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Quinta-feira, 12 de dezembro de 2019 I Série — Número 16

XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)

REUNIÃOPLENÁRIADE11DEDEZEMBRODE 2019

Presidente: Ex.mo Sr. José Manuel Marques da Silva Pureza

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Helga Alexandra Freire Correia Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita Ana Sofia Ferreira Araújo

S U M Á R I O

O Presidente (José Manuel Pureza) declarou aberta a sessão às 15 horas e 3 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os 145 a 147/XIV/1.ª, dos Projetos de Resolução n.os 149 a 155/XIV/1.ª e do Projeto de Regimento n.º 6/XIV/1.ª.

Foram discutidos, em conjunto, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 88/XIV/1.ª (PS) — Reforça a proteção de advogados em matéria de parentalidade ou doença grave, alterando o Código do Processo Civil e o Código do Processo Penal, 109/XIV/1.ª (BE) — Regula as relações laborais na advocacia e 113/XIV/1.ª (PAN) — Confere aos advogados a prerrogativa de suspensão de processos judiciais nos quais sejam mandatários ou defensores oficiosos em caso de doença grave ou exercício de direitos de parentalidade. Intervieram os Deputados Francisco Pereira Oliveira (PS),

Pedro Filipe Soares (BE), Cristina Rodrigues (PAN), João Cotrim de Figueiredo (IL), António Filipe (PCP), André Neves (PSD), Telmo Correia (CDS-PP), André Ventura (CH) e Joacine Katar Moreira (L).

Foram discutidos, conjuntamente, os Projetos de Resolução n.os 83/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que adote um programa de apoio à mobilidade de âmbito verdadeiramente nacional e territorialmente justo, 102/XIV/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo a efetiva aplicação do Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART) em todo o território nacional, 104/XIV/1.ª (PEV) — Promoção efetiva dos transportes coletivos em todo o território nacional e 107/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que estude e desenvolva condições para o aumento das deduções dos encargos com os transportes para os contribuintes residentes

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em territórios do interior. Proferiram intervenções os Deputados Carlos Peixoto (PSD), Isabel Pires (BE), José Luís Ferreira (PEV), João Pinho de Almeida (CDS-PP), João Cotrim de Figueiredo (IL), André Pinotes Batista (PS), Cristina Rodrigues (PAN), Bruno Dias (PCP), Joacine Katar Moreira (L) e André Ventura (CH).

Foram discutidos, em conjunto, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 3/XIV/1.ª (BE) — Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e trigésima quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro), 117/XIV/1.ª (PAN) — Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território português após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro), 118/XIV/1.ª (PCP) — Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade Portuguesa (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade) e 126/XIV/1.ª (L) — Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade). Proferiram intervenções os Deputados Beatriz Gomes Dias (BE), Inês de Sousa Real (PAN), António Filipe (PCP), Joacine Katar Moreira (L), José Luís Ferreira (PEV), Constança Urbano de Sousa (PS), Catarina Rocha Ferreira (PSD), André Ventura (CH), João Cotrim de Figueiredo (IL) e Telmo Correia (CDS-PP), tendo este Deputado dado também resposta à Deputada Joacine Katar Moreira (L), que usou da palavra em defesa da honra.

Foram discutidos, em conjunto, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 37/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece medidas de promoção da durabilidade e garantia dos equipamentos para o combate à obsolescência programada, 116/XIV/1.ª (PAN) — Estabelece medidas de promoção do desenho ecológico e do aumento do ciclo de vida dos equipamentos elétricos e eletrónicos, 119/XIV/1.ª (BE) — Alarga o prazo de garantia na venda de bens móveis de consumo (segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril) e 120/XIV/1.ª (PEV) — Aumento da durabilidade e expansão da garantia para os bens móveis e imóveis (alteração ao Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril). Intervieram os Deputados Bruno Dias (PCP), Cristina Rodrigues (PAN), Nelson Peralta (BE), José Luís Ferreira (PEV), Filipe Pacheco (PS), Márcia Passos (PSD), João Cotrim de Figueiredo (IL) e André Ventura (CH).

Foram discutidos, conjuntamente, os Projetos de Resolução n.os 15/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que tome as medidas necessárias ao alargamento da ADSE a todos os portugueses, independentemente de terem ou não um vínculo laboral ao Estado e 92/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas que garantam a sustentabilidade da ADSE. Usaram da palavra os Deputados Ana Rita Bessa (CDS-PP), Duarte Pacheco (PSD), Eurídice Pereira (PS), Inês de Sousa Real (PAN), João Cotrim de Figueiredo (IL), André Ventura (CH), Paula Santos (PCP), Joacine Katar Moreira (L) e Joana Mortágua (BE).

Foram debatidos conjuntamente, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 52/XIV/1.ª (PAN) — Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de abuso infantil, negligência e violência doméstica, 87/XIV/1.ª (PS) — Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores, 107/XIV/1.ª (PSD) — Septuagésima sexta alteração ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, alterando o regime do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, de forma a clarificar que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores sempre que tal corresponda ao superior interesse do menor, 110/XIV/1.ª (CDS-PP) — Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores, em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento e 114/XIV/1.ª (BE) — Altera o Código Civil, prevendo o regime de residência alternada da criança na regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento. Intervieram os Deputados Bebiana Cunha (PAN), Joana Sá Pereira (PS), Mónica Quintela (PSD), Cecília Meireles (CDS-PP), Sandra Cunha (BE), José Luís Ferreira (PEV), André Ventura (CH), António Filipe (PCP) e Joacine Katar Moreira (L).

O Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 28 minutos.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.as e Srs. Deputados, muito boa tarde.

Vamos dar início à nossa sessão desta tarde.

Eram 15 horas e 3 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as portas das galerias ao público.

Dou, desde já, a palavra à Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha para anunciar à Câmara as iniciativas

legislativas que, entretanto, deram entrada na Mesa.

Faça favor, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, passo a anunciar.

Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Lei n.os 145/XIV/1.ª (PAN) — Determina a restrição

da realização de voos noturnos, salvo por motivo de força maior, 146/XIV/1.ª (PEV) — Procede à terceira

alteração ao Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, determinando o impedimento de colheita mecanizada noturna

de azeitona, com vista à preservação da avifauna, que baixa à 7.ª Comissão, e 147/XIV/1.ª (PCP): — Institui o

Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos como Laboratório Nacional do Medicamento, que

baixa à 9.ª Comissão, em conexão com a 3.ª.

Deram, igualmente, entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Resolução n.os 149/XIV/1.ª (CH) —

Pela reposição da legalidade inerente ao ISV cobrado aos veículos usados provenientes de outro Estado-

Membro da União Europeia, que baixa à 5.ª Comissão, 150/XIV/1.ª (IL) — Recomenda ao Governo que não

efetue quaisquer contribuições adicionais para o Fundo de Resolução, que baixa à 5.ª Comissão, 151/XIV/1.ª

(BE) — Alteração da portaria sobre a comparticipação de fórmulas que se destinem a crianças com alergia à

proteína do leite de vaca (APLV), que baixa à 9.ª Comissão, 152/XIV/1.ª (BE) — Recomenda a requalificação

da Escola Básica 2, 3 Dr. António Augusto Louro, Agrupamento de Escolas Dr. António Augusto Louro,

153/XIV/1.ª (PEV) — Sobre a aplicação da Lei n.º 27/2016, de 23 de agosto, relativa a centros de recolha oficial

de animais e proibição de abate de animais errantes, que baixa à 7.ª Comissão, 154/XIV/1.ª (PAR) —

Deslocação do Presidente da República ao estrangeiro durante o mês de dezembro e 155/XIV/1.ª (CH) —

Reversão do presente acordo ortográfico e regresso à grafia antiga, que baixa à 12.ª Comissão.

Finalmente, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o Projeto de Regimento n.º 6/XIV/1.ª (PAN) — Procede à

quarta alteração ao Regimento da Assembleia da República n.º 1/2007, de 20 de agosto, que baixa à 1.ª

Comissão.

Terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputada.

Vamos, então, dar início ao ponto um da ordem do dia, que consiste na discussão conjunta, na generalidade,

dos Projetos de Lei n.os 88/XIV/1.ª (PS) — Reforçando a proteção de advogados em matéria de parentalidade

ou doença grave, alterando o Código do Processo Civil e o Código do Processo Penal, 109/XIV/1.ª (BE) —

Regula as relações laborais na advocacia e 113/XIV/1.ª (PAN) — Confere aos advogados a prerrogativa de

suspensão de processos judiciais nos quais sejam mandatários ou defensores oficiosos em caso de doença

grave ou exercício de direitos de parentalidade.

Para dar início ao debate e para apresentar a iniciativa legislativa do Partido Socialista, tem a palavra o Sr.

Deputado Francisco Oliveira.

Agradecia, entretanto, à Câmara que se criassem condições de mobilidade e de sonoridade internas para

que todos possam pronunciar-se e ouvir devidamente.

Sr. Deputado Francisco Oliveira, faça favor.

O Sr. Francisco Pereira Oliveira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e, em particular, Srs. Deputados

dos Grupos Parlamentares do Bloco de Esquerda, do PAN e do PS, responsáveis pelas iniciativas parlamentares

referentes aos Projetos de Lei n.os 88, 109 e 113/XIV/1.ª, da XIV Legislatura e membros da 1.ª Comissão: Estes

três projetos de lei dizem respeito às condições de trabalho dos advogados como profissionais liberais e às

dificuldades em, muitas vezes, assegurarem plenamente o exercício da profissão quando se deparam com

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situações de doença grave ou com ocorrência de direitos e deveres de parentalidade e, ainda, quanto às

relações laborais na advocacia.

No que concerne às questões de suspensão dos processos judiciais em caso de doença grave ou no

exercício dos direitos de parentalidade, entendemos que o projeto do PS é mais justo e equilibrado porque não

prescinde de um acordo entre as partes ou sujeitos processuais.

É também importante que tal suspensão só venha a ocorrer após prova e verificação efetiva de tais factos.

Em suma, a suspensão não pode nem deve ser automática, mas devendo só ocorrer após a confirmação

das razões que a suportem. Há que encontrar o equilíbrio certo entre os direitos dos advogados e o princípio da

celeridade processual, princípio basilar de uma justiça eficaz e consagrada constitucionalmente.

O cidadão exige uma justiça rápida, pelo que é fundamental excluir desta suspensão os atos urgentes e

aqueles que, não sendo praticados em tempo útil, resultem num prejuízo irreparável para o processo.

A atribuição destes direitos aos advogados, que são, em todo, legítimos, não pode nem deve permitir o

arrastamento do processo.

Se, no domínio cível, as questões referidas são importantes, no âmbito do processo penal estas assumem

uma relevância ainda maior. Refira-se como exemplo o caso de arguidos presos ou sujeitos a outras medidas

de coação menos gravosas.

Por todos estes motivos, deverão tais alterações ser devidamente avaliadas e sopesadas, por forma a obter

um regime equilibrado que proteja os advogados mas que evite a morosidade e a denegação da justiça.

Quanto às relações laborais na advocacia, consideramos que se verificaram alterações do modo do seu

desempenho, tendo passado da antiga prática individual para o exercício de funções em grandes sociedades

que empregam centenas de advogados e advogados-estagiários, o que veio criar um novo foco de precariedade,

designadamente sobre a forma de falsos recibos verdes, potenciador de práticas abusivas e de ilegalidade com

todos os deveres de um trabalhador, mas nenhum direito relativo à cessação da relação laboral destes

advogados.

Registe-se que a profissão de advogado é a única profissão liberal com consagração constitucional de

interesse público e essencial à administração da justiça.

A regulação do exercício da advocacia está sujeita ao preceituado no Estatuto da Ordem dos Advogados,

sendo a estes profissionais liberais reconhecido um grau de autonomia decorrente da independência prevista e

regulada no código deontológico plasmado no Estatuto da Ordem dos Advogados.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Bem lembrado!

O Sr. Francisco Pereira Oliveira (PS): — Por sua vez, em fevereiro de 2018, a Ordem dos Advogados

apresentou uma proposta do estatuto do advogado que é conveniente ter em conta.

Precisamos de garantir direitos laborais aos advogados, mas precisamos também de preservar a

independência e a autonomia indispensáveis à sua nobre função.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar a iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda,

tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Assistimos a uma mudança

profunda no modelo tradicional do desempenho da atividade de advocacia.

Hoje, não é anormal, particularmente nos grandes centros urbanos, ter escritórios de grandes sociedades

com dezenas ou mesmo centenas de advogados ou advogados-estagiários. Por isso mesmo, infelizmente, não

é anormal a precariedade que, nesta atividade profissional, vemos grassar com estes exemplos.

O objetivo do nosso projeto de lei é tão simples quanto isto: mesmo na advocacia, onde há uma relação

laboral, deve haver um contrato de trabalho. Não queremos ninguém que veja o combate à precariedade ficar

pela metade quando chega à entrada de um escritório de advogados ou que se exclua toda uma classe

profissional dos direitos que são reconhecidos a todas as trabalhadoras e a todos os trabalhadores.

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Sabemos que o combate à precariedade na advocacia, muitas vezes, está refém de um falso argumento,

que é o do princípio da independência técnica. Mas isto é falso por três razões essenciais: por um lado, o próprio

Estatuto da Ordem dos Advogados permite a existência de contratos de trabalho; por outro, é o Código do

Trabalho que afirma a compatibilidade entre a subordinação jurídica e a autonomia técnica do trabalhador; e,

por último, estes contratos de trabalho já existem de facto, apesar de não serem reconhecidos como tal.

Assim, temos situações de advogados e advogadas que exercem a sua profissão para a mesma entidade

empregadora, cumprem essa atividade com um rendimento fixo, estão sujeitos a um horário de trabalho, a uma

estrutura hierárquica, ao cumprimento de códigos de conduta e estão inseridos na estrutura organizativa da

sociedade; no entanto, não têm nenhum contrato de trabalho. De forma simples, têm todos os deveres de um

trabalhador, mas nenhum dos direitos.

Mas não somos só nós que o dizemos. Há decisões de tribunal que demonstram que é ilegal ter estes

trabalhadores e estas trabalhadoras a recibos verdes porque eles, de facto, deviam ter um contrato de trabalho.

Não é por serem advogados ou advogadas que a lei não se lhes aplica.

Por isso é que vemos outras situações, outros abusos da autoridade patronal perante estes advogados e

estas advogadas: despedimentos sem qualquer tipo de indemnização ou a negação de direitos mais básicos,

como o do tempo para a parentalidade ou maternidade.

Creio que se há, de facto, vontade de combater a precariedade, esta vontade não pode ficar à margem do

que se passa hoje no setor da advocacia.

Por isso, o repto que é lançado a todas e a todos é o de que se juntem ao projeto de lei do Bloco de Esquerda

para combater a precariedade dos advogados e das advogadas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar a iniciativa legislativa do PAN, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2009, entrou em vigor um

diploma que constituiu um importante avanço em matéria de direitos dos advogados em caso de maternidade,

paternidade e luto, concedendo a possibilidade de estes profissionais procederem ao adiamento de atos

processuais nas situações descritas.

Sucede que o referido diploma não é suficiente para resolver o problema central, que é a falta de direitos

destes profissionais em determinadas circunstâncias. Veja-se o caso da maternidade, por exemplo. Admite-se

o adiamento de atos processuais, no decurso do primeiro mês, por um período máximo de 60 dias. Então, e

durante o período do aleitamento? E a importância de os primeiros momentos de vida do filho serem vividos em

família? Terão os advogados menos direitos do que os outros trabalhadores?

A inevitabilidade dos advogados não terem os mesmos direitos na parentalidade, decorrentes da natureza

das suas funções enquanto profissionais liberais, não significa que não devam ser assegurados outros direitos

de mais fácil resolução, como são aqueles que hoje aqui discutimos.

Temos conhecimento de casos em que as advogadas, não tendo conseguido quem as substituísse numa

audiência de julgamento e estando em período de aleitamento, tiveram de levar os filhos recém-nascidos para

o edifício do tribunal para que, nos intervalos da audiência, pudessem amamentá-los. Isto é digno, Srs.

Deputados? Isto é justo? Afinal que políticas de natalidade pretendemos ter?

As advogadas e os advogados que exercem a profissão de forma isolada estão especialmente vulneráveis

nos casos de doença grave ou maternidade.

Assim, propomos que se permita uma dispensa da atividade, com plena amplitude, que abarque

necessariamente a suspensão de prazos relativos a todos os atos processuais, num prazo máximo de 60 dias.

É essa mesma amplitude que pretendemos com a apresentação desta iniciativa, uma vez que, na nossa

ótica, deve existir uma conjugação adequada entre a desejável celeridade da justiça com outros direitos

elementares desta classe profissional, designadamente na maternidade e paternidade ou doença grave. Não

nos esqueçamos que, antes de serem advogados, estes profissionais são homens e mulheres com as mesmas

necessidades e direitos que cada um de nós.

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Terminamos com a nota de que a previsão destes direitos não prejudica os poderes do mandatário de

subestabelecer o mandato nos termos da lei, nem a liberdade de escolha do mandatário pelo mandante.

Estamos conscientes de que esta solução não resolve todo o problema, mas é, sem dúvida, mais um passo

na garantia de mais direitos para estes profissionais.

Os advogados são parte fundamental na defesa dos direitos e garantias de todas as pessoas, mas não nos

podemos esquecer de que eles são também cidadãos e cidadãs que precisam dessa mesma proteção.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, entramos agora na fase do debate.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados. Dos três projetos que hoje

se apresentam, há um que se destaca, que é o do Bloco de Esquerda e, infelizmente, não é pela positiva.

Se já existem, como alegam os Srs. Deputados, verdadeiros contratos de trabalho entre as sociedades de

advogados e os advogados, então estes já poderão ver reconhecidos estes direitos que têm no Código do

Trabalho.

E se não confiam em mim para vos dizer que o atual Código do Trabalho é insuficiente, espero que confiem

no Supremo Tribunal de Justiça — e tenho aqui, pelo menos, dois acordos que o confirmam —, mas, se não

confiam no Tribunal, talvez o Bloco de Esquerda confie na CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores

Portugueses), cujo parecer em relação a este mesmo projeto, na passada Legislatura, confirma o que estamos

a expor, ou seja, que este projeto é inútil.

Se pode ser difícil para alguns trabalhadores nesta situação verem reconhecidos os seus direitos, isso não

se deve à falta de proteção legal, mas, sim, à lentidão e à excessiva burocratização da justiça, que se agrava

de ano para ano.

Em termos de relações laborais de advogados, gostaríamos de propor a alteração dos Códigos do Processo

Civil e do Processo Penal, de forma a efetivar o Decreto-Lei n.º 131/2009 e evitar a discriminação entre todos

os que trabalham nos tribunais e conferir aos advogados direitos em matéria de parentalidade e de doença

grave.

Por isto, votaremos favoravelmente os projetos de lei apresentados pelo PS e pelo PAN e votaremos contra

o projeto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António

Filipe, do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre a matéria relacionada com o exercício

da advocacia e com o seu Estatuto, temos, hoje, aqui três iniciativas legislativas, sendo que duas visam resolver

um problema e a outra tem a ver com uma outra questão que é distinta.

Começando pelos projetos de lei, um, apresentado pelo Partido Socialista e, outro, pelo PAN, gostaria de

dizer que ambos colocam, de facto, um problema com as nossas leis de processo, quer do Código do Processo

Civil quer do Código do Processo Penal, que não têm em conta a flexibilidade que deveria haver em relação aos

prazos processuais, quando não se trate de processos urgentes, para acorrer a situações em que o advogado

que deva estar presente em determinadas diligências sofra uma doença grave ou esteja numa situação de

maternidade.

Na verdade, as leis de processo não têm em conta essa situação, quando deveriam ter, e por isso estas

iniciativas, no sentido de dotar a nossa legislação processual da flexibilidade necessária para acorrer a situações

dessas que são, obviamente, justificadíssimas, são bem-vindas, sendo que os projetos de lei preveem a

necessidade de uma justificação concreta das situações para que elas possam ser atendidas.

Assim, estas iniciativas terão o nosso bom acolhimento.

O projeto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda tem que ver com uma outra matéria, que é a de saber

como é que se concilia a natureza de profissão liberal da advocacia com as situações de advogados que

exercem a sua atividade de advogado por conta de outrem. É um problema muito relevante, na medida em que,

parecendo evidente que se um advogado tem um contrato de trabalho com uma entidade empresarial e exerce

perante os tribunais, designadamente, a sua atividade como advogado, é necessário que não haja qualquer

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confusão entre o seu estatuto enquanto trabalhador subordinado, tendo um contrato de trabalho, e a sua

atividade como advogado, que é incompatível com qualquer subordinação jurídica relativamente à sua liberdade

e à sua independência no exercício da profissão.

Portanto, o que é preciso é conciliar o Estatuto da Ordem dos Advogados e o Estatuto do Advogado, enquanto

mandatário judicial, em que tem de ter a sua independência técnica e a sua independência jurídica perfeitamente

asseguradas, e a situação de subordinação jurídica inerente ao contrato de trabalho, sendo que, havendo um

contrato de trabalho, é necessário salvaguardar os direitos desse advogado enquanto trabalhador.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Quer a natureza jurídica da profissão de advogado quer a natureza jurídica

do contrato individual de trabalho e os direitos que o trabalhador tem enquanto tal são dignas de tutela, sendo

certo que esta é, infelizmente, uma situação relativamente nova, na medida em que tem que ver com uma

situação de crescente dependência e precarização do exercício da advocacia.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, há aqui um problema de conciliação que faz todo o sentido que o

legislador olhe para ele, trabalhe sobre ele e encontre soluções justas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André

Neves, do PSD.

O Sr. André Neves (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pese embora as iniciativas em causa

sejam de louvar, a verdade é que os projetos de lei aqui apresentados não abarcam toda a complexidade do

exercício da advocacia nem tão-pouco do nosso mundo judiciário nestas questões em concreto, nomeadamente,

em dois pontos muito específicos que gostava de salientar.

No que toca ao projeto de lei do Partido Socialista, não nos parece razoável que se faça depender da parte

contrária a citação para a suspensão da instância, até porque, sabemo-lo bem, na maior parte dos casos há

interesses conflituantes entre as partes e, neste caso concreto, poderíamos acabar por prejudicar quem

queremos, efetivamente, beneficiar com estes projetos de lei.

