderam sempre que era prematuro, que estavam a analisar, que ainda não sabiam, que não

podiam formar uma opinião, que era preciso «esconder as cartas». Nunca houve respostas concretas e, por

isso, Sr. Primeiro-Ministro, hoje, a quatro semanas da reunião dos ministros da defesa, onde tem de haver uma

posição de Portugal, no sentido de saber se adere ou não à cooperação estruturada permanente, o Sr. Primeiro-

Ministro tem a obrigação política e, recordo, legal de responder a perguntas concretas que irei fazer.

Primeiro: o Governo vai ou não aderir à cooperação estruturada permanente? Repito, estamos a quatro

semanas dessa decisão. Se não vai, porquê? Se vai, em que condições aceita participar?

O Governo apoia a constituição de um fundo de defesa, na dupla dimensão de aquisição de equipamentos

militares e de financiamento da mobilização das capacidades militares?

Qual é a missão da Agência Europeia de Defesa (AED) que o Governo acha mais adequada? Acha que faz

sentido ter a Agência Europeia de Defesa e o Fundo Europeu de Defesa em conjunto?

Que lista de critérios e compromissos vinculativos está a ser preparada pelo Governo, com o que se

comprometeu no Conselho Europeu, em junho, na reunião de ministros da defesa, em setembro, em Taline, e

como consta da agenda do Conselho Europeu desta semana?

Quais são as áreas de cooperação para projetos que o Governo escolheu ou pensa escolher?

Que articulação tem havido com as chefias das Forças Armadas portuguesas na elaboração dessas listas

de áreas de cooperação?

Quais são os projetos que o Governo propôs ou vai propor no âmbito do Programa Europeu de

Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa?

Quais são as condições de financiamento da cooperação estruturada permanente que o Governo considera

preferíveis? Sabemos que a França tem uma opinião, a Alemanha tem outra. Que opinião tem o Governo

português? Pelos vistos, não tem nenhuma, nem quer que os parceiros europeus e o Parlamento saibam que

não tem.

Quais são os mecanismos de avaliação, e este é um ponto muito importante, que o Governo considera mais

adequados neste âmbito?

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Concorda com a existência do chamado «CARD» (coordinated annual review on defence), um mecanismo

anual de revisão dos planos de defesa nacionais e das prioridades que são postas nesses planos, nos termos

em que esse CARD está a ser discutido? Pela informação que é pública, o tal CARD vai iniciar-se agora numa

versão experimental, mas voluntária. O Governo tem a obrigação legal e política de dizer ao Parlamento se vai

colaborar com este mecanismo de revisão, ou não, e tem de responder hoje.

São perguntas concretas que exigem respostas concretas da maior importância.

Sinceramente, nem compreendo o silêncio do Governo nesta matéria. Será porque o Primeiro-Ministro e os

Srs. Ministros se sentem inibidos de discutir este tema, por ser inconveniente discuti-los com os parceiros de

geringonça,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Tenha respeito, ou não tem inteligência para isso?!

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — … dado que o Bloco de Esquerda e o PCP têm demonstrado até agora

uma oposição firme a todo este tipo de projetos?! Será que é isso?! Mas, se é isso, Sr. Primeiro-Ministro, também

lhe digo que o País não tem de andar a reboque das conveniências da geringonça…

Protestos do PCP.

… ou dos planos que o senhor faz para o futuro da geringonça.

Vozes do PSD: — Muito bem!

Protestos do PCP.

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Será que este silêncio se deve à total ausência de política europeia por

parte de um Governo e de um Primeiro-Ministro que tanto apregoaram a necessidade de se ter uma política

europeia diferente, original, e por aí adiante?! Até agora, não sabemos nada!

O Governo deve explicações a esta Casa sobre um assunto que, volto a repetir, toca no centro das

disposições da soberania nacional, e o Parlamento, a Assembleia da República é guardiã de todos os aspetos

da soberania nacional.

Nestas coisas, às vezes, o ridículo e o caricato são mais sintomáticos do que grandes demonstrações. E

dou-lhe um exemplo, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O PSD!

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Em março, a Assembleia da República, por consenso entre todos os

partidos, se bem me lembro, repudiou as declarações do Presidente do Eurogrupo; por consenso também, julgo

que de todos os partidos, pediu a demissão do Presidente do Eurogrupo.

O Sr. Primeiro-Ministro fez declarações totalmente desproporcionadas, diga-se de passagem, dizendo que a

credibilidade da Europa nunca recuperaria enquanto o Presidente do Eurogrupo desempenhasse cargos nas

instituições europeias. O seu Governo preparou um teatrinho de terceira categoria, com o Secretário de Estado

Adjunto e das Finanças, de confrontação com o Presidente do Eurogrupo, apenas para as câmaras de televisão

portuguesas verem.

Ora, há duas semanas, o Presidente do Eurogrupo disse, em conferência de imprensa, que tinha o apoio de

todos os ministros das finanças, incluindo o português,…

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Mau!

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — … para se manter à frente do Eurogrupo até ao final do seu mandato,

apesar de já não ser ministro das finanças do governo holandês, e ainda acrescentou que, depois de concluir

esse mandato — com o apoio do Ministro das Finanças português, e, portanto, do Sr. Primeiro-Ministro de

Portugal —, iria desempenhar um cargo no Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).

