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Quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020 I Série — Número 31

XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)

REUNIÃOPLENÁRIADE19DEFEVEREIRODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. António Filipe Gaião Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Ana Sofia Ferreira Araújo Lina Maria Cardoso Lopes Nelson Ricardo Esteves Peralta Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita

S U M Á R I O

O Presidente (António Filipe) declarou aberta a sessão às 15 horas e 7 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os 210 a 213/XIV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 258 e 259/XIV/1.ª.

Foi apreciado o Projeto de Resolução n.º 88/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo a atribuição ao Provedor de Justiça da função de coordenar e monitorizar a aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança em Portugal juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 99/XIV/1.ª (PSD) — Quarta alteração à Lei n.º 2/2008, de 14

de janeiro (Regula o ingresso nas magistraturas, a formação de magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários), assegurando formação obrigatória aos magistrados sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança, e 175/XIV/1.ª (PAN) — Cria um observatório na Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens para monitorização do cumprimento das obrigações impostas pela Convenção dos Direitos da Criança (segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 159/2015, de 10 de agosto) e com o Projeto de Resolução n.º 204/XIV/1.ª (BE) — Recomenda a criação de um Comité

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Nacional para os Direitos da Criança, no cumprimento das recomendações do Comité das Nações Unidas para os Direitos das Crianças e da Convenção dos Direitos das Crianças. Proferiram intervenções os Deputados Catarina Rocha Ferreira (PSD), Inês de Sousa Real (PAN), Sandra Cunha (BE), Elza Pais (PS), Mariana Silva (PEV), Diana Ferreira (PCP), Joacine Katar Moreira (N insc.), André Ventura (CH), Telmo Correia (CDS-PP) — que o Presidente saudou pela sua eleição para Presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP — e Sara Madruga da Costa (PSD).

Foram apreciados, conjuntamente, os Projetos de Resolução n.os 148/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece o calendário para a instituição, em concreto, das regiões administrativas durante o ano de 2021 e 220/XIV/1.ª (BE) — Prepara os procedimentos para a criação das regiões administrativas. Intervieram, a diverso título, os Deputados João Oliveira (PCP), Jorge Paulo Oliveira (PSD), Raul Miguel Castro (PS), José Maria Cardoso (BE), Filipe Pacheco (PS), Jorge Salgueiro Mendes (PSD), João Cotrim de Figueiredo (IL), Inês de Sousa Real (PAN), José Luís Carneiro (PS), Paula Santos (PCP), Cecília Meireles (CDS-PP), Pedro Sousa (PS), André

Ventura (CH), José Luís Ferreira (PEV), Carlos Peixoto (PSD), João Azevedo (PS), Joacine Katar Moreira (N insc.), João Vasconcelos (BE) e José Cancela Moura (PSD).

Foi apreciado o Projeto de Resolução n.º 18/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que, quando ultrapassado o tempo máximo de resposta garantido para primeira consulta de especialidade no Serviço Nacional de Saúde, assegure aos utentes a liberdade de aceder a essa consulta em qualquer outro hospital à sua escolha, seja do setor público, privado ou social. Intervieram os Deputados Ana Rita Bessa (CDS-PP), Mariana Silva (PEV), Paulo Marques (PS), Sandra Pereira (PSD), Bebiana Cunha (PAN), Joacine Katar Moreira (N insc.), Moisés Ferreira (BE), João Dias (PCP), André Ventura (CH) e João Cotrim de Figueiredo (IL).

Deu-se conta da entrada na Mesa do Projeto de Resolução n.º 262/XIV/1.ª e do Projeto de Deliberação n.º 7/XIV/1.ª.

O Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 14 minutos.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.as e Srs. Deputados, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 7 minutos.

Srs. Agentes da autoridade, peço que abram as portas das galerias ao público.

Srs. Deputados, antes de entrarmos na nossa ordem de trabalhos de hoje, a Sr.ª Secretária Sofia Araújo vai

dar conta do expediente.

Tem a palavra, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Sofia Araújo): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram

admitidas pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, várias iniciativas legislativas.

Em primeiro lugar, refiro os Projetos de Lei n.os 210/XIV/1.ª (BE) — Institui a impenhorabilidade do imóvel

próprio de habitação permanente (altera o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de

junho), que baixa à 1.ª Comissão; 211/XIV/1.ª (BE) — Revê o regime sancionatório aplicável a crimes contra

animais, que baixa à 1.ª Comissão; 212/XIV/1.ª (BE) — Interdita a ocorrência de voos civis noturnos, salvo

aterragens de emergência ou outros motivos atendíveis, que baixa à 11.ª Comissão em conexão com a 6.ª

Comissão; e 213/XIV/1.ª (PS) — Adota normas de proteção do consumidor de serviços financeiros de crédito à

habitação, crédito ao consumo e utilização de plataformas eletrónicas operadas por terceiros, que baixa à 5.ª

Comissão.

Deram também entrada, e foram admitidos, os Projetos de Resolução n.os 258/XIV/1.ª (PS) — Recomenda

ao Governo que proceda à requalificação da EN 225, que baixa à 6.ª Comissão, e 259/XIV/1.ª (IL) — Pelo

aumento dos apoios às Unidades de Cuidados Continuados Integrados, que baixa à 9.ª Comissão.

Em termos de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Muito obrigado, Sr.ª Secretária.

Srs. Deputados, podemos dar início à nossa ordem de trabalhos de hoje, cujo primeiro ponto consta da

apreciação do Projeto de Resolução n.º 88/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo a atribuição ao Provedor

de Justiça da função de coordenar e monitorizar a aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança em

Portugal juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 99/XIV/1.ª (PSD) — Quarta alteração à Lei

n.º 2/2008, de 14 de janeiro (Regula o ingresso nas magistraturas, a formação de magistrados e a natureza,

estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários), assegurando formação obrigatória aos

magistrados sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança, e 175/XIV/1.ª (PAN) — Cria um Observatório na

Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens para monitorização do

cumprimento das obrigações impostas pela Convenção dos Direitos da Criança (Segunda alteração ao Decreto-

Lei n.º 159/2015, de 10 de agosto) e com o Projeto de Resolução n.º 204/XIV/1.ª (BE) — Recomenda a criação

de um Comité Nacional para os Direitos da Criança, no cumprimento das recomendações do Comité das Nações

Unidas para os Direitos das Crianças e da Convenção dos Direitos das Crianças.

Para apresentar as iniciativas do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Retomamos hoje a

discussão de uma matéria que já esteve várias vezes em discussão nesta Casa, nomeadamente em dezembro

de 2017, em outubro de 2018, em janeiro de 2019 e agora, novamente, em 2020. A ver se é desta que

conseguimos chegar a algum consenso.

Relembro que a Convenção sobre os Direitos da Criança já foi ratificada por Portugal em 1990, ou seja, há

30 anos, sendo o tema da maior importância, pois estamos a falar dos direitos das crianças.

Trata-se de uma recomendação do Comité das Nações Unidas para os Direitos das Crianças que ainda não

foi cumprida pelo nosso País por falta de consenso entre os partidos que têm assento nesta Casa, sendo que é

fundamental que Portugal tenha mecanismos de monitorização da aplicação da Convenção sobre os Direitos da

Criança.

É precisamente por estes motivos que o PSD traz novamente este assunto a debate e apresenta um projeto

de resolução que recomenda ao Governo que atribua ao Provedor de Justiça a função de coordenar e de

monitorizar a Convenção sobre os Direitos da Criança.

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Se, por um lado, é inaceitável que, em Portugal, ainda nenhuma entidade monitorize a Convenção sobre os

Direitos da Criança, por outro lado é ainda mais incompreensível que exista em Portugal uma entidade com

consagração constitucional que tem competência nesta matéria, mas que, pura e simplesmente, não lhe seja

atribuída e que, pelo contrário, cada partido nesta Assembleia entenda que estas atribuições devem ser

concedidas a uma entidade diferente. Andamos nisto há anos!

Ora, se existe um Provedor de Justiça com um estatuto que lhe atribui funções de instituição nacional

independente, de monitorização da aplicação de tratados e de convenções internacionais em matéria de Direitos

Humanos, quando para o efeito for designado, se o Provedor de Justiça já tem preocupações no âmbito dos

direitos das crianças, nomeadamente já tem uma Provedora-Adjunta dedicada à criança, para quê criar novos

organismos, como defendem outros partidos? Para quê criar novos comités? Para quê criar observatórios? Para

quê criar outras novas entidades, se temos uma entidade com competência para exercer estas funções em

Portugal?

Acresce que quer a atual Provedora quer o anterior Provedor são unânimes ao entenderem que esta entidade

tem competência e que esta é a melhor instância para este efeito. Aliás, o Provedor de Justiça já acompanha

outros tratados e convenções internacionais.

Por fim, Sr.as e Srs. Deputados, trazemos ainda à discussão outra recomendação do Comité das Nações

Unidas, que se prende com a necessidade de aplicação dos princípios e valores da Convenção na jurisprudência

nacional.

Face ao exposto, defendemos que no curso de formação para o ingresso nas magistraturas judiciais exista

uma componente letiva que incida sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança e ainda que, dada a sua

importância, esta matéria deva ser assumida, com carácter obrigatório, ao nível das ações de formação contínua

dos juízes.

Face a tudo isto, à importância do tema e à sua urgência, o PSD não poderia deixar de voltar a suscitar este

debate e votação, apresentando esta iniciativa legislativa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar a iniciativa do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês

de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Convenção sobre os Direitos

da Criança, da qual Portugal é parte, completou recentemente 30 anos de existência e é um instrumento

internacional importantíssimo que enuncia um amplo conjunto de direitos fundamentais de todas as crianças e

vários mecanismos para que a sua aplicação seja uma realidade.

Contudo, e apesar dos muitos avanços conseguidos, passados 30 anos bem sabemos que ainda está muito

por fazer para assegurar que os direitos das crianças sejam plenamente garantidos no nosso País.

Uma dessas tarefas é, precisamente, a que hoje é trazida aqui a debate pelo PAN, pelo Bloco de Esquerda

e pelo PSD e passa pela necessidade de proceder à criação de uma entidade que tenha a competência de

monitorização da aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança, algo que, ao longo dos anos, vem

sendo, sucessivamente, recomendado por parte do Comité das Nações Unidas para os Direitos das Crianças e

pelo Comité Português para a UNICEF.

A proposta do PAN, cumprindo o que está no seu Programa Eleitoral, apresenta uma solução que assegura

o eficaz aproveitamento das estruturas especializadas existentes e atribui a competência de monitorização da

aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança a um observatório a funcionar no âmbito da Comissão

Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens.

Fazemo-lo, e neste aspeto o nosso projeto é distinto dos demais, porque é hoje claro que esta estrutura já

assume competências conexas com esta nova que lhe queremos atribuir, como sejam, por exemplo, as de

planeamento, acompanhamento e avaliação de uma estratégia nacional para a aplicação da Convenção sobre

os Direitos da Criança, e, para além disso, tem, ainda, um enorme conhecimento técnico destas questões que

não deve ser desperdiçado.

Compreendemos que aqui divergimos na forma como concretizamos a nossa proposta relativamente, por

exemplo, à proposta do PSD, que remete para o Provedor de Justiça, e pese embora compreendamos a

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bondade desta iniciativa, achamos que a especialização e a tecnicidade desta estrutura já existente poderá dar

uma resposta diferenciada. Todavia, entendemos também que, em sede de especialidade, poderemos trabalhar

para perceber qual a solução mais justa que visa alcançar o maior garante da monitorização, sendo que nisso

temos uma posição amplamente consensual.

Por isso, acho que falamos por todos quando dizemos que, hoje, o que discutimos é se queremos ou não

uma entidade que monitorize se o Estado Português cumpre ou não adequadamente as obrigações que lhe são

impostas pela Convenção e a criação de um mecanismo que possibilite a definição de políticas públicas mais

eficazes de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens.

A proposta do PAN é, assim, a única que entendemos caminhar para a resolução do problema, que não

procura adiá-lo, deixando para o Governo a regulamentação desta matéria, e não procura que a Assembleia da

República abdique das suas competências e «passe a bola» ao Governo.

Haja vontade política para que a Assembleia da República, com a aprovação da proposta do PAN, possa

avançar na construção de uma solução consensual do problema e cumprir, finalmente, as recomendações do

Comité das Nações Unidas para os Direitos das Crianças e do Comité Português para a UNICEF.