O segundo ponto tem a ver com a questão da doença grave, a sua classificação, a sua definição, o conceito,

o que é e o que não é a questão do impedimento para o normal exercício do mandato. São questões que

precisam de alguma densidade, de serem vistas com algum aprofundamento, pelo que espero que todos em

conjunto possamos encontrar soluções para que estes projetos possam, efetivamente, chegar a bom porto.

Perante uma questão que nos merece toda a atenção — refiro-me especificamente aos projetos do Partido

Socialista e do PAN, porque o do Bloco de Esquerda, como já aqui foi dito, trata de questões completamente

distintas —, devemos todos, em conjunto, encontrar o equilíbrio que garanta os interesses preponderantes,

como já aqui disse o Sr. Deputado do Partido Socialista, da celeridade processual e da eficácia da justiça, mas

também garantir a salvaguarda dos direitos fundamentais de uma classe que está completamente desprotegida.

Permitam-me, Srs. Deputados, que diga que, em certa medida, parece, ou, pelo menos, fica a ideia de que

se tenta esconder ou ignorar, de certa forma, os reais problemas dos advogados ou, pelo menos, aquela que é

a essência desses problemas, as prioridades desses problemas para os advogados, e que, concretamente, do

nosso ponto de vista, dizem respeito a duas coisas muito simples e muito concretas: primeiro, a valorização do

papel do advogado e do defensor oficioso no que respeita à retribuição do seu trabalho em termos do patrocínio

oficioso — isto é claro; segundo, e não menos importante, um regime contributivo que garanta uma verdadeira

proteção social aos advogados.

Estamos a falar de uma classe que, em caso de parentalidade e de doença, ficando sem condições para o

normal e permanente exercício do seu trabalho, em vez de receber, continua a contribuir, continua a pagar. Isso

não deve continuar a acontecer e é algo que deve preocupar a todos.

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Da parte do PSD, Sr.as e Srs. Deputados, esta é uma matéria à qual estamos a dar a devida atenção e para

a qual não deixaremos de encontrar soluções que respondam aos reais problemas e anseios de uma classe

que, repito, está completamente desprotegida em termos sociais há já muito tempo.

Aplausos do PSD e do Deputado do CDS-PP Telmo Correia.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo

Correia, do CDS.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de dizer, em primeiro

lugar, que se, por um lado, estes projetos de lei, a começar pelo do Partido Socialista, trazem uma preocupação

real a que, obviamente, não poderemos deixar de ser sensíveis, por outro, coloca-se a questão de saber se têm

ou não a melhor solução para essa preocupação ou se resolvem ou não essa mesma preocupação.

Aditar um artigo 7.º-A ao Código do Processo Penal e um artigo 272.º-A ao Código do Processo Civil — é

aqui que está o cerne da alteração —, isto é, permitir que aos advogados que, em caso de doença, em caso de

força maior, em situações como as que até vieram a público e foram discutidas na opinião pública e nos media,

e que são preocupantes, possa ser dada uma resposta a esses problemas ninguém de bom senso pode ser

contra.

A questão é, como aqui foi dito, e bem — estou de acordo —, saber se não deveríamos trabalhar noutro

sentido, ou seja, saber se o regime de proteção social de uma profissão, que é uma profissão liberal e que deve,

na essência, continuar a ser uma profissão liberal, é ou não suficiente, se o Estado deve ou não garantir que

esse regime seja suficiente e eficaz, até porque ele é, numa profissão que é regulamentada, como é a advocacia,

obrigatório e resulta da lei e, portanto, deveria ser eficaz nessa mesma proteção.

Este caso, como aqui também foi dito e estou de acordo, pode, em alguns casos, resultar numa falsa solução,

porque, quando se faz depender da parte contrária, a solução pode estar ou pode não estar lá, ou seja, a parte

contrária, consoante o interesse processual, pode conceder ou não essa possibilidade de adiamento. Portanto,

é uma solução, no mínimo, incompleta ou que não garante que a questão possa ser resolvida.

Mais duas preocupações que gostaria de referir.

Primeira, partilho da opinião que aqui já foi emitida em relação ao projeto de lei do Bloco de Esquerda.

Podemos distinguir as situações, como disse o Deputado António Filipe, podemos tratar como obrigações

contratuais, no âmbito do direito laboral, aquelas que são obrigações do direito laboral, mas, na essência, a

profissão de advogado é uma profissão liberal, deve continuar a ser uma profissão liberal, regulamentada por

uma Ordem com inscrição obrigatória e devemos proteger essa natureza de profissão liberal.

Uma última questão, que, penso, terá de ser ponderada e que poderá, seguramente, sê-lo em sede de

especialidade, é a de saber como é que esta preocupação se compatibiliza, ou não, com aquela que é a

preocupação constante de cada debate sobre justiça que tenhamos neste Parlamento, que é a da celeridade e

a do combate à morosidade na justiça. Porque pode aí, obviamente, haver uma contradição que seja, como diz,

e bem, o Conselho Superior do Ministério Público, em relação às vítimas, mas em relação também aos clientes

em geral, que é quem quer ver a justiça feita e quem tem necessidade de poder ver justiça feita e num tempo

célere.

Aplausos do CDS-PP e do CH.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Cristina Rodrigues, do PAN.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr. Presidente, queria agradecer as intervenções proferidas por todas

as bancadas parlamentares e referir que, pelos vistos, há consenso relativamente ao problema.

Temos, agora, de ver formas de conseguir resolvê-lo e estamos disponíveis para, em sede de especialidade,

acolher e ouvir todas as posições.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André

Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma matéria que nos obriga, a todos,

a uma reflexão profunda sobre uma das classes que mais tem sido fustigada em Portugal com o fenómeno da

precariedade. Esta é a palavra que temos de utilizar: precariedade. Não obstante a solução e a profissão de

natureza eminentemente liberal, temos, hoje, milhares de advogados que enfrentam situações pessoais

extremamente difíceis aos quais a lei, hoje, não dá resposta.

Posto isto, há que dizer que as soluções aqui apresentadas vão, pontualmente, num caminho satisfatório,

mas ainda muito insuficiente, e que se, por um lado, a natureza liberal do advogado não pode jamais ser perdida,

também não pode ser ignorado que muitos destes homens e destas mulheres trabalham todos os dias em

condições muitas vezes difíceis, em condições muitas vezes semelhantes a quem tem um contrato semelhante

a outro tipo de funcionários e são tratados como se fossem um tipo de funcionário terceiro, portanto, nem um

nem outro tipos. E isso tem de acabar.

Portanto, o que, na perspetiva do Chega, é fundamental é um plano nacional para acabar, efetivamente, com

este tipo de precariedade em todas as profissões liberais e não apenas neste caso concreto.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joacine

Katar Moreira.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — Sr. Presidente, é unicamente para reforçar que não há uma

homogeneidade entre a situação dos advogados. Não existindo uma homogeneidade e, especialmente, sendo

uma área propensa à precariedade, é óbvio que é necessário regular as relações laborais.

Assim, votaremos favoravelmente as iniciativas apresentadas.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado

Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Falarmos na assistência na

doença ou na parentalidade necessariamente leva-nos a um debate sobre a Caixa de Previdência dos

Advogados e Solicitadores (CPAS). Para estes profissionais e para os agentes de execução, há um debate em

curso fundamental sobre a ausência de apoio em situações de doença ou na parentalidade, mas também sobre

a sustentabilidade da CPAS, devido aos elevados valores que são obrigados a descontar para a CPAS, quer

tenham rendimento, quer não o tenham.

Por isso, desse ponto de vista, o Bloco de Esquerda entregou, hoje mesmo, um projeto de resolução para

estudar a possibilidade de integrar na segurança social a CPAS e para avaliar os benefícios dessa situação para

o Estado, para a segurança social, para a CPAS e para os profissionais.

Mas entendamo-nos quanto à matéria relativa à precariedade. É certo que não temos dúvidas sobre as

decisões dos tribunais — referi-as na minha primeira intervenção — e são todas elas unânimes na indicação de

quando há uma situação de irregularidade. Quando há uma hierarquia ou um tempo de trabalho previsto ou uma

subordinação dentro do local de trabalho, isso é um contrato de trabalho e tem de estar associado e, se não

estiver, é ilegal. Mas não nos enganemos!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Se não agirmos e se não previrmos isso cabalmente na lei, o que veremos é a realidade de hoje: a ilegalidade

nos grandes escritórios e nas grandes sociedades de advogados. Creio que se queremos combater a

precariedade, não podemos deixar ficar como está hoje.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza) — Para encerrar este debate, tem a palavra o Sr. Deputado

Francisco Oliveira, do Partido Socialista.

O Sr. Francisco Pereira Oliveira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para esgotar o tempo, queremos

agradecer o reconhecimento da pertinência do nosso projeto de lei aos Srs. Deputados Cotrim de Figueiredo e

António Filipe e, também, aos Srs. Deputados André Neves e Telmo Correia, que suscitam questões, mas

admitem a necessidade de responder ao problema.

De facto, como costuma dizer-se, «Roma e Pavia não se fizeram num dia» e «O caminho faz-se caminhando»

e, embora defendamos que seja fundamental ouvir os outros parceiros, no debate, relativamente a esta questão,

é também importante ter em consideração todos os agentes da justiça.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza) — Queira, por favor, terminar a sua intervenção, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Pereira Oliveira (PS): — Não podemos estar sujeitos a uma questão de mero direito

potestativo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza) — Terminamos, assim, o primeiro ponto da nossa ordem de

trabalhos.

O ponto segundo consiste na discussão, conjunta, dos Projetos de Resolução n.os.83/XIV/1.ª (PSD) —

Recomenda ao Governo que adote um programa de apoio à mobilidade de âmbito verdadeiramente nacional e

territorialmente justo, 102/XIV/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo a efetiva aplicação do Programa de Apoio à

Redução Tarifária (PART) em todo o território nacional, 104/XIV/1.ª (PEV) — Promoção efetiva dos transportes

coletivos em todo o território nacional e 107/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que estude e

desenvolva condições para o aumento das deduções dos encargos com os transportes para os contribuintes

residentes em territórios do interior.

Para dar início ao debate e apresentar a iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o

Sr. Deputado Carlos Peixoto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD concordou plenamente com

o programa de redução do custo dos passes sociais, mas sempre lhe apontou duas críticas.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concordaram com o quê? Votaram contra!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — A primeira crítica é que o custo desta medida é pago por todos os

portugueses, mas beneficia só alguns, não tratando de forma igual todos os nossos cidadãos — uns têm quase

tudo, outros não têm quase nada. Nas Beiras, no Minho, no Alentejo, em Trás-os-Montes e no Algarve, a redução

acontece, é certo, mas para o uso de transportes públicos que não existem. É o mesmo que dar 5 € a um pobre

e dizer-lhe para ir comprar um apartamento. O apartamento nunca será comprado!

A segunda crítica é que, mesmo nas áreas metropolitanas, o Governo pôs a carroça à frente dos bois, isto

é, reduziu o preço dos passes, mas não aumentou a oferta dos transportes, que, em muitos casos, ainda são

do século passado, sendo que a única coisa que fez foi retirar bancos dos transportes para lá caberem mais

pessoas de pé.

Por isso, o PSD está motivado pelo princípio de que, afinal, a mobilidade é para todos. Os que não têm

metropolitano ou meios de transporte da Carris, da Soflusa ou da Transtejo, têm, contudo, o mesmo direito às

deslocações, nem que seja através de transporte individual.

Por assim ser, Sr.as e Srs. Deputados, como medidas de natureza compensatória para os territórios do

interior, propomos que o Governo, ponto um, reduza em 50% os preços das portagens nas ex-SCUT (sem custos

para o utilizador) para todos os veículos a combustão e 75% para veículos elétricos, assim majorando a redução

de emissões em que o nosso País está apostado; ponto dois, reduza em 50% o preço dos bilhetes dos comboios

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interregionais, regionais e intercidades; ponto três, incentive o transporte a pedido — um táxi, por exemplo —,

subsidiando o respetivo custo.

Sr.as e Srs. Deputados, contamos convictamente que todos os grupos parlamentares estejam connosco,

demonstrando que estão mesmo apostados em querer atenuar — e não agravar — as desigualdades entre as

pessoas e as regiões. É também disto que o País no seu todo precisa, como de pão para a boca.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza) — Para apresentar a iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do

Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A mobilidade e o transporte público no

nosso País são temas fundamentais para os próximos tempos.

Da parte do Bloco de Esquerda, sabemos e sabem as pessoas de que lado estamos: estamos do lado de

quem construiu e aprovou o Programa de Apoio à Redução Tarifária.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Ah!…

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Desde o primeiro momento, apontámos o que considerámos que poderiam ser

obstáculos ou problemas por resolver. Desde logo, a articulação e a harmonização do Programa de Apoio à

Redução Tarifária a todo o território nacional. No sentido de resolver esses problemas, apresentámos um projeto,

em janeiro de 2019, que foi aprovado em fevereiro desse ano, com votos contra apenas do Partido Socialista.

Dissemos, na altura, que era preciso garantir mecanismos para que o investimento no PART (Programa de

Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos) chegasse a todos, para que este respondesse aos

movimentos entre comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas e aos movimentos entre comunidades

intermunicipais e que, por isso, harmonizasse a redução tarifária. Hoje, olhamos para as reivindicações dos

utentes da Comunidade Intermunicipal do Oeste e percebemos que tínhamos razão em pedir esses mecanismos

de harmonização; olhamos para os utentes da Área Metropolitana do Porto que ainda não têm o passe familiar,

mas vemos que os de Lisboa já o têm desde junho.

Dissemos, também, que era preciso garantir que o investimento olhasse para o futuro a nível da

infraestrutura, nomeadamente no comboio e nas embarcações. Hoje, olhamos para os utentes das linhas de

Sintra ou de Santarém ou para os utentes do barco para a travessia do Tejo e percebemos que tínhamos razão

em pedir esse investimento, que já é uma emergência. Fizemo-lo logo, nesse momento, desde o início, porque

quem quer construir um país mais coeso territorialmente, mais resiliente no combate às alterações climáticas,

mais justo no acesso ao transporte público tinha a obrigação de o fazer. De novo, em fevereiro deste ano, apenas

o Partido Socialista votou contra este projeto.

Sabemos que, se um terço das deslocações pendulares nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto têm

origem ou destino fora dessas áreas, essa realidade não foi, de facto, abrangida pelo PART e, por isso, era

necessário aprovar esse projeto. O Bloco de Esquerda foi o único partido que apresentou propostas no sentido

de corrigir essas desigualdades e continua a fazê-lo com o projeto que está hoje em discussão.

Sr.as e Srs. Deputados, não chegámos hoje nem agora ao debate, nem nos lembrámos agora de defender

uma medida que tem vantagens para as famílias. Sempre aqui estivemos com críticas, mas também com

propostas para resolver os problemas, e, desde a aprovação da anterior resolução, poucos passos foram dados.

Portanto, achamos que é preciso que se confirme que a prioridade é mesmo o transporte público e que tudo se

fará para não boicotar este programa através da falta de financiamento.

Sabemos que, da parte do Partido Socialista, ao contrário do que aconteceu em fevereiro de 2019,

precisamos da responsabilidade de acompanhar efetivamente esta proposta. Sabemos ainda que, da parte do

PSD, nos últimos tempos, temos assistido a tentativas de acrobacias que poderiam ser louváveis, não fosse o

facto de, um, terem votado contra o programa; dois, terem sido um dos precursores da privatização do transporte

público em Portugal; e, três, terem sido os responsáveis pelo maior aumento do custo dos passes, na última vez

que foram Governo.

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Portanto, os portugueses sabem quais são os projetos hoje em discussão que respondem às suas

reivindicações na mobilidade e nos transportes públicos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar a iniciativa legislativa do Partido Ecologista «Os

Verdes», tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com vista à promoção da

mobilidade coletiva, o Partido Ecologista «Os Verdes» tem vindo, ao longo do tempo, a defender e a apresentar

um conjunto de medidas, como sejam o aperfeiçoamento e o alargamento do passe social intermodal; preços

socialmente justos; o aumento da oferta, da qualidade, do conforto e da segurança dos transportes coletivos,

com horários ajustados às necessidades das populações; a contratação dos trabalhadores necessários e o

combate à privatização do setor dos transportes, entre muitas outras.

É exatamente nesse sentido que Os Verdes trazem hoje para discussão mais uma iniciativa com vista à

promoção da mobilidade coletiva. Insistimos nesta matéria porque não ignoramos que o setor dos transportes é

o principal responsável pelo elevado consumo energético do País, com um peso muito significativo a nível das

emissões de gases com efeitos de estufa e da ameaça das alterações climáticas que lhe estão indiscutivelmente

associadas.

Portanto, daqui também decorre a importância da promoção do transporte coletivo, essencialmente do

ferroviário, que, como se sabe, é mais amigo do ambiente, tendo em vista a diminuição da importação dos

combustíveis fósseis, os objetivos de descarbonização assumidos pelo País e o seu contributo para esbater as

assimetrias regionais.

Na verdade, o sucesso que, em tão pouco tempo, já é visível no Programa de Apoio à Redução Tarifária nos

transportes públicos convoca-nos a dar passos para o potenciar, não só pelo que representa do ponto de vista

social, com reflexos muito positivos nos orçamentos familiares, mas também pela sua importância a nível da

redução de gases com efeito de estufa e no combate às alterações climáticas.

Recorde-se que, desde a implantação do novo sistema tarifário, entre abril e outubro de 2019, foram

transportados mais 52 milhões e 400 mil passageiros face a igual período de 2018, o que representa um aumento

de quase 20%. Desde a entrada em vigor do passe família, na Área Metropolitana de Lisboa, em agosto de

2019, foram abrangidos 5700 agregados familiares, correspondente a cerca de 27 000 pessoas.

Portanto, depois deste arranque, não podemos perder o comboio e, por isso, impõe-se alargar o PART ao

resto do território, porque as populações nas regiões mais desfavorecidas, em termos de transportes, têm

igualmente necessidade de mobilidade. Se não há oferta de transportes coletivos, é preciso trabalhar para que

esta oferta seja uma realidade onde é necessária. Nesse sentido, o PART deve assumir-se, também, como um

mecanismo de coesão territorial que garanta a equidade em todo o território nacional, mas é necessário ainda

investir a sério do lado da oferta, para que os transportes coletivos possam dar a resposta adequada às

necessidades dos cidadãos, em termos de conforto, de regularidade, de segurança, a preços socialmente justos,

para que os cidadãos possam ver, nos transportes coletivos, uma verdadeira alternativa à utilização da viatura

particular.

O PART vem, assim, indiciar uma rutura com a política de desinvestimento nos transportes das últimas

décadas, com particular incidência durante o Governo PSD/CDS, em que assistimos a aumentos brutais dos

preços, à degradação da oferta e da qualidade, à supressão de carreiras, à redução da velocidade das

composições do Metropolitano de Lisboa e ao aumento do tempo de espera, à não aquisição de material

circulante, à redução do número de trabalhadores, assim como à preparação das empresas de transporte para

a sua privatização, uma situação que só foi possível reverter, no início da anterior Legislatura, também com o

contributo do Partido Ecologista «Os Verdes».

Por fim, importa também ter presente a necessidade de abolir as portagens existentes nos troços

correspondentes às ex-SCUT, porque a sua introdução constituiu uma grande injustiça para as populações

afetadas e um rude golpe no tecido económico — sobretudo, com fortes penalizações para as micro, pequenas

e médias empresas —, que agravaram as já difíceis condições de vida de todos aqueles que, sem alternativas,

circulam nestas vias diariamente.

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São estas as propostas que Os Verdes trazem hoje para discussão.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar também a iniciativa legislativa do Grupo

Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A iniciativa do CDS tem

como principal preocupação aquilo de que já se falou hoje aqui, relativamente ao PART, mas que não só não é

resolvido pelo PART, como é agravado pelo PART.

Ora, para que se saiba, estamos a falar de transportes públicos e de redução tarifária. Por que razão é que

este instrumento não só não resolve o problema como o agrava? Desde logo, porque um dos seus principais

propósitos é inconcretizável no momento atual. Considerar que a redução tarifária de transportes públicos pode

aproximar a população do interior e do litoral pressupõe que exista alguma semelhança entre aquela que é a

oferta de transportes públicos no litoral e a oferta de transportes públicos no interior, coisa que não existe de

modo nenhum.

Portanto, a questão que aqui se coloca não é a que o Governo, ilusoriamente, sempre tentou fazer crer, ao

dizer que o PART não era só para beneficiar as grandes áreas metropolitanas, porque também podia ser

aplicado aos restantes territórios, designadamente às regiões do interior. E não é preciso ir até ao interior para

perceber onde é que o PART não é aplicado equitativamente, basta ir, por exemplo, a Torres Vedras. Não é

preciso ir longe para perceber a iniquidade do PART. Aliás, basta olhar para aquele que é o orçamento previsto

para este ano para perceber que mais de 80% das verbas destinadas ao PART são para as Áreas Metropolitanas

de Lisboa e do Porto e que, mesmo entre estas, as verbas destinadas à Área Metropolitana de Lisboa são muito

superiores às que estão previstas para a Área Metropolitana do Porto.

Portanto, sendo este um instrumento positivo para os utilizadores de transportes públicos, onde eles existem,

não é, certamente, um instrumento de justiça territorial entre a população nacional. É por isso que é preciso

encontrar outra forma de fazer justiça para quem não pode beneficiar deste programa, e é isso que introduz o

projeto de resolução do CDS.

Se, no interior, a distância é, desde logo, um fator de exclusão, os transportes públicos não existem, as

portagens foram introduzidas por quem dizia que não iriam existir…

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Os senhores também não as tiraram!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — … e, obviamente, as pessoas não só têm de se deslocar mais

como pagam mais para se poderem deslocar, se no momento em que o Estado se preocupa com a questão da

utilização de transportes públicos beneficia uma parte do País com o PART e com os passes sociais, temos de

saber como vamos compensar quem não tem passe social pela única e exclusiva razão de que não tem

transportes públicos e, portanto, não teria qualquer utilidade a dar a esse passe social, ainda que ele existisse.