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Sr. Primeiro-Ministro, que credibilidade é esta?! Que política europeia é esta?!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados: Hoje, depois do momento triste que estes dias nos trouxeram, talvez seja difícil

falar da Europa e talvez seja dissonante trazer aqui uma nota otimista em relação à Europa, porque a Europa,

realmente, ultrapassou nos últimos tempos algum descrédito, algum ruído, alguma desconfiança da parte dos

cidadãos.

Estamos num momento favorável para progredir no contexto europeu, o momento em que superámos uma

gravíssima crise económica ao nível europeu, em que estamos a ultrapassar adequadamente o Brexit, em que

superámos algumas eleições na Europa, e todas elas pareciam pôr em causa o seu futuro. Mas o momento é

também de exigência, e não apenas de vontade política, por parte dos dirigentes europeus, para progredir. Os

cidadãos exigem da Europa que ela progrida, porque a Europa está ameaçada por vários riscos, há um

acréscimo da tensão internacional que também nos afeta, temos problemas ao nível das nossas fronteiras, a

leste e no sul, temos problemas na nossa vizinhança, existem riscos ao nível dos ciberataques, que cada vez

são mais perigosos e mais sofisticados, e temos problemas, que não desapareceram, de novas crises ao nível

do euro e da economia.

Portanto, há aqui um conjunto de problemas que requer, de todos nós, respostas quer de natureza preventiva,

quer de natureza reativa. E os cidadãos europeus não nos perdoarão se desperdiçarmos este momento para

progredirmos, para avançarmos na construção europeia.

Certamente, olhando para a agenda do Conselho Europeu, e o Sr. Primeiro-Ministro já identificou aqui os

temas principais, não podemos esperar que este Conselho Europeu produza resultados de natureza estratégica,

de natureza estrutural, que respondam adequadamente a todos os problemas, a todas as exigências que

enfrentamos.

Esperamos, contudo, que, neste Conselho Europeu, haja a consolidação de algumas iniciativas anteriores,

ao nível de tudo o que se refere, por exemplo, às migrações, à solidariedade com os Estados mais atingidos

pelas crises migratórias e de imigração — o Sr. Primeiro-Ministro já identificou o caso da Itália —, à reforma do

Sistema Europeu Comum de Asilo.

Saliento também, tal como referido, a materialização do Mercado Único Digital, a revisão da Estratégia da

União Europeia para a cibersegurança, que, apesar de ser de 2013, já está desatualizada, com todos os perigos

e riscos a que temos assistido nos últimos tempos, e tem de ser atualizada, porque os cidadãos o exigem, os

cidadãos também se sentem inseguros com os problemas resultantes da cibersegurança. E temos,

naturalmente, de prosseguir na estabilização das nossas economias. Salientamos aqui também a necessidade

de prosseguirmos com a política comercial europeia. As negociações com o Mercosul são obviamente

estratégicas, do ponto de vista de Portugal, mas também do ponto de vista da União Europeia, e não deveriam

sofrer nenhum atraso.

Refiro ainda, Sr. Deputado Miguel Morgado, as questões relacionadas com a segurança e a defesa, que

também estarão na agenda deste Conselho Europeu, embora todos saibamos que não é neste Conselho

Europeu que as decisões fundamentais vão ser tomadas, é no Conselho Europeu de novembro,…

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — É daqui a quatro semanas!

O Sr. Vitalino Canas (PS): — … que juntará os ministros dos negócios estrangeiros e os ministros da defesa.

E, Sr. Deputado, é contra o interesse nacional que o Governo português defina posições em relação a isso, sem

saber exatamente quais são as decisões a tomar. Neste momento, todos sabemos que os outros Estados, talvez

com exceção de um ou outro,…

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Parece que já são 20!

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O Sr. Vitalino Canas (PS): — … designadamente daqueles que estiveram na linha da frente da iniciativa da

cooperação estruturada — a França, a Alemanha e mais um ou outro —, estão a reservar a sua posição.

Portanto, Portugal ou o Governo português não estaria, neste momento, a cumprir o interesse nacional, se

revelasse a sua posição prematuramente.

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Estamos a quatro semanas!

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Todos percebemos que essa posição terá de ser adotada no momento certo,

e não agora, e todos sabemos e conhecemos a informação que está disponível, que é exatamente a mesma

dos outros Parlamentos nacionais.

Sr. Primeiro-Ministro, compreendemos que o debate vital, o debate estratégico sobre as questões da Europa

não vai estar já neste Conselho Europeu. Esse debate estratégico é o debate em torno do discurso do Sr.

Presidente da Comissão Europeia e em torno, desde logo, do Livro Branco da Comissão Europeia, com os seus

cinco cenários, e agora com o sexto cenário, como o próprio designou, que é sobre o futuro da Europa. O

discurso do estado da União, do Presidente Juncker, de 13 de setembro, é, portanto, um discurso importante e

era esse discurso que deveríamos discutir a fundo, até porque esse discurso ganhou força com o facto de o

Presidente francês, Macron, ter feito também, ele próprio, um discurso importante na Sorbonne, no final de

setembro, no qual secundou ou consolidou, no fundo, muitas das propostas que estavam já no discurso do

Presidente Juncker. É certo que os dois discursos não são totalmente coincidentes, desde logo, porque o

Presidente Juncker tem uma estratégia que visa, naturalmente, o progresso da União Europeia, mas, sobretudo,

uma União Europeia em que os Estados-membros permaneçam coesos e unidos. Portanto, o que o Presidente

Juncker quer que seja assegurado, no futuro, é que haja uma União Europeia com os mesmos valores, uma

União Europeia com a mesma moeda — todos os Estados-membros com a mesma moeda —, o euro, uma

União Europeia com as mesmas fronteiras comuns, definidas através do espaço Schengen, os mesmos direitos

sociais, as mesmas regras fiscais e também a mesma política e a mesma estratégia de segurança e de defesa.