É que, a par destes instrumentos, não nos podemos também esquecer de outros importantes compromissos,

como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, e que não deixar ninguém para trás implica não

deixar para trás aqueles que, na sua vulnerabilidade, em particular a vulnerabilidade decorrente da infância,

acabam por ser esquecidos pelas políticas públicas do nosso Governo.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar o projeto de resolução do BE, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Sandra Cunha.

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Convenção dos Direitos da Criança,

adotada por Portugal em 1990, há praticamente 30 anos, constituiu um marco fundamental para a promoção de

um vasto conjunto de direitos das crianças e para a assunção de que estes são uma responsabilidade máxima

da democracia.

Mas esta Convenção tem de servir para mais do que simplesmente invocar datas; tem de servir para a

assunção clara de que os direitos e liberdades ali definidos são direitos fundamentais e, como tal, têm de servir

para o seu cumprimento e efetiva implementação.

Quando continuamos a ter em Portugal, por exemplo, crianças com deficiência a quem não são

disponibilizadas as condições necessárias ao seu pleno desenvolvimento, crianças em situação de pobreza e

de privação de bens essenciais, crianças à guarda do Estado, acolhidas em instituições e a quem é negada, por

exemplo, a nacionalidade, ou um visto, ou uma autorização de residência, e a quem, consequentemente, é

vedado o acesso a direitos fundamentais, quando sabemos tudo isto percebemos como estamos ainda tão longe

de assegurar a todas as crianças os direitos de participação, de sobrevivência, de desenvolvimento e de não

discriminação que Portugal se comprometeu a garantir naquele dia 21 de novembro de 1990.

O Comité das Nações Unidas para os Direitos das Crianças tem alertado diversas vezes para a inexistência

em Portugal de uma estratégia e de uma coordenação nacionais para aplicação dos direitos das crianças.

Também o Comité Português para a UNICEF recomenda a criação de uma entidade para os assuntos das

crianças e da juventude que coordene e monitorize a aplicação da Convenção sobre os Direitos das Crianças

em Portugal.

O âmbito da aplicação desta Convenção é vastíssimo, reporta a um conjunto muito alargado de dimensões

de vida e vai muito além daquela que é a proteção de crianças e jovens em perigo da competência da Comissão

Nacional para a Promoção e Proteção dos Direitos das Crianças.

Aquilo de que aqui se fala é de uma entidade que vá além da reação a queixas ou denúncias e que tenha a

competência e a responsabilidade de realizar a monitorização e a avaliação da aplicação da Convenção, que

seja dotada dos meios e condições para uma intervenção pró-ativa na defesa e efetivação dos direitos globais

das crianças, através da propositura de uma estratégia nacional e da elaboração de politicas públicas concretas,

assim como para a sua fiscalização.

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Por tudo isto, o Bloco de Esquerda propõe a observação rigorosa da recomendação do Comité das Nações

Unidas para os Direitos das Crianças, que é a criação de um comité nacional para os direitos da criança,

independente, com a tarefa prioritária de definição de uma estratégia para implementação desses direitos e para

a sua monitorização, controlo e avaliação da sua implementação.

Sabemos que a comissão para a proteção de crianças e jovens em perigo teve o seu nome alterado e as

suas competências alegadamente alargadas para abranger situações que fossem para além das situações de

crianças em perigo, mas sabemos bem que o problema é que esta comissão não é dotada, sequer, de meios e

condições para intervir e responder adequadamente às necessidades de proteção destas crianças. Conhecemos

bem as debilidades e insuficiências das comissões de proteção de crianças e jovens (CPCJ), pelo que querer

alargar competências de uma entidade que não tem as condições, sequer, para responder adequadamente às

situações para as quais foi inicialmente criada é tragédia anunciada, e o mesmo se aplica ao Provedor da Justiça.

A recomendação do Comité da ONU é no sentido da criação de uma entidade independente e, portanto, é

isso que o Bloco de Esquerda propõe.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Elza Pais.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Falamos hoje desse nobre documento

internacional, a Convenção sobre os Direitos da Criança, e da melhor forma de o acompanhar e monitorizar.

Portugal esteve na linha da frente quando a ratificou e esteve na linha da frente quando ratificou os protocolos

facultativos relativos à venda de crianças, prostituição e pornografia infantis e à participação da criança em

conflitos armados.

Para garantir a universalidade dos direitos da criança, temos vindo a definir um quadro rigoroso, exigente,

sob o ponto de vista jurídico e institucional, que assegure o desenvolvimento integral das crianças,

especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo

de autoridade na família e nas demais instituições.

Em 30 anos de Convenção, a vida das crianças foi transformada em todo o mundo. Hoje, as crianças não

são apenas pessoas pequenas, mas sim indivíduos com direitos próprios inalienáveis. Michelle Bachelet, Alta

Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, fala dos progressos alcançados a este nível, na

redução da pobreza, na diminuição do número de crianças que não frequentam a escola, na baixa da

mortalidade infantil de que Portugal é exemplo. Contudo, as crianças continuam a ser as principais vítimas de

trabalho forçado e estão sujeitas a novos riscos, associados às alterações climáticas e ao cibercrime.

Em Portugal, já aqui foi dito, cabe à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças

e Jovens, com competências alargadas pelo Decreto-Lei de 2015, o acompanhamento e a avaliação da

estratégia nacional para a aplicação dos direitos das crianças, recolhendo e tratando estatísticas relevantes.

Ora, o que o PSD e o Bloco de Esquerda propõem é que estas competências se desloquem para outro

organismo, a Provedoria, ou se crie novo organismo, um comité nacional. Desde logo, em nosso entender, isto

traduz uma duplicação de estruturas, um desperdício de recursos e uma grande dispersão de trabalho. O projeto

do PAN tem menos insuficiências, mas parece-nos desnecessário face ao trabalho que está em curso e do qual

já irei falar.

Quanto à integração destes conteúdos na formação de magistrados, parece-nos uma redundância, embora

nunca seja demais o reforço na formação no âmbito de competências de criminalidade complexa e grave, como

por exemplo o racismo, a violência doméstica ou a violência contra as crianças.

Por fim, queria dizer que terminou a consulta pública da Estratégia Nacional para os Direitos das Crianças

2019-2022, que será acompanhada por um comité para monitorizar esta Convenção. Portanto, o instrumento

está criado, a consulta pública está feita, deixemos que o trabalho em curso decorra com normalidade, na defesa

do superior interesse da criança.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do

PEV, a Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É difícil haver tema mais consensual

do que o dos direitos das crianças. Em teoria, todos estamos preocupados com o seu desenvolvimento e bem-

estar, nos discursos e nos projetos apresentados vemos sempre boas vontades e determinação.

Pela parte de Os Verdes, associamo-nos a um tão largo consenso sobre a necessidade de acompanhar e

monitorizar a concretização da Convenção Internacional dos Direitos das Crianças no nosso País, mas não sem

assinalarmos a hipocrisia dos que choram lágrimas de crocodilo pelas criancinhas quando tudo fazem para

impedir a gratuitidade da educação desde a creche, elemento central para a concretização desses direitos, até

aos mais elevados graus de ensino. Não sem lembrar que os direitos das crianças se efetivam na garantia do

acesso à saúde, com o muito que há por fazer, como nos lembra o atraso na construção da ala pediátrica do

Hospital de S. João, no Porto, atraso da responsabilidade de alguns que agora fazem estas propostas. Não sem

referir que uma boa parte dos direitos das crianças será garantida pelas condições de vida e de trabalho dos

pais, sendo que não nos esquecemos dos que impedem a redução do horário de trabalho para as 35 horas, que

permitiria aos pais estarem com os seus filhos, ou dos que votam contra o aumento do salário mínimo nacional

e dos que propõem aumentos indignos para os trabalhadores da Administração Pública, o que permitiria

responder a tantas necessidades das crianças.

Não deixaremos também de assinalar que antes de se criarem novas estruturas é necessário garantir meios

humanos, financeiros e técnicos às estruturas existentes, designadamente às comissões de proteção de

crianças e jovens, que, como se sabe, continuam sem técnicos próprios, à mercê das disponibilidades de outras

entidades. No entanto, em julho de 2019, foi rejeitado nesta Assembleia o projeto de resolução de Os Verdes

que referia a necessidade de se reforçar a capacidade destas comissões.

Teremos ainda de registar que alguns dos que hoje aqui se manifestam preocupados são os mesmos que

não contribuem para que as crianças tenham direito a um mundo de paz, direito esse tão importante e central,

ao alimentarem as políticas que dão lugar às guerras onde as crianças são as primeiras vítimas.

Sim, conhecemos os relatórios que nos dizem que marcamos passo, apesar do que se avançou nestes

últimos anos. Sabemos que isso é inaceitável, particularmente porque o que falta é vontade política e não meios,

pois se as crianças vivessem num banco haveria muito dinheiro para elas.

Aplausos do PEV.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do

PCP, a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP tem intervindo, em vários momentos,

sobre a necessidade da criação de um espaço institucional que promova e acompanhe a defesa dos direitos

das crianças em Portugal, que preencha lacunas que ainda hoje persistem e que as competências atribuídas à

Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens não preenchem. Ou seja,

lacunas no que se refere à necessidade de um diagnóstico, de uma análise integrada de dados e de indicadores

existentes, de monitorização das políticas públicas e do seu impacto sobre a vida das crianças no nosso País.

Temos apresentado, em vários momentos, propostas para tal.

Aliás, importa lembrar que, na passada Legislatura, no âmbito da 1.ª Comissão, foi criado um grupo de

trabalho onde constava a proposta do PCP para a criação da Comissão Nacional dos Direitos das Crianças e

Jovens. Nesse grupo de trabalho, debruçámo-nos de forma atenta e pormenorizada sobre todos estes assuntos,

foram realizadas audições, foram pedidos pareceres e opiniões. Esta é, pois, uma matéria sobre a qual foi feito

um trabalho que não pode deixar de ser referido na discussão de hoje relativa às iniciativas legislativas que

estamos a analisar.

Também não podemos deixar de referir que, sobre esta matéria, há ainda uma proposta de lei proveniente

da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, aprovada por unanimidade, que, pese embora as

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várias insistências do PCP para que esta fosse integrada na discussão de então, no referido grupo de trabalho,

tal nunca aconteceu. Manifestamente, essa não foi a forma adequada de tratar esta iniciativa legislativa nem de

respeitar o órgão legislativo em causa.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sobre as iniciativas que estão hoje a discussão, passo a fazer algumas

observações. O PAN apresenta uma proposta para a criação de um observatório na dependência da Comissão

Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, mas nós entendemos que esta entidade

deve ser autónoma. A Comissão Nacional já tem poucos meios para cumprir o conjunto de competências e de

funções que lhes estão atribuídas e a sua prioridade deve ser a proteção das crianças em risco. É este o nosso

entendimento e, aliás, muitas das CPCJ do País mostram bem a insuficiência de meios humanos, materiais e

financeiros. Por isso, não nos parece, de todo, que a criação de uma entidade na dependência da Comissão

Nacional seja a solução.

O PSD traz a debate duas propostas sobre as quais o PCP também já teve oportunidade de se pronunciar.

Quanto à proposta da inscrição em lei da obrigação de o CEJ (Centro de Estudos Judiciários) incorporar uma

área de estudo que incida sobre a Convenção sobre os Direitos das Crianças, importa lembrar que o último

plano de estudos do CEJ, de 2019/2020, já contempla especificamente esta área, pelo que esta proposta nos

parece desnecessária e redundante. Além disso, também teria sido útil que o CEJ se tivesse pronunciado sobre

esta matéria, o que não aconteceu.

Quanto à proposta de atribuição ao Provedor de Justiça de competências no âmbito dos direitos das crianças,

entendemos que esta entidade deve deter competências em matérias de provedoria relativamente à área que

lhe compete. Não devemos encher a Provedoria de Justiça com competências atrás de competências, aliás sob

o risco de criarmos dificuldades ao próprio Provedor de Justiça para que este possa exercer as suas funções

em conformidade.