Do nosso ponto de vista, essa compensação deve ser feita pela via fiscal e, por isso, o que propomos no nosso

projeto de resolução é a introdução, em sede de IRS, da possibilidade de dedução de despesas com a utilização

de transportes para quem vive no interior. E se complementarmos uma medida de apoio aos passes sociais

onde eles existem com uma medida de dedução fiscal para quem vive no interior e não pode utilizar transportes

públicos, porque eles não existem, estamos efetivamente a desenvolver uma política de mobilidade para todo o

País. De outra forma, temos uma política que é boa para os cidadãos mas que é boa apenas para uma parte

desses cidadãos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado

João Cotrim de Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como todos sabemos, o PART

levou a um aumento da procura para o qual a oferta não estava preparada. O que se passou foi algo tipicamente

socialista: baixar os preços por decreto antes das eleições para conquistar uns votos e depois logo se vê. E o

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que é que se vê? O que se vê é o número de reclamações dos cidadãos a disparar no Portal da Queixa; o que

se vê são estações de metro cheias de pessoas que não conseguem entrar nas carruagens a abarrotar; o que

se vê são autocarros atrasados e sobrelotados e que, por isso mesmo, não param nas paragens; o que se vê

são pessoas insatisfeitas com os comboios e as obras na ferrovia atrasadas, apesar dos anúncios mensais do

PS; o que se vê são os cidadãos de Moncorvo, Monforte ou Monchique a pagarem 90 cêntimos de imposto por

litro de combustível para que o Governo possa oferecer transportes baratos aos cidadãos das áreas

metropolitanas, onde está 85% do orçamento do PART e, não por coincidência, grande parte dos votos.

Infelizmente, o que não se vê é o Governo a mexer para mudar isto.

Nós, na Iniciativa Liberal, concordamos com a promoção dos transportes coletivos, que podem perfeitamente

ser prestados por privados, como acontece por essa Europa fora, e mesmo em Portugal e em alguns sítios com

sucesso.

A Iniciativa Liberal cá estará para colocar sempre os cidadãos em primeiro lugar e expor a propaganda

socialista.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, em nome do Grupo

Parlamentar do Partido Socialista, o Sr. Deputado André Pinotes Batista.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Sr. Presidente, Caros Colegas: Começava por dizer ao Sr. Deputado

Cotrim de Figueiredo que não o tinha como um utilizador tão fidedigno dos transportes públicos, mas ficamos a

saber que a Iniciativa Liberal está preocupada com a muita ação que o Governo tem tido. Aliás, permita-me que

lhe diga o seguinte, Sr. Deputado: fazemos muitas elencagens sobre preocupações climáticas, mas o que

sabemos hoje é que se o dióxido de carbono, à escala global, é a exaltação de uma sociedade que decidiu

evoluir sem critério, de forma capitalista e ultraliberal — talvez aquela que o apaixona —, a verdade é que

Portugal representa, nesta metáfora, o oxigénio de quem teve a coragem de agir, o oxigénio de quem teve a

coragem de ser um sorvedor e que foi a primeira nação, a nação-ação, aquela que assumiu, em primeiro lugar,

no mundo, que seria neutra do ponto de vista carbónico.

Aplausos do PS.

Mas vamos falar sobre transportes, porque o Sr. Deputado referiu umas realidades que, manifestamente,

não conhece, o que, aliás, à direita, tem sido bastante comum.

O setor dos transportes representa 24% das emissões de gases com efeito de estufa. Foi por isto que a

esquerda agiu, na altura em que tinha de agir, do lado daquele que era o acesso universal aos transportes, de

forma a poder reduzir o transporte individual, coisa que, aliás, nos vários projetos que estão em apreciação

regista alguns desvios, da parte de quem fala em ambiente à sexta-feira, mas, depois, durante o resto do mês,

vem estimular o transporte individual.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Mas permitam-me que vos diga também que falamos hoje, aqui, sobre

o PART, sabendo que esta medida está em vigor há nove meses. E sabemos mais, Srs. Deputados, sabemos

que esta medida terá uma avaliação anual por parte do IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes). Portanto,

o debate que todos convocaram, da esquerda à direita, é precipitado, porque podíamos ter esperado mais três

meses e discutiríamos aquilo que é necessário, com dados.

Mas o Partido Socialista apresenta-se, sem problema, para fazer o debate. E, quanto ao sucesso desta

medida, estamos conversados, em duas dimensões: são 2 áreas metropolitanas e 21 CIM (comunidades

intermunicipais). Nós também queremos ir mais longe, mas dizemos «não» a quem entrou hoje na viagem e

vem pedir mais ambição, como é o caso do PSD, que, ao contrário do que o Sr. Deputado Carlos Peixoto, há

pouco, teve oportunidade de dizer, não concordou nada com esta medida, votou contra, Sr. Deputado.

Aplausos do PS.

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O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — É falso!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Mas o PSD ultraliberal, que votava contra tudo, é muito diferente deste

PSD que hoje aqui temos, e nunca sabemos com que PSD é que podemos contar. Mas, ainda assim, sorrimos

perante a contradição e damos as boas-vindas, porque uma coisa foi unânime nesta Casa: todos concordam

que esta medida é um sucesso e a única coisa que discutimos é se deve ou não ir mais longe.

Protestos do Deputado do PSD Duarte Filipe Marques.

E o Partido Socialista está em condições de dizer que sim, que deve ir mais longe; foi pela nossa ação que

avançou e será também pela nossa ação que irá mais longe.

Aplausos do PS.

Queria, ainda, para finalizar, deixar apenas um anúncio que me parece do maior relevo: no Orçamento do

Estado que em breve debateremos, este Programa terá um reforço por via da anualização da medida, que será,

no mínimo, de 20 milhões de euros, isto é, a uma aposta de 104 milhões de euros vamos ainda somar 20 milhões

para anualizar a medida.

Sim, estamos no rumo certo, foi com o Partido Socialista que apostámos nos transportes públicos e, Srs.

Deputados da esquerda, a esquerda não pode pôr em causa aquilo que a esquerda conseguiu.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Muito bem!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Por isso, estão também convocados para não cederem às armadilhas

desta direita.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, em nome do Grupo

Parlamentar do PAN, a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No PAN, reconhecemos a

importância do Programa de Apoio à Redução Tarifária enquanto instrumento de combate às alterações

climáticas e, simultaneamente, de promoção da coesão territorial e de recuperação de rendimentos das famílias.

Trata-se, não temos dúvidas, de uma aposta acertada ao nível da mobilidade, mas que carece ainda de ser

melhorada. Desde logo, melhorada ao nível da implementação no território, na medida em que atualmente deixa

de fora uma parte considerável da população residente em territórios de baixa densidade ou em zonas com

movimentos pendulares menos frequentes.

É urgente repensar a forma como este Programa dá resposta a deslocações entre as comunidades

intermunicipais ou entre estas e as áreas metropolitanas, assim como somos particularmente sensíveis às

necessidades das populações que não residem nem se movimentam nestas áreas.

Ainda ao nível da implementação no território, é também urgente começar desde já a construir uma resposta

para as populações não abrangidas, ou abrangidas de forma insuficiente pelo PART, através de investimento

cabal, desejavelmente público, em transporte de qualidade e ambientalmente sustentável.

É inaceitável que as populações continuem a ser chamadas a suportar um programa do qual não usufruem,

ao mesmo tempo que veem os custos com o transporte individual a aumentar.

Nesse particular, somos naturalmente favoráveis e estamos disponíveis para contribuir para opções que

respondam, no imediato, às necessidades das populações, contanto que essas não atentem contra a necessária

descarbonização em curso.

Mas há que melhorar o PART também onde o mesmo está consolidado, leia-se, nas Áreas Metropolitanas

de Lisboa e do Porto. Consideramos que é importante concretizar o passe Família na Área Metropolitana do

Porto, à semelhança do que já acontece em Lisboa. Consideramos também ser importante investir para que a

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oferta existente seja de qualidade e não saia prejudicada, como tem acontecido, pelo excesso de procura, o que

passa por privilegiar igualmente o conforto, a segurança e a confiança dos utentes, em especial em matéria de

horários e de área geográfica coberta pelos transportes.

Por último, é fundamental garantir que o PART não exclui pessoas com necessidades especiais, como sejam

as pessoas com mobilidade reduzida ou condicionada, pelo que há igualmente que fazer um investimento sério

na eliminação dos inúmeros obstáculos ainda existentes na oferta de transportes públicos. É inadmissível que,

por exemplo, em Lisboa, existam ainda tantas estações de metro junto de unidades hospitalares que não estão

equipadas com elevadores ou plataformas elevatórias.

Sr.as e Srs. Deputados, o PART não é, está ainda longe de o ser, uma obra acabada da qual nos possamos

todos orgulhar, mas é seguramente uma ferramenta válida e necessária na qual devemos investir, e é isso que

o PAN irá continuar a fazer.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, ainda, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado

Bruno Dias, do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que há um equívoco nesta discussão que

interessaria esclarecer, que tem a ver com a forma como o Programa de Apoio à Redução Tarifária está em

vigor para todo o País, mas não está a ser aplicado de igual forma em todo o País.

O Programa de Apoio à Redução Tarifária não é válido apenas para as áreas metropolitanas e foi por

proposta do PCP, com o voto contra do PSD, que foi possível reforçar o Orçamento do Estado no sentido de

garantir que havia verbas para todo o território nacional, coisa que não acontecia anteriormente, pois era apenas

para uma parte do território. Hoje não é assim, o problema é que as comunidades intermunicipais não estão

nem por opção, nem, muitas vezes, por meios, em condições de o aplicar de igual forma, o que faz com que

haja muita população neste País que não tem acesso aos transportes públicos da mesma forma que outros

cidadãos.

Mas não é só de Mafra a Setúbal que é hoje possível ter um passe com um custo de 40 €, ou de 20 € para

os reformados. Talvez os Srs. Deputados não saibam, mas o mesmo já acontece também, por exemplo, entre

Alcácer do Sal e Odemira, porque lá, na CIM do Alentejo Litoral, a persistência e o trabalho também dos autarcas

da CDU deram frutos. Portanto, não é só em Lisboa e no Porto que esta medida está em vigor, também no

Alentejo isto é possível.

Outra coisa diferente é aquilo que acontece em relação ao transporte ferroviário, e já lá iremos, Srs.

Deputados. Aquilo que já hoje é possível fazer é a deslocação pendular, por exemplo, de Alcácer do Sal para

Lisboa, que custava 153 € e agora custa 40 €. Isto faz muita diferença na vida das pessoas! E, ao contrário do

que foi aqui dito, o PCP não deixou de apresentar propostas, quer na anterior, quer já na atual Legislatura, no

sentido de promover as medidas necessárias para incluir na redução tarifária os muitos cidadãos que

diariamente usam as ligações entre regiões e áreas metropolitanas limítrofes.

Falei, há pouco, do Alentejo Litoral em relação a Lisboa, mas também podia falar dessa região em relação

ao Algarve, por exemplo, onde essa medida também já está em vigor.

Mas, nas ligações ferroviárias, a autoridade de transportes é o Governo, e não as CIM, pelo que compete ao

Governo a primeira e fundamental resposta para que a redução tarifária se concretize nesse âmbito, o que não

está a acontecer, nomeadamente entre Aveiro e Porto, ou entre Tâmega e Sousa e Porto, ou entre o Alentejo

Central e Lisboa.

Portanto, o PCP reafirma a disponibilidade para contribuir para o debate e para uma intervenção da

Assembleia da República que dê mais força à resposta que tem de ser dada aos problemas concretos que se

colocam às populações. E, oportunamente, faremos também aqui o debate das propostas do PCP,

designadamente do Projeto de Lei n.º 9/XIV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 161 e 162/XIV/1.ª.

Já as propostas do PSD e do CDS são uma mistura de ajuste de contas com a redução tarifária e com essa

reversão que foi feita nos aumentos insuportáveis que decretaram nos transportes, com um arrazoado de

medidas avulsas sem fundamento nem cabimento.

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As soluções que o PCP defende em relação aos transportes públicos e à redução tarifária têm

essencialmente a ver com a necessidade de reforçar e estabilizar o financiamento dessa medida, para que ela

deixe de depender de cada debate orçamental, ano após ano, mas também com o necessário investimento que

sempre reivindicámos e que o PSD, o CDS, mas também o Governo PS, têm adiado e bloqueado.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar, por favor.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Termino, Sr. Presidente.

Há que investir nas frotas e infraestruturas, há que admitir pessoal em falta, há que reativar ligações que

foram retiradas com as privatizações.

Sr. Presidente, para quem fala do regresso do investimento nos transportes como um oxigénio, ainda se

nota, Sr. Deputado do PS, muita falta de ar por aí.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada

Joacine Katar Moreira.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começava por felicitar a

apresentação destas iniciativas, especialmente pela sua ótica no combate às alterações climáticas.

Queria referir que não se pode falar da redução do preço dos transportes nem da necessidade de alargar

essa medida sem nos referirmos à habitação, sem nos referirmos ao emprego e sem nos referirmos à

necessidade real do aumento do salário mínimo nacional.

É insuficiente reduzirmos os preços dos passes se não combatermos a especulação imobiliária e se não

houver uma regulação do mercado de arrendamento, pelo que seria útil que se unissem estas necessidades

com a urgência absoluta do aumento do salário mínimo nacional.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado

André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria começar por dizer que não

compreendi muito bem a intervenção da Sr.ª Deputada que acabou de intervir relativamente à especulação

imobiliária e à questão dos transportes, mas vou tentar, ainda durante a tarde, chegar a alguma conclusão sobre

isso.

Também não consegui perceber muito bem — e acho uma certa graça a isso — o facto de os Srs. Deputados

do Partido Comunista atacarem o Partido Socialista como se não tivessem nada que ver com o que se passou

com os transportes nos últimos quatro anos.

Ouvi alguém do Partido Comunista dizer que agora era seguro que o passe família no Porto era para avançar,

que tal estava assegurado. Ora, até hoje, o que é que temos? Temos o Governo a dizer que ainda não sabe se

vai ou não financiar o passe família no Porto. E o que diz o PCP sobre isto? Nada! E aponta o dedo à sua direita,

ao Partido Socialista.

Gostei também, e muito, de ouvir o Sr. Deputado André Pinotes Batista dizer que à direita do Sr. Deputado

Cotrim de Figueiredo ninguém percebe nada de transportes. De facto, quando olhamos daqui, quem está à

direita do Sr. Deputado Cotrim de Figueiredo são o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o Partido

Comunista.

Protestos do PS.

Nisso tem razão, porque, de facto, o Primeiro-Ministro António Costa disse, em setembro: «Não se

preocupem…»

Protestos do PS.

Posso falar, ou não?

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Sr. Presidente, posso concluir?

Risos do PS, do BE e do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. André Ventura (CH): — Sei que as verdades custam a ouvir, mas têm de ser ouvidas, Sr. Presidente.

Risos do PS, do BE e do PCP.

Disse, em setembro, o Primeiro-Ministro António Costa: «Não se preocupem, porque vai haver um grande

aumento da oferta de transportes». Estávamos a um mês das eleições.

O que é que temos hoje? Promessas de mais comboios, não sei onde… E no Orçamento do Estado o que é

que temos, o que é que vamos ter? Vamos ver, mas, aparentemente, nada!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente.

O que pergunto é o seguinte: o Partido Comunista, o Bloco de Esquerda e o Livre estão a dormir para

chumbar este Orçamento do Estado ou estão à espera de quê?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João

Almeida, do CDS-PP.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois das intervenções

de todos os grupos parlamentares, há uma questão que que se coloca e que será decisiva na votação de todos

estes projetos. Por um lado, é fundamental saber se quem diz que o PART é a solução para todas as questões

de mobilidade está ou não está disponível — e vamos ver isso no Orçamento do Estado —, está ou não está

empenhado em resolver todos os problemas que continuam a existir.

Mas há uma questão mais importante que se coloca. O Sr. Deputado Bruno Dias disse que a solução era a

de reativar linhas, introduzir composições. Ó Sr. Deputado, e durante esse tempo os cidadãos do interior vão

continuar a pagar os passes do litoral e vão ficar à espera do comboio?!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não faça demagogia!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Tem de nos dizer! É que, neste momento, já estão a pagar,

mas transporte público não têm. Portanto, a única solução…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não faça demagogia!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não é demagogia, Sr. Deputado!

A única solução é dizer aos cidadãos do interior como é que, com equidade, eles têm o mesmo benefício

que têm os cidadãos do litoral.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os senhores é que privatizaram a Rodoviária Nacional e mandaram encerrar

linhas!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Como já aqui foi dito, não vale ter uma política para onde há

muitos votos e ter outra política diferente para onde há menos.

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Carlos Peixoto.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, o BE tinha já feito a inscrição da Deputada Isabel Pires.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado Carlos Peixoto, peço desculpa, mas tendo sido o

primeiro interveniente, falará no final deste debate.

Assim, a próxima intervenção cabe à Sr.ª Deputada Isabel Pires. Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

Peço desculpa pelo meu lapso, Srs. Deputados.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate irá ser feito várias vezes

neste Parlamento, ele é muito importante, mas há duas questões que é absolutamente fundamental perceber

desde já, que têm a ver com a política de mobilidade.

As propostas que foram aqui apresentadas pelo PSD e pelo CDS têm uma lógica completamente contrária

àquela que tem vindo a ser falada. Porquê? Falam das portagens, mas estamos para ver como é que o PSD e

o CDS vão votar as propostas…

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Vão votá-las amanhã!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — … que o Bloco de Esquerda já apresentou relativas à eliminação das portagens,

porque isso, sim, é o que faz diferença na vida das pessoas.

Em segundo lugar, estas propostas têm um claro paradigma de promoção do transporte.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Estas propostas têm um claro paradigma de promoção do transporte rodoviário, ao contrário do transporte

ferroviário, do investimento que é necessário nisso. Mas sabemos que o PSD e o CDS só falam das alterações

climáticas da boca para fora, porque, depois, vão promover a rodovia

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Termino mesmo, Sr. Presidente.

Relativamente ao PART e ao investimento público, o Bloco de Esquerda apresentou, desde o início, o projeto

que foi aprovado. O PS votou contra e importa perceber se, desta vez, vai votar a favor.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Agora, sim, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado

Carlos Peixoto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deixem-me recentrar o debate. Queria falar,

de forma muito clara, de uma proposta sobre a qual, amanhã, os Srs. Deputados e os grupos parlamentares

têm de se pronunciar, votando ou sim, ou não ou «nim».

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Também vocês!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — A proposta que está em cima da mesa é no sentido de os senhores dizerem

se o Governo deve ou não reduzir o preço das portagens nas ex-SCUT em 50%.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Devem acabar!

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O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Se os Srs. Deputados do Partido Socialista quiserem ser coerentes com

aquilo que andaram a prometer na campanha eleitoral,…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — … dizendo que queriam reduzir ou isentar de portagens o distrito de Castelo

Branco, dizendo que queriam reduzir ou isentar de portagens o distrito da Guarda, têm agora a oportunidade de

mostrar a vossa coragem, de mostrar se a têm ou se não a têm.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Amanhã, para mostrarem que têm essa coragem, têm de votar a favor do

nosso projeto!

Aplausos do PSD.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — O Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda estão na mesma

posição. Os senhores já apresentaram aqui propostas para reduzir o preço das portagens…

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Eram para eliminar!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — … ou para as abolir, mas quando o fazem, na semana seguinte votam a

favor do Orçamento, que tem incluídas as receitas dessas portagens.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Vamos ver o que acontece amanhã!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — É essa a hipocrisia política da esquerda parlamentar em Portugal e é contra

isso que nos insurgimos.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Os senhores é que não sabem o que é coerência!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos ao terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos, que

consta da discussão conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 3/XIV/1.ª (BE) — Altera a Lei da

Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de

outubro, e trigésima quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro), 117/XIV/1.ª (PAN) —

Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território português após o dia 25 de Abril de 1974 e

antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro),

118/XIV/1.ª (PCP) — Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade Portuguesa (nona

alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade) e 126/XIV/1.ª (L) — Nona alteração

à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade).

A abrir o debate, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias, do Bloco de

Esquerda.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos aqui, hoje, a apresentar

este projeto de lei porque em Portugal há pessoas que são estrangeiras no seu próprio País. Muitos filhos e

filhas de imigrantes, apesar de aqui terem nascido, continuam sem aceder à nacionalidade portuguesa, vendo-

se, assim, privados de direitos fundamentais de cidadania.

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O Bloco de Esquerda tem assumido ao longo do tempo o firme compromisso de corrigir esta injustiça

histórica, porque, tal como Angela Davis, não aceitamos mais as coisas que não podemos mudar e estamos

comprometidos em mudar as coisas que não podemos aceitar.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Apresentámos propostas de alteração da Lei da Nacionalidade em 2003,

em 2005, em 2013 e em 2017. Hoje reiteramos o nosso entendimento de qual deve ser o princípio informador

de uma lei da nacionalidade adequada à realidade de um país cosmopolita e diverso, que somos e queremos

ser. Quem nasce em Portugal tem de ser português ou portuguesa.

Aplausos do BE.

Esta tem sido a luta determinada das organizações antirracistas na defesa de um direito humano e de

cidadania, uma luta à qual o Bloco desde sempre se juntou.

Na última Legislatura, foi alargado o acesso à nacionalidade originária para filhos e filhas de imigrantes, bem

como o elenco de casos em que a nacionalidade por ascendência pode ser pedida. Foram alterações que

contaram com o apoio do Bloco de Esquerda.

São alterações que permitiram que milhares de pessoas pudessem obter a nacionalidade portuguesa, não

só descendentes de imigrantes nascidos no nosso País, mas também netos de portugueses nascidos no

estrangeiro e descendentes dos judeus sefarditas expulsos de Portugal nos séculos XV e XVI. Estas medidas

permitiram não só corrigir injustiças históricas, como refletir a diversidade de que é feita a comunidade nacional.

Mas não basta. Apesar dos avanços, a lei continua a não consagrar inequivocamente o princípio do direito

de solo e, por não prever efeitos retroativos, deixou para trás milhares de filhos e filhas de imigrantes, que aqui

nasceram, que aqui cresceram, que aqui estudam e constroem todas as suas redes de socialização, que

contribuem com a força do seu trabalho e impostos para a riqueza do País.

A obtenção da nacionalidade portuguesa é uma ambição para muitos deles. Mas é um sonho que esbarra

demasiadas vezes num muro burocrático e legal que lhes nega direitos e a sua pertença à comunidade nacional.

É urgente reparar esta injustiça. É um imperativo democrático garantir a atribuição automática da

nacionalidade portuguesa a todas as pessoas nascidas em Portugal, independentemente da nacionalidade e do

estatuto legal dos seus progenitores.