E o Presidente da Comissão Europeia quer garantir que se permaneça nos tratados tal como estão, que não

seja necessário rever os tratados.

Porém, o Presidente Macron pretende uma Europa ligeiramente diferente. O Presidente Macron recupera,

aliás, conceitos tradicionais franceses, como o conceito de soberania, recupera Jean Bodin, que traz um conceito

de soberania, mas não o conceito de soberania dos Estados, o conceito de soberania da Europa como um

espaço político. Trata-se de um conceito interessante, que vale a pena discutir, o conceito político da Europa

soberana, de uma Europa capaz de assegurar a sua própria defesa sem depender de ninguém, de uma Europa

capaz de assegurar a resistência, a crise económica e a assistência aos Estados-membros sem depender de

ninguém, de uma Europa capaz de fazer face à criminalidade e ao terrorismo sem depender de ninguém. É este

o conceito que está subjacente no espírito do Presidente Macron e, para isso, o Presidente Macron aceita,

inclusive, uma Europa a várias velocidades, ao contrário do que resulta do discurso do Presidente Juncker.

Creio poder dizer que, de entre estes dois discursos, que não são, aliás, inconciliáveis, desde que o discurso

do Presidente Macron seja um discurso que aceite várias velocidades, mas sem condicionalismos que deixem

de fora quem queira participar nas várias estruturas, o discurso do Presidente Juncker é aquele em que mais

nos podemos rever. E, Sr. Primeiro-Ministro, o calendário indiciado pelos discursos que referi assinala várias

datas centrais: a das eleições para o Parlamento Europeu, em 2019, a que se seguirá uma nova Comissão, e

os anos que vêm logo a seguir, até 2025.

A próxima presidência portuguesa rotativa será no 1.º semestre de 2021, ou seja,…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Estou a concluir, Sr. Presidente.

Como eu estava a dizer, a próxima presidência portuguesa rotativa será no 1.º semestre de 2021, ou seja,

esta presidência não está longe do ponto central do período que está perspetivado nestes dois discursos.

Há fortes possibilidades de, mais uma vez, Portugal ser chamado a ter um papel importante com a sua

Presidência, como já teve em 2000, com a Estratégia de Lisboa,…

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir, porque já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — … como já teve em 2007, com o Tratado de Lisboa. Estaremos, certamente,

à altura desse momento e saberemos contribuir para o progresso da Europa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Quando discutimos

hoje o que vai ser debatido no próximo Conselho Europeu, e já muito se falou dos valores e dos supostos valores

que estiveram na criação do projeto europeu, muitos dos temas inseridos na agenda desse Conselho Europeu

levam-nos, de facto, a um debate, que deveria ser mais aprofundado, sobre esses valores e a forma como as

instituições europeias chegam à prática relativamente estes mesmos valores. E, neste sentido, começaria pelas

matérias de migração.

De facto, em especial nos últimos dois anos, esta tem sido uma matéria que está em todas as agendas do

Conselho Europeu, é incontornável, mas tal não significou, até hoje, que as soluções encontradas tenham sido

sempre as melhores e, já o dissemos, têm sido levadas por uma onda política tendencialmente mais xenófoba,

e isto é preocupante.

As políticas europeias para a migração continuam, na verdade, a ser de fechamento e desconfiança face ao

outro, face ao que vem de fora, ao mesmo tempo que as políticas com cariz mais humanitário têm ficado aquém

das expectativas, e a sua execução demonstra exatamente isto.

Se recordarmos, as conclusões do anterior Conselho falavam da necessidade de se ir mais além na execução

dos programas de recolocação, dos regimes de reinstalação, mas vemos que continuam a existir problemas

operacionais nos locais de primeiro contacto — falou na Itália, mas também na Grécia, onde a situação é ainda

calamitosa — com os requerentes de asilo, refugiados e migrantes. Incrivelmente, passados estes anos todos,

a situação continua má e continua a dizer-se que se tem de aprofundar estas soluções; no entanto, nada se vê

e as pessoas continuam a morrer, literalmente, às portas da Europa e não conseguem entrar no nosso território,

quando vêm à procura de auxílio e a fugir da guerra.

Incrivelmente, no documento de rascunho das conclusões, que foi apresentado por este Conselho, há algo

que não pode, e não deve, ser aceite por ninguém: nele é indicado, está escrito, que é preciso reduzir a

atratividade da migração considerada ilegal, através do retorno forçado. É absolutamente inadmissível que este

tipo de palavras sejam utilizadas quando falamos de situações de cariz humanitário. Não podemos aceitar que

estes termos sejam utilizados neste tipo de debates, porque estamos a falar da vida das pessoas.

O Sr. Pedro Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Já agora, pergunto: qual vai ser a posição do Governo português, relativamente

a esta questão?