Temos, em Portugal, a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens e,

no entender do PCP, importa que exista uma entidade institucional autónoma que seja um espaço de análise

permanente e continuada sobre a infância.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente, dizendo que vamos continuar a intervir neste sentido

e que, naturalmente, se alguma destas iniciativas baixar à especialidade, cá estaremos para dar esse contributo.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Joacine

Katar Moreira.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Também considero

absolutamente fundamental respeitar e implementar a Convenção sobre os Direitos da Criança e reforçar isto

com a implementação e o investimento numa entidade autónoma. Mas recordo que é útil que haja uma enorme

coerência. É incoerente andarmos a regular, a legislar e a incentivar que haja um investimento na defesa dos

interesses e direitos das crianças como se elas fossem uma entidade separada do agregado familiar. Então, é

necessário que haja, igualmente, um incentivo enorme ao aumento do salário mínimo nacional. É necessário

que haja um incentivo enorme à regulação da especulação imobiliária que, efetivamente, garanta habitação a

todas as famílias, nomeadamente às crianças.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, queira fazer o favor de concluir.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (N insc.): — Sim, Sr. Presidente.

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É, igualmente, necessário investirmos na existência de infantários financiados e é útil olharmos para isto

enquanto uma entidade relacionada com outras, nomeadamente no combate à violência doméstica.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André

Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, queria dar conta de

que, de facto, esta é uma matéria de Portugal dado que, em matéria de proteção dos direitos das crianças e em

relação ao que é preciso fazer, Portugal tem estado atrasado.

Ainda assim, é preciso olharmos para os projetos que estão em cima da mesa e que o PAN e o Bloco de

Esquerda nos trazem mais uma vez: são projetos muito semelhantes em tudo o que significa ter mais

instituições. Aliás, um deles propõe mesmo a criação de um observatório, na comissão nacional, e outro

recomenda a criação de um comité nacional. Dizem: «paguem, que é para isso que estão cá! Criem mais

instituições, mais órgãos, mais comités! É para isso que continuamos a estar!»

Os portugueses continuam a olhar para isto e a pensar que este Parlamento faz o mesmo todos os dias:

«cria novas instituições para nós pagarmos novos funcionários».

É que, na verdade, depois, estes funcionários servem para muito pouco. Nós já temos uma Provedoria de

Justiça — aliás, temos uma excelente Provedora, de excelente qualidade —, que pode perfeitamente assumir

as funções de monitorizar, acompanhar, fiscalizar, de tudo quanto tenha a ver com a proteção dos direitos das

crianças.

O que é que temos, mais uma vez, aqui? O PAN e o Bloco de Esquerda a dizerem: «Vamos aumentar ainda

mais o Estado. Como o Estado é tão pequeno e como os portugueses pagam tão pouco, porque não aumentá-

lo mais?» Já agora, porque não pôr mais funcionários nestes órgãos também?! Isso é, de facto, muito

sintomático do que aqui estamos a fazer.

Sr. Presidente, termino, dizendo apenas que, de facto, cada vez mais, nesta Câmara, fica clara uma divisão

entre duas opções de vida e de sociedade: uma, que pensa que devemos ter menos impostos e menos Estado;

outra, que acha que devemos aumentar sempre os impostos dos portugueses, cada vez com mais Estado, e,

na maioria dos casos, com instituições que não servem para absolutamente nada.

Expliquem isso aos portugueses, pois é isso que eles precisam de saber!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma segunda intervenção, em nome do PAN, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, confesso que fico incrédula quando oiço…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, pedia-lhe licença para a interromper. O Sr. Deputado

Telmo Correia, do CDS-PP, está a pedir a palavra.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, normalmente, cada partido tem direito a usar da palavra

antes de serem proferidas segundas intervenções.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem razão. Mas, como não havia na Mesa nenhuma

inscrição do CDS e havia já uma segunda inscrição por parte do PAN…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, eu tinha-me inscrito.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado Telmo Correia, já agora, queria saudá-lo pela sua eleição

para Presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP, um cargo que, aliás, já assumiu numa anterior Legislatura.

Queria, pois, apresentar-lhe cumprimentos em nome da Mesa.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.

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Sr. Deputado, tem, então, a palavra para uma intervenção.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, agradeço os seus cumprimentos.

Mas não quero tirar nenhum benefício nem proveito desse facto, nem dessa eleição.

Passando diretamente ao assunto que temos em cima da mesa, gostaria de dizer o seguinte: este tema da

Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças é muito importante. Trata-se de uma questão que, na

minha opinião, beneficia bastante se não a transformarmos noutra coisa qualquer, ou seja, se formos ao tema

que preocupa a Convenção, em vez de o transformarmos numa preocupação que, seguramente, temos, com

diferentes posições políticas, sobre a situação do País em geral, sobre os investimentos que são ou não são

feitos, e que podem até resultar em algo curioso, que, aliás, já ouvimos neste debate.

Refiro-me, por exemplo, à intervenção da Sr.ª Deputada do Partido Ecologista «Os Verdes». É que aqueles

que votam os Orçamentos e que são responsáveis por existirem ou não alas pediátricas, por haver ou não

investimento, são os primeiros que aqui vêm, depois, queixar-se de que não há investimento no País para as

nossas crianças e de que este é um problema muito grave.

Vamos à Convenção e ao que está em cima da mesa: a proteção das crianças. Como aqui foi dito, e bem,

as crianças são mais vulneráveis do que o comum dos cidadãos, o mesmo acontecendo, de resto, com os

cidadãos mais idosos, e, por isso, devem ter uma proteção especial. Do ponto de vista criminal, são ainda hoje

vítimas de crimes absolutamente abomináveis, como são os de tráfico de seres humanos, de prostituição infantil,

de pornografia infantil, de cibercrime, como aqui já foi referido por várias bancadas.

Portanto, o que está aqui em causa é como podemos garantir que esta Convenção, que visa proteger os

direitos das crianças, seja mais bem aplicada no nosso País.

Queria dizer que o CDS também é autor de um projeto sobre esta matéria, que não arrastou para esta

discussão — esperamos poder juntá-lo à discussão na especialidade —, que é largamente coincidente com o

do PSD. Defendemos a formação de quem tem a capacidade de decisão, designadamente dos juízes, dos

magistrados judiciais, à semelhança do que aconteceu, por exemplo, com o tema da violência doméstica, em

que foi necessário percebermos que era preciso que os magistrados tivessem formação para interpretar,

entender e aplicar corretamente as decisões contra esse flagelo. O mesmo se diga, pois, em relação às crianças.

Outra questão é saber se devemos ou não ter um organismo que faça o acompanhamento desta mesma

Convenção. O CDS acha que sim, acha que é relevante que exista um acompanhamento, acha que é relevante

que esse acompanhamento seja feito não diretamente pelo Governo, mas por um organismo independente, com

todas as características de independência que um organismo possa ter. Dentro das soluções propostas,

esperando que haja uma solução, aproximamo-nos mais da solução proposta pelo Partido Social Democrata,

ou seja, que seja uma instituição já existente e com provas dadas, como a Provedoria de Justiça, a assumir essa

mesma responsabilidade. Não quer isto dizer que não haja disponibilidade para a discussão de todas as

soluções em cima da mesa.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a terminar, queria dizer que esta matéria deve ser consensual e deve

ser consensualizada. Faz todo o sentido que o seja! Se a Assembleia da República não consegue ser

consensual quando está em causa a proteção e a aplicação de uma convenção internacional de proteção das

crianças, então será consensual em quê?

Esperemos, pois, que, sem sede de comissão, seja possível consensualizarmos sobre esta matéria para

conseguirmos proteger as crianças, o que, obviamente, consideramos que deve continuar a ser o melhor do

mundo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Agora, sim, para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Inês de Sousa Real, em nome do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há pouco, na minha primeira

intervenção, tive oportunidade de fazer a destrinça entre a proposta do PAN e a proposta do PSD. Para o PAN,

há, de facto, uma proximidade a nível da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens que

consideramos mais propícia a uma melhor monitorização desta matéria do que, propriamente, por parte da

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Provedoria de Justiça. Com toda a bondade e todo o mérito que esta instituição tem, não é a mesma coisa, pois

esta tem poderes meramente recomendativos e não tem poderes executivos e concretos.

O Sr. André Ventura (CH): — E o dinheiro?!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Em relação à preocupação do Sr. Deputado André Ventura, não posso

deixar de referir que, contrariamente a discursos populistas, o PAN está cá para zelar pelo superior interesse da

criança. Haja, de facto, dinheiro e investimento para a proteção das crianças e dos jovens. Em relação a isso

não nos inibimos. O que verificamos é que, na hora de votar e na hora de aprovarmos propostas que visam

consagrar medidas concretas para proteger as crianças, toda a gente já está preocupada com os encargos ou

com a multiplicação de estruturas, uma posição que não compreendemos nem acompanhamos.

Em relação à questão das CPCJ, há, de facto, um défice de financiamento. O PAN defende que haja um

reforço dos meios, mas esse é um outro debate que terá de ficar, necessariamente, para uma outra altura.

Mas, Sr. Deputado André Ventura, nós não damos para o peditório dos discursos populistas e incendiários

em torno dos direitos das crianças.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para encerrar este debate, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª

Deputada Sara Madruga da Costa, que, como sabe, conta com mais 2 minutos para além dos 16 segundos que

constam do quadro.

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O presente debate

demonstrou que todos comungamos da mesma preocupação em torno dos direitos das crianças. Todos

queremos dar resposta a uma necessidade que é urgente e permitir a aplicação e a monitorização da Convenção

Internacional sobre os Direitos das Crianças, em Portugal.

Sr.as e Srs. Deputados, convergimos nos objetivos, mas divergimos nos caminhos. Não obstante o devido

respeito pelas posições da Câmara, consideramos que a melhor solução é a apresentada pelo PSD, atribuindo

ao Provedor de Justiça essa competência prevista na Convenção. Esta é a solução mais ajustada, é a solução

mais acertada, é a solução mais adequada ao cumprimento das obrigações internacionais em matéria de direitos

das crianças. E porquê, Sr.as e Srs. Deputados? Por três ordens de razão.

Em primeiro lugar, porque esta solução não obriga à criação de novos órgãos, à aprovação de novas leis

orgânicas, à afetação de novos recursos humanos e técnicos ou à duplicação de funções ou organismos.

Mais importante do que isso, Sr.as e Srs. Deputados, esta solução permite o aproveitamento dos

conhecimentos já existentes, o aproveitamento da vocação natural e da capacidade já instalada na Provedoria

de Justiça. Para nós, Sr.as e Srs. Deputados, esta é a principal razão. Nós não podemos, não temos sequer o

direito de desaproveitar e de desperdiçar competências, conhecimento jurídico, sensibilidade técnica, social e

capacidade, pois, felizmente, já existem; estão na Provedoria de Justiça, e nós queremos aproveitá-las e reforçá-

las.

E se isso ainda não fosse, per si, já suficiente, entendemos que esta é uma matéria que deve ser tratada por

um organismo independente, como é a Provedoria, e com total autonomia face ao Governo.

Qual é, então, Sr.as e Srs. Deputados, o inconveniente ou a contraindicação da nossa iniciativa? Nenhum!

Pelo contrário, esta é a solução que também é defendida pela própria Provedoria, quer pela atual Provedora,

quer pelo anterior Provedor.

Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, o apelo que fazemos, em nome das crianças, é que viabilizem a nossa

solução. Esta solução é boa para o País, é boa para as crianças e responde àquilo que é necessário para o

devido cumprimento das obrigações internacionais em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início ao segundo ponto da nossa

ordem do dia, que consta da apreciação conjunta dos Projetos de Resolução n.os 148/XIV/1.ª (PCP) —

Estabelece o calendário para a instituição, em concreto, das regiões administrativas durante o ano de 2021 e

220/XIV/1.ª (BE) — Prepara os procedimentos para a criação das regiões administrativas.

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Para apresentar o projeto de resolução do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A regionalização é, de facto, um

imperativo há muito adiado de que o País necessita e que se impõe para reforçar a vida democrática, para

assegurar uma coerente e eficiente Administração Pública, para criar condições de desenvolvimento das regiões

mais desfavorecidas, respeitando e preservando a autonomia municipal.

O PCP agendou este debate com um objetivo claro e assumido: queremos que deste debate saia uma

decisão da Assembleia da República no sentido de avançar com a regionalização, de modo a que o processo

de criação das regiões administrativas possa estar concluído em 2021, na data em que se realizam as eleições

autárquicas.

Podíamos ter trazido a este debate todas as propostas do PCP para cada uma das questões que carecem

de decisão. Podíamos ter trazido à discussão as propostas com as regiões-plano que defendemos, tal como as

nossas propostas de órgãos das regiões administrativas e respetivas atribuições e competências.

Não foi essa a nossa decisão, porque este debate não deve nem pode ser feito à pressa. Deve ser feito com

tempo para que a discussão seja alargada e tão ampla quanto profunda na sociedade portuguesa.