Nesse mesmo sentido, consagra-se neste projeto de lei a garantia da atribuição da nacionalidade portuguesa

a todas as pessoas nascidas em Portugal a partir de 1981 que se viram privadas do acesso à nacionalidade

portuguesa.

Por último, não podemos continuar a aceitar que o acesso à nacionalidade esteja dependente do pagamento

de taxas exorbitantes que muitas famílias não têm condições de pagar. É por isso que propomos que o valor

dos emolumentos para este efeito seja equiparado ao valor definido para a emissão ou substituição do cartão

de cidadão.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — A nacionalidade não é um bem de luxo, é um direito.

Aplausos do BE e do L.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar a iniciativa legislativa do PAN, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A nacionalidade é um dos

principais traços de identidade de todos os seres humanos, uma vez que transporta consigo um vínculo de

integração a um Estado e à sua cultura.

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Nos últimos anos, foram vários os avanços que lográmos obter em matéria de nacionalidade no nosso País,

facto que permitiu colocar Portugal na linha da frente dos países com modelos mais favoráveis e inclusivos,

tanto em sede de atribuição como de aquisição da nacionalidade.

Consideramos que os avanços registados respondem hoje mais eficazmente às questões de nacionalidade

existentes, persistindo ainda situações pontuais que podem ser corrigidas, como aquela a que o PAN alude na

sua iniciativa.

Pretende-se corrigir o que reportamos como sendo uma situação de injustiça que existe relativamente a um

conjunto de cidadãos nascidos em território nacional entre 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da

Nacionalidade, a quem este diploma não reconheceu o direito à nacionalidade portuguesa, o que potenciou, por

esse motivo, situações de não documentação que contribuíram para a ostracização destes cidadãos e para a

sua exclusão social.

Trata-se, pois, da correção de um erro histórico, à semelhança de outros que já fomos capazes de corrigir,

que não comporta uma mudança estrutural na legislação, pelo que estamos certos que é objetivo comum de

todas as forças políticas — pelo menos, assim deveria ser — responder firmemente às situações de injustiça

identificadas.

A verdade é que numa altura em que passaram poucos meses desde a última alteração legislativa à Lei da

Nacionalidade, as iniciativas que hoje são trazidas a debate pelo Bloco de Esquerda, pelo PCP e pelo Livre

reabrem o debate em torno da mudança de paradigma em matéria de atribuição de nacionalidade, algo que o

PAN tem dificuldade em compreender e acompanhar, e isto não obstante estar disponível para aprofundar a sua

discussão, designadamente a nível técnico em sede de especialidade no que diz respeito, sobretudo, à iniciativa

do PCP.

No que respeita às iniciativas do Bloco e do Livre, merecem-nos fundadas reservas o alcance das mesmas,

nomeadamente pela não exigência de qualquer vínculo ao País que não seja o mero lugar de nascimento. Para

o PAN, tal requisito, per si, é insuficiente, na medida em que consideramos ser de exigir um vínculo efetivo ao

País e que não seja apenas o resultado de uma mera passagem para atribuição da nacionalidade, mas, sim, o

resultado do sentimento de pertença a um lugar em concreto, neste caso Portugal, ao que se somam as

questões relacionadas com a segurança, que carecem também de ser acauteladas.

Noutro prisma, o PAN é sensível às situações de injustiça causadas pela falta de residência legal e, por

conseguinte, favorável à criação de incentivos à integração e fixação de imigrantes no nosso País, algo não

apenas necessário para combater os problemas de desertificação e natalidade existentes, mas também uma

manifestação de compaixão e de justiça para com o próximo.

Consideramos, contudo, que a resposta se faz com uma revisão da Lei da Imigração e com o robustecimento

dos meios do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), tendente a uma maior celeridade dos processos.

Em conclusão, trazemos hoje a debate uma iniciativa que consideramos ser da mais elementar justiça para

com as pessoas que têm um sentimento de pertença para com o nosso País e que viram negado durante todos

estes anos algo que é basilar: devolver-lhes a sua nacionalidade.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António

Filipe, do PCP.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Através das leis orgânicas n.os 2/2006

e 2/2018, a Assembleia da República aprovou, com o voto favorável do PCP, alterações à Lei da Nacionalidade,

que tiveram impacto muito positivo ao permitirem a aquisição da nacionalidade portuguesa a muitos cidadãos

nascidos e a residir em Portugal e que não podiam aceder à cidadania portuguesa devido às restrições impostas

ao conhecimento do direito do solo para aquisição da nacionalidade originária.

Por outro lado, foi eliminada, em grande parte, a discricionariedade na atribuição da nacionalidade por

naturalização, com a inversão do ónus da prova da efetiva ligação à comunidade nacional.

Deu-se, assim, a partir da lei aprovada em 2006, uma evolução que trouxe um maior equilíbrio à Lei da

Nacionalidade portuguesa que assentava fundamentalmente no jus sanguinis em prejuízo do jus soli, criando

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obstáculos desnecessários à integração de muitos cidadãos que deveriam e mereceriam ser legalmente

reconhecidos como portugueses.

A lei portuguesa, historicamente, assentava no jus sanguinis, o que se explicava pelo facto de Portugal ter

sido, durante séculos, um país de emigração, mas nas últimas décadas Portugal tornou-se também, como todos

sabemos, num país de imigração, o que justificou plenamente a evolução positiva que a Lei da Nacionalidade

portuguesa teve, com passos que se derem sobretudo a partir de 2006 e que muito justamente saudámos.

Porém, como na altura o PCP fez questão de salientar, as alterações poderiam e deveriam ter ido mais longe

na consagração do jus soli e não fazer depender o reconhecimento da nacionalidade portuguesa a cidadãos

aqui nascidos do tempo de residência dos seus progenitores em território nacional.

O PCP votou favoravelmente essas leis pelo progresso que representaram, mas considerou que, de facto,

teria sido possível ir mais longe na consagração do jus soli. Desde que os pais — ou, pelo menos, um deles —

residissem em Portugal, os filhos cá nascidos deveriam poder ser portugueses, sem abdicar da exigência de

alguma ligação à comunidade nacional, que, aliás, nessas situações seria natural.

Faz todo o sentido, do nosso ponto de vista, considerar portugueses de origem todos os indivíduos filhos de

cidadãos nacionais, nascidos em Portugal, desde que esse nascimento não tenha sido meramente ocasional,

numa passagem por Portugal de pessoas que nem cá residem nem cá querem residir ou que cá tenham vindo

com o único propósito de obtenção da nacionalidade portuguesa por mera conveniência, não tendo nem

pretendendo ter qualquer outra relação com a comunidade nacional. Não são essas as situações que queremos

tutelar.

Evidentemente, importa também ressalvar a situação de cidadãos estrangeiros que não pretendem que os

seus filhos, mesmo nascidos em Portugal, tenham a nacionalidade portuguesa. Essa opção deve ser,

obviamente, respeitada.

Concluindo, o Grupo Parlamentar do PCP propõe que possam ser cidadãos portugueses de origem todos os

cidadãos nascidos em Portugal desde que um dos seus progenitores, sendo estrangeiro, seja residente no nosso

País, e também que, na aquisição da nacionalidade por naturalização, os cidadãos nascidos em Portugal a

possam adquirir sem que isso dependa do tempo de residência em Portugal dos seus progenitores.

Estas são as propostas do PCP. Quero dizer que encaramos favoravelmente este debate, estamos na

disposição de votar favoravelmente todas as iniciativas aqui em discussão, na esperança de que no debate da

especialidade se possa encontrar uma solução justa e adequada, favorável à integração na comunidade

nacional, por via do vínculo de nacionalidade, a todos os que nasceram em Portugal, que nasçam em Portugal

e que façam parte, efetivamente, da comunidade nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Também para apresentar a sua iniciativa legislativa, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Joacine Moreira.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A legislação sobre a

nacionalidade é um instrumento de justiça social e é, igualmente, uma necessidade para o alargamento da

cidadania a milhares de indivíduos que neste exato momento se encontram em território nacional.

Como é que se comprova — e esta é a maior ansiedade durante estes anos — uma efetiva ligação afetiva

ou efetiva à comunidade nacional? Como é que uma criança de um mês ou de umas horas consegue ter a

hipótese de comprovar a sua relação afetiva? Não há! Então, o que esta legislação normalmente faz é analisar

a situação das crianças com base na situação legal do seu pai ou da sua mãe. Isto é algo que, obviamente, é

compreensível, mas uma legislação, por mais constitucional que efetivamente seja, precisa de ser

sucessivamente relativizada e questionada quando coloca em causa a cidadania e os direitos dos indivíduos.

Existem — e é isto que defendemos na nossa iniciativa legislativa — portuguesas e portugueses nascidos

em território nacional e que não têm nacionalidade. Estes indivíduos não deixam de se olhar enquanto nacionais,

de se entender enquanto nacionais, independentemente de o Estado lhes recusar a nacionalidade. Então, isto

tem de nos obrigar necessariamente a refletir em relação ao ónus necessário para que nós avaliemos e

legislemos sobre a nacionalidade.

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Gostaria ainda de referir o seguinte: os indivíduos nascidos, digamos, entre 1981 e 2006 não são excecionais,

não há nenhuma necessidade de lhes conferir alguma excecionalidade. Nós referimos esses anos exatamente

porque é uma época em que houve uma menor proteção do Estado em relação aos nascidos em Portugal.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira terminar, por favor.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — E ainda há muitos indivíduos que nasceram nessa época e que estão

até hoje a lutar pela cidadania.

Não existe lealdade comunitária à União Europeia que se sobreponha à necessidade de o Estado nacional

garantir os direitos dos indivíduos em Portugal.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, faça favor de terminar.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — Então, defendemos que os indivíduos nascidos em território nacional

sejam automaticamente cidadãos nacionais e que olhemos com maior justiça para os indivíduos nascidos entre

1981 e 2006.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís

Ferreira, do Partido Ecologista «Os Verdes».

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos anos, sobretudo na

Europa, o debate em torno do fenómeno migratório tem vindo a acentuar a necessidade de repensar e ajustar

as leis da nacionalidade a uma nova realidade que já há algum tempo deixou de ser meramente conjuntural.

Com efeito, a realidade da imigração passou, nos últimos anos, a fazer parte integrante do nosso quotidiano

e a marcar, de forma politicamente relevante, a nossa realidade, presente e futura. É exatamente neste contexto

de fluxos migratórios que a questão da lei da nacionalidade é chamada para a agenda política.

Sobre nós paira ainda uma responsabilidade acrescida no que diz respeito à necessidade de criar condições

que permitam aos que cá se encontram aquilo que para os portugueses no estrangeiro reivindicamos: um

estatuto de cidadania. Responsabilidades acrescidas que derivam da dupla condição de país, a um tempo de

emigrantes e de migrados.

É neste quadro que entendemos este debate e as propostas que hoje estão em discussão, ou seja, procurar-

se, através de alterações à Lei da Nacionalidade, criar condições que favoreçam a plena integração de cidadãos

estrangeiros, pondo fim a uma situação injusta e inaceitável que gera marginalização, discriminação e exclusão

social. São propostas que têm como destinatários, sobretudo, muitos daqueles que são considerados

estrangeiros, apesar de os seus olhos nunca terem visto, ao longo da sua vida, outro país que não o nosso. São

propostas que pretendem introduzir um conteúdo atual ao quadro legal existente e definir um novo critério para

atribuição da nacionalidade capaz de assegurar o exercício de direitos fundamentais, quer se trate do direito à

nacionalidade, quer do direito à não discriminação.

Falamos de situações que a atual Lei da Nacionalidade não assegura, bem pelo contrário, porque, de facto,

a atual lei tem provocado profundas injustiças, contribuindo para situações de incapacidade de integração

adequada de imigrantes na sociedade portuguesa e, consequentemente, para situações de exclusão social.

Trata-se de uma lei que tem permitido que muitos jovens, filhos de imigrantes em Portugal e já nascidos e criados

no nosso País, sejam considerados estrangeiros, quando falam a nossa língua, partilham a nossa cultura e não

conhecem outro país que não o nosso.

Tal é um absurdo legal, que, em Portugal, é particularmente chocante, atendendo à nossa dupla condição

de país de emigrantes e, cada vez mais, de país de imigrantes. Isso reflete-se dramaticamente no quotidiano

dos cidadãos imigrantes e, em particular, das pessoas já nascidas em Portugal, remetidas à condição de quase

apátridas, com todas as consequências humanas, sociais e culturais daí decorrentes, cuja gravidade não pode

continuar a ser subestimada.

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São estas as razões e os motivos que justificam, a nosso ver, a necessidade de alterar o regime jurídico de

atribuição da nacionalidade, como é proposto pelas iniciativas em discussão e as quais Os Verdes, globalmente,

acompanham.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada

Constança Urbano de Sousa, do Partido Socialista.

A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Passado pouco mais

de um ano, estamos novamente a discutir a Lei da Nacionalidade, recém-alterada.

A iniciativa do PAN, é certo, resolve um problema histórico e julgo que deve ser ponderada. Já as iniciativas

do Bloco de Esquerda, do Livre e do PCP visam alterações mais profundas, para, dizem estes partidos, dar

relevância ao direito de solo.

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, o direito de solo é, desde 2006, o critério prevalente na atribuição da

nacionalidade em Portugal, um direito reforçado desde 2018 por iniciativa do Partido Socialista.

Recordo o seguinte: desde 2006, o neto de um cidadão estrangeiro nascido em Portugal é automaticamente

português, mas já o neto de um português nascido no estrangeiro só é português se provar que tem uma ligação

efetiva à nossa comunidade. O filho de um emigrante nascido em Portugal é automaticamente português, desde

que o seu pai ou a sua mãe residam cá há dois anos, mas já o filho de um português nascido no estrangeiro

não é português de forma automática.

Portanto, é uma falácia dizer que o direito de nacionalidade portuguesa não consagra o direito de solo ou

não lhe dá relevância — sim, dá-lhe uma muito maior relevância que o direito de sangue. E mais:

independentemente da situação de regularidade documental dos pais, todos os filhos de emigrantes que

nasceram em Portugal têm o direito subjetivo à naturalização, se aqui nasceram e se aqui permaneceram.

O Bloco de Esquerda e o Livre querem que qualquer pessoa que nasça em Portugal seja portuguesa.

Acompanho o Partido Comunista Português quando diz que só tem sentido atribuir a nacionalidade portuguesa

quando os pais residem em Portugal, embora não saibamos muito bem como é que o PCP quer, com segurança,

definir esse critério de residência. Mas o Livre vai muito mais longe, pois quer que qualquer descendente de um

português, que tenha um antepassado longínquo, seja automaticamente português porque tem uma gota de

sangue português. Julgo que nem nunca a direita se atreveu a uma tal consagração do jus sanguinis.

Por fim, o Bloco de Esquerda, o PCP e o Livre não querem apenas regular a questão da atribuição da

nacionalidade às crianças. Querem também alterar o regime de naturalização dos estrangeiros imigrantes a

residir em Portugal, isentando-os de todos os requisitos de que hoje depende essa naturalização. Ou seja,

mesmo que eles não respeitem as nossas leis, mesmo que não falem a língua portuguesa, afinal, aquela que é

a nossa pátria, permitem-lhes aceder à nacionalidade portuguesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Se o problema é ultrapassar as dificuldades na obtenção da

autorização de residência, então, vamos discutir essas dificuldades, mas em sede própria, que é através da lei

da imigração e não através da Lei da Nacionalidade. Não podemos fabricar, de forma artificial, cidadãos

portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, em nome do Grupo

Parlamentar do PSD, a Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O direito à nacionalidade

é um direito da maior importância. A nacionalidade é o vínculo jurídico-político que expressa a ligação entre uma

pessoa e a comunidade portuguesa.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

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A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Se existe legislação que apenas deve ser alterada com bom senso

e ponderação, é esta. Qualquer alteração deve pressupor sentido de Estado, qualquer alteração deve garantir

um equilíbrio entre a abertura da lei e uma integração efetiva e com responsabilidade.

A atribuição da nacionalidade portuguesa é, manifestamente, importante de mais para que ande ao sabor de

ventos ou de pequenas brisas eleitoralistas.

Aplausos do PSD.

Esta Lei teve uma enorme alteração apenas há um ano e em Portugal temos, neste momento, uma das

legislações mais amplas da Europa. No entanto, ressalvando-se o projeto de lei do PAN, que vem apenas corrigir

uma situação que não se encontra abrangida, estamos a debater mais três projetos de lei apresentados pela

esquerda que querem ampliar ainda mais a Lei da Nacionalidade.

Ora, ainda nem tivemos tempo de avaliar os efeitos da ampliação de 2018 e a esquerda já pretende ampliar

a atribuição da nacionalidade de forma irrestrita em 2019.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Exatamente!

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — É necessário bom senso, Sr.as e Srs. Deputados. A atribuição da

nacionalidade portuguesa não pode ser à la carte, sob pena de poder ser um convite à imigração ilegal. Como

é evidente, todo e qualquer ser humano deve ter uma nacionalidade. Questão diferente é saber se todo e

qualquer ser humano, de forma irrestrita, deve automaticamente ter a nacionalidade portuguesa só pelo facto

de nascer dentro dos nossos limites territoriais — é o que o Bloco de Esquerda e o Livre defendem.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — É o mais justo!

O Sr. Adão Silva (PSD): — É uma vergonha!

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Vejamos: um casal de estrangeiros vem passar férias a Portugal

e, acidentalmente, nasce o seu filho em território português. Este filho deve ter nacionalidade portuguesa?

Também pode ocorrer um casal de estrangeiros vir propositadamente a Portugal para ter um filho apenas para

que este tenha passaporte europeu.

Aplausos do PSD.

Protestos do BE.

Querem transformar Portugal no maior outlet de nacionalidade da Europa? É caso para dizer: Ó Elvas, ó

Elvas, Europa à vista!

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — É a vida das pessoas que está em jogo!

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — O reforço do jus soli tem uma vertente inclusiva com a qual

concordamos. Porém, não se pode ignorar o efeito do reconhecimento da cidadania europeia. Há obstáculos e

restrições que devem ser eliminados, mas com moderação.

Protestos do BE.

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Por exemplo, o Livre tem ainda uma proposta para que seja criado um regime especial para os filhos de

estrangeiros nascidos entre 1981 e 2006. E quem nasceu em 1980 ou quem nasceu em 2007? Além de não

concordarmos com a criação deste regime especial, faz tábua rasa do princípio da igualdade.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Termino, Sr. Presidente, como comecei: devemos ter bom senso

e uma enorme ponderação em relação às alterações que propomos no âmbito de uma lei tão importante como

a Lei da Nacionalidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André

Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por frisar que todos os projetos,

inclusive o do PAN, começam dizendo que a nacionalidade é um dos principais traços de identidade de todos

os seres humanos. Mas, depois, cada um destes projetos apresentados afirma precisamente o contrário.

Trata-se de uma espécie de nacionalidade portuguesa em saldos, para quem a quiser comprar e para quem

quiser, depois, prosseguir por essa Europa fora.

Protestos do BE.

Posso terminar, ou não?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira continuar.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, muito obrigado.

É uma nacionalidade em saldos que a esquerda quer vender para fazer de nós um parente pobre da Europa.

Para além de vender muitas outras coisas, quer começar agora a vender a nacionalidade.

Chegamos a este ponto, Sr. Presidente: em dois dos projetos apresentados, diz-se que basta um certificado

da junta de freguesia a quem viva em união de facto para dar acesso à nacionalidade. Mais ridículo do que isto

não podemos ter: um certificado de uma junta de freguesia a dar acesso direto à nacionalidade portuguesa.

Não sei, Sr.ª Deputada, se ser português é um bem de luxo ou não. Eu tenho um grande orgulho em ser

português e tenho um grande orgulho em pertencer a este património. O que lhe posso dizer é isto: pode não

ser um bem de luxo, mas é um bem que os portugueses, que a História de Portugal e que a civilização

portuguesa têm de preservar, sob pena de transformarmos o que aconteceu no ano de 2018, em que aumentou

em 100% o número de imigrantes ilegais em Portugal, no novo normal português.

Protestos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — O Chega nunca permitirá que a nacionalidade portuguesa seja vandalizada!

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — São pessoas que pagam impostos e que contribuem para a riqueza do

País!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João

Cotrim de Figueiredo.

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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguém desejar ter nacionalidade

portuguesa é dos maiores elogios que se pode fazer a Portugal. Significa que alguém elegeu ser parte desta

comunidade de pessoas, língua, história e valores.

Por isso, o Iniciativa Liberal considera que a regra geral deve ser a de que todos os que aqui nasçam e todos

os que assim o desejam tenham o direito a ser portugueses. É, também, um exercício de liberdade de escolha.

Mas pertencer a uma comunidade é, também, ser responsável por cuidar dela. Tal implica não usar a

liberdade de ser português de forma abusiva e implica manter ligações efetivas a Portugal.

Assim, o direito a ser português deve depender da efetiva ligação do indivíduo, ou dos seus progenitores, no

caso da naturalização, a Portugal, o que se presume ser o caso se for residente em Portugal — ou por casamento

— há pelo menos dois anos, independentemente do título dessa residência, e se houver suficiente conhecimento

da língua portuguesa, ou interesse em adquiri-lo.

Finalmente, teremos de ponderar também o direito à liberdade de escolha da nacionalidade, por um lado,

com a segurança da restante comunidade, por outro. Por isso, consideramos adequada a manutenção do

disposto da atual lei no que diz respeito ao não «envolvimento em atividades relacionadas com a prática do

terrorismo», por parte dos que se candidatam à nacionalidade portuguesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Como nenhum dos projetos de lei apresentados reflete esta nossa visão liberal e responsável da

nacionalidade e não acautelam, de uma forma ou outra, o que consideramos ser o essencial, assumimos que

votaremos contrariamente a todos eles.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, em nome do CDS-PP, para uma

intervenção, o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tema em debate é, mais uma

vez, um dos mais importantes que o Parlamento pode discutir. Ou seja, quem é e quem pode ser português —

não há tema mais importante.

A nossa lei, de facto, como aqui foi dito, e bem, tem uma tradição de jus sanguinis, mas tem evoluído para o

jus soli, que tem sido progressivamente alargado. A última alteração que fizemos, alargando o jus soli,tem um

ano. Um ano!