Na verdade, o que se entende das propostas, agora em cima da mesa para este Conselho, que vem no

seguimento dos anteriores, é um reforço de uma força mais musculada, seja na Guarda Europeia de Fronteiras

e Costeira, seja no Frontex, mas, desta vez, vai mais longe, com a chamada «cooperação estruturada

permanente» e com a aplicação do Fundo Europeu de Defesa. E, sobre esta matéria, percebemos que nos

próximos Conselhos, poderá não ser no próximo mas muito proximamente, haverá decisões a tomar.

Temos de dizer que também a pressa da direita em decidir sobre esta matéria diz muito sobre o tipo de

políticas que estão por detrás da criação deste tipo de mecanismos. Sabemos que estão em causa investimentos

na área de investigação e desenvolvimento da defesa, com enfoque naquilo a que se chama «a economia de

defesa de duplo uso». No entanto, isto parece-nos estranho, porque, na verdade, o objetivo político que está por

detrás deste aprofundamento da cooperação estruturada permanente e do Fundo Europeu de Defesa é um

objetivo diferente, é mais discutível politicamente e não vemos vantagem absolutamente nenhuma em

aprofundar estes caminhos. Também por isso, perguntamos: qual vai ser, afinal, a posição do Governo

português sobre esta matéria, quando deveríamos estar a focar-nos em investimentos de outra ordem e em

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soluções humanitárias e não securitárias? É que esta senda de políticas europeias que privilegiam a

militarização e a vigilância não significam, necessariamente, uma maior segurança, e temos visto isto,

infelizmente, nos últimos meses.

Portanto, nesta matéria, o Bloco de Esquerda repudia o rumo que está aqui traçado, porque ele não responde

efetivamente aos problemas que temos em cima da mesa.

O Sr. Pedro Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Gostaria de deixar mais três notas.

Em primeiro lugar, também era dito na agenda que um dos temas em debate serão as relações com a

Turquia. A verdade é que o acordo que foi feito com a Turquia sobre as migrações continua a ser uma mancha

incrível para todos os europeus. Pergunta-se: porquê agora? O que se passou nos meses mais críticos de

atropelos aos direitos humanos naquele País não foi suficiente para se ter debatido seriamente na altura?! Foi

preciso esperar mais meses para que a situação se agravasse?! Será que é desta vez que os líderes europeus

vão ter vergonha do acordo que assinaram com este País para expulsar pessoas do nosso território e repatriá-

las para a Turquia? É isto que vai acontecer? É este o debate que está em cima da mesa? Fica a pergunta.

A segunda nota é relativa ao Brexit. Depois de Michel Barnier ter anunciado, há algumas semanas, enquanto

negociador por parte da União Europeia, aquilo a que ele chamou «impasse perturbador», foi conhecido um

documento de trabalho para o Conselho Europeu que abre ligeiramente a porta a mais diálogo, de forma a

chegar rapidamente a algumas conclusões. Nota-se que este impasse tem, por parte da União Europeia, muito

a ver com as matérias ligadas ao financiamento e às questões dos fundos e com a forma como serão utilizados

e divididos.

Considerando que ambas as partes têm insistido e que se tem assistido a um endurecimento destas

posições, o que podemos esperar no que toca aos direitos dos cidadãos, nomeadamente dos cidadãos

portugueses, que se encontram no Reino Unido e que continuam com um nível de incerteza que prejudica muito

a sua vida diária e que, portanto, continuam sem resposta até hoje? Quando se fala em adotar linhas de

orientação adicionais para terminar o quadro de uma relação futura, o que é que isto, na prática, significa? Quais

serão as posições do Governo português?

Deixo uma última nota sobre um ponto que está incrivelmente ausente desta agenda do Conselho Europeu,

que tem a ver com a Catalunha. E esta ausência tem, com certeza, um significado, mas gostaríamos de

perguntar: o que é que, afinal, têm os Estados-membros a dizer sobre o pedido de mediação que foi feito por

parte do Governo catalão? Não se ouviu nenhuma resposta até hoje.

Já agora, será que é deste Conselho Europeu, ou de um próximo, que vai sair uma resposta concreta sobre

a utilização de força extrema de um Estado sobre o seu povo? Será que é uma situação que não tem qualquer

importância para estar na agenda do Conselho Europeu, Sr. Primeiro-Ministro?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo,

Sr.as e Srs. Deputados: O Conselho Europeu vai reunir amanhã e no dia subsequente, em circunstâncias

melhores do que as de há um ano, mas não necessariamente nas melhores circunstâncias ou, sequer, em boas

condições.

Continuamos, enquanto União Europeia, sem ter ainda uma resposta efetiva para o tema do Brexit, soma-se

a isto a recente situação na Catalunha e, no caso português, temos também de lamentar totalmente a ausência

de decisões quanto à conclusão da arquitetura da zona euro, e isto é fundamental, no nosso caso, para

garantirmos o financiamento da economia portuguesa.

Os temas na agenda, nomeadamente os mais relevantes, são o das migrações, o da agenda digital e o da

defesa e segurança, e vou tentar focar todos eles.

Começando pelo tema das migrações, acho que é importante salientar que conseguimos alcançar progressos

muito assinaláveis nesta matéria. Hoje estamos radicalmente diferentes do que estávamos em outubro de 2013.