O debate que fazemos hoje é o que permite à Assembleia da República tomar a decisão de avançar com o

processo, estabelecendo um calendário para as auscultações que devem ser feitas e para as decisões que

devem ser tomadas.

Estamos convictos de que não há razões para que a regionalização seja mais tempo adiada. Depois das

declarações que fomos ouvindo ao longo dos anos e, sobretudo, das afirmações feitas, e repetidas, nos últimos

tempos de amor à regionalização, vindas dos mais diversos quadrantes políticos e partidários, estamos mesmo

convencidos de que a aprovação amanhã do projeto de resolução do PCP permitirá dar esse primeiro passo

que tanto tem tardado.

Há muito que os preconceitos contra a regionalização foram vencidos e que se tornou evidente a sua

necessidade. O que está em causa não é apenas o cumprimento de um imperativo constitucional para a criação

do nível regional na administração do Estado, é verdadeiramente a criação de um instrumento de combate às

desigualdades e assimetrias regionais, de concretização do desenvolvimento equilibrado e harmonioso do País

e de aprofundamento da democracia com a possibilidade de controlo das decisões políticas pelas populações a

quem as mesmas se dirigem.

Aquilo de que se trata é da possibilidade de definir, a nível regional, a estratégia de desenvolvimento que se

pretende prosseguir, bem como de estabelecer as prioridades de investimento e mobilização de recursos para

o seu cumprimento, com decisões tomadas em cada região por órgãos eleitos pelas populações perante as

quais respondem.

Mesmo os seus detratores reconhecem o significado e a importância da regionalização para uma efetiva

descentralização e para a adiada adequação da administração do Estado e dos seus serviços.

A efetiva e sustentada descentralização é inseparável da instituição em concreto das regiões administrativas.

Além de imperativo constitucional, a sua concretização é também condição para três objetivos essenciais de

uma política descentralizadora: dar coerência a uma clara delimitação de atribuições e competências entre os

vários níveis da administração (central, regional e local); criar condições para uma política de desenvolvimento

regional com a ativa participação das autarquias e dos agentes económicos e sociais; e, por fim, garantir a

defesa da autonomia do poder local.

Apesar de a criação das regiões administrativas ser um imperativo constitucional desde 1976, a verdade é

que continua por concretizar. A iniciativa do PCP propõe que se avance sem equívocos nem mais demoras na

concretização desse desígnio.

O calendário proposto é claro e compreensível nos critérios que adota. Até final do primeiro semestre de

2020 deve ser submetida a consulta das assembleias municipais a proposta de dois mapas possíveis de criação

em concreto das regiões administrativas: uma assente no mapa de criação aprovado na Lei n.º 19/98, de 28 de

abril, e submetida a referendo, e outra correspondente às cinco regiões-plano hoje coincidentes com as áreas

das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).

Até final de 2020, devem as assembleias municipais enviar o resultado do debate, deliberações ou pareceres

que entendam emitir em concreto. No primeiro semestre de 2021, a Assembleia da República deve assumir a

responsabilidade de aprovar a lei de criação das regiões administrativas e a proposta de convocação de um

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referendo que possa vir a realizar-se no segundo trimestre de 2021. A eleição dos órgãos das regiões

administrativas deve fazer-se na data prevista para as eleições dos órgãos das autarquias locais em 2021.

Esta proposta assegura condições para que haja um debate público alargado e abrangente, correspondente

à relevância da matéria em questão, cumprindo a tramitação que, legal e constitucionalmente, se impõe. E

assume sem equívocos o objetivo de que a regionalização se concretize.

A posição do PCP é clara: do que o País necessita, para se desenvolver de forma equilibrada, coesa e

harmoniosa, é da instituição em concreto das regiões administrativas. Não há sucedâneo mais ou menos

aproximado da regionalização que possa cumprir os mesmos propósitos.

Ciclicamente têm-se sucedido iniciativas que apenas nas intenções se aproximam de tentativas de fazer

avançar o processo da regionalização, umas por falta de conteúdo concreto nesse sentido, outras por persistirem

apenas em apresentar soluções baseadas nos limites da desconcentração. Porém, a verdade é que não há

sucedâneo ou substituto da regionalização que sirva ao País e aos objetivos do desenvolvimento nacional.

As falsas soluções da designada democratização das CCDR ou do processo de transferência de atribuições

e competências para as autarquias locais são disso exemplos evidentes.

O desafio está lançado e a proposta do PCP apresentada. A Assembleia da República tem hoje a

possibilidade de discutir e amanhã a possibilidade de decidir o avanço do processo de criação das regiões

administrativas.

Veremos quem está, afinal, do lado da regionalização.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado João

Oliveira, os Srs. Deputados Jorge Paulo Oliveira e Raul Castro.

Como é que o Sr. Deputado João Oliveira pretende responder?

O Sr. João Oliveira (PCP): — Individualmente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Então, tem a palavra, em primeiro lugar, para formular o seu pedido de

esclarecimentos, o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira.

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Oliveira, temos repetidamente

afirmado nesta Câmara que o PSD sempre teve uma visão reformista do Estado, assente numa Administração

Pública descentralizada.

Estamos, por isso, disponíveis para debater todos, repito, todos os modelos de organização do Estado, nele

se incluindo a regionalização. Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não o faremos a qualquer custo nem

a qualquer preço.

Não contem connosco para discutir propostas que correspondam a soluções parcelares, encapotadas ou que

nos conduzam a um país a duas velocidades; muito menos contem connosco para discutir propostas que não

pressuponham a realização de um referendo nacional.

Estamos disponíveis para um debate sério, esclarecedor e sem precipitações. Foi exatamente com esse

propósito que, na anterior Legislatura, demos o pontapé de saída para a realização de um estudo aprofundado

sobre a organização subnacional do Estado, com a criação da Comissão Independente para a Descentralização,

proposta que, recorde-se, teve os votos contra do PCP, do Bloco de Esquerda, do Partido Ecologista «Os

Verdes» e do PAN.

Protestos do Deputado do PCP Duarte Alves.

Não é possível fazer um debate sério e esclarecedor sobre regionalização sem que previamente a mesma

tenha sido devidamente estudada por especialistas, e esse passo foi dado.

Mas também não é possível fazer um debate sério e esclarecedor se os portugueses não tiverem toda a

informação que lhes permita ter uma noção exata sobre o significado e as implicações da criação de regiões

administrativas.

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Neste contexto, pergunto ao PCP se defende a reformulação da Lei-Quadro das Regiões Administrativas em

vigor.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Respondam!

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Pergunto ao PCP qual o sistema de governo das regiões

administrativas que preconiza, se é com ou sem a tutela do Governo.

Pergunto, igualmente, ao PCP qual o modelo de sistema eleitoral regional que defende, ou seja, se é o círculo

regional único ou o círculo plurinominal.

Pergunto, por fim, ao PCP qual o seu modelo de financiamento das regiões administrativas.

Sr. Deputado João Oliveira, a resposta a todas estas perguntas, e poderíamos acrescentar muitas outras,

seria sem dúvida um bom contributo para o debate sério, esclarecedor e sem precipitações que se impõe.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira, agradeço as questões que

me colocou e queria dizer-lhe que já havia dado resposta, na minha intervenção inicial, às dúvidas que o Sr.

Deputado coloca.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Então, repita lá!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Aquilo que o PCP pretende é que se avance no sentido da regionalização e

que essa decisão seja uma decisão ponderada e pesando tudo aquilo que importa pesar nas decisões que é

preciso tomar. E, por isso, nós não propusemos que hoje se decida…

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Não é hoje, é amanhã!

O Sr. João Oliveira (PCP): — … do modelo, do número de regiões-plano, do modelo de órgãos a criar, da

forma da sua eleição, do financiamento das regiões administrativas.

A decisão que é preciso tomar agora é a de definir um claro calendário que permita, atempadamente e com

a profundidade que a matéria exige, fazer essa discussão, e fazer essa discussão não só na Assembleia da

República mas procurando que seja feita da forma mais alargada possível na sociedade portuguesa.

Portanto, Sr. Deputado, julgo que, lendo o projeto de resolução e aquilo que ele contém, as inquietações, as

preocupações do PSD, todas elas, têm lá consideração e, todas elas, estão acauteladas.

Queremos, de facto, que essa discussão profunda seja feita. Temos as nossas propostas e a nossa visão,

mas queremos que a discussão seja feita da forma mais alargada possível. E daqui até 2021, até setembro ou

outubro de 2021, temos tempo para que essa discussão seja feita, beneficiando, naturalmente, dos estudos e

de todas as opiniões que sejam validamente trazidas ao debate, para que possamos refletir sobre elas e para

que a Assembleia da República possa tomar decisões.

Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira, quero dizer-lhe, muito concretamente, em relação às questões que

colocou, da revisão da lei-quadro, do modelo de eleição, das competências, do modelo de financiamento, que

todas elas têm de ser adequadamente decididas, no plano da Assembleia da República, depois de recolhermos

os contributos que é necessário que sejam recolhidos hoje, também em função da evolução que, ao longo dos

anos, se foi registando sobre essas matérias.

E é isso que propomos no nosso projeto de resolução: que, no primeiro trimestre de 2021, estejamos, na

Assembleia da República, em condições de tomar decisões relativamente às matérias que o Sr. Deputado referiu

e a outras, nomeadamente a do número de regiões ou do quadro de regiões-plano que queremos decidir.

A proposta que o PCP aqui traz é precisamente essa, é a de que não se fuja a esse debate e que se assuma

que se quer fazer esse debate, fixando o calendário para que ele seja feito.

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Portanto, Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira, da parte do PCP, esperamos, sinceramente, que as

preocupações que o Sr. Deputado hoje aqui trouxe não sirvam de pretexto para que não se fixe um calendário

para que todas tenham resposta e para que esse debate se faça, porque é isso que estamos a propor e não o

contrário, Sr. Deputado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr.

Deputado Raul Miguel Castro.

O Sr. Raul Miguel Castro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Oliveira, a proposta de regionalização

que apresentam no vosso projeto esquece uma premissa que é essencial para o desenvolvimento da mesma:

se, efetivamente, um projeto de regionalização tem sempre como objetivo aproximar os centros de decisão dos

cidadãos, não é só com esta proposta que tal se conseguirá.

O que temos em cima da mesa é um projeto de resolução que se preocupa apenas com duas coisas: uma é

a de pôr à discussão se é o atual modelo das CCDR ou se é o que foi aprovado na Lei n.º 19/98, com a criação

de oito regiões;…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Coisa pouca!…

O Sr. Raul Miguel Castro (PS): — … a outra é a de as assembleias municipais se pronunciarem num

determinado contexto.

Entendemos que, efetivamente, o que é essencial para aumentar a competitividade e a coesão do território,

para o combate às desigualdades e para o desafio demográfico terá necessariamente de ter na base o reforço

do poder local.

Daí as duas perguntas que lhe dirijo: qual é o papel que atribuem ao poder local no contexto de um projeto

de regionalização? E, face às opções que colocam, preferem, efetivamente, alguma delas? Importava saber

para também podermos tomar a devida atenção àquilo que está em cima da mesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado João Oliveira, tem a palavra, para responder.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Raul Miguel Castro, queria agradecer as suas

questões e dizer-lhe o seguinte: quando propomos, no projeto de resolução, que seja dada às assembleias

municipais a oportunidade e a possibilidade de participarem neste processo, naturalmente, é com o objetivo de

que essa discussão seja feita de forma tão alargada quanto possível na sociedade portuguesa, esperando,

naturalmente, que as assembleias municipais cumpram uma das suas várias atribuições, que é precisamente a

de envolvimento das populações nesse debate, nessa discussão que precisa de ser feita, com o apuramento de

uma posição, de uma opinião, de um parecer com o qual a Assembleia da República possa contar, da parte de

cada uma das assembleias municipais, nas decisões que tem de tomar.

Queria dizer-lhe, Sr. Deputado Raul Miguel Castro, que há uma diferença muito grande, entre

descentralização e desconcentração. A descentralização fica a atribuir a órgãos, autonomamente eleitos, a

possibilidade de escolher o poder de decisão.

A desconcentração, na base da qual o Governo e o PS têm avançado com a ideia de alterações às regras

das CCDR, significa o contrário disto: significa que um órgão superior transfere para um órgão hierarquicamente

dependente a competência de execução de alguma coisa, mas é o órgão superior que continua a tutelar, que

continua a decidir, a dirigir, a inspecionar e a fiscalizar o que o outro órgão faz.