Um ano depois, estamos aqui de novo, com a esquerda a querer alargar mais e mais, com sentido, sem

sentido ou mesmo de forma inconstitucional, porque divide e separa as datas, como se pode ver na iniciativa do

Livre. Não faz nenhum sentido!

Para nós, Sr.as e Srs. Deputados, a nacionalidade liga-se à nação e a nação é, antes de mais, uma

comunidade — uma comunidade de pertença, mas também uma comunidade de destino; uma comunidade de

quem aceita, em nome da cidadania, um conjunto de regras e de valores comuns, ou seja, valores de cidadania.

O que estas propostas fazem, em geral, é desvalorizar esse valor, é torná-lo irrelevante, é dizer que qualquer

pessoa, em qualquer circunstância, pode ser portuguesa, independentemente do que venha a acontecer. Ou

seja, não é necessário ser filho de portugueses, não é necessário que os pais tenham sido portugueses, não é

necessário que os pais, sendo estrangeiros, tenham residência legal em Portugal. Vão removendo, um após

outro, todos esses requisitos. Não é necessário sequer ter entrado legalmente em Portugal. Quem entra

ilegalmente para aqui ter um filho, esse filho é automaticamente português. Não é necessário nenhum

conhecimento da língua e da cultura portuguesa. Não é necessária nenhuma ligação à nossa cultura e ao nosso

território. Vejam, Sr.as e Srs. Deputados, não é sequer necessário — não em todos os projetos, mas em alguns

—, não ter cometido crimes graves, com penas graves, para poder aceder à nacionalidade portuguesa.

É evidente que isso é uma absoluta irresponsabilidade. É de quem desvaloriza a nacionalidade e a nação

portuguesa, o que, nalguns casos, como é, por exemplo, o do Livre, não nos surpreende sequer, pois nós vimos

bem as manifestações que têm feito e a forma como tratam os nossos símbolos nacionais. Não nos surpreende

de maneira nenhuma!

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Protestos do BE.

Sr.as e Srs. Deputados, a consequência disso é, obviamente, o apelo, como aqui foi dito, à imigração ilegal,

em vez de se promover a imigração legal. É desrespeitar os compromissos europeus. É ignorar a reciprocidade

e o tratamento igual, como aqui foi dito, e bem, entre cidadãos portugueses nascidos em Portugal ou no

estrangeiro. Os portugueses, para terem nacionalidade de outros países, têm de penar; aqui, qualquer um pode

ser português automaticamente. É inaceitável!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Nós somos a favor do humanismo e da integração. Mas, atenção, quando os senhores fazem estas propostas

irresponsáveis, o que estão a fazer é a dar argumentos ao populismo, porque estas propostas são um atentado

e um crime de lesa-nacionalidade.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do L.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma segunda intervenção, em nome

do Grupo Parlamentar do PAN, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero deixar bem claro que aquilo que

o projeto de lei do PAN propõe é uma correção histórica. Refere-se o mesmo às pessoas que foram deixadas

de fora pelas sucessivas alterações legislativas, nomeadamente a pessoas nascidas nas ex-colónias e em

território português, o que nos parece ser da mais elementar justiça. Não abre a porta àquele que é um debate

que carece, de facto, de uma maior profundidade e que tem a ver com as restantes propostas. Não é isso que

se pretende, ou seja, não se pretende retomar a questão do debate em torno do jus soli ou do jus sanguinis

mas, sim, fazer uma correção que, de alguma forma, já imperava há alguns anos no nosso País.

O que é que vamos dizer às pessoas não documentadas, se continuarmos a negar-lhes aquilo que é uma

vida mais inclusiva, o direito à sua documentação e o direito a ser-lhes reconhecido aquilo que é uma ligação

afetiva ao nosso País?

Aplausos do PAN.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — Sr. Presidente, poderei usar da palavra para exercer o direito de defesa

da honra?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Trata-se de uma figura regimental, que pode naturalmente

invocar, portanto não há qualquer restrição. Pode certamente fazê-lo.

Tem, então, a palavra, para exercer o direito de defesa da honra.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — Sr. Presidente, quero informar que é inadmissível eu estar a ouvir, aqui,

nesta Câmara, por parte de alguns Srs. Deputados, que andei em manifestações a atacar qualquer simbologia

nacional. Isto é absolutamente inadmissível! Em momento algum, eu realizei isto. Em momento algum, eu atentei

contra a simbologia nacional. Isto é uma absoluta mentira!

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado Telmo Correia, tanto quanto percebi, foi a sua

intervenção que suscitou este pedido de defesa da honra.

Pergunto-lhe se quer dar explicações, ou não.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Posso dar explicações, Sr. Presidente.

Protestos do PS.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Com certeza! Tem o direito de dar explicações!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Faça favor, Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, se os Srs. Deputados do Partido Socialista entenderem

que não devo dar explicações ou que não devo falar ou não gostarem de me ouvir, não falarei.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira fazer o favor de dar explicações, ou não.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Eu darei explicações, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Faça favor.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — De resto, como o Sr. Presidente sabe melhor do que ninguém,

normalmente, a defesa da honra, que obviamente a Sr.ª Deputada tem o direito de invocar, só é invocável em

relação a uma intervenção de outro Deputado, e dá o direito regimental igual, se houver dúvidas sobre isso, de

dar explicações em relação à invocação que foi feita.

É o que vou fazer com a maior serenidade ou a maior tranquilidade, porque, Sr.ª Deputada Joacine Katar

Moreira, permita-me que lhe diga, com toda a simpatia, que eu não disse o que a Sr.ª Deputada invoca

relativamente à sua honra pessoal. Eu não disse que a Sr.ª Deputada tinha ofendido símbolos nacionais. Não

foi isso que eu disse, pelo que a Sr.ª Deputada tem de ser rigorosa quando aqui faz essa referência.

De resto, não vou sequer invocar qualquer separação entre V. Ex.ª e o Livre, o não será necessário no atual

contexto, parece-me bastante desnecessário.

Protestos do PS e do BE.

Vozes do BE: — Fascismo!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Mas o que é isto?!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Eu não falei do Bloco de Esquerda, mas, se quiserem, também posso

dizer algumas coisas.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira cingir-se às explicações. Faça favor.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, estes Srs. Deputados do Bloco de Esquerda têm de se

habituar a uma coisa: é que, quando há uma Sr.ª Deputada que pede para exercer o direito de defesa da honra

e eu tenho o direito de dar explicações, eles têm de ouvir. Até porque a conversa não é convosco, Srs.

Deputados!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Já a adotaram! Já a adotaram, não foi?!

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr.ª Deputada, o que eu disse, e repito, é que existiu, aqui, à porta do

Parlamento, uma manifestação do seu partido, em que houve pessoas que ofenderam símbolos nacionais,…

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — Não admito!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — … dizendo que a bandeira nacional era colonialista, o que é obviamente

inadmissível neste País.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do L.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma segunda intervenção, a Sr.ª Deputada

Beatriz Gomes Dias, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar a minha

intervenção dizendo que tenho muito orgulho em ser portuguesa.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — É um bem de luxo!

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Como também têm muito orgulho em ser portugueses aqueles que são

estrangeiros neste País, todas as pessoas que nasceram em Portugal e que não têm direito à nacionalidade

portuguesa. Estes têm muito orgulho em ser portugueses como eu tenho muito orgulho em ser portuguesa.

Aplausos do BE.

A sociedade portuguesa é muito diversa. Os portugueses não têm uma só cor, nem uma só origem. A

identidade portuguesa incorpora marcas culturais trazidas por imigrantes vindos dos cinco continentes. Esta

diversidade não pode continuar a ser ignorada.

O Sr. André Ventura (CH): — Não é ignorada!

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — A atribuição da nacionalidade é um direito, é uma dimensão essencial

para a plena inclusão das comunidades imigrantes em Portugal, potencia o sentido de pertença ao tecido social

nacional e promove direitos de cidadania, assim como os direitos políticos.

O Sr. André Ventura (CH): — E terrorismo!

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Onde os senhores e as senhoras veem invasão, nós vemos pessoas

concretas com sonhos e ambições. Pessoas que alimentam legítimas expectativas de adquirirem a

nacionalidade portuguesa, uma vez que aqui nasceram, aqui vivem e querem continuar a viver, fazem parte e

contribuem para a construção da sociedade nacional,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — … ao contrário das pessoas que compram os vistos gold que os

senhores defendem.

Aplausos do BE.

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Protestos do CDS-PP e do CH.

Sentem-se portugueses e portuguesas, com ligação social e afetiva genuína a este País.

Não querem ficar reféns da documentação ou de burocracias intermináveis para conseguirem regularizar a

sua situação no País.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — São pessoas que querem ter direito a ter direitos, vencer os obstáculos

colocados, transformar as suas circunstâncias e decidir os seus destinos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, concluída a discussão conjunta, na

generalidade, dos Projetos de Lei n.os 3/XIV/1.ª, 117/XIV/1.ª, 118/XIV/1.ª e 126/XIV/1.ª, passamos ao debate,

em conjunto, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 37/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece medidas de promoção

da durabilidade e garantia dos equipamentos para o combate à obsolescência programada, 116/XIV/1.ª (PAN)

— Estabelece medidas de promoção do desenho ecológico e do aumento do ciclo de vida dos equipamentos

elétricos e eletrónicos, 119/XIV/1.ª (BE) — Alarga o prazo de garantia na venda de bens móveis de consumo

(segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, e 120/XIV/1.ª (PEV) — Aumento da durabilidade

e expansão da garantia para os bens móveis e imóveis (alteração ao Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril).

Para apresentar a iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP orgulha-se de ter colocado na ordem do

dia da Assembleia da República a questão estratégica da gestão de recursos face à vida útil de equipamentos

e aparelhos eletrónicos e de ter sido o primeiro partido a apresentar, em Portugal, um projeto de lei com

propostas e soluções concretas para responder a este problema.

Hoje em dia, os grandes grupos económicos continuam a introduzir características nos produtos que

provocam deliberadamente uma validade mais curta, seja pela integração de peças impedindo a sua

substituição, seja mesmo pelo recurso a programação especificamente destinada a diminuir a capacidade de

resposta dos aparelhos ao fim de um determinado tempo.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É o telemóvel que fica estranhamente mais lento, é a atualização que não

funciona, é a impressora que deixa de funcionar como devia. Não são avarias, são alterações que estavam

previstas desde o primeiro dia! Chama-se a isto obsolescência programada, e é uma peça-chave na estratégia

de superprodução de grupos económicos e de grandes potências.

Os custos ambientais e económicos desta situação são incomportáveis. De acordo com estudos recentes, a

aprovação de regras que estendessem a longevidade — apenas de alguns dos dispositivos — em cinco anos,

no espaço da União Europeia, representaria a diminuição de 12 milhões de toneladas anuais de equivalente

CO2. Isto seria equivalente a retirar das estradas quase 15 milhões de veículos.

O Sr. António Filipe (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As discussões sobre o planeta, o clima e o

ambiente estão a ser palco de uma operação sem precedentes de mistificação.

O que há mais são palestras e planos sobre economia circular que acabam por ser orientados para uma

ainda maior concentração de riqueza, promovendo fileiras de caráter circular apenas nos segmentos passíveis

de maior apropriação privada do lucro. O que há mais são discursos dos que pretendem reduzir o combate à

degradação ambiental e alterações climáticas a mercados de carbono e novos negócios.

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Mas aquilo que se exige é um esforço de cada país, de acordo com as suas responsabilidades e

necessidades de desenvolvimento, uma responsabilidade partilhada, mas diferenciada entre os povos do

mundo, com objetivos de facto, de redução da poluição e emissões, e não mera contabilidade, seja ela dupla ou

não.

Sabemos que isso não traz lucros rápidos e por isso são poucos a afirmá-lo. Mas não é por isso que se torna

menos verdadeira e menos urgente a necessidade de propostas objetivas.

O que propomos, com este projeto de lei do PCP, é designadamente: o alargamento para 10 anos do período

de garantia destes aparelhos; a definição de normas técnicas que garantam a possibilidade de substituição dos

componentes e proíbam a programação dos aparelhos, limitando o tempo de vida; a melhoria da informação ao

consumidor, com a criação de um selo de longevidade e a garantia de acesso aos manuais de utilização em

língua portuguesa; a promoção de redes de reparadores locais, apoiando as micro e pequenas empresas no

serviço aos consumidores, a quem deve ser assegurado o direito a reparar os seus aparelhos e a não os ver

inutilizados sem necessidade.

São medidas concretas para defender as pessoas, defender o ambiente, defender a economia local.

Se o que está em debate é mesmo a defesa do nosso futuro coletivo, a defesa do planeta, da biodiversidade,

uma vida melhor em harmonia com a natureza, então, é preciso discutir, não os produtos, mas os modos de

produção, não as culpas individuais, mas as transformações sociais. É por isso que dizemos que o capitalismo

não é verde.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar a iniciativa legislativa do PAN, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Num momento em que estamos

a explorar mais recursos do planeta do que os recursos que o planeta tem capacidade de repor, é imprescindível

implementar um modelo económico circular.

De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), no ano de 2017, foram colocados no mercado

português cerca de 158 000 toneladas de equipamentos elétricos e eletrónicos. Nesse ano, foram apenas

recolhidas cerca de 63 000 toneladas deste fluxo específico de resíduos.

Existem já, por isso, alertas de associações ambientalistas de que, este ano, Portugal não vai cumprir as

metas de recuperação e encaminhamento para reciclagem destes resíduos.

Tendo em conta que a meta é de cerca de 104 000 toneladas a recuperar, correspondentes a 65% do total

de equipamentos elétricos e eletrónicos colocados no mercado, e de acordo com os concursos lançados pelas

entidades gestoras, apenas deverão ser recuperadas 48 000 toneladas, menos de metade da meta.

Mas se é importante reciclar e fazer recircular os materiais, mais importante ainda é promover a diminuição

do consumo e, consequentemente, reduzir os níveis de exploração dos recursos naturais.

Recentemente, a Comissão Europeia apresentou uma medida, intitulada «Regulação estabelecendo

exigências de ecodesign», com o objetivo de reduzir 46 milhões de toneladas de CO2 e de poupar no consumo

de energia e água. Para tal, propõe que as empresas tenham de oferecer peças substituíveis e a manutenção

dos produtos por entre 7 a 10 anos após a compra, repensando, assim, a política de obsolescência programada.

O PAN vem, assim, relativamente aos equipamentos elétricos e eletrónicos, propor a criação de incentivos

ao nível do desenho ecológico dos mesmos, seja na ótica das matérias-primas utilizadas e em face do respetivo

impacte ambiental dos produtos em fim de vida, seja pelo aumento do seu período de vida.

A orientação da Comissão Europeia, de 2016, sobre a diretiva relativa às práticas comerciais desleais

especifica que «obsolescência planeada, ou obsolescência embutida em design industrial, é uma política

comercial que envolve deliberadamente o planeamento ou o design de um produto com vida útil limitada, para

que ele se torne obsoleto ou inoperante após um certo período de tempo», obrigando, assim, à compra de novos

equipamentos e alimentando um consumismo desenfreado, mais útil aos interesses corporativos. Para que

todos tenhamos noção dos impactos destas políticas comerciais, todos os anos são descartadas cerca de 50

milhões de toneladas de resíduos eletrónicos.

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Esta situação é absolutamente insustentável! O combate às alterações climáticas e à crise ambiental não

passa só pela descarbonização da economia nem só pela concretização da circularidade da economia, tem de

passar também pela redução na origem. Menos consumo, e menos produção, logo menos extração, o que

significa uma diminuição do sobreuso dos recursos naturais, que são finitos e cada vez mais escassos. Isto,

obviamente, dentro dos limites que assegurem o bem-estar das pessoas.

Não, não queremos voltar ao tempo das cavernas. Queremos, sim, assegurar que as próximas gerações

ainda terão um planeta para viver. É de justiça intergeracional que esta iniciativa do PAN trata e isto passa pelo

estabelecimento de critérios de compra e venda para certos bens e por priorizar os direitos das pessoas e do

ambiente.

Desta forma, o PAN pretende introduzir o conceito legal de «garantia de durabilidade», que corresponde à

capacidade de os bens manterem as funções e desempenho previstos por meio de uma utilização normal,

criando obrigações contratuais — atualmente inexistentes — durante esse período. Mais concretamente, o PAN

vem propor a apresentação da garantia de durabilidade dos produtos, que corresponde ao tempo de vida útil

expectável dos mesmos, com a respetiva indicação no rótulo do produto, e vem propor a obrigatoriedade de,

após o final do período da garantia comercial e até ao final do período indicado na garantia de durabilidade, os

produtores de equipamentos elétricos e eletrónicos garantirem a reparação dos mesmos através da

disponibilização das peças necessárias.

A aprovação destas propostas representa um avanço significativo na proteção dos direitos dos consumidores

e concretiza também um passo em frente numa gestão mais criteriosa dos recursos naturais, em sintonia com

o princípio da solidariedade intergeracional.

Já dissemos e voltamos a dizer que, se mantivermos as atuais práticas de delapidação dos recursos naturais

por razões meramente económicas, muito em breve de nada nos vai valer o dinheiro.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para apresentar a iniciativa do Grupo Parlamentar

do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado Nelson Peralta.

O Sr. Nelson Peralta (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda traz uma proposta

muito simples, e essencial para os direitos dos consumidores e para o ambiente, que é a de alargar o prazo de

garantia, de dois para cinco anos, de equipamentos como telemóveis, frigoríficos, televisões e outros produtos.

Este é, aliás, um problema que também já está identificado pelo Governo. Há duas semanas, o Ministro do

Ambiente dizia, e cito, o seguinte: «A black friday é o expoente máximo e negativo de uma sociedade capitalista.»

É um facto.

Uma sociedade que produz e reproduz ostensivamente recursos minerais essenciais no planeta — e que o

faz apenas para a existência de mais consumo descartável — é uma sociedade que não respeita o planeta, é

uma sociedade completamente insustentável, é uma sociedade que coloca o lucro das empresas à frente do

interesse das pessoas e à frente dos limites do planeta.

Foi também por isso que, logo a seguir, o Sr. Ministro disse que acreditava na livre escolha e na iniciativa.

Isto é, o Sr. Ministro considera que há um problema, mas, ao mesmo tempo, garante que não tem nenhuma

resposta para ele porque os mercados são soberanos e não há nada a fazer.

Pois bem, há muito a fazer e o Bloco de Esquerda traz aqui uma pequena peça para a solução, porque o

capitalismo não é solução. Por isso, trazemos a proposta de responsabilizar as empresas produtoras de

equipamentos.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. Nelson Peralta (BE): — Mas perguntamo-nos: de onde vêm estes dois anos de prazo mínimo de

garantia? Vamos ver a diretiva europeia e o que lá diz é que a justificação para este prazo é a necessidade de

encurtar o prazo de responsabilidade dos vendedores. É extraordinário! Temos uma legislação de proteção dos

direitos dos consumidores que é feita com base nas necessidades dos produtores. Está tudo virado ao contrário!

E é por isso mesmo que trazemos esta proposta bastante simples.

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Se queremos extrair menos recursos, se queremos extrair menos lítio, se queremos reduzir o lixo perigoso e

o lixo tóxico, se queremos combater a obsolescência programada e que, deliberadamente, os equipamentos

durem pouco, se queremos um modelo de trabalho mais respeitoso, se queremos que a tecnologia avance para

que os equipamentos durem mais, se queremos combater a crise climática e ter menos emissões, então, temos

de responsabilizar os produtores e tem de ser a sociedade a colocar regras claras à economia. Não é a economia

que manda nas pessoas, é a sociedade que deve mandar na economia.

Esta é a proposta que trazemos: responsabilizar os produtores e garantir o alargamento do prazo mínimo de

garantia.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para apresentar a iniciativa legislativa do Grupo

Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vivemos num mercado competitivo

e irracional onde as empresas não olham a meios para a obtenção de lucros imediatos e desmedidos,

fomentando o consumismo fácil e descartável. Nesta perspetiva, os produtos são frequentemente desenvolvidos

com materiais de má qualidade, à base de plásticos e colagens, com componentes extremamente

personalizados, reduzindo a sua durabilidade e impedindo a sua substituição ou reparação.

Por outro lado, constata-se também que há cada vez mais empresas a praticarem a obsolescência

programada, a qual consiste, propositadamente, em desenvolver, fabricar e distribuir um determinado produto

de modo a que ele se torne obsoleto ou não funcional em pouco tempo, obrigando os consumidores a adquirirem

uma nova geração desse mesmo produto dentro de um prazo menor. É o caso dos telemóveis ou dos

computadores e outros aparelhos, que, ao fim de dois anos, se tornam muito lentos e pouco funcionais com o

propósito único e claro de obrigar o consumidor a comprar outros.

Aliás, a gravidade do problema é tão acentuada que a obsolescência programada é proibida em vários

países, tais como em França e em Itália, onde têm sido aplicadas multas elevadas, sobretudo a empresas

multinacionais na área das tecnologias, por insistirem nesse verdadeiro truque.

Também sabemos que para além de custos económicos, em particular para os consumidores, a

descartabilidade dos produtos tem grandes impactos na pressão exercida sobre os recursos naturais e minerais,

como é o caso do lítio, na emissão de gases com efeito de estufa e na produção insustentável de resíduos,

como é o caso dos plásticos.

Os números são assustadores. Estamos a falar de 47 milhões de toneladas de lixo eletrónico produzido em

2017 a nível mundial — portanto, só durante um ano! —, o que contribuiu claramente para acentuar as alterações

climáticas, para além dos recursos que são consumidos desnecessariamente.

Mas mais: o aumento da vida útil dos telemóveis e de outros dispositivos eletrónicos em apenas um ano na

União Europeia reduziria as emissões de carbono no equivalente a retirar dois milhões de carros das estradas,

ao passo que se se estendesse a sua vida útil em mais cinco anos, em termos de emissões, isso equivaleria a

retirar de circulação todos os carros do nosso País.

De facto, algo tem de estar errado quando percebemos que, no caso dos telemóveis, 75% dos gases com

efeito de estufa associados correspondem a todo o processo de transporte e distribuição comercial, ou seja,

antes de o utilizador os retirar da embalagem.

É também por isso que Os Verdes defendem que o combate às alterações climáticas e à delapidação dos

recursos naturais e minerais como o lítio tem de passar por uma alteração deste paradigma de «usa e deita

fora», atuando desde logo a montante na produção e na conceção dos produtos.