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Em outubro de 2013, deu-se um colapso do sistema de decisão europeu por causa da crise dos refugiados. A

verdade é que, em outubro de 2013, não foi possível dar resposta a uma crise, que era uma crise humanitária e

que, muito rapidamente, se transformou também numa crise do próprio processo de decisão ao nível europeu.

Neste sentido, o que falhou foi a solidariedade, houve falta de solidariedade entre todos os Estados ao nível

europeu, criando uma divisão, que temos de denunciar como falsa, entre o Norte e o Sul, entre os cumpridores

e os incumpridores, entre os credores e os devedores.

Hoje, felizmente, no tema dos refugiados conseguimos avançar. Foi possível, por exemplo, com a

cooperação entre a União Europeia e a Turquia, reduzir, em cerca de 100 vezes, as travessias dos migrantes

que estavam a cruzar o Mar Egeu para se dirigirem à Grécia e à Itália. Ou seja, das cerca de 10 000 travessias

que se faziam por dia, verificam-se hoje cerca de 100.

Foi possível acabar praticamente com a rota do Mediterrâneo Oriental e também foi possível diminuir muito

os fluxos ilegais na rota do Mediterrâneo Central. Mas há ainda muito a fazer e não podemos deixar, de forma

alguma, de denunciar que, dos cerca de 160 000 migrantes que a União Europeia se comprometeu a acolher,

ainda não se conseguiu dar resposta a estas situações. Portugal fala com o à-vontade de quem tem sido um

País cumpridor, exemplar até, no acolhimento e na integração destas mesmas pessoas. E sabemos que um dos

desafios que temos pela frente é o de estabelecer parcerias de cooperação entre os países da União Europeia

e os países de origem ou os países de tráfico.

Neste sentido, queria perguntar-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, o que é que o Governo português está a fazer,

relativamente a uma esfera muito relevante, a do Diálogo 5+5, que junta cinco países na margem norte do

Mediterrâneo e cinco países na margem sul do Mediterrâneo, e muitos destes países são de trânsito ou de

origem destes mesmos migrantes. Esta plataforma, na qual Portugal participa desde 1983, é fundamental, por

isso, gostávamos de saber o que é que o Governo português vai fazer relativamente à mesma.

O segundo tema é o da agenda digital. Felizmente, a Europa começou finalmente a acordar para este tema,

e, neste sentido, saudamos tudo o que está a ser feito pela atual presidência. Mas convém lembrar que, das 15

maiores companhias de base tecnológica do mundo, não há uma única que seja europeia e esta, porventura, é

uma das nossas maiores dificuldades.

Uma das propostas que vai ser discutida no próximo Conselho é uma proposta à qual Portugal aderiu, que

nasceu no Conselho ECOFIN, que é a de haver uma tributação específica relativamente a grandes «gigantes»

da indústria tecnológica. Sobre esta matéria, Sr. Primeiro-Ministro, queria fazer-lhe uma pergunta, não sem antes

dizer-lhe que o problema da Europa é não ter, neste momento, estes mesmos gigantes, mas certamente que se

há grandes companhias, seja na banca, seja nos serviços, seja na indústria, que estão a obter riqueza na Europa

é absolutamente justo que paguem impostos na Europa.

Gostava de saber qual é a posição do Governo português relativamente à utilização e à redistribuição desses

mesmos impostos. Onde é que vamos alocar esses impostos? Por exemplo, aos produtores de conteúdos que

estão diretamente a ser prejudicados por estas companhias? Era muito importante ter uma clarificação, do ponto

de vista do Governo português.

Para terminar, Sr. Primeiro-Ministro, passo a um outro tema, que também é muito relevante e que não está

a ser tratado da melhor forma: o da cooperação estruturada permanente na matéria da defesa. Já perguntámos

várias vezes ao Governo — aliás, até reunimos com o Governo no sentido de perceber qual é a posição do

Governo português — e, neste momento, a menos de um mês do final deste mesmo processo, que se iniciará

no próximo mês de novembro, no qual temos de ter uma posição, ainda não conhecemos a posição do Governo

português sobre esta matéria. Sabemos que há 21 Estados-membros da União Europeia que querem estar

nesta linha da frente, não sabemos se Portugal é, ou não, um destes Estados-membros e era fundamental

percebermos o que é o Governo português, neste momento, está a pensar sobre esta matéria.

Já agora, Sr. Primeiro-Ministro, quais são os mecanismos de avaliação desta mesma cooperação e que

pacote financeiro é que esta cooperação vai exigir ao Estado português? Neste sentido, temos também de nos

perguntar como é que esta cooperação vai, efetivamente, funcionar, porque estas matérias são muito

importantes. O Governo admite, de alguma forma, abdicar de uma ligação intergovernamental só feita ao nível

dos Estados ou admite transferir, de alguma forma, soberania para as instâncias comunitárias, a começar, por

exemplo, com a Comissão Europeia? A resposta a esta pergunta não é indiferente para este quadro, tal como

não é indiferente percebermos se o Governo admite, de alguma forma, abdicar da regra prevista nos tratados,

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que é a regra da unanimidade, relativamente a matérias que tenham a ver com cooperações estruturadas como

estas. A resposta a esta pergunta também não é indiferente para esta matéria.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente, com uma última questão. Para nós é muito

importante saber o que o Governo português pensa relativamente à compatibilização das nossas obrigações e

compromissos no quadro da NATO (North Atlantic Treaty Organization) com a pertença a esta cooperação.