Essa opção que o PS faz de desconcentração é contraditória com a opção de avançar no sentido da

regionalização, até porque ela não ajuda à clarificação de competências — e com isto respondo à questão que

colocou — que têm de ser assumidas de forma clara, entre os diferentes níveis da administração central, regional

e local.

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Não há forma de respeitar a autonomia do poder local se não se clarificarem as suas competências,

sobretudo no quadro de articulação com outros níveis de administração, nomeadamente a regional.

Portanto, Sr. Deputado Raul Miguel Castro, diria que, das perguntas que fez e das respostas que lhe demos,

o PS tem todas as condições para, amanhã, aprovar o projeto de resolução do PCP, se verdadeiramente está

empenhado em avançar com a regionalização.

Outra atitude da parte do PS, Sr. Deputado, só poderá ter a leitura contrária, ou seja, a de que o PS não está

a querer avançar com o processo de regionalização tendo uma atitude diferente do discurso que faz.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para apresentar o projeto de resolução do Bloco de

Esquerda, o Sr. Deputado José Maria Cardoso.

O Sr. JoséMariaCardoso (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A regionalização, matéria

consagrada na Constituição da República Portuguesa, nos artigos 255.º e 256.º, desde 1976, continua por

concretizar. É uma promessa de Abril não cumprida e que importa resolver. Ciclicamente, o debate renasce e

reacende-se com argumentos sobre vantagens e desvantagens, mas fica por aí.

É verdade que já se fez um referendo, em novembro de 1998, e que o resultado foi uma vitória expressiva

do «não», mesmo que não tenha sido vinculativo por ter uma taxa de abstenção de 51,7%. Também é verdade

que, em função deste referendo, foi acordado, numa revisão constitucional, em 1997, que, entre outras

alterações, esta matéria se tornaria a única obrigatoriamente referendável.

Mas também, sobre isto, muitas dúvidas se levantam, como, por exemplo, a de saber o que é

obrigatoriamente objeto de referendo. O Acórdão n.º 532/98 do Tribunal Constitucional considerou irreferendável

a criação de regiões administrativas e somente referendável o mapa da regionalização que lhe possa estar

associado.

E não se esgotam por aqui os obstáculos e constrangimentos legais. Na verdade, esta lei do referendo está

truncada pela dupla obrigatoriedade de aprovação: a do mapa das regiões e a da região específica de residência,

em simultâneo. Isso quer dizer que, se houver uma região que seja que vote maioritariamente «não» à criação

da região específica, inviabiliza todo o processo de regionalização. Faltando uma região, o conjunto fica

paralisado, e não estamos a falar de uma hipótese meramente académica.

Esta provável, mas efetiva, situação está em oposição aos elementares princípios democráticos. Um

determinado número de eleitores com expressão reduzida em termos nacionais, com toda a legitimidade de

opção de voto, poderá inviabilizar a vontade maioritária da população nacional. É um atropelo democrático.

Portanto, a Constituição, por um lado, abre e consagra a regionalização e, por outro, a legislação fecha e

obstaculiza o processo.

A obstrução processual não pode ser impedimento de consagração de um direito e de uma promessa

eternamente adiada. O Bloco de Esquerda manifesta-se totalmente a favor da regionalização e tem por intenção

desencadear o processo com este projeto de resolução.

No Parlamento, até agora, temos ouvido o CDS expor uma posição contrária e vemos o PS e PSD com uma

atitude dúbia, numa espécie de ambivalência, que tem sido responsável pelo entrave e adiamento do processo.

Por exemplo, o PS não avançou no mandato anterior porque era preciso criar condições para efetivar o

processo neste mandato que acabou de iniciar-se, mas, afinal, já é para o próximo.

Aliás, o último Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), em novembro, foi

paradigmático destas posições de contraste. Os discursos de abertura e encerramento, orquestradamente,

delimitaram as barreiras da discussão. Pelo meio, ouvimos a grande maioria dos autarcas a defenderem

entusiasticamente a regionalização.

O Presidente da República abriu o Congresso para fazer saber que os portugueses ainda não estão

preparados para votar esta questão tão complexa, utilizando o provérbio popular «não se deve meter o carro à

frente dos bois». Interessante alusão de quem, em 1998, fez campanha pelo «não» e contribuiu, decisivamente,

para o entrave referendário na revisão constitucional de 1997.

O Primeiro-Ministro, por um lado, encerrou o congresso criando outra baliza, ao dizer que o prioritário é

avançar com a eleição dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, numa

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eleição, tanto quanto se sabe, agora, pelos membros do poder local eleitos, ou seja, das câmaras municipais,

das assembleias municipais e de freguesia. Será uma eleição indireta que, à semelhança do que acontece nas

juntas metropolitanas, torna a presidência das CCDR numa luta partidária de somatório de partes. Podemos,

porém, perguntar porque se apresenta esta eleição como resposta à regionalização se se trata de órgãos com

competências e intervenções distintas.

Por outro lado, o Primeiro-Ministro reafirmou que o que é preciso é dar continuidade ao processo, que o

Governo chama de descentralização mas que não é mais do que um processo de municipalização, de mera

delegação de competências, com diplomas setoriais publicados a conta-gotas e com total opacidade sobre o

fundo de financiamento e com a obrigatoriedade de aceitação até 2021. Esta municipalização não retira

pertinência à regionalização, antes lhe dá força, porque a mostra como inevitável, tais são as insuficiências que

lhe estão a ser reconhecidas.

Mas centremos o debate e esta apresentação nos pontos positivos da regionalização que o Bloco defende.

Porquê e para quê regionalizar? Em primeiro lugar, interessa esclarecer que o que está em causa não são

regiões autónomas à semelhança das dos Açores e Madeira. O que está em causa são regiões administrativas,

definidas como autarquias locais e que assim estão consagradas na Constituição, no artigo 236.º. Têm âmbito

de intervenção regional mas são autarquias locais na natureza jurídico-constitucional.

Admitindo que há legítimas dúvidas sobre vantagens ou desvantagens, o fator, ou não, de quebra de coesão

nacional, o poder, ou não, resultar num agravamento das assimetrias, ou o haver riscos de criação de domínio

a partir das cidades centrais, é verdade que, em nenhum dos casos, há uma situação ótima, muito menos única.

A regionalização não é a cura para todos os males. Tem riscos e pode ter contrariedades. É uma forma

democrática de descentralização e é nisso que ela deve assentar.

O Bloco de Esquerda quer colocar o tema na agenda política e dar-lhe a relevância devida sem pressas nem

pressões mas considerando que é tempo de fazer este debate sério e rigoroso que tem sido, propositadamente,

secundarizado. É tempo de fazer caminho. Não basta falar de coesão territorial, é preciso construir essa coesão

com a organização administrativa que lhe dê sustentação.

Portugal é um dos países mais centralistas da União Europeia e mesmo da OCDE (Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Económico). Falta-lhe poder intermédio de base regional. Passamos do central

para local, com escalas muito diferentes, sem uma visão subnacional nem supramunicipal.

Estudos da OCDE verificam uma clara associação estatística entre desenvolvimento e descentralização,

traduzida numa relação entre melhor desenvolvimento e exercício do poder regional. É preciso criar uma

revitalização da economia regional e local com uma espécie de dinâmica de identidade, até porque há uma

desvitalização de muitos destes serviços desconcentrados do Estado e a perda desses serviços em tantos

municípios — neste século encerraram 6500 serviços públicos. Assim, o grau de centralismo das decisões

públicas acentuou-se com elevados custos de eficácia, de eficiência e de equidade e com um perigoso

sentimento de efetivo abandono.

Mas o melhor exemplo para se falar da regionalização é a realidade atual: a macrocefalia, a bicefalia, o

despovoamento, em alguns casos a desertificação, sem aferir resultados nem prever consequências. As

assimetrias regionais no nosso País — um País tão pequeno — são tão grandes e com tanta desigualdade.

Sem cair numa dicotomia simplista litoral/interior — até porque há muitos interiores, não há só um, nem o

próprio litoral é todo igual, existem, nomeadamente, hiatos populacionais em muitas zonas — há uma linha

divisória, por assim dizer, que provoca estas assimetrias, não significando, com isso, que haja esta simplicidade

de tratamento, meramente apelativo, de cada uma das partes.

Há um problema grave com o interior, mas há também um problema grave com as áreas metropolitanas,

devido a uma superpovoação que tem acarretado uma concentração populacional que se tornou numa

«deseconomia» de escala.

Há outro argumento muito importante para equacionar e que nos parece fundamental ter-se em atenção:

esta regionalização pode ser a oportunidade, diria, singular, quase única, de implementar, a partir dos territórios,

um programa de transição energética e agroflorestal, infraestrutural e de mobilidade, assente na ferrovia e nos

transportes coletivos, contribuindo todos para o que, hoje, percebemos ser uma inevitabilidade: a

descarbonização e a mudança de paradigma.

Na verdade, para além de todos estes aspetos, há outro que importa referir: na senda da digitalização da

sociedade, propalada nomeadamente pelo Governo, é fundamental criar administrações regionais modernas e

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eficientes, muito capazes de assegurar a democraticidade de desempenho e eleição dos cargos e a

transparência em todo o processo executivo.

É evidente que também teremos de falar numa aproximação entre eleitos e eleitores, com formas de

intervenção mais participativas, caminhando para aquilo que é o desejo, desde sempre, de uma democracia

participativa.

É intenção do Bloco de Esquerda tratar a questão de forma fundamentada e convincente e elevar o debate

com total abertura e envolvência. Há uma visão regional e até local, mas tem estar inserida num enquadramento

e numa visão nacional de complementaridade e nunca de rivalidade ou confronto entre regiões e, muito menos,

entre perspetivas de desenvolvimento singulares, porque estamos a falar do mesmo País com os mesmos

objetivos coletivos.

Não se trata de perda de coesão nacional, trata-se, sim, de criar condições para uma maior coesão territorial,

com equilíbrio nacional. A nossa intenção é criar condições para fazer um debate sério e elevado, que coloque

as questões no ponto do que é discutível.

Por isso, este projeto de resolução, que titulámos de «Preparar os procedimentos para a criação das regiões

administrativas», tem dois pontos muito genéricos nos quais assenta: desencadear um processo de debate

público alargado para a instituição de regiões administrativas em Portugal, a concluir até ao final de 2020,

calendarizando-o, e preparar a aprovação, no primeiro semestre de 2021, do enquadramento legal para a

criação das regiões administrativas.

Sr.as e Srs. Deputados, para terminar esta apresentação, passemos ao debate e vamos consolidar

argumentos para, coletivamente, criar uma proposta que seja capaz, por um lado, de desbloquear os

constrangimentos e, por outro, responder ao grande desafio da regionalização.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, a Mesa regista as inscrições dos Deputados Filipe

Pacheco, do PS, e Jorge Mendes, do PSD, para formularem pedidos de esclarecimento.

Como pretende responde, Sr. Deputado?

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Filipe

Pacheco.

O Sr. FilipePacheco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado José Maria Cardoso, o

Bloco trouxe hoje a debate uma iniciativa sobre a criação de regiões administrativas.

Mas as iniciativas não são só as iniciativas em si; são as iniciativas e o contexto em que elas são

apresentadas. E o contexto em que o Bloco aqui hoje apresenta esta iniciativa é o de estar precisamente em

curso um processo altamente ambicioso, importantíssimo, de descentralização de competências para as

autarquias locais em vários domínios do Estado.

Desde logo quero dizer uma coisa: estamos disponíveis para todos os debates, mas este não é o momento

oportuno para avançar com esta iniciativa. É fundamental que se concretize e consolide a descentralização de

competências que está neste momento em curso.

Sr. Deputado, a descentralização constitui a pedra angular da reforma democrática do Estado e a

regionalização, desde logo, é isso mesmo, ou seja, uma forma de descentralização para um escalão regional.

Mas vamos ver se percebemos a posição do Bloco de Esquerda: à descentralização os senhores respondem

que esta é má, que esta só vem municipalizar tarefas do Estado, que faltam meios financeiros, que faltam meios

humanos e que não serve. Não estão disponíveis para resolver eventuais problemas do processo ou para

construir. Mas se for para descentralizar em dose maior, para um nível regional, para novas entidades que ainda

nem existem, aí, já serve e não só serve, como tem de começar já no início de 2021.

Portanto, Sr. Deputado, aquilo que pergunto é: o Bloco de Esquerda desconhece o amplo processo de

descentralização de competências para as autarquias locais, em vários domínios do Estado, que está neste

momento em curso?