Os Verdes consideram que uma forma de influenciar a melhoria da qualidade dos bens móveis e imóveis, de

salvaguardar os direitos dos consumidores e dos cidadãos, de aumentar a reparação dos produtos e de reduzir

os impactos no ambiente, diminuindo a nossa pegada ecológica, passa pelo aumento do prazo de garantia dos

bens para um período superior ao que está estabelecido no Decreto-Lei n.º 67/2003, pelo combate à prática da

obsolescência programada e por medidas para fomentar a longevidade dos produtos. São medidas que levarão

a que as empresas desenvolvam os seus produtos com processos de fabrico e materiais que melhorem a

qualidade dos bens, permitindo não só a sua durabilidade como também a possibilidade de reparação dos

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mesmos, aumentando a sua longevidade, salvaguardando os consumidores, o ambiente, os recursos naturais

e o próprio planeta.

Estas são as nossas propostas nesta matéria no sentido de proteger os consumidores, de prolongar a vida

útil dos bens, de contribuir para a redução da produção de resíduos e para a redução da emissão de gases com

efeito de estufa, de combater as alterações climáticas e de poupar os recursos naturais do nosso planeta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do

Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Pacheco.

O Sr. Filipe Pacheco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por saudar a

apresentação dos projetos de lei em discussão pelos vários partidos, que podem e devem ser analisados do

ponto de vista dos direitos dos consumidores, mas também do ponto de vista da sustentabilidade ambiental.

Hoje em dia, sabemos que persistir numa economia linear, em que se extrai, se transforma, se vende e

depois se deita fora, é um erro. A transição para um modelo de economia circular é urgente, como foi, aliás,

visível pelo esforço do Governo do Partido Socialista num trabalho interministerial intenso que se materializou

no Plano de Ação para a Economia Circular (PAEC). É urgente assumir a transição para um modelo produtivo

e de consumo com maior nível de desempenho dos produtos e serviços e mais orientado para a durabilidade

dos produtos.

Para o Partido Socialista, a atual transição digital que vivemos tem de ser justa, socialmente equilibrada e

com direitos, e é neste campo dos direitos que a defesa do consumidor merece especial atenção. Apesar dos

progressos alcançados nesta área, nos últimos anos, pelo Governo do Partido Socialista, o PS reconhece que,

numa sociedade de consumo cada vez mais massificada, a situação de equilíbrio dos consumidores perante os

prestadores de serviços e fornecedores de bens continua a precisar de especial atenção. É fundamental que se

continuem a adotar instrumentos que permitam ao consumidor obter informação sobre a vida útil dos produtos,

assim como instrumentos que permitam promover a sua atualização e reparação.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, se é um facto que os vários projetos hoje apresentados procuram

responder a várias destas preocupações, também é um facto que o fazem de modos distintos, com pesos e

medidas diferentes e até confundindo conceitos.

As divergências entre os projetos apresentados encerram a evidência de que é precisa uma reflexão muito

mais profunda sobre as matérias em discussão, desde logo na definição de obsolescência programada. Será

que devemos implicar o distribuidor em algo que não produziu, como faz a proposta do PEV, aplicando este

conceito de obsolescência programada ao distribuidor? Ou devemos remeter este conceito apenas para o

momento de conceção do produto? É uma dúvida que deixamos.

Relembro ainda que a eliminação desta prática negativa é uma preocupação assumida pelo atual Governo

e uma prioridade de atuação que consta no Programa do Executivo, que há bem pouco tempo discutimos nesta

Casa. Além disso, foi recentemente aprovada a Diretiva (UE) 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho,

que apresenta um novo enquadramento legislativo no que respeita às garantias de bens de consumo. O PEV,

por exemplo, trouxe-nos um texto semelhante ao que já havia apresentado na Legislatura passada, mas

entretanto a realidade mudou e, portanto, é também em sede de transposição desta Diretiva que esta discussão

deve ocorrer.

Por último, consideramos fundamental que passos importantes como aqueles que aqui tentamos dar tenham

de ocorrer com mais certezas, com mais consenso e, acima de tudo, com a auscultação de todos os

interessados.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queria pedir-lhe que terminasse.

O Sr. Filipe Pacheco (PS): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que a auscultação deve realizar-se a todas

as associações do setor e ao Conselho Nacional do Consumo.

Deixo uma última conclusão: o Partido Socialista está disposto a uma reflexão muito mais profunda sobre

estes temas que estamos a discutir.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar

do PSD, a Sr.ª Deputada Márcia Passos.

A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD partilha as preocupações

ambientais e de defesa do consumidor, as motivações de uma economia circular, a melhoria da gestão racional

dos recursos naturais e a redução da carga poluente, o que impõe uma análise concentrada em dois vetores

principais — o combate à obsolescência programada e o prazo de garantia dos bens móveis.

Quanto ao primeiro, citamos o exemplo de França, que, em 2015, passou a proibir a prática de técnicas

utilizadas para reduzir deliberadamente a vida útil de um produto e aumentar a sua taxa de substituição, punindo

com penas de prisão até dois anos e com multa de 300 000 € quem violar a referida norma. Soluções desta

natureza devem ser ponderadas.

O PSD nunca aceitará que, sob a bandeira da inovação e do desenvolvimento, sejam adotadas, de forma

intencional e deliberada, práticas que prejudiquem os consumidores. Entendemos, assim, ser pertinente

implementar no sistema legal português o conceito de obsolescência programada e o respetivo regime

contraordenacional, mas isso não será suficiente.

Quanto ao pretendido alargamento do prazo de garantia dos bens, já a nossa posição é manifestamente

diferente. Na garantia dos bens móveis, Portugal não prevê um regime menos favorável para o consumidor do

que os seus pares europeus. Porém, corroboramos o argumento de que, em muitos casos, existem

prolongamentos da garantia de dois anos através da contratação de seguros. Ora, se esse prolongamento tem

exatamente o mesmo âmbito da garantia inicial, parece-nos possível alargar o prazo sem custos para o

consumidor.

Protestos do Deputado do PCP João Dias.

Contudo, entendemos que isso não deve ser automático para todos os produtos, preferindo refletir num

modelo que permita a definição de elementos concretos e objetivos para que a garantia seja mais dilatada.

Para esta reflexão está o PSD totalmente disponível, tal como está disponível para acompanhar uma previsão

legal que assente numa garantia de durabilidade, ou seja, a garantia de que, num determinado período de tempo,

o equipamento é reparável, ficando, assim, na total liberdade do consumidor optar pela sua reparação ou pela

sua substituição.

O PSD está totalmente disponível para discutir estas matérias em sede de especialidade, até porque se

impõe transpor a Diretiva (UE) 2019/771, de 20 de maio último.

Acreditamos que a defesa do ambiente e dos consumidores se faz a par da defesa da inovação, da

investigação e da economia. É este equilíbrio que o PSD defende.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo,

do Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por perguntar ao Sr.

Deputado Bruno Dias, que disse aqui que o capitalismo não é verde, o seguinte: não me está a tentar convencer

de que é o comunismo que é verde, pois não, Sr. Deputado?!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mais vale ter graça do que ser engraçado!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Todos nos lembramos bem ainda das catástrofes ambientais e da

poluição em larga escala na União Soviética. Portanto, o comunismo não só não é verde, como é bastante

negro.

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Relativamente às garantias, há, de facto, uma assimetria de informação, um desequilíbrio de poder entre

quem vende e quem compra, nomeadamente, os bens de consumo, portanto, as atuais regras de garantia legal

de dois anos para a maior parte desses bens parece-nos adequada.

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Já a extensão dessas garantias é uma mera interferência do Estado na liberdade contratual.

Se querem proteger os consumidores, admitam mais concorrência nos mercados e informem-nos

devidamente, para que a liberdade contratual possa ser exercida livremente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, continuando na mesma senda, é

curioso dizer-se que o comunismo é que é verde. É qualquer coisa que nos impressiona e que nos faz rir a

todos.

Mas, Sr. Presidente, estes projetos aqui apresentados têm uma vantagem: tocam-nos no ponto fundamental

em relação ao novo tipo de eletrodomésticos que precisamos — aí, sim, legislativamente — de construir. Por

isso, do que precisamos é de regras para tornar estes eletrodomésticos mais fáceis de reparar, de reciclar e,

também, com menos consumo de energia. Precisamos, conforme disse a Comissão Europeia, de

eletrodomésticos mais duráveis. Esse, sim, é o ponto.

Ora, o que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista nos trazem aqui é um alargamento do prazo de

garantia para 10 anos, quando o que temos na Europa é a tendência precisamente inversa: a de reduzir o prazo

de garantia. Aliás, em 2018, foi proposto que fosse reduzido o prazo de garantia. Temos, até, uma proposta da

Comissão Europeia nesse sentido.

Não deixa de ser curioso que o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, que tantas vezes se justificam

com a legislação europeia em determinadas matérias, aqui sejam capazes de vir propor completamente ao

arrepio da legislação europeia.

Risos do BE e do PCP.

Precisamos de regras que protejam os consumidores, não há dúvida, mas também precisamos de regras

que protejam a economia, que protejam quem investe na inovação, na distribuição e no círculo empresarial.

Só para terminar, Sr. Presidente, queria dizer que este tipo de propostas faz sistematicamente esta dicotomia:

os monstros capitalistas e empresários e os pobres consumidores, que são sempre os prejudicados. Nada

beneficia a sociedade, nada beneficia a sociedade civil e a pacificação social de que precisamos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado

Nelson Peralta, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Nelson Peralta (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvidas as bancadas do Partido Socialista e

do PSD, temos de ficar com a expectativa de que votarão favoravelmente estes projetos… Estão a dizer que

não?! Mas toda a argumentação foi a de que o problema existe, que tem de ser resolvido, que precisamos de

ouvir mais pessoas.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É esse o processo de especialidade!

O Sr. Nelson Peralta (BE): — É esse o processo de especialidade! Estranho é que o Partido Socialista venha

aqui dizer tudo o que se faz no processo de especialidade e agora diga que não vai votar a favor.

Em relação aos Deputados que aqui disseram que o mercado é que manda, pois, esse tem sido o problema.

Então, se o mercado é que manda, por que é que todos os prazos de garantia são de dois anos?! Por que é que

não há empresas a oferecer mais?! Por que é sempre dois anos? Bem, porque é o mínimo.

O prazo de garantia é uma defesa da economia, é uma defesa do planeta e é uma defesa dos consumidores.

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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

Protestos do CH.

O Sr. Nelson Peralta (BE): — Não está sujeito às leis do mercado, pelos vistos, porque as empresas querem

sempre o mínimo.

Aquilo que queremos dizer é que queremos o máximo para o planeta e o máximo para os cidadãos. Não é o

máximo para as empresas!

Risos do CH.

Também pergunto a estes Deputados se querem voltar atrás, ao tempo, por exemplo, dos carregadores de

telemóvel. Vejam bem a grande opressão europeia sobre as grandes empresas, obrigando-as a ter cabos iguais

para todos os telemóveis. Veja-se bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar, se fizer favor.

O Sr. Nelson Peralta (BE): — Foi uma medida essencial para reduzir o lixo.

É por isso mesmo que são necessárias regras na economia, porque, quando não existem regras na

economia, o que vigora é o abuso e os mínimos, como no caso da garantia.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para a conclusão deste ponto da nossa ordem de trabalhos, tem

a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de tantas justificações e

argumentos para demonstrar que esta discussão deve ser feita de forma aprofundada, prosseguindo a reflexão

e promovendo a audição das organizações, e que, inclusivamente, o modelo de alargamento dos prazos de

garantia pode ser ponderado e discutido de uma forma mais aprofundada, todas essas anotações são úteis e

são pertinentes. Só espero é que não sejam «desculpas de mau pagador» para não votar a favor do projeto,

porque esta discussão deve mesmo prosseguir e deve mesmo avançar para a especialidade.

Aquilo que esperamos é que haja consequências e que se possa passar das palavras aos atos, para que

não sejam apenas declarações genéricas sobre a economia circular, tão circular como as intervenções que

alguns Deputados aqui possam fazer.

Para terminar, Sr. Presidente, não posso deixar de assinalar que é muito significativo, e não é de estranhar,

que sejam precisamente as forças mais reacionárias presentes nesta Assembleia a fazer as declarações de

amor e os votos pios ao capitalismo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos, então, ao quinto ponto da nossa ordem de trabalhos

de hoje, do qual consta a discussão conjunta dos Projetos de Resolução n.os 15/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda

ao Governo que tome as medidas necessárias ao alargamento da ADSE a todos os portugueses,

independentemente de terem ou não um vínculo laboral ao Estado e 92/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao

Governo a adoção de medidas que garantam a sustentabilidade da ADSE.

Para apresentar a iniciativa do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A ADSE é um subsistema de

saúde complementar ao SNS (Serviço Nacional de Saúde), de adesão voluntária e com acesso restrito aos

funcionários públicos e aos seus familiares. Em 2014, deixou de ser um benefício concedido pelo Estado

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empregador à Administração Pública. Hoje, não há qualquer financiamento por parte do Estado, sendo a ADSE

paga através dos descontos dos titulares: 800 000 de um total de 1,2 milhões de beneficiários.

Para além da ADSE, os funcionários públicos são livres de adquirir um seguro privado, tendo, naturalmente,

direito ao SNS, como qualquer outra pessoa. Já um trabalhador dos setores privado ou social não tem o mesmo

conjunto de opções, a mesma liberdade de escolha. Tem como certo o SNS e pode comprar um seguro privado,

mas não pode aceder à ADSE e às vantagens que esta lhe possa oferecer. Porquê?! Porque a ADSE é ainda

um privilégio dos trabalhadores do Estado e, na verdade, nem o é para todos, desde logo, para muitos dos

trabalhadores dos hospitais públicos, o que alguns sindicatos e representantes dos beneficiários querem manter,

invocando dois argumentos: o risco da sustentabilidade da própria ADSE e a alegada criação de um sistema

para ricos que podem pagar e que irão ao privado, relegando os pobres para o SNS.

Ora, quanto à sustentabilidade, há vários estudos da consultora Towers Watson para a ADSE, em 2015, da

Deloitte para a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, em 2018, do Conselho Geral e de Supervisão

da ADSE, em 2018, e relatórios do Tribunal de Contas de 2015, 2016 e 2018, todos indicando que a

sustentabilidade só pode ser garantida com o alargamento da ADSE, atendendo a condições de idade e de

vencimento, repito, atendendo a condições de idade e de vencimento. São estas as variáveis relevantes e não

se se trabalha para o Estado.

O Tribunal de Contas é mesmo bastante incisivo ao dizer que, se não for feito um alargamento a novos

titulares, a sustentabilidade estará em risco já em 2026, até porque 46% dos beneficiários têm hoje mais de 55

anos e o excedente orçamental que, em 2014, foi de 200 milhões de euros caiu para 67 milhões de euros em

2018.

Quanto ao outro argumento, o de que o alargamento da ADSE permitirá aos ricos alimentar o privado, não

deixa de ser irónico, porque, hoje, a única razão pela qual um funcionário público opta por pagar à ADSE é

precisamente para escolher ir ao privado ou ao social quando isso for melhor para si e, note-se, pagando 3,99

€ por consulta, menos do que os 7€ da taxa moderada no SNS.

Para o CDS, um regime de acesso a cuidados de saúde no qual só entra a Administração Pública e que é

vedado aos trabalhadores dos setores privado e social apenas porque sim é uma discriminação inaceitável. Por

isso, defendemos um alargamento da ADSE, precedido de um estudo do perfil e das condições de acesso dos

novos entrantes e da negociação dos termos deste alargamento em sede de concertação social. Alargar a ADSE

a outros, sem prejudicar os que já a têm. Sr.as e Srs. Deputados, não haverá maior solidariedade entre

trabalhadores, entre cidadãos, do que esta.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Presidente, Eduardo Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Duarte Pacheco, do PSD.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É muito diferente estar no Governo

ou ser Governo. Há quem goste de estar no Governo para aumentar o seu prestígio, para melhorar o seu

currículo ou para ter cartões pessoais novos.

O Sr. António Filipe (PCP): — Isso era no tempo do PSD!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Mas ser Governo é muito diferente. Ser Governo é ter vontade e capacidade

de servir as pessoas.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Exatamente!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — É enfrentar os problemas da comunidade de forma frontal e procurar

soluções para esses mesmos problemas.

Infelizmente, o caso da ADSE parece mostrar que quem nos governou nos últimos quatro anos preferiu estar

no Governo a ser Governo.

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O Sr. Adão Silva (PSD): — Exatamente!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Quem o diz não são os partidos da oposição, é o próprio Tribunal de Contas,

que afirma estar ainda a aguardar, quatro anos passados, que o Governo faça alguma coisa com as

recomendações que apresentou para salvaguardar a sustentabilidade da ADSE. O que é que o Governo fez?

Zero!

O que diz o Tribunal de Contas? Diz que a ADSE entrará em défice em 2020; a ADSE entrará em falência

em 2026; as dívidas da ADSE e os prazos de pagamento têm vindo a agravar-se; a insustentabilidade da ADSE

prejudicará sobretudo os utentes de mais baixos rendimentos. Mais: o Estado não paga a ADSE e faz cativações

das receitas, que são 100% pagas pelos utentes do sistema.

Aplausos do PSD.

Perante este cenário de catástrofe,…

A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — Catástrofe?!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — … o Governo fez zero e não se vislumbra vontade de mudar o seu

comportamento.

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, a Assembleia da República não pode ficar indiferente a esta realidade.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Exato!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Por isso, somos obrigados a exigir que o Governo seja mesmo Governo.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Por isso, o PSD apresentou uma iniciativa legislativa regimental que duvido

sinceramente que alguém nesta Casa não possa subscrever.

Em primeiro lugar, exigimos ao Estado que pague o deve à ADSE.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Quem é contra isto?!

Em segundo lugar, exigimos que o Governo apresente, num prazo de 90 dias, a esta Câmara e aos

portugueses, um plano de ação que salvaguarde a sustentabilidade da ADSE.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Quem se pode opor a isto?!

Já que o Governo nada faz, temos nós, Parlamento, de exigir que o Governo faça alguma coisa, que seja

Governo. O que está em causa é uma questão de saúde para mais de um milhão de portugueses. Perante este

problema, não se pode adiar mais, não se pode brincar com esta situação. Isso seria imperdoável, Sr.as e Srs.

Deputados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PS. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Eurídice Pereira.

A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O acesso universal a cuidados de

saúde dos cidadãos portugueses é garantido pelo Serviço Nacional de Saúde. Esta garantia do Estado afirma a

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igualdade de circunstâncias aos portugueses, trabalhadores do setor público ou do privado, desempregados ou

estudantes, novos ou velhos.

Vem isto a propósito do arrastamento da ADSE para uma teoria da discriminação promovida pelo CDS. Vai

mal o CDS quando pretende cortar a possibilidade de os funcionários da Administração Pública disporem de um

subsistema organizado, que não oferece prestação de serviços de saúde mas, sim, o seu financiamento, sendo

esse subsistema financiado pelos descontos — e só — dos seus beneficiários. Não haja subterfúgios nem

equívocos!

O projeto de resolução do CDS não tem rigorosamente nada que ver com a eventual proposta de alargamento

do universo dos quotizados. O projeto resulta de um posicionamento ideológico que traduz ausência de simpatia

pela Administração Pública e vontade de a minimizar. A intenção, no caso, foi dramatizar, com uma

discriminação artificialmente construída entre público e privado.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — Apesar de não ser essa a preocupação do CDS, permito-me referir, a

propósito do tema, que, a ocorrer o aumento dos contribuintes líquidos da ADSE, também há um aumento dos

beneficiários e, por isso, o alargamento da base destes só pode ser feito salvaguardando a diversificação do

risco e a introdução de maior sustentabilidade no sistema de saúde. A posição do CDS é o contrário dessa

desejada e necessária salvaguarda.

Sobre esta reflexão maior, era importante que também estivesse em cima da mesa o estudo sobre o

alargamento da ADSE a novos universos de quotizados, apresentado por entidades gestoras do subsistema,

estudo esse que está a anos-luz desta pretensão do CDS.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Ah, não posso! Os sindicatos?

A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — Por seu lado, o projeto de resolução do PSD acaba por abordar o tema do

alargamento, porque o faz — veja-se! — baseando-se nas recomendações do Tribunal de Contas. Fá-lo, no

entanto — o que, aliás, se notou novamente aqui, na intervenção —, sem evidenciar o que foi desenvolvido nos

últimos anos no plano da racionalização da despesa, que acredito que desconheça, e da alteração da natureza

jurídica da ADSE, que ocorreu em 2017.

É sabido, até porque se realizaram audições na Assembleia da República com protagonistas da ADSE, nos

inícios do presente ano, que, em 2018, foi implementado um conjunto de medidas de controlo da despesa com

os regimes convencionado e livre. Também se sabe que está a ser implementado um sistema de combate à

fraude.

Em relação à análise sobre dívidas à ADSE, aqui focada e referida pelo Tribunal de Contas, já é conhecida

a posição dos ministérios…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — Concluirei, Sr. Presidente.

Como dizia, já é conhecida a posição dos ministérios de tutela e, portanto, está a ser procurada uma resposta

com as entidades devedoras. Lembramos, obviamente, que também se incluem as regiões autónomas.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — O novo quadro normativo está atento à situação e responder-lhe-á; e é

exatamente porque lhe responderá que não acompanhamos impulsos cujo único objetivo é o da política

mediática.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN, para uma intervenção.

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, começaria por dizer que o PAN está

preocupado com os recentes indicadores que questionam a sustentabilidade da ADSE, os quais têm eco na

auditoria do Tribunal de Contas, segundo a qual aquela enfrentará o seu primeiro défice já em 2020, com os

excedentes entretanto acumulados até 2019 a esgotarem-se em 2026.

Da mesma maneira, também aqui manifestámos a nossa preocupação pelo facto de não terem sido

implementadas pelos respetivos Ministérios, das Finanças e da Saúde, as recomendações que foram sendo

feitas ao Governo.

À parte disso, o PAN, porque procura soluções que nos devem nortear a todos, está disponível para apostar

em encontrar medidas efetivas que assegurem a viabilidade deste subsistema, sendo que estas não passam

necessariamente, no nosso entender, pelo alargamento aos privados, o qual só em última instância se deve

equacionar. Urge repensar o modelo, nomeadamente quanto à questão da atratividade do plano de coberturas,

mas também fomentar medidas de racionalização da despesa, o que, segundo a auditoria, atualmente não

ocorre.