Também sobre esta matéria o Governo português tem sido relativamente omisso.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Relativamente

ao projeto de conclusões do próximo Conselho Europeu, gostaríamos, não discorrendo sobre todos os aspetos

que dele constam, ainda assim, de sublinhar duas constatações que fazemos, e a primeira delas tem a ver com

a circunstância de termos um diretório de potências, com a Alemanha à cabeça, a procurar afirmar o seu poder,

a defender as mesmíssimas políticas e orientações que tem afirmado e defendido ao longo do tempo e a procurar

debelar as suas diferenças com a França, sobre quem paga e quem manda no instrumento de domínio, que é

a União Europeia.

Sr. Primeiro-Ministro, em matéria de defesa, parece-nos que a abordagem feita neste projeto de conclusões

não apenas confirma esta constatação como suscita particular preocupação e discordância da parte do PCP,

considerando os aspetos que têm a ver não só com o enquadramento da cooperação estruturada permanente,

em particular o posicionamento dianteiro que a Alemanha tem tido em relação a esta matéria (com os objetivos

que são conhecidos quanto às opções que a Alemanha procura impor relativamente a estes aspetos), mas

também, naturalmente, com a preocupação, que não é de somenos importância (pelo contrário, na nossa

perspetiva, não pode ser secundarizada), com aquilo que tem a ver com a abordagem das questões da matéria,

considerando a sua importância no plano da soberania e da defesa da soberania do Estado português.

Portanto, naturalmente, queríamos deixar esta nota de particular preocupação e discordância da nossa parte,

como, de resto, temos vindo a fazer na própria Comissão de Defesa, onde esta matéria tem vindo a ser discutida

e considerada, não constituindo isso matéria de surpresa para quem quer que seja.

Mas há outro aspeto que, tendo relação com o projeto de conclusões, tem também a ver com o

desenvolvimento das últimas semanas no quadro da União Europeia e com as tentativas de condicionamento

da discussão dos Orçamentos do Estado por parte dos Estados-membros, particularmente a partir da apreciação

que é feita pela União Europeia, e sobre o qual eu queria colocar uma questão concreta, Sr. Primeiro-Ministro.

Aliás, esta matéria tem uma relação direta com o que estivemos aqui a discutir no debate quinzenal,

nomeadamente com as questões que o PCP suscitou e que têm a ver com a matéria dos incêndios florestais.

Em relação a esta matéria, Sr. Primeiro-Ministro, já tivemos oportunidade de afirmar e repetir a importância

que lhe damos, não apenas no exame comum, que fomos fazendo do Orçamento do Estado ao longo destes

meses, mas com a perspetiva que nos parece cada vez mais necessária de lhe dar tradução no Orçamento do

Estado.

Ora, como é sabido, os Deputados do PCP no Parlamento Europeu levaram a cabo nos últimos dois dias um

conjunto de iniciativas para tentar mobilizar todo o apoio e recursos possíveis para fazer face à tragédia dos

incêndios. Interpelámos a Comissão Europeia sobre a possibilidade de extensão dos recursos conseguidos na

sequência do incêndio de Pedrógão e dirigimo-nos ao Presidente do Parlamento Europeu a propor uma visita

de uma delegação desse Parlamento a Portugal com carácter urgente e extraordinário para avaliar a extensão

das consequências dos incêndios e para aferir da possibilidade de apoios extraordinários para uma situação

extraordinária.

Entretanto, recebemos uma resposta da Comissão Europeia a uma pergunta feita anteriormente sobre a

possibilidade de as despesas do Estado com a reparação dos prejuízos do incêndio de Pedrógão Grande e com

o investimento na prevenção e proteção da floresta não serem contabilizadas para efeito de défice das contas

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públicas. A resposta da Comissão, quanto às reparações, foi positiva e, quanto ao investimento para prevenção

e proteção da floresta, não fechou a porta.

Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, quero colocar-lhe duas questões em concreto. Primeira, que diligências é que

o Governo está a tomar junto da União Europeia para mobilizar todos os recursos e apoios possíveis? Segunda,

face à resposta da Comissão Europeia à pergunta do PCP, que medidas é que o Governo tenciona tomar para

tirar partido da possibilidade de não contabilização para o défice das despesas com a reparação e do

investimento na proteção da floresta, considerando um aumento das verbas no Orçamento do Estado para estes

fins?

Como ainda disponho de tempo, colocava-lhe uma outra questão, Sr. Primeiro-Ministro, que não tem tanto a

ver com o projeto de conclusões da Comissão Europeia mas com alguns desenvolvimentos mais recentes e que

estão para lá desta questão dos incêndios florestais. De acordo com notícias que foram tornadas públicas, o

Comissário Dombrovsky terá anunciado a suspensão do terceiro pilar da união bancária. Pela informação

disponível, não terá havido consenso ao nível do Conselho quanto a uma proposta, ela própria já um recuo

relativamente a outra proposta, da propagandeada criação de um sistema comum de garantia de depósitos que

previa um faseamento da sua implementação até 2024. Ou seja, como o PCP alertou em devido tempo, o

sistema de garantia de depósitos era a «cenoura» com que o «cacete» da ingerência, da centralização e da

concentração bancária vinha acompanhado. Da nossa parte, este desenvolvimento não nos surpreende e,

mesmo que o terceiro pilar tivesse avançado, isso não alteraria a natureza do projeto de união bancária.