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Mais valia desconhecer!

O Sr. Filipe Pacheco (PS): — O Bloco de Esquerda desconhece que a maioria dos municípios tem aceitado

as novas competências sem constrangimentos de maior?

O Bloco de Esquerda desconhece que, no âmbito desta descentralização, o Governo tem estado no terreno

e atento às dificuldades das autarquias com o Roteiro para a Descentralização?

O Bloco de Esquerda desconhece que estamos perante o maior processo de descentralização de

competências das últimas décadas, cumprindo verdadeiramente o princípio da subsidiariedade?

O Bloco de Esquerda desconhece que o Governo pretende consagrar a eleição democrática das CCDR? Já

agora, o que é que o Bloco pensa sobre a eleição das CCDR, que tornará mais ágil qualquer mudança futura,

mesmo num contexto de regionalização?

O Bloco de Esquerda desconhece que, dos 278 municípios, 234, ou seja, 84%, já começaram a assumir as

competências em processo de descentralização?

Sr.as e Srs. Deputados, o Partido Socialista tem sido muito claro sobre a regionalização. Este não é um

assunto que esteja no Programa do Governo, ao contrário da descentralização de competências, que está neste

momento numa fase decisiva. Entendemos que é preciso criar um sentimento de confiança generalizado no

País quanto à regionalização e que um processo de descentralização bem concretizado é mais um passo seguro

para aumentar essa confiança.

Sr.as e Srs. Deputados, o Partido Socialista não está disponível para que a regionalização seja utilizada como

arma de arremesso para se tentar sobrepor e para tentar matar o processo de descentralização que está neste

momento a acontecer. Para isso, não contem com o Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Isso já sabíamos!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge

Mendes.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado José Maria

Cardoso, o PSD sempre defendeu o princípio da subsidiariedade, no sentido em que as competências públicas

devem ser exercidas pela entidade mais bem colocada para as concretizar.

O PSD partiu do poder local e entende o reforço do papel de intervenção dos municípios na governação da

coisa pública como fundamental para a melhoria da qualidade de vida dos portugueses. Acrescento, ainda,

também para obstaculizar putativos desvarios de uma qualquer regionalização que, não atacando o poder

centralizador de Lisboa, procure o campo da ação numa eventual desmunicipalização do poder político.

O PSD, um partido responsável, espera e deseja que se conclua e aprofunde o processo de descentralização

em curso, sem perturbações das eleições autárquicas e sem nacionalismos nos programas dos futuros eleitos.

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Muito bem!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — No entanto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, algumas

questões se colocam. Não vou falar de política mas de procedimentos.

Analisados os diplomas do Bloco de Esquerda e do PCP, temos dúvidas quanto à conformidade regimental

dos mesmos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Oh!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — O Regimento e a prática parlamentar têm consolidado a leitura de

que a figura da deliberação deve ser reservada para a prática de atos internos à Assembleia e a da resolução

para produzir efeitos externos.

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Essa justificação é que não!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Calma! Oiça!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Assim, Srs. Deputados, a primeira questão que coloco prende-se

com a forma do ato escolhido pelos proponentes. Devem estes projetos revestir a forma de resolução, como

proposto pelos proponentes? Não comportam estes projetos decisões que visam produzir efeitos internos na

Assembleia da República e, por isso, não deveriam assumir a forma de deliberação?

Por outro lado, todos sabemos que os projetos em questão se inserem nas competências da Assembleia da

República e incidem em matéria sobre a qual a Assembleia pode legislar.

Assim sendo, pergunto: não era mais razoável e eficaz que o Bloco de Esquerda, em vez de ter apresentado

um projeto de resolução, tivesse apresentado um projeto de lei com a mesma finalidade?

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Não!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Em relação às leis arbitrárias sobre a mesma temática, pergunto:

onde estão os Srs. Deputados? Não estaremos aqui a discutir o sexo dos anjos e fora de tempo?!

Aplausos do PSD.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Já vimos que vai votar contra!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Maria Cardoso.

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados Filipe Pacheco e Jorge Mendes,

agradeço as questões que colocaram.

Começo por responder ao Sr. Deputado Filipe Pacheco, do Partido Socialista. O Sr. Deputado perguntou se

o Bloco de Esquerda desconhece que há um processo de descentralização em curso, mas eu respondo-lhe o

seguinte: não somos nós a dizê-lo, porque conhecemos bem, são precisamente os autarcas que dizem que esse

processo tem sido uma trapalhada.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Relembro-o, inclusive, do que já foi notório para muitos autarcas e muitos

presidentes de câmara em relação à obrigatoriedade de assumir funções e competências para as quais não

estavam minimamente preparados.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Só os autarcas do Bloco de Esquerda é que dizem isso!

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Neste processo, há um risco tremendo e cada vez mais evidente de

externalização de serviços, abrindo a porta à privatização de um conjunto de serviços para os quais as

autarquias não estão minimamente preparadas para desempenhar, nem a nível de recursos humanos, nem a

nível de recursos técnicos e muito menos têm dimensão populacional para o fazer.

Esquecem-se que 85% dos municípios tem menos de 50 000 residentes. Portanto, esta escala é demasiado

pequena para a atribuição deste conjunto de competências.

Protestos do Deputado do PS Luís Moreira Testa.

Além disso, há uma outra questão muito importante: não foi propriamente o argumento político, e muito

menos o partidário, que esteve em causa; o que esteve em causa foi o facto de o Governo ter publicado

diplomas, sectorialmente, a conta-gotas, sobre o pacote financeiro e com uma total opacidade até ao momento.

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É um risco enorme, é um experimentalismo o que se está a fazer com as autarquias neste processo dito de

descentralização mas que não é mais do que uma municipalização. Aliás, para ser um processo de

descentralização, teria de ser criado um órgão intermédio no qual se descentralizassem os poderes e não foi

isso que aconteceu neste caso concreto, pois estão a ser atribuídas competências, sem qualquer contrapartida,

aos municípios.

Poderei dizer-lhe que há muitos municípios que devem estar, neste momento, bastante aflitos com aquilo

que vão receber, porque não sabem como vão gerir. Portanto, esse não é um processo que sirva de exemplo,

nem coincide minimamente com as opções da regionalização.

O PS diz-nos que tem sido claro quanto à regionalização e que está à espera de um tempo. Ó meus senhores,

já passaram 46 anos! Se continuarmos à espera da regionalização, porventura daqui a um século ela ainda não

aconteceu porque não estamos preparados.

O que o PS tem feito, sucessivamente, é criar um conjunto de artimanhas, trazendo a questão à mesa

enquanto ponto de discussão, mas não resolvendo absolutamente nada. Ou seja, continua tudo exatamente no

mesmo ponto e o PS vai protelando a situação, com a eleição das CCDR, com a atribuição de competências e

sem qualquer tomada de posição política.

Protestos do Deputado do PS Luís Moreira Testa.

Quando o PS nos diz que tem sido muito claro e que está contra a nossa proposta, isso para nós já era

evidente, já sabíamos que tinha essa posição, até porque está à espera dos ditames do próprio Governo sobre

esta situação.

Respondo agora ao Sr. Deputado do PSD. Primeiro, não percebo qual é a conformidade regimental que

invoca, muito sinceramente, nem percebo o que pretende dizer.

Agradeço-lhe a sua sugestão para apresentarmos um projeto de lei em vez de um de resolução, mas não

será, com certeza, essa a razão que fará com que votem a favor ou contra.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Ora essa!

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Já agora, gostaria de lhe dizer, Sr. Deputado Jorge Mendes, que é

interessante o argumento que o PSD invoca para ser contra a nossa proposta.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Calma!

O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Ou seja, é contra a nossa proposta porque ela tem uma desconformidade

regimental qualquer. É um argumento político interessante, o qual, naturalmente, registamos.

Esperamos que o PSD apresente uma proposta, para, depois, também tecermos os nossos comentários e

vermos o que tem a dizer sobre isso.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de

Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bem-vindos a mais um «minuto

liberal», hoje sobre o tema da regionalização,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — É o nosso momento zen!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — … matéria que ainda ninguém explicou em que consiste. Portanto,

mais do que dar um nome, interessa saber o que se pretende.

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Se se pretende a multiplicação de estruturas burocráticas e de tachos para os amigos, coisa de que o bloco

central tanto gosta, somos contra.

Se se pretende o efetivo poder de decisão mais perto das pessoas, somos a favor.

Se se quer mais Estado, seja central, seja local, somos contra.

Se o processo for fiscalmente neutro e não implicar aumento de impostos, somos a favor.

Se se pretende acudir à pressa ao sonho totalitário do PCP de controlar a futura região do Alentejo antes

que outras forças igualmente estatizantes a controlem, somos contra.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Já estragou tudo!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Se se quer devolver poder aos cidadãos ou, quando tal não for

possível, às autarquias, somos a favor.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Eram três a zero!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Se se pretende criar estruturas eleitas para perpetuar o domínio e

compadrio entre partidos do sistema, somos contra.

Finalmente, e isto é fundamental, se as competências descentralizadas forem acompanhadas do direito de

as regiões decidirem sobre as suas receitas e as suas despesas, concorrendo livremente entre si, somos a

favor.

Como dizia a canção popular, «ora zumba na caneca/ora na caneca zumba», tanto nos faz, desde que no

fim possamos trazer maior liberdade de decisão e maior liberdade de escolha aos portugueses.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Agora surpreendeu-me! Para liberal é mais avançado que o Mouzinho da

Silveira!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa

Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Reconhecemos que os projetos

de resolução do PCP e do Bloco de Esquerda têm o mérito de permitir que o Parlamento debata, pela primeira

vez nesta Legislatura, a regionalização em Portugal. Entendemos, no entanto, que ainda não é com o tempo

necessário.

Para o PAN, o debate sobre a criação legal e a instituição em concreto deste nível intermédio de poder, bem

como sobre as suas vantagens e desvantagens, ficou parado no tempo desde 1990.

O Sr. João Oliveira (PCP): — De acordo!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — É claro para todos que este é um debate que está por fazer na ótica

do século XXI. Para ser bem-sucedido, este não deve ser um debate feito em contrarrelógio, nem deve ser um

debate que fique fechado no Parlamento, tão-pouco nas assembleias municipais, ou, pior, não deve ser um

debate extraparlamentar à porta fechada entre PS e PSD.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Deve, sim, ser um debate retomado com tempo, de forma alargada e

envolvendo as universidades e a sociedade civil, de modo a evitar-se que a pressa e a politização excessiva do

debate façam cair a regionalização, cometendo os mesmos erros que se verificaram recentemente quanto ao

processo de descentralização ou, há mais tempo, com o processo de fusão de freguesias a régua e esquadro.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.as e Srs. Deputados, em particular Sr.as e Srs. Deputados do PCP e

do Bloco de Esquerda, como bem sabem, qualquer reforma estrutural não debatida é uma reforma mal sucedida

e não aceite pelas populações. Não devemos, por isso, querer repetir os erros cometidos pelo PS e pelo PSD

no passado — que tanto foram criticados —, permitindo, assim, que as populações percebam e debatam a

regionalização.

Simultaneamente, importa sublinhar que, contrariamente à posição do PCP nos anos de 1990 — que,

possivelmente, é a mesma que defende hoje —, em que se opôs à realização de um referendo para a instituição

das regiões administrativas por considerar que poderia defraudar a obrigação constitucional de constituir as

regiões, o PAN, como partido comprometido com a lógica de democracia participativa, não abdica da via

referendária imposta pela Constituição, uma vez que entende que esta é uma matéria em que as populações,

mais do que o direito a debater, devem ter o direito a pronunciar-se sobre a sua concordância ou não com as

soluções em concreto.

Ora, para que haja a possibilidade de os portugueses se pronunciarem em sede de referendo, é necessário

que se resolvam os dois nós górdios que constam da Constituição, algo que só sucederá por via de revisão

constitucional.

O primeiro, assinalado pela Comissão Independente para a Descentralização, que contava com um

representante do próprio Bloco de Esquerda, tem a ver com a pergunta de alcance regional. Segundo a

Comissão Independente, esta pergunta deveria ser eliminada em sede revisão constitucional já que é um convite

à rejeição da regionalização e traria um «enviesamento antidemocrático». Ou seja, há um conjunto de eleitores

com uma expressão nacional francamente minoritária que poderia impor a sua vontade à grande maioria do

eleitorado nacional.