Não é esse o espírito, porém, que encontramos nas iniciativas hoje em debate, pois o que o PSD e o CDS

pretendem, ainda que sob o manto da sustentabilidade, mais não é do que abrir a ADSE aos privados. De resto,

a iniciativa do CDS tem a virtude, ainda que não necessariamente boa, de ser mais transparente do que a do

PSD no propósito último de privatização da ADSE,…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Não faz sentido o que está a dizer!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … o que atinge através de uma exposição de motivos propositadamente

assente em receios injustificados de não discriminação, no registo já conhecido de virar uns cidadãos contra

outros,…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Isso é o que os senhores estão a fazer!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … sem, no entanto, referir que o peso dos descontos feitos pelos

trabalhadores do sistema público é completamente diferente do dos descontos feitos por qualquer trabalhador

do privado. Quanto a esta parte não dizem nada, nem falam dela! Inclusivamente, também não dizem que

pretendem terminar aquilo que começaram no tempo da troica: por um lado, agravar as quotizações e, por outro,

alargar cada vez mais este subsistema.

Protestos da Deputada do CDS-PP Ana Rita Bessa.

Sr.as e Srs. Deputados, o que salta à vista é uma evidente contradição de quem, manifestando esta

preocupação com a sustentabilidade da ADSE, não fez e continua a não fazer o suficiente para garantir um

Serviço Nacional de Saúde de qualidade, que transmita confiança e segurança aos utentes, ao invés de os

remeter para os privados.

Protestos das Deputadas do CDS-PP Ana Rita Bessa e Cecília Meireles.

O alargamento proposto, no nosso entender, vai ter um efeito contrário àquele que é almejado, o da

sustentabilidade, e, por outro lado, também não resolve os problemas do Serviço Nacional de Saúde, muito pelo

contrário. Se o Serviço Nacional de Saúde for bom, as pessoas não sentirão necessidade de procurar o privado.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Então, porque é que optaram pela ADSE?!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Recordamos ainda, Sr.as e Srs. Deputados, que o Serviço Nacional de

Saúde tem apenas 40 anos, pelo que não faz assim tanto tempo que muitas pessoas no nosso País não tinham

acesso aos mais básicos cuidados de saúde. Ao PAN, parece que esta proposta não resolve os problemas da

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ADSE, muito menos os problemas da saúde no nosso País, pelo que estão a passar ao lado de um debate sério,

que tem de ser feito.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal, para

uma intervenção.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, agradeço-lhe, com uma saudação especial.

Depois de, na Legislatura anterior, terem alterado a Lei de Bases da Saúde sem verdadeiramente reformar

nada, eis-nos, mais uma vez, com propostas relativas ao sistema de saúde — neste caso, à ADSE. São

pequenos passos e pequenas vontades a que não nos opomos, mas fica sempre a sensação de que há uma

oportunidade perdida. Com um sistema de saúde em colapso, ninguém o quer reformar. Ou se apresentam

medidas paliativas ou medicação excessiva, mas não se reforma, de facto, o SNS.

Enquanto uns se agarram ao exemplo inglês e outros agitam o caso americano, nós, no Iniciativa Liberal,

olhamos para outros exemplos e para o seu sucesso. Olhamos para exemplos onde há liberdade de escolha e

universalidade no acesso. Esses são os focos desses sistemas. São sistemas feitos a pensar verdadeiramente

nos doentes. Olhamos para a Holanda, onde os cuidados primários são o pilar, onde todos estão cobertos por

médico de família, onde existe liberdade de escolha no prestador de saúde.

Nesta Legislatura, iremos colocar em debate uma verdadeira reforma que aponte para um sistema eficaz,

universal, inovador, concorrencial e focado no cidadão,…

Protestos do Deputado do BE Moisés Ferreira.

… um sistema que alargue também, gradualmente, o acesso de todos a cuidados paliativos, continuados e

de saúde mental. Perante um sistema em implosão, querem continuar a remendar ou vamos reformar?

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Qual será a versão do Programa?

A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — Exatamente! Está bem dito!

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos hoje uma situação curiosa na ADSE.

Temos uma falha de reembolso de cerca de 60 milhões, o que, por si só, nos devia preocupar a todos. Mas

preocupa mais a resposta que o Governo deu. «Não se preocupem! O problema é que os serviços estão a

trabalhar nos mínimos» — disse o Governo. Esse é o problema deste País: ter de ser tudo reduzido aos serviços

mínimos, na justiça, na ADSE, na saúde e em tudo mais.

Hoje, a Sr.ª Deputada trouxe-nos uma resposta tranquilizadora.

Protestos de Deputados do PS.

Tenham calma, Srs. Deputados!

A Sr.ª Deputada disse: «O novo quadro normativo está atento à situação.» De facto, quem está em casa fica

tranquilíssimo, porque o quadro normativo está atento à situação. Não é o Governo nem é o Grupo Parlamentar

do PS ou os seus aliados, é o quadro normativo! Ficámos todos muito bem estruturados.

O Chega apoiará, neste caso, a proposta do PSD para um plano de regularização de dívidas, porque, de

facto, não se compreende como é que o Estado pode exigir sistematicamente aos particulares o pagamento das

suas dívidas, com cobranças coercivas, e não o faz em relação aos pagamentos que deve à ADSE.

Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo que, em breve, esta Câmara discutirá, com muito orgulho, a castração

química e, deixe-me que lhe diga, o Partido Socialista mais não tem feito do que castrar a ADSE.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do Grupo Parlamentar do PCP, para uma

intervenção.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos hoje duas iniciativas, do PSD e

do CDS, a propósito da ADSE. São duas iniciativas que têm como único objetivo salvaguardar os interesses dos

grupos privados na saúde, cujos lucros resultam, em grande parte, das transferências por via da ADSE. Aliás,

se não fosse a ADSE, alguns destes grupos privados da saúde nem sequer seriam rentáveis.

Por isso, rejeitamos totalmente o que trazem o PSD e o CDS, ao proporem que a ADSE se torne numa

espécie de seguro privado para a saúde, indo no sentido da destruição do Serviço Nacional de Saúde. Se a sua

preocupação é efetivamente com a sustentabilidade da ADSE, então, vamos lá colocar algumas questões.

Por que é que não se alarga a ADSE — e nós consideramos que se deve alargar — aos trabalhadores da

Administração Pública, incluindo os trabalhadores que têm contratos individuais de trabalho?

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Eu falei nisso! Não ouviu? Eu falei nisso!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Digo isto, para já, por uma questão de justiça, mas também porque,

efetivamente, estes trabalhadores, tendo contratos individuais de trabalhos, desempenham funções públicas.

Podemos também perguntar: por que é que não se avança com uma nova tabela do regime convencionado

que fixe preços máximos a pagar aos prestadores? Não faz nenhum sentido que os prestadores — os grandes

grupos privados — continuem a faturar os preços que quiserem à ADSE.

Há vários casos: por exemplo, relativamente a uma mesma prótese, um prestador faturou 19 345€ e um

outro, 31 141€. Porquê? Não se questionam? Não é grave não haver um controlo e uma gestão que permitam

que a mesma coisa seja paga pelo mesmo valor?

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Pergunte ao Governo do Partido Socialista!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Podemos também dar exemplos relativamente a preços de medicamentos,

em que uns prestadores cobram um valor e outros cobram 30 ou 50 vezes mais. Isto não é algo que coloca em

causa a sustentabilidade? Mas como também coloca em causa os interesses dos grupos privados, não ouvimos

uma palavra, nem por parte do PSD nem por parte do CDS.

O Sr. João Dias (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Podemos continuar a fazer perguntas. Por exemplo, fala-se das dívidas da

ADSE. Por que não se coloca também a concretização do processo de regularização dos pagamentos que os

prestadores têm de fazer à ADSE? É que houve pagamentos que foram feitos de forma indevida e está previsto

que as regularizações sejam efetuadas, mas não ouvimos nenhuma palavra do PSD ou do CDS relativamente

a esta matéria. De facto, estas são receitas importantes para a própria ADSE.

Por isso é que se pergunta: qual é a preocupação destas iniciativas? É, efetivamente, defender os

beneficiários e salvaguardar os seus direitos ou é salvaguardar os lucros dos grandes grupos económicos que,

ao longo destes anos, têm beneficiado com a ADSE?

Por fim, deixava mais uma questão: por que é que não se alargam e não se diversificam as convenções da

ADSE, por exemplo, a pequenos prestadores?

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Ah, isso acho bem!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Tem havido um bloqueio relativamente às novas tabelas, com os preços

máximos,…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Eu falei nisso! A Sr.ª Deputada não ouviu! É tão distraída!

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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … e tem havido um bloqueio, relativamente a esta matéria, aos pequenos

prestadores, por parte do Governo mas também por parte do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — A ADSE está refém de cinco grandes grupos privados na área da saúde e

esta é uma matéria que, de facto, tem de se colocar em cima da mesa.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou terminar mesmo, Sr. Presidente, agradecendo a sua tolerância.

O Sr. Presidente: — Peço que termine rapidamente.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Daqui se conclui claramente que não são os direitos dos beneficiários que

movem estas iniciativas, do PSD e do CDS, mas sim a manutenção dos interesses dos grandes grupos privados

da saúde.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Joacine Katar Moreira, do Livre, para uma intervenção.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, desejava fazer uma única observação

tanto quanto à iniciativa do CDS como quanto à do PSD: não há maior seguro de saúde do que o investimento

no Serviço Nacional de Saúde.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sim!

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A ADSE é um subsistema de saúde

dos funcionários públicos que pré-existe ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), aliás, pré-existe à democracia.

Ele é hoje pago exclusivamente pela contribuição dos seus beneficiários, em que quem tem menos salário paga

menos, quem tem mais salário paga mais e é, por isso, um sistema solidário, que incluiu também, durante muito

tempo, beneficiários isentos.

O PSD e o CDS trazem aqui projetos que são diferentes mas que têm em comum não serem absolutamente

claros sobre os seus objetivos.

Protestos da Deputada do CDS-PP.

O PSD alega problemas de sustentabilidade, mas não falou aqui hoje numa coisa que até o Dr. Rui Rio já

disse: que há abuso dos privados sobre a ADSE e esse abuso prejudica a sustentabilidade da ADSE. Isso não

foi dito aqui, hoje, nem se falou na dívida que os privados têm à ADSE.

Uma forma de resolver esse problema de sustentabilidade seria alargar aos CIT (trabalhadores com contrato

individual de trabalho), que, por direito, deveriam ser tratados como funcionários públicos, mas esse também

não é o objetivo.

Quando se fala em cumprir as recomendações do Tribunal de Contas, está aqui mascarada uma ideia de

que na sustentabilidade da ADSE e para garantir essa sustentabilidade deve ser introduzida a lógica privada,

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que todos os seguros de saúde têm, que proíbe ou que expulsaria da ADSE aqueles que têm menos condições

de contribuir.

Uma dessas recomendações, por exemplo, é que aos pensionistas pobres, aos pensionistas isentos, a esses

seja suspenso o financiamento dos seus tratamentos. É uma das formas de garantir a sustentabilidade da ADSE

na lógica privada que o PSD segue. Ora, essa não é nossa forma de garantir a sustentabilidade da ADSE.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Já o CDS apresenta-nos um projeto típico de raposa no galinheiro, que é

aquilo a que o CDS nos habitua quando vem falar da relação entre a ADSE e o Serviço Nacional de Saúde. E

mais uma vez recorrendo ao problema da sustentabilidade, tenta atirar areia para os olhos das pessoas,

escondendo-lhes que qualquer sistema de alargamento ao privado da ADSE levaria, como disse, aliás, o

Presidente do Conselho Geral, a uma insustentabilidade crónica da ADSE, que derivaria numa de duas coisas:

num seguro privado de saúde ou num aumento das contribuições.

Em resumo, o que iria acontecer era a ADSE deixar de ser um sistema solidário, acabaria por expulsar

aqueles que contribuem menos e ficar com aqueles que contribuem mais, alargando a entrada aos outros que

têm possibilidade de pagar.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Isso é na sua cabeça!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O resultado disto é que o setor privado teria um pacote apetitoso de

contribuintes com possibilidades de pagar um serviço privado de saúde.

Portanto, o CDS é pouco claro quando diz que quer proteger o SNS ou que quer criar um sistema solidário

de saúde para os portugueses,…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Já existe!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … porque aqueles que aqui vivem já têm um sistema solidário de saúde,

que se chama Serviço Nacional de Saúde.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Então, para que é que serve a ADSE?!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — E é nesse que é preciso investir, repito, é nesse que é preciso investir!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — É claro!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Aquilo que o CDS propõe não é o alargamento de um sistema solidário de

saúde, porque esse já existe e o CDS sempre foi contra ele. Aquilo que o CDS propõe, por patrocínio público e

via concertação social, é que se crie um sistema concorrencial ao Serviço Nacional de Saúde…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Qual patrocínio público?!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … para aqueles que ganham melhor, …

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, já ultrapassou o seu tempo. Tem de terminar.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Termino, Sr. Presidente.

… deixando o SNS para os pobres que não têm possibilidade de pagar grandes contribuições.

Ora, o tempo das leis de base da saúde que promoviam sistemas concorrenciais ao SNS acabou. O que nós

queremos é uma lei de bases e um SNS que tenha investimento suficiente para ser, esse sim, o sistema universal

e solidário.

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Aplausos do BE e do L.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco, do Grupo Parlamentar do PSD, para

uma intervenção.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao terminarmos este debate, vou

ter de ser sincero e dizer que é lamentável — lamentável! — que aquilo que resulta das vossas bancadas neste

debate seja, pura e simplesmente, o seguinte: não devemos fazer nada, devemos deixar as coisas como estão!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Exatamente! Olhem o vosso Governo há cinco anos!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — E quando isto abrir falência e houver insustentabilidade, quem cá estiver

que feche a porta! Esquecem-se de que estamos a falar dos portugueses de carne e osso, repito, de carne e

osso,…

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

… de pessoas debilitadas e doentes que precisam da sustentabilidade deste serviço. Que os senhores digam

que o Tribunal de Contas tem ímpetos mediáticos,…

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Nós não dissemos isso!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — … pois, tudo aquilo que vos contrarie tem ímpetos mediáticos. E que

aqueles senhores recusem que o Governo governe e apresente soluções significa, pura e simplesmente, que

falam, falam, falam…

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — E o que diz o Tribunal de Contas?!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — … para que tudo fique na mesma e quem vier no fim que feche a porta. Os

portugueses vão pagar essa fatura mais tarde, mas nós não desistiremos nunca de lutar para que isso não

aconteça.

Aplausos do PSD.

Protestos do BE e do PCP.

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu gosto da expressão «atirar areia

para os olhos» porque é coisa que o Bloco, o PCP e o PAN neste debate fizeram com fartura.

Srs. Deputados — Sr.as Deputadas, neste caso — a mim não me custa nada: se não querem regimes

concorrenciais, acabem com a ADSE.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Complementar!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Então, não acabaram de dizer que a ADSE desvia, à força, os

funcionários públicos do SNS para os privados?! Acabem com a ADSE de uma vez por todas, que isso é que

faz concorrência com o SNS!

Mas para isso não têm coragem. Sabem porquê? Porque toca nos funcionários públicos e aí é que os

senhores não querem mexer.

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Sr.ª Deputada Eurídice, tenho a dizer-lhe que o único preconceito ideológico que o CDS tem é que, para nós,

não há portugueses de primeira,…

A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — Há, há!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — … que são os funcionários públicos que têm acesso à ADSE, e

portugueses de segunda, que são os trabalhadores do privado e do social, que não têm acesso a esse sistema

só porque sim e porque os senhores não querem!

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — É uma acérrima defensora dos privados!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Podem continuar a lutar à vontade! Acabar com os privados é que não!

O Sr. Presidente: — Vamos entrar no último ponto da nossa agenda, que consiste na apreciação conjunta,

na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 52/XIV/1.ª (PAN) — Privilegia o modelo de residência alternada sempre

que tal corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos

de abuso infantil, negligência e violência doméstica, 87/XIV/1.ª (PS) — Altera o Código Civil, estabelecendo o

princípio da residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração

de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores, 107/XIV/1.ª (PSD) — Septuagésima sexta alteração

ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, alterando o regime do

exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens,

declaração de nulidade ou anulação do casamento, de forma a clarificar que o tribunal pode determinar a

residência alternada do filho com cada um dos progenitores sempre que tal corresponda ao superior interesse

do menor, 110/XIV/1.ª (CDS-PP) — Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores, em caso de

divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento e 114/XIV/1.ª

(BE) — Altera o Código Civil, prevendo o regime de residência alternada da criança na regulação do exercício

das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de

nulidade ou anulação do casamento.

Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PAN agendou esta discussão

pois o atual quadro legal demonstra uma notória desigualdade e até preconceito no exercício das

responsabilidades parentais, pelo que importa não só fazermos uma reflexão mas passarmos à ação, isto é,

atualizar o quadro legal no sentido da maior e melhor partilha das responsabilidades parentais.

No ano de 2018 registaram-se 59% de divórcios em Portugal, sendo este um tema que afeta inúmeras

famílias.

Consideramos que deve ser privilegiado o modelo de residência alternada sempre que tal corresponda ao

superior interesse da criança, e, como tal, deve ficar devidamente salvaguardado que não possa ser aplicado a

casos onde se registe abuso infantil, negligência ou violência doméstica. Admitimos salvaguardar que o julgador

seja apoiado por equipas técnicas multidisciplinares.

A jurisprudência mais atual tem aduzido que a residência alternada deve ser a primeira opção, não como

forma obrigatória mas como exigência aos progenitores de uma participação na vida dos filhos em igualdade de

circunstâncias.

Há, pois, que incluir nas responsabilidades parentais de casais separados ou divorciados a residência

alternada, que deve ser, desde logo, colocada como possibilidade preferencial, com a devida necessidade de

avaliar caso a caso, ouvindo pais, mães e sem esquecer de ouvir as crianças ou jovens, exceto quando

circunstâncias hajam que não recomendem ser benéfico para elas.

Já em 2015 o Conselho da Europa instou os Estados-membros a assumirem a residência alternada no seu

ordenamento jurídico e vários países como a Bélgica, a França, a Holanda e a Suécia já legislaram nesse

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sentido. Nos países que o fizeram, parece haver claramente uma diminuição exponencial de conflitos familiares,

pois este modelo promove o aumento de comportamentos de cooperação entre os progenitores.

São já vários os estudos científicos que demonstram que este modelo dá resposta às necessidades físicas,

psicológicas, emocionais, sociais e materiais das crianças, garantindo uma maior envolvimento parental e

promovendo uma melhor articulação entre o trabalho e a família, o que será determinante no acréscimo do bem-

estar e irá promover a desconstrução de preconceitos e estereótipos de género.

A Procuradoria-Geral da República, num parecer sobre esta matéria, defende que uma alteração legislativa

no sentido da promoção da residência alternada como «regime preferencial» não deve ser encarada como um

regime excecional mas como algo normal e até desejável.

Reconhecendo como legítima a preocupação de que o modelo de residência alternada possa trazer risco

para a criança que divide o seu tempo com ambos os progenitores, verifica-se, no caso específico do nosso

País, que, de acordo com os relatórios anuais de avaliação da atividade das Comissões de Proteção de Crianças

e Jovens (CPCJ) e com o Relatório Anual de Segurança Interna, não houve demonstração de qualquer

correlação positiva com situações de violência doméstica ou abuso infantil no caso do modelo de residência

alternada já aplicado.

As famílias portuguesas e os papéis de género têm-se transformado e há claramente um caminho nesta

matéria que tem de continuar a ser feito: pais ou mães conciliam as suas ocupações com as suas

responsabilidades parentais. Nesta matéria em particular, o quadro legislativo deve ser alterado de forma a

acompanhar a evolução dinâmica da sociedade portuguesa nesta matéria, de seguir as recomendações do

Conselho da Europa e encontrar soluções para as diferentes famílias que diariamente sofrem com os normativos

legais que ainda imperam nesta matéria.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Para intervir e apresentar o Projeto de Lei n.º 87/XIV/1.ª, do PS, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Joana Sá Pereira.

A Sr.ª Joana Sá Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A iniciativa legislativa que o Partido

Socialista hoje traz aqui à discussão assenta numa premissa que nos parece fundamental de que, na

generalidade das situações, é no interesse das crianças e um direito destas poderem conviver, ao longo do seu

desenvolvimento, com ambos os progenitores.

Propomos, assim, que se consagre expressamente na lei a residência alternada e se acentue a sua

importância, estabelecendo a sua aplicação preferencial como forma de exercício das responsabilidades

parentais, tendo em conta, evidentemente, as circunstâncias do caso concreto e em obediência, sempre, ao

interesse da criança.

São incontestáveis os benefícios que a residência alternada comporta para o processo de crescimento e

desenvolvimento da criança e para o seu bem-estar. É amplamente reconhecido por especialistas que a

possibilidade de as crianças residirem com ambos os progenitores de forma alternada contribui para diminuir o

seu nível de stress e de angústia, decorrentes de um processo de separação da sua família, e cria ainda

condições para uma melhor adaptação psicológica e emocional ao novo contexto familiar.

Mas se este regime traz vantagens para as crianças, traz também, seguramente, para os progenitores, que,

em consequência, podem participar de forma igual e permanente na educação e na vida dos seus filhos.

É claro que há uma multiplicidade de circunstâncias da vida que podem tornar desaconselhável a adoção,

em concreto, de um regime de residência alternada. Essas circunstâncias só podem ser avaliadas por quem as

tem perante si, e essa pessoa é o juiz, não é o legislador.

O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Exatamente!

A Sr.ª Joana Sá Pereira (PS): — Por isso, no regime agora proposto, o julgador mantém toda a liberdade

que a lei atualmente lhe confere para decretar qualquer outro regime que seja mais adequado às circunstâncias

concretas, bem como para determinar os termos concretos em que, na prática, se executa essa mesma

alternância.