Obviamente que a pergunta que lhe coloco não é sobre a relação entre a «cenoura» e o «cacete» mas para

saber que consequências retira o Governo desta circunstância, porque, para quem, como o Governo, fez do

terceiro pilar uma espécie de prémio de consolação, impõe-se naturalmente perguntar se…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Termino, Sr. Presidente.

Como eu dizia, impõe-se perguntar ao Governo se agora está disponível para alterar a posição que

anteriormente assumiu, face a este desenvolvimento que agora é conhecido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, ouvimos com atenção o

discurso do Presidente da Comissão Europeia no Parlamento Europeu e ficámos ainda mais preocupados.

Ficámos preocupados não só pelo caminho que a Europa está a seguir mas, sobretudo, com o propósito que

resulta desse discurso, de continuar esse caminho como se estivesse tudo a correr às mil maravilhas para os

povos da Europa. E o que ressalta deste discurso é uma tentativa clara de desresponsabilizar a União Europeia,

face à profunda e prolongada crise económica e social que a Europa está a viver, mas também pelo acentuar

das desigualdades entre Estados. Ou seja, não há qualquer esforço de autocrítica ou sequer um apelo à reflexão

que possa questionar as orientações atuais da União Europeia.

Depois, esse discurso apresenta-nos um roteiro para a Europa que tem por base a democracia e a

transparência, mas logo a seguir, em jeito de vitória, refere-se a entrada em vigor provisória do acordo comercial

com o Canadá.

Ora, o CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement) é o exemplo mais claro da falta de

transparência e da natureza pouco ou nada democrática do processo de decisão da União Europeia. Houve

falta de transparência porque o processo foi negociado em segredo, nas costas dos europeus, e foi pouco

democrático porque a Comissão Europeia tentou fazer entrar em vigor este acordo sem a devida ratificação dos

Estados-membros. Como não conseguiu, acabou por fazer entrar em vigor provisoriamente o acordo à margem

dos parlamentos nacionais. Ora, isto de democracia não tem absolutamente nada, ainda por cima tratando-se

de um acordo com a importância que o CETA assume, porque o CETA não é um acordo qualquer.

O CETA não é apenas um acordo de livre comércio, é muito mais do que isso. É um acordo político que

introduz a ideia de que a democracia está reduzida a um conceito lateral que apenas pode funcionar se e quando

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não perturbar os lucros das grandes multinacionais, porque, se o fizer, a democracia não vai funcionar. Aliás,

não se percebe como é que a União Europeia quer ser líder, no que diz respeito ao combate às alterações

climáticas, quando o CETA vem trazer muitas limitações a este nível, já que ignora completamente a

necessidade de combater as alterações climáticas.

A este propósito, Sr. Primeiro-Ministro, deixo-lhe já uma primeira pergunta: na perspetiva do Governo

português, o CETA vem contribuir para o objetivo da Europa, de assumir a liderança no combate às alterações

climáticas, ou, pelo contrário, constitui um enorme entrave nesse propósito?

Depois, Sr. Primeiro-Ministro, se há preocupação, como aponta o roteiro, em reforçar a democracia na União

Europeia, também era importante saber se o Governo considera que a intenção de acabar com a regra da

unanimidade nas votações do Conselho contribui para termos, ou não, uma Europa mais democrática.

Por fim, Sr. Primeiro-Ministro, o Presidente da Comissão Europeia defende que todos os países-membros

deveriam entrar na zona euro. O que pergunto é se o Governo português também considera que esta é uma

matéria prioritária ou se entende haver outras questões relativas ao euro que possam ganhar uma prioridade

mais importante do que a da entrada de todos os países-membros no euro.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou, telegraficamente, tentar responder a todas

as questões que me colocaram.

Em primeiro lugar, considero que o CETA, assim como a negociação do acordo do Mercosul, é importante

para a União Europeia contribuir para uma melhor regulação da globalização, que é do interesse da economia

europeia e do emprego dos europeus.

Relativamente ao Brexit,que a Sr.ª Deputada Isabel Pires questionou, há avanços muito insuficientes e, no

que respeita aos direitos dos cidadãos, há, em particular, ainda que assegurar as questões relativas à

reunificação familiar e à portabilidade dos direitos sociais.

Em relação às questões migratórias, convém não confundir o tema dos refugiados — esse, sim, de natureza

humanitária — com o tema da imigração. O combate à imigração ilegal não é desatender aos efeitos

humanitários, é, pelo contrário, reforçar a proteção das pessoas, porque os traficados são, em primeiro lugar,

vítimas do tráfico de seres humanos e da imigração ilegal, de que importa também proteger.

O Sr. Deputado Pedro Mota Soares tem razão porque a questão das rotas migratórias é uma questão crucial,

e isso só demonstra bem como temos de resolver o problema na origem, daí a cooperação com os países

subsaarianos. A cooperação com os países 5+5 é absolutamente decisiva. Aliás, a reunião dos ministros 5+5,

que terá lugar dia 8 de novembro em Marrocos, terá na agenda precisamente o tema das migrações.

Relativamente às questões da Turquia, gostaria de relembrar que o acordo que tem sido muito criticado é o

acordo bilateral entre a Grécia e a Turquia.