O segundo, assinalado por alguns académicos, prende-se com a articulação daquilo que consta atualmente

na Constituição com a rejeição da regionalização em 1998. No entendimento destes académicos, para evitar

que sejam levantadas dúvidas que poderiam viciar o processo referendário à partida, é necessária uma revisão

constitucional que clarifique os termos do referendo de âmbito nacional, nomeadamente o número de votantes

necessário e a maioria de votos necessária para que se efetive a regionalização.

Sr.as e Srs. Deputados, o PAN assume aqui o compromisso de consagrar estes esclarecimentos necessários

no projeto de revisão constitucional que apresentará nesta Legislatura.

Entendemos que, com esta revisão constitucional e com um debate com tempo, realizado de forma alargada

e aprofundada, estaremos então em condições de avançar para o referendo sobre a regionalização.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Um ano e meio!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Por isso, o PAN abster-se-á relativamente ao projeto do PCP e ao

ponto 2 do projeto do Bloco de Esquerda e votará a favor do ponto 1 do projeto do Bloco de Esquerda, porque

entendemos que permite que se abra na sociedade civil o necessário debate que se impõe sobre a

regionalização.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Carneiro.

O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Conhecemos bem o valor

inestimável da democracia local e temos provas dadas na consagração, na valorização e no aprofundamento

das autonomias regionais.

Defender as regiões é também defender o projeto europeu de paz, de desenvolvimento e de coesão regional.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Muito bem!

O Sr. José Luís Carneiro (PS): — O PS esteve, está e estará sempre preparado para a democracia.

Temos como essenciais os poderes locais e regionais, na valorização das pessoas e dos seus recursos

culturais, sociais, económicos e ambientais, e sabemos da sua importância estratégica para que o

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desenvolvimento económico e social se faça na valorização dos territórios, com equilíbrio e com uma justa

repartição de recursos.

Nas suas memórias relativas ao processo preparatório da União Económica e Monetária, Jacques Delors

afirmou, e cito: «As diferentes nações e regiões não dispõem todas das mesmas armas, face à perspetiva de

uma competição acrescida. Algumas estão atrasadas, outras registam dificuldades estruturais e o mercado livre

apela à solidariedade. Algo que tentei resumir na seguinte fórmula: competição que estimula, cooperação que

reforça, solidariedade que une. Foi assim que encontrámos uma redação satisfatória, fazendo constar nos

tratados um fundamento de tipo novo, coesão económica e social».

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, a promoção do desenvolvimento regional e a coesão social, económica e

territorial têm estado intimamente relacionadas desde a década de 80, quer nas políticas comunitárias, quer nas

políticas do nosso País.

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados, a construção da democracia portuguesa e europeia está intimamente ligada à

democracia local e à democracia regional.

Ora, é por entendermos a organização do poder político-administrativo como um instrumento ao serviço de

uma visão do desenvolvimento do País que reassumimos o nosso compromisso com o objetivo da

regionalização.

Aplausos do PS.

Sabemos, contudo, de experiência feita, que o caminho seguro a percorrer é, neste momento, o da

consolidação do processo de descentralização em curso e do reforço da legitimidade democrática das

Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional.

Aplausos do PS.

O esforço de descentralização nas áreas da educação, da saúde e da cultura, e noutras áreas, em curso por

todo o País ilustra o ímpeto reformista do Governo e é a prova da inequívoca vontade de colocar o poder ao

serviço das pessoas e das suas instituições locais. E, não esqueçamos, esse gesto de confiança nas

comunidades locais está alicerçado nos compromissos do cumprimento da Lei das Finanças Locais e no reforço

dos meios humanos e financeiros das freguesias, como assumido pelo Primeiro-Ministro do País no Congresso

da ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses) e da ANAFRE (Associação Nacional de

Freguesias).

Sr.as e Srs. Deputados, não queiram aqueles que, permanentemente, culpam o centralismo pelos atrasos e

pelos bloqueios ao desenvolvimento encontrar agora subterfúgios para se eximirem às suas responsabilidades

políticas.

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados, importa lembrar que desde o dia 12 de dezembro de 1976 o Partido Socialista se

afirmou como grande partido do poder local democrático, tendo logrado vencer as primeiras eleições

democráticas, com mais de 1,377 milhões de votos. O PPD/PSD obteve nessa eleição mais de 1,14 milhões,

seguido da Frente Eleitoral Povo Unido, com mais de 781 000 votos, e do CDS, com mais de 693 000 votos.

Houve depois várias outras formações políticas cujas votações andaram na ordem e abaixo dos 100 000 votos.

Somos a prova viva do valor do escrutínio eleitoral e da vida em democracia.

Refiro estes números para sublinhar que todas as forças democráticas que fundaram o poder constituinte e

que ajudaram a construir, a desenvolver e a consolidar o poder local e as autonomias regionais dos Açores e

da Madeira conhecem bem os efeitos desse poder na valorização e na melhoria das condições de vida das

nossas comunidades locais e regionais: nas acessibilidades, na mobilidade e nos transportes, nas

infraestruturas de eletricidade e de comunicação, nas infraestruturas de água e de saneamento, na construção

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e manutenção das escolas, do pré-escolar, do básico e do secundário, nos cuidados de saúde primários, na

salubridade pública; na proteção civil e no socorro às populações, na construção e na manutenção de

equipamentos desportivos, culturais e recreativos, na promoção do desenvolvimento económico, enfim, em

todos os domínios da nossa vida coletiva.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, aproximar o poder das pessoas significa maior qualidade na nossa vida

democrática, maior eficácia no processo de decisão e mais eficiência na afetação dos recursos públicos.

Sr.as e Srs. Deputados, a instituição das regiões administrativas tem consagração constitucional desde 1976,

tendo integrado vários programas de governo, e em 1991 foi mesmo aprovada a Lei-Quadro das Regiões

Administrativas.

Como se sabe e apesar da unanimidade na sua aprovação, esta Lei-Quadro não teve aplicação e com a

Revisão Constitucional de 1997 a criação das regiões está dependente da sua aprovação em referendo popular.

O referendo realizou-se a 8 de Novembro de 1998 e mais de 60% dos votantes respondeu «não» a ambas

as questões em apreço, à instituição em concreto das regiões administrativas e à instituição em concreto da

região administrativa da sua área de recenseamento eleitoral. E lembro que, mesmo que os cidadãos tivessem

votado maioritariamente estas duas questões, ainda assim, não seria vinculativo, na medida em que mais de

50% dos eleitores não foi votar.

Sr.as e Srs. Deputados, quer isto dizer que é preciso caminhar por terra firme. Significa, pois, que tudo

devemos fazer para garantir bons resultados na descentralização em curso, para cumprirmos a confiança de

uma ampla maioria social que dê suporte à maioria política neste Parlamento.

Sr.as e Srs. Deputados, em março conheceremos a proposta final do Governo para dar às Comissões de

Coordenação e Desenvolvimento Regional legitimidade democrática de base local. Os autarcas de freguesia,

das assembleias e câmaras municipais terão o poder de escolher os novos intérpretes do poder regional.

A par com a descentralização em curso, esta é mais uma demonstração da confiança que o Partido Socialista,

no Governo, tem nos poderes de base local e de base regional. Estamos, pois, a honrar a palavra dada a todas

e a todos os portugueses e, ao fazê-lo, afirmamos, por convicção e por responsabilidade, a honra à democracia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula

Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Carneiro, começo por lhe apresentar

os meus cumprimentos e dizer o seguinte: na intervenção que o Sr. Deputado aqui fez referiu que o Partido

Socialista assume o compromisso com o objetivo da regionalização e, há pouco, também um Deputado do

Partido Socialista referia estar de acordo com a regionalização mas que não era o momento oportuno.

Na sua intervenção, fez referência a que agora não é o tempo da regionalização mas da consolidação do

processo de transferência de competências e da legitimação democrática das CCDR, como o Governo decidiu

designar esse processo.

Pois é, Sr. Deputado, isto é exatamente tudo aquilo que é contrário ao que é preciso para dar concretização

ao processo de regionalização.

Em primeiro lugar, a regionalização é, em si, um elemento e parte integrante da descentralização, que a

nossa Constituição coloca e, ao longo destes mais de 40 anos, o Partido Socialista, nas suas diversas

intervenções, tem contribuído para o seu adiamento.

Em segundo lugar, o processo em curso de transferência de competências é tão positivo e é tão um sucesso,

como o Governo entende colocá-lo, que já está a ser posta em cima da mesa a possibilidade do adiamento da

transferência de competências na educação e na saúde para o ano 2022.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — E faz isso porquê? Porque não estão reunidas as condições para a

transferência de competências. E porquê? Porque não estamos perante um processo de descentralização mas,

sim, perante um processo de transferência de encargos para as autarquias e de um conjunto de competências

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de que governos após governos se têm desresponsabilizado, não tendo resolvido, efetivamente, os problemas

com os quais as populações se confrontam.

Mas, Sr. Deputado, podemos ainda referir o seguinte: o sucesso do processo de transferência de

competências é de tal ordem que somente 50 municípios entenderam assumir o conjunto das competências

para 2020, e na educação e na saúde só um número residual de municípios assumiu essas competências, não

sendo, portanto, a maioria.

Relativamente às CCDR, a verdade é que elas têm sido um impedimento e um obstáculo à concretização da

regionalização e aquilo que é necessário é, de facto, uma eleição direta, por parte das populações, com poderes

concretos e que, efetivamente, possam fazer esse escrutínio.

Por isso, a questão que lhe deixo é a seguinte: quando é que o Sr. Deputado acha que estão criadas as

condições para iniciar este processo de regionalização ou, dizendo de outra forma, o que receia o Partido

Socialista para que, legislatura após legislatura, nunca considere oportuno o momento e continue a adiar este

processo, que é tão fundamental para o desenvolvimento do nosso País?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Carneiro.

O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Santos, quero dar-lhe conta de que

é muito importante todos valorizarmos o caminho que está a ser desenvolvido para dar mais poder às

comunidades locais, no seu processo de escolha pública, relativamente às políticas de saúde, às políticas de

cultura, às políticas de educação e num conjunto de cerca de 20 áreas de novas competências que estamos a

transmitir às comunidades locais.

Isto porque entendemos e acreditamos que o poder próximo das comunidades locais é essencial para

construirmos um modelo de desenvolvimento mais coeso, mais justo e mais solidário.

E não queiramos, por intermédio de um discurso lateral àquilo que são conquistas essenciais de aquisição

de novos poderes e de reforço dos poderes das comunidades locais, visar aquele que é um caminho que temos

de desenvolver para alcançarmos um objetivo que exige consolidação para que possamos dar passos concretos,

seguros, para alcançarmos um objetivo político que não mereceu vencimento no referendo realizado.

Recordo à Sr.ª Deputada que, quando partimos para a consulta popular, o Partido Socialista, o Partido

Comunista Português e o PEV estiveram nesse mesmo objetivo de consulta popular às populações.

O Partido Socialista sempre esteve com o esforço de descentralização e do reforço dos poderes regionais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Penso que neste debate sobre

a regionalização seria importante que todos os partidos começassem por falar claro, e desculpar-me-ão se disser

que tenho visto muito pouco falar claro esta tarde.

Em primeiro lugar, tanto quanto consegui perceber, todos os partidos que se pronunciaram até agora são a

favor da regionalização, estão a ter aqui uma discussão sobre os métodos de regionalização e não sobre a

necessidade e o facto de quererem avançar com a regionalização. Ora, eu gostava de dizer que para o CDS

isto não é um dado adquirido, repito, a regionalização não é um dado adquirido.

Em segundo lugar, e para falar claro: a nossa Constituição é muito clara sobre a regionalização e parece que

estão todos aqui muito esquecidos do que diz o artigo 256.º da Constituição, que passo a ler para relembrarmos:

«A instituição em concreto das regiões (…)» depende «(…) do voto favorável expresso pela maioria dos

cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta direta, de alcance nacional e relativa a cada área

regional».

Portanto, Srs. Deputados do PCP e do Bloco de Esquerda, antes do passo um e do passo dois, que os

senhores querem dar, têm o passo zero, que é fazer esta pergunta aos portugueses. E têm também de parar

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de ter amnésia e lembrar-se de que já foi feita esta pergunta aos portugueses e que os portugueses disseram

«não».

Vozes do CDS-PP: — É verdade! Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — E devo dizer-vos que o debate que aqui está a ser tido nesta Câmara,

«fazendo letra morta» de tudo o que disseram esses portugueses e do «não» que esses portugueses deram à

regionalização, é um desrespeito pela vontade, então, expressa.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É verdade!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Quem estivesse, nesta tarde, a ouvir este debate, achava que até este

momento nunca tinha havido um referendo e que os portugueses nunca tinham dito «não».