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O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Joana Sá Pereira (PS): — Não ignoramos, Sr. Presidente, a sensibilidade que os tribunais têm de ter

em contextos de violência doméstica e outras formas de violência familiar, o que se reflete na salvaguarda

expressa, que já existe no Código Civil, para a regulação das responsabilidades parentais em contextos

violentos, e na recente proposta de lei, apresentada pelo Governo, que garante uma proteção urgente e adicional

às crianças vítimas destes contextos.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a iniciativa que apresentamos vai no sentido de opiniões de

especialistas e do Conselho da Europa, da evolução da jurisprudência e dos pareceres do Conselho Superior

de Magistratura e da Procuradoria-Geral da República e dos apelos de progenitores e de crianças. Não podemos

voltar as costas a esta chamada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de lei do PSD e para intervir no debate, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Mónica Quintela.

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD

apresentou o Projeto de Lei n.º 107/XIV/1.ª precisamente sobre esta questão que é de superior importância.

Estamos bem atentos a todas as alterações que o tecido social sofreu, designadamente a nível da estrutura

e da composição das novas formas de agregados familiares.

Mas vamos falar, Sr.as e Srs. Deputados, de como se processa a aplicação da legislação nos tribunais de

família e menores. Vamos falar da vida em concreto, com toda a complexidade e fora da generalidade e

abstração da lei.

Façamos um breve resumo da tramitação de um processo normal num tribunal de família e menores para

regular as responsabilidades parentais. Quando um dos progenitores não está de acordo recorre ao tribunal de

família. É marcada uma conferência de pais. Nessa conferência de pais, o outro progenitor é apenas citado e

só tem de comparecer sem ter, sequer, de dizer quais são as suas motivações. Se houver acordo, muito bem,

não há problema nenhum; se não houver acordo na conferência de pais, as partes são notificadas para irem

para audição técnica especializada ou para mediação, caso concordem.

Os prazos para a ATE — audição técnica especializada, ou mediação — é de entre dois a três meses, sempre

com os atrasos da segurança social e da tramitação processual de um tribunal.

Depois, se não chegarem a acordo nestas formas de mediação de conflitos, regressam para a continuação

da conferência de pais nos tribunais, mas sem que antes, na primeira conferência em que não chegaram a

acordo, — e é para isto que o Grupo Parlamentar do PSD quer chamar a atenção —, tenha sido fixado um

regime provisório de guarda e de fixação das responsabilidades parentais.

Nessa fase em que o tribunal fixa provisoriamente o regime das responsabilidades parentais não tem

quaisquer elementos que lhe permita fazê-lo com a segurança e com o rigor que a vida de uma criança necessita

relativamente ao regime que vai vigorar.

Não sabemos se há agressões, não sabemos se há violência doméstica, não sabemos se há alcoolismo,

não sabemos de que tipo de família se trata, a menos que a criança esteja previamente sinalizada por um

processo de promoção e proteção. Não o sabemos durante toda a tramitação em que corre um processo.

Se depois não se chegar a acordo, as partes são notificadas tendo 15 dias para alegar, regressando aos

tribunais para se realizar o julgamento, para se fazer a prolação da sentença, com todo o tempo que isso demora.

A sentença é suscetível de recurso para um tribunal superior, sendo que, Sr.as e Srs. Deputados, está a vigorar

o regime provisório fixado lá atrás relativamente às responsabilidades parentais. E se nesse regime for

consagrado na lei qualquer supremacia, qualquer princípio, qualquer privilégio de uma residência alternada, isso

pode ser absolutamente danoso para a vida destas crianças.

Acho que nos cabe a nós, Assembleia da República, ao legislador, nesta situação absolutamente sensível,

estar com todas as cautelas, e todas as cautelas são poucas porque é da vida das crianças que estamos a falar.

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Por isso é que, tendo em atenção as novas formas de vida, as novas formas de família, tudo isso, nos cabe

salvaguardar também a vida destas crianças, porque é da vida destas crianças, é da vida dos cidadãos que

estamos a falar aqui. Não estamos a falar só de generalidades e abstrações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de lei do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília

Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS-PP apresenta este

projeto que resulta, aliás, já de ampla reflexão tida sobre esta matéria na legislatura anterior.

Gostava de começar por dizer que foi a Lei n.º 6/2008 que estabeleceu a regra do exercício conjunto das

responsabilidades parentais para as questões de particular importância para a vida do menor e foi a partir daí

que começámos a falar em guarda partilhada e em residência alternada.

Este nosso projeto considera, sim, que é importante que a lei consagre expressamente a possibilidade de

determinação do regime de residência alternada, mas não ignoramos também que a possibilidade de

determinação deste regime já é amplamente reconhecida pela jurisprudência portuguesa. E, mais, não nos

parece que faça sentido estabelecer alguma supremacia de um regime face a outro, que, aliás, não existe, ao

contrário do que parece ser o pressuposto em muitos casos e em muitos dos relatos que ouvimos à volta desta

temática. Atualmente, não existe a supremacia de nenhum regime de guarda face a outro.

Chamamos a atenção para o facto de que estabelecê-lo implicaria, depois, estabelecer várias alterações

processuais que significariam várias dificuldades para que fosse afastado esse tal regime de presunção ou

presencial.

Sr.as e Srs. Deputados, a relação entre os pais e as crianças e o direito de as crianças terem uma relação

feliz, completa, equilibrada, com tempo com o seu pai e com a sua mãe, mais do que um direito dos progenitores,

é, sobretudo, um direito das crianças.

Cabe-nos salvaguardar esse direito, cabe ao legislador reconhecê-lo e cabe ao juiz decidir, em cada caso

concreto, qual é a forma específica mais adequada para o realizar.

Aquilo que o CDS propõe, e estamos abertos a discutir esta matéria, porque creio que era desejável

chegarmos a um consenso, já que todos queremos o mesmo, é que percebamos que, sim, a legislação não

deve estar a reprimir a possibilidade de guarda partilhada — não é assim que a legislação deve ser interpretada.

Por outro lado, com certeza que também ninguém, nesta Câmara, quer que, por uma alteração legislativa e pela

simples demora de decisão dos tribunais — e temos de perceber que, nestes casos, a demora de decisão do

tribunal é um problema sério —, esse problema seja resolvido com leis a estabelecerem presunções que, depois,

no caso concreto, possam conduzir a resultados ainda mais complicados, precisamente os que queremos evitar.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Portanto, espero que seja possível chegarmos a um consenso nesta

matéria, mas esse consenso tem de partir sempre do bom senso, do superior interesse da criança em cada caso

concreto e do reconhecimento de que o estabelecimento desta relação com ambos os progenitores é um direito

dos progenitores e da criança.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de lei do BE, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Cunha.

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: O debate que estamos hoje

a ter é de vital importância, porque estamos, efetivamente, a tomar decisões que afetam de forma muito

particular e muito direta a vida de crianças. Por isso mesmo, é um debate que nos responsabiliza e que deve

convocar toda a seriedade e prudência.

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Para que este seja um debate certeiro, importa estabelecermos algumas premissas que devem nortear esta

reflexão e qualquer tomada de decisão. Uma delas é, sem dúvida, a importância da promoção da partilha

igualitária das responsabilidades e dos deveres com os filhos para o cumprimento do objetivo de termos uma

sociedade mais igualitária em termos de género. Clarificar na lei a possibilidade de residência alternada permite

caminhar para o cumprimento desse objetivo.

Mas essa premissa não se pode sobrepor ao reconhecimento de que, nas situações de regulação das

responsabilidades parentais e do modelo de residência da criança, o foco deve ser, antes de mais e acima de

tudo, na criança e no seu supremo interesse.

Por isso, é fundamental que qualquer tomada de decisão permita ao julgador a recolha de toda a informação

necessária e relevante para avaliar aquela situação concreta e decidir pela solução mais adequada ao caso

concreto, em função dos interesses e das necessidades daquela criança concreta.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — A terceira premissa é a de que não podemos também ignorar, e já aqui foi

dito hoje, a realidade em que vivemos. Não podemos ignorar os índices de violência doméstica do País, nem

podemos ignorar que o crime de violência doméstica é o que mais mata em Portugal. Não podemos ignorar que,

na generalidade das situações de regulação das responsabilidades parentais decididas em tribunal, existe algum

grau de conflito entre os progenitores e sabemos que este conflito, não sendo necessariamente assim, pode

esconder situações de violência doméstica ou, por outro lado, potenciá-las.

Por isso, o Bloco de Esquerda considera que não se pode legislar nesta matéria sem salvaguardar essas

situações de violência doméstica de forma muito clara e sem considerar que a residência alternada, nestes

casos em que exista violência doméstica, é o pior dos regimes.

Como tal, para proteção da integridade física e psíquica das mulheres e das crianças, o projeto de lei do

Bloco de Esquerda exclui a possibilidade de o regime de residência alternada ser aplicado quando se estiver

perante uma situação de violência doméstica e prevê que as decisões do tribunal, no que respeita à guarda e à

residência da criança, dependam da receção de comunicação judicial de que não procede nenhum processo de

violência doméstica.

Por outro lado, importa igualmente assegurar o direito de audição da criança sobre todas as decisões que

lhe digam respeito, aliás, no mais estrito cumprimento do que é estipulado no Regime Geral do Processo Tutelar

Cível e na Convenção sobre os Direitos das Crianças.

Importa ainda garantir que o modelo de residência alternada não sirva de pretexto para obviar — como

acontece, muitas vezes, no mundo real — o dever de prestação de alimentos imposto por lei ou decorrente de

acordos previamente estabelecidos.

É este o projeto de lei do Bloco de Esquerda.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes, para uma intervenção.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como, certamente, todos

reconheceremos, a alteração ao Código Civil, nomeadamente ao artigo 1906.º, tem sido objeto de discussões

entre os portugueses.

Em causa está a necessidade de estabelecer a presunção da residência alternada para crianças cujos pais

e mães se encontrem em processo de divórcio, separação judicial ou declaração de nulidade do casamento.

Ora, aquilo que me parece que está em causa verdadeiramente nesta discussão é saber se se pretende que,

nestas situações, a responsabilidade parental deve ter, ou não, como principal enfoque e preocupação o

interesse das crianças. Se assim for, como é, aliás, o entendimento de Os Verdes, então, teremos de procurar

a fórmula que melhor dê resposta à necessidade de colocar o interesse da criança no centro das

responsabilidades parentais.

A este propósito, seria oportuno referir a resolução do Conselho da Europa que recomenda a introdução, na

legislação, do princípio da residência alternada depois da separação.

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Por cá, também na anterior Legislatura, no seguimento, aliás, de uma petição dirigida a esta Assembleia,

ficámos a conhecer a posição de algumas entidades, desde logo, do Conselho Superior de Magistratura, mas

também da Procuradoria-Geral da República, entidades que referiram a oportunidade de incluir o princípio da

residência alternada no nosso ordenamento jurídico.

Da parte do Partido Ecologista «Os Verdes», reconhecemos as vantagens desta solução sobre todos os

ângulos e pontos de vista, tanto da criança, como do direito dos progenitores.

Portanto, desde que não existam motivos que não aconselhem uma solução diferente, desde logo, situações

de violência doméstica, Os Verdes consideram que a residência alternada promove o desejável equilíbrio na

gestão do tempo e no convívio com ambos os progenitores e que, ao mesmo tempo, é a solução que responde

ao imperativo de proporcionar à criança as melhores condições para um crescimento mais saudável e uma

integração mais equilibrada.

Isto significa que Os Verdes acompanham as iniciativas legislativas que estão em discussão. Estamos certos

de que existem todas as condições para que, no conjunto das propostas que agora estamos a discutir, se chegue

a um texto consensual que assegure o essencial, que é o superior interesse da criança e que, na nossa

perspetiva, devia fazer previsão ao princípio da residência alternada no nosso ordenamento jurídico,

naturalmente salvaguardando o que há a salvaguardar, desde logo, quando estão presentes situações de

violência doméstica, e garantindo o que há a garantir, nomeadamente a audição da criança em todas as decisões

que lhe digam respeito.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é, obviamente, uma situação a que urge

responder de forma muito enfática, mas também com a certeza dos valores e do lado em que estamos.

Uma das preocupações que temos, por exemplo, em relação ao projeto de lei do Bloco de Esquerda, é que

ele dá a entender que a violência doméstica é apenas de homens sobre mulheres e que inexiste qualquer outro

tipo de violência doméstica,…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É falso!

O Sr. André Ventura (CH): — … quando sabemos bem que não é assim.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Não leu o projeto de lei!

O Sr. André Ventura (CH): — É verdade! Está aqui!

Uma outra preocupação que temos é que, mesmo os projetos como o do PAN, que procuram salvaguardar

situações que afastem a aplicação da presunção, não são nem conclusivos nem, de forma alguma, exaustivos.

Pergunto, por exemplo, se alguém condenado por abuso sexual de menores pode ou não estar nesta

situação. Como é que não é excetuado da previsão da norma alguém condenado por abusar sexualmente de

menores poder beneficiar da residência alternada?

É uma regra básica que não deveria merecer grande discussão; mereceria apenas uma pequena reflexão. E

nós temos de saber muito bem de que lado estamos: se é do lado do superior interesse da criança ou se é do

lado de querer resolver mediaticamente uma situação que afeta muito gravemente as famílias portuguesas.

Este exemplo do abuso sexual de menores é um exemplo de como não podemos, nesta Câmara, aprovar

estas iniciativas,…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Como eu estava a dizer, este exemplo do abuso sexual de menores é um exemplo de como não podemos,

nesta Câmara, aprovar estas iniciativas, porque falta reflexão e profundidade nas causas e nas situações em

que devemos excluir a aplicação do princípio da residência alternada.

É uma questão de proteção das próprias crianças que aqui está em causa.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do Grupo

Parlamentar do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é a primeira vez que estamos a discutir

esta matéria, já o fizemos aquando da discussão de uma petição, que aqui foi apresentada, preconizando a

residência alternada como regime preferencial em caso de divórcio ou de separação — aliás, estas iniciativas

legislativas, assumidamente, vêm na sequência desse debate.

Dir-se-ia, cotejando as várias iniciativas legislativas aqui apresentadas, que há algo com o qual todos

estaremos de acordo, há um denominador comum, e esse é o de que nada substitui uma decisão judicial tomada

no caso concreto e considerando todas as circunstâncias do caso concreto.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Segundo ponto, o que deve nortear a decisão judicial deve ser o superior

interesse da criança, e neste ponto também estamos todos de acordo.

Isto leva-nos a excluir o quê? Leva-nos a excluir que haja uma presunção de residência alternada ou que

haja uma imposição do legislador aos juízes, no sentido de que tem de ser a residência alternada. Isto também

ninguém propõe, obviamente, nem sequer os peticionários iam por aí e, embora apontassem no sentido da

presunção, não é esse o sentido das iniciativas legislativas.

No fundo, o que as iniciativas legislativas nos dizem é que, não havendo contraindicação, no caso concreto,

para que se opte pela residência alternada, os juízes podem optar pela residência alternada. Muito bem, e nós,

obviamente, não podemos deixar de estar de acordo, desde que isso não signifique uma vinculação para o

aplicador da lei, para o julgador, desde que não haja uma indicação da lei que vá no sentido de coagir os juízes

a decidir num determinado sentido.

Mas, sublinho, não é isso que está aqui, embora se possa encontrar, na especialidade, uma melhor

formulação no sentido de dizer que não há nenhuma estigmatização da residência alternada, havendo, sim, a

possibilidade, desde que isso corresponda ao interesse das crianças e tendo em conta as situações em concreto,

tendo em conta o que isso implica para a sua vida, para a sua socialização, de se poder optar pela residência

alternada sem estar a forçar decisões.

Se os juízes considerarem, tendo em conta as circunstâncias concretas, que não devem ir por aí,

evidentemente, a lei civil portuguesa deve permitir que eles optem por aquilo que considerem ser a melhor

solução, dentro da circunstância concreta que só mesmo os juízes estão em condições de avaliar.

Portanto, a nossa posição é a de estarmos disponíveis para, em sede de especialidade, discutir as iniciativas

legislativas e, obviamente, acompanharemos esse processo com todo o interesse e empenho.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joacine Katar Moreira.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — Obrigada, Sr. Presidente.

Em relação a estas inúmeras iniciativas legislativas, é necessário interrogarmo-nos sobre se, efetivamente,

é necessária uma alteração à atual legislação e se isso irá, necessariamente, refletir-se no superior interesse da

criança.

Obviamente que iremos discutir as iniciativas, mas é fundamental que se oiça a Ordem dos Advogados e,

igualmente, a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas.

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Sá Pereira.

A Sr.ª Joana Sá Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista saúda,

naturalmente, todos os grupos parlamentares que se associaram a esta questão e o consenso em torno, creio,

da necessidade de se prever, como forma de exercício das responsabilidades parentais, a residência alternada.

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Sr.ª Deputada Mónica Quintela, Sr.ª Deputada Cecília Meireles e Sr. Deputado André Ventura, nós não

pretendemos estabelecer, nunca nos ouviram dizer isso, uma presunção, nem nenhuma regra…

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Foi o que disseram!

A Sr.ª Joana Sá Pereira (PS): — Não, não dissemos!

Aliás, o projeto de lei do PS não prevê o seguinte: «presume-se que a residência alternada é a melhor solução

para a criança». O PS não diz isto em momento algum, Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Diz, diz!

A Sr.ª Joana Sá Pereira (PS): — Não diz não!

O que pretendemos, sim, Srs. Deputados, é que a residência alternada deva ser privilegiada se corresponder

ao superior interesse da criança, como já o dissemos.

Todavia, reforço que estamos disponíveis para, em sede de especialidade, encontrarmos o consenso

possível que proteja e garanta, acima de tudo, o superior interesse da criança.

Para avançar contarão sempre com o Partido Socialista!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao final da nossa agenda de hoje.

Amanhã, teremos reunião plenária às 15 horas, com vários pontos na ordem do dia

No ponto 1, consta a discussão, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 21/XIV/1.ª (PEV) — Altera a Lei n.º

2/2011, de 9 de fevereiro, na parte relativa à calendarização da remoção de amianto em edifícios, instalações e

equipamentos públicos, 108/XIV/1.ª (BE) — Atualiza a listagem de amianto em edifícios, instalações e

equipamentos públicos e torna público o respetivo plano de calendarização da monitorização e das ações

corretivas (1.ª alteração à Lei n.º 2/2011, de 9 de fevereiro), 115/XIV/1.ª (PAN) — Determina a remoção de

produtos que contêm fibras de amianto ainda presentes em edifícios, instalações e equipamentos e 122/XIV/1.ª

(PCP) — Remoção e erradicação de amianto em edifícios, instalações e equipamentos, juntamente com os

Projetos de Resolução n.os 96/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que proceda à elaboração urgente

de um plano para a retirada de todo o material com amianto nas escolas públicas, 97/XIV/1.ª (PSD) —

Recomenda ao Governo que torne pública a lista dos edifícios onde se prestam serviços públicos contendo

amianto e o cronograma completo para a remoção e 110/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo que promova,

no âmbito da estratégia a apresentar à União Europeia com referência ao próximo quadro financeiro plurianual,

a introdução de uma linha que torne elegíveis as operações de remoção de amianto em edifícios públicos.

No ponto 2, consta a discussão, conjunta, dos Projetos de Resolução n.os 20/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda

ao Governo que solucione os atrasos persistentes no processamento das pensões de reforma, 16/XIV/1.ª (CDS-

PP) — Recomenda ao Governo que adote todas as medidas e os procedimentos necessários para uma célere

resolução do problema do atraso no processamento, atribuição e pagamento de diversas prestações sociais,

designadamente, de pensões de velhice e de invalidez, de sobrevivência e de outras prestações por morte,

106/XIV/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo o reforço das medidas para diminuir o prazo de resposta do Centro

Nacional de Pensões e garantir o acesso atempado às pensões de velhice, invalidez e sobrevivência e

109/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo a continuidade de medidas com vista à eliminação dos

constrangimentos que ainda existem no processamento de pensões.

Segue-se, no ponto 3, a discussão, conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 1/XIV/1.ª (BE) —

Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica enquanto vítimas desse

crime (6.ª alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência

das suas vítimas e 47.ª alteração ao Código Penal), 2/XIV/1.ª (BE) — Torna obrigatória, nos casos de violência

doméstica, a recolha de declarações para memória futura das vítimas (6.ª alteração ao regime jurídico aplicável

à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas), 92/XIV/1.ª (PAN) —

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Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência

doméstica, 93/XIV/1.ª (PAN) — Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a pedido da

vítima ou do Ministério Público e 123/XIV/1.ª (PEV) — Criação de subsídio para vítimas de violência que são

obrigadas a abandonar o seu lar.

No ponto 4, consta a discussão conjunta dos Projetos de Resolução n.os 6/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda ao

Governo a contratação imediata de todos os auxiliares de ação educativa e assistentes administrativos

necessários ao regular funcionamento da Escola Pública, 101/XIV/1.ª (PEV) — Recomenda ao Governo a

contratação de auxiliares de ação educativa, 103/XIV/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo a revisão do rácio de

atribuição e a contratação urgente dos assistentes operacionais e assistentes técnicos necessários ao

funcionamento dos agrupamentos e escolas não agrupadas, 111/XIV/1.ª (PAN) — Pelo reconhecimento e

qualificação do pessoal de apoio educativo da escola pública.

No ponto 5, consta a discussão, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 27/XIV/1.ª (CDS-PP) — Aprova o

Estatuto do Antigos Combatente e procede à 7.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, e à

1.ª alteração à Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro, 57/XIV/1.ª (PAN) — Aprova o Estatuto do Antigo Combatente e

alarga os direitos dos antigos combatentes, antigos militares e deficientes das Forças Armadas (procede à 7.ª

alteração ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, à 1.ª alteração à Lei n.º 9/2002, de 11 de fevereiro, à

1.ª alteração à Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro, e à 1.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 76/2018, de 11 de outubro)

e 121/XIV/1.ª (PCP) — Aprova o Estatuto do Antigo Combatente, juntamente com o Projeto de Resolução n.º

113/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo que proceda ao levantamento atualizado e transversal de matérias

a prever na criação do Estatuto dos Antigos Combatentes, com vista ao desenvolvimento de novo regime jurídico

próprio que atenda à sua especificidade e necessidades.

Segue-se, no ponto 6, a discussão do Projeto de Resolução n.º 84/XIV/1.ª (PAN) — Pelo direito ao Cartão

de Cidadão para as pessoas em situação de sem-abrigo.

No ponto 7, consta o Orçamento da Assembleia da República para 2020, sem tempo atribuídos para

discussão.

No ponto 8, constam votações regimentais.

Srs. Deputados, concluímos, assim, os nossos trabalhos de hoje, desejando a todos uma boa noite.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 28 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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