O acordo que a Europa assinou com a Turquia foi o de assumir receber no seu seio refugiados que estejam

na Turquia por conta de refugiados que a Grécia reenvie para a Turquia.

Por fim, gostaria de dizer duas coisas, relativamente a questões de fundo que foram colocadas: primeiro, não

creio que seja um bom caminho avançar para a revisão de tratados. Avançar para esse tipo de revisão é avançar

para a situação de não termos solução alguma em tempo útil daquilo que devemos resolver.

O que é que devemos resolver? Questões práticas como aquelas que o Sr. Deputado João Oliveira sublinhou,

designadamente a necessidade de se ter melhor flexibilidade na gestão do nosso Orçamento para responder a

calamidades como a dos incêndios, de se ter um reforço do sistema europeu de proteção civil e de se ver

reforçado o fundo de solidariedade europeu, que, para danos superiores a 598 milhões de euros, que

apresentámos, assegurou um apoio a Portugal de 15 milhões de euros. Estes são os problemas concretos, mas,

depois, há outros.

Temos de responder a novas políticas, como a de defesa e a de segurança, mas isso tem de assentar em

bases sólidas e, para isso, temos de concluir a união económica e monetária, começando, desde logo, por

acabar o que começámos como união bancária. Mas temos de fazer mais, temos de conseguir efetivamente

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19 DE OUTUBRO DE 2017

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que da Cimeira da zona euro marcada para dezembro resulte uma reforma efetiva daquilo que é a nossa união

económica e monetária.

Relativamente à nossa cooperação estruturada permanente em matéria de defesa, entendemos que a

devemos acompanhar e que a devemos ver num quadro global, não como uma alternativa ou como competitiva

às políticas de coesão ou de competitividade, mas devemos ter a capacidade de a integrar nestas duas

valências, na política industrial, como reforço da competitividade, e na participação de todos os Estados-

membros, de acordo com a sua própria produção e especialização,…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — … de forma a reforçar a sua coesão.

Mas é essencial ter também uma visão global do que é a noção de defesa e de segurança, designadamente,

incorporando aqui a segurança energética, e, neste quadro, Portugal representa, quer com a sua fachada

atlântica quer com as interconexões, uma mais-valia para reforçar a segurança energética da Europa.

O Sr. Presidente: — Tem mesmo de terminar, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Mas novos avanços sem completar aquilo que já foi conseguido em matéria de

União Económica e Monetária, sinceramente, não creio que seja realista e producente.

Para concluir, Sr. Presidente, e para que não haja qualquer equívoco, gostaria de informar a Câmara que o

Sr. Deputado Miguel Morgado, ontem, teve oportunidade de formular todas as questões que aqui formulou na

reunião que o Sr. Ministro da Defesa manteve, durante mais de uma hora, com representantes de todos os

grupos parlamentares.

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Não respondeu!

O Sr. Primeiro-Ministro: — E, Sr. Deputado, onde V. Ex.ª esteve com mais dois Deputados do seu partido.

Aplausos do PS.

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Não respondeu!

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Miguel Morgado, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa sobre a condução dos

trabalhos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Sr. Presidente, fiz várias perguntas concretas e aleguei a obrigação política

e legal do Sr. Primeiro-Ministro para responder.

Se for preciso mais tempo, cedo ao Governo o tempo que sobrou do PSD, que não esgotei, para o Sr.

Primeiro-Ministro poder responder às perguntas.

O Sr. Presidente: — O Sr. Primeiro-Ministro fará o favor de dizer se quer responder a esta interpelação ou

se a deixa ao cuidado da Mesa.

O Sr. Secretário de Estados dos Assuntos Parlamentares (Pedro Nuno Santos): — Sr. Presidente, dá-

me licença?

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I SÉRIE — NÚMERO 9

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O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estados dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, normalmente, quando o

Governo quer falar pede a palavra.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos com, como é prática habitual

nestes debates preparatórios do Conselho Europeu, o Primeiro-Ministro no uso da palavra.

A próxima reunião plenária terá lugar quinta-feira, dia 19 de outubro, às 15 horas, e terá como ordem do dia:

ponto um, a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 97/XIII (3.ª) — Define o regime sancionatório

aplicável ao desenvolvimento da atividade de financiamento colaborativo; ponto dois, o debate, na generalidade,

da proposta de lei n.º 98/XIII (3.ª) — Altera o regime de atribuição de títulos de utilização do domínio público

hídrico, relativamente a situações existentes não-tituladas; ponto três, a apreciação, na generalidade, da

proposta de lei n.º 96/XIII (3.ª) — Altera o Código de Processo Penal, permitindo a notificação eletrónica de

advogados e defensores oficiosos; ponto quatro, a discussão, na generalidade, do projeto de lei n.º 599/XIII (2.ª)

— Reforça a defesa da concorrência e regula as ações de indemnização por infração às disposições do direito

da concorrência (private enforcement) (PSD); e, finalmente, ponto cinco, a apreciação conjunta, na generalidade,

dos projetos de lei n.os 635/XIII (3.ª) — Cria a ordem dos fisioterapeutas (PS), 636/XIII (3.ª) — Cria a ordem dos

técnicos de saúde e aprova o seu estatuto (PS) e 642/XIII (3.ª) — Criação da ordem dos fisioterapeutas (CDS-

PP).

Desejo a todos o resto de uma boa tarde.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 6 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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