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Os portugueses disseram «não» e, portanto, até haver outro referendo

e até dizerem «sim», a obrigação deste Parlamento é respeitar essa vontade que foi expressa e não andar a

tentar fazer regionalizações, sejam mais abertas sejam mais às escondidas.

Aplausos do CDS-PP.

Depois, há que respeitar os portugueses que exprimiram a sua opinião em referendo e cuja opinião foi «não».

Em segundo lugar, vamos esclarecer uma coisa em relação aos conceitos. Quanto à eleição das CCDR, de

duas, uma: ou o que o Governo quer fazer é substitutivo da regionalização e é uma espécie de regionalização

às escondidas, e, então, tenho de dizer com clareza que é inconstitucional e que não o podem fazer, ou seja,

se se trata de descentralização, se estes órgãos vão passar a ser eleitos pelas autarquias, vão deixar de fazer

parte da administração central do Estado, da administração desconcentrada do Estado, e vão passar a exercer

competências próprias, é, sim, uma forma de regionalização e tem de ser precedida de referendo, é

inconstitucional; ou estes órgãos, na realidade, vão continuar dentro da hierarquia do Estado e, então, não

percebo para que hão de ser eleitos pelas autarquias. Não se entende! De duas, uma: ou querem fazer

descentralização ou não querem.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Agora, este híbrido de órgãos do Estado central eleitos pelas

autarquias, basta olhar para as regiões de turismo para ver os enormes problemas que eles trazem.

Em segundo lugar, gostava de perceber exatamente do que é que estamos a falar. É que ouve-se muita

gente falar em regionalização, mas vamos lá ver: Portugal é um dos países mais centralizados da Europa,

precisa, sim, desesperadamente de descentralização. Mas os Srs. Deputados sabem por que é que a

descentralização não acontece? É porque os Srs. Deputados não querem fazer a discussão que é preciso fazer.

Enquanto os Srs. Deputados do PCP e do BE, que tanto clamam pela regionalização e pela descentralização,

não forem capazes de dizer, por exemplo, que serviços do Ministério da Educação terão que deixar de existir

porque as suas competências desaparecerão do Estado central e passarão para os municípios e para as

regiões,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Essa é a discussão que tem de ser feita a seguir!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … enquanto não começarem por dizê-lo, nunca vamos ter

descentralização.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Essa é a discussão que tem de ser feita a seguir, na base de projetos de lei!

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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — E foi isso que falhou clamorosamente na descentralização feita pelo

bloco central, PSD/PS, pois nunca tiveram coragem política para dizer aquilo que deixaria de existir no Estado

central. É que as competências só vão ser descentralizadas quando desaparecerem no Estado central.

Se este passo prévio não for dado, poderemos ter todas as discussões do mundo, poderemos fazer todas as

promessas de que não haverá aumento de impostos, Srs. Deputados.

O Sr. João Oliveira (PCP): — O CDS é que não quer passar à segunda fase, à fase da discussão!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Mas é óbvio que haverá quer duplicação de competências quer

aumento de impostos, pois se passa a haver dois serviços a realizarem as mesmas competências, é óbvio que

vai ser preciso ir buscar a algum sítio dinheiro para os pagar e é óbvio onde é quer vai ser. Aliás, essa parte é

bem visível.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não há nada dois serviços, é só um!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Deputado João Oliveira, o Sr. Deputado já falou, mas, se quiser

falar outra vez, eu paro e fala! Agora, os dois ao mesmo tempo é que temos alguma dificuldade!

O Sr. João Oliveira (PCP): — O aparte é regimental!

Pausa.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, acho que pode prosseguir.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, se o seu grupo parlamentar conseguir parar de falar,

sistematicamente, ao mesmo tempo que eu, posso.

Vozes do PCP: — Oh!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, eu, aqui onde estou, não tenho grupo parlamentar.

Aplausos do PS, do BE e do PCP.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — É disso que se deve lembrar.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Mas peço que os Srs. Deputados criem condições para a Sr.ª Deputada

poder concluir a sua intervenção.

Sr.ª Deputada, quero, desde já, informá-la, caso queira gerir o seu tempo em função disso, que um Sr.

Deputado já se inscreveu para pedir esclarecimentos.

Peço-lhe que, agora, conclua a sua intervenção como entender, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Deu-me, aliás, uma informação muito

útil. Gerirei o meu tempo de maneira a conseguir responder ao Sr. Deputado que se inscreveu para pedir

esclarecimentos.

Gostava de dizer só o seguinte: a Comissão Independente para a Descentralização recomenda a criação de

cinco juntas regionais, com sete elementos cada uma, 300 deputados, mais órgãos consultivos para cada região.

Estamos a falar, assim, sem mais, de 400 novos cargos políticos.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É verdade!

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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Gostava de saber se os restantes partidos, aqui, no Parlamento, estão

de acordo ou não com esta constituição.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem palavra o Sr. Deputado Pedro Sousa.

O Sr. Pedro Sousa (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, ouvi-la faz-me lembrar a

«Alegoria da Caverna», de Platão, porque, na verdade, o CDS parece que continua preso ao mundo das

sombras, não traz nada de novo ao debate e não sabemos qual o modelo alternativo para fazer aquilo que, na

moção aprovada no vosso recente Congresso, consta apenas de um parágrafo. Há apenas um parágrafo que

fala da descentralização e da desconcentração. Mas como? Aquilo que os portugueses não sabem é como.

O que lhe peço, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, é que me diga qual o modelo que o CDS defende, em vez

de colocar os interesses do partido à frente dos portugueses e de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, queria agradecer o pedido de esclarecimento ao Partido

Socialista, aliás, um pedido de esclarecimento que meteu «alegorias da caverna», Platão, enfim… O que não

percebi foi essa «alusãozinha» aos interesses do partido à frente dos interesses do País.

Vamos lá ver se a gente se entende, pois isso não tem nenhuma relação com algo que eu tivesse dito, nem,

curiosamente, nenhuma relação com nada do que o Sr. Deputado disse. Imagino que o Sr. Deputado achou que

era uma frase que ficava bem.

Vou dizer-lhe duas coisas. Em primeiro lugar, aquilo que diz essa moção é perfeitamente compatível com

aquilo que diz o programa eleitoral com que o CDS se apresentou a eleições.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — É zero! Zero!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — E é claríssimo, é claríssimo…

Protestos do PS.

Pausa.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, peço que criem condições para a Sr.ª Deputada poder

concluir.

Queira prosseguir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, não tenho qualquer problema com os apartes. Só acho

que é muito desagradável para as pessoas que estão a assistir a esta sessão em casa verem as pessoas sempre

aos gritos. E não percebem que essas pessoas estão aos gritos porque há outras pessoas a gritar à sua frente.

Os apartes dão vivacidade, mas peço que haja algum respeito.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Como dizia, o programa eleitoral do CDS é perfeitamente claro em

relação a isso. Aliás, eu escrevi uma parte dele, e é absolutamente claro.

Sim, nós somos a favor da descentralização, desde que ela não implique aumentos de custos. E desde que

ela não implique — e já que está a falar nos interesses dos partidos — mais «tachos», mais 400 novos «tachos»,

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como, aliás, a vossa Comissão Independente, que foi arranjada de uma maneira muito simpática pelo bloco

central, já vinha a prever.

Portanto, Sr. Deputado, se estamos a falar de um Estado mais ágil, em que as decisões são tomadas por

quem está mais próximo, sou absolutamente a favor. Mas façam também o favor de dizer o que é que, no Estado

central, por exemplo, no Ministério da Educação, vão passar…

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Zero! É zero! A Sr.ª Deputada não respondeu a nada!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Zero, zero, Sr. Deputado, foram os cargos que os senhores foram

capazes de extinguir no Estado central. Os senhores não são capazes de abdicar de um único emprego dos

amigos para criarem estes novos cargos nas regiões. E esse é que é o problema.

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Zero, não respondeu a nada!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — O Sr. Deputado do PS continua a gritar «zero, zero, zero!» De facto,

não fez nada, eu sei que não fez nada, mas é isso mesmo que estou a dizer.

Protestos do PS.

Portanto, Srs. Deputados, estamos absolutamente disponíveis para o debate que o Partido Socialista nunca

quis fazer e que o PCP e o Bloco de Esquerda jamais quererão fazer, que é o debate para saber não apenas

que competências passam a ser exercidas também pelos municípios mas as competências passam a ser

exercidas só pelos municípios,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … desaparecendo do Estado central e não havendo assim mais

despesa e mais impostos.

Aquilo que os senhores sabem fazer, do que, aliás, são excelentes exemplos a Câmara Municipal de Lisboa

e a Assembleia Municipal de Lisboa, é criar mais e mais cargos, mais e mais taxas e taxinhas. Ora, a esse

modelo nós dizemos, com clareza: «Não!»

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Pedro Sousa (PS): — Então, qual é?!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tinha previsto fazer esta intervenção,

mas, depois de ouvir o Partido Socialista, lembrei-me de 2009. Ora, o que é que estava a acontecer em 2009?

O Sr. Pedro Sousa (PS): — Nessa altura, estavas da cor da tua gravata!

O Sr. André Ventura (CH): — Tínhamos o Eng.º José Sócrates a chegar a Évora — a Évora, mas, na altura,

para um congresso —, onde foi apresentada uma moção designada «A Força da Mudança», em que se falava

de uma regionalização com amplo consenso nacional, fazendo apelo ao PCP e ao Bloco de Esquerda.

É curioso trazerem aqui a moção do CDS, quando vocês levaram as moções sobre regionalização para todo

o lado e, até hoje, nunca as cumpriram, de tal forma que houve um secretário-geral do PSD que até disse que

José Sócrates foi o «coveiro da regionalização».

Mas, claro, hoje, é preciso dar a mão por trás do cortinado ali àqueles três ou quatro partidos (já não se

percebe bem). Portanto, agora, o que é preciso é criar um conluio entre todos para que isso seja possível.

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Esta é a verdade da regionalização: mais juntas regionais, mais assembleias regionais… Até tenho uma

sugestão de como é que o PCP podia começar a propor o referendo aos portugueses. Fazia um mapa de custos,

que dizia o seguinte: «Vai custar-vos isto. Agora, votem a favor ou contra». E, depois, expliquem que vai haver

eleições em 2021, que é importante para a descentralização e que a Constituição, em 1976, já dizia isso.

Expliquem-lhes isso! Mas expliquem-lhes também que, num País onde não há dinheiro para a saúde, onde não

há dinheiro para a justiça, onde não há dinheiro para polícias, onde não há dinheiro para bombeiros, há dinheiro,

sim, para mais juntas regionais, para mais assembleias regionais e para mais não sei quantos «tachos» para

distribuir não se sabe bem porquê.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Aliás, há aqui uma coisa curiosa. É que a lei-quadro das regiões administrativas diz-nos ainda que as regiões

vão ter competência para aprovar novas taxas e novas tarifas. Ora, que bom exemplo para os portugueses, criar

mais regiões para termos ainda mais impostos e mais custos! É isto que propõem aos portugueses?!

Termino, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: nós não temos ambiguidades. Honestamente, «estou-me nas

tintas» para o que diga a Constituição.

Protestos do PS, do BE e do PCP.

Nós queremos mandar a Constituição, nós queremos mandar a regionalização…

Protestos do PS, do BE e do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. André Ventura (CH): — O Chega quer mandar a regionalização para o lixo da história, que é onde

sempre deveria ter estado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — O Chega resolvia isto com um tiranete qualquer!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira,

pelo PEV.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A criação das regiões

administrativas volta hoje, e bem, a debate neste Plenário.

Como é público, o Partido Ecologista «Os Verdes» sempre se manifestou favorável à criação das regiões

administrativas, no nosso País. E também é verdade que Os Verdes não se limitaram a ser favoráveis,

contribuímos ainda com propostas legislativas em concreto, no sentido de nos aproximarmos de uma realidade

que a Constituição da República Portuguesa consagra e inclui expressamente na sua Parte III, relativa à

organização do poder político, ou seja, a região administrativa.

Foi exatamente por reconhecer a importância que as regiões administrativas podem representar do ponto de

vista democrático, do ponto de vista do seu contributo para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, do ponto

de vista da resposta aos problemas das populações, nomeadamente dos problemas ambientais, do ponto de

vista do desenvolvimento regional, mas também por considerarmos que a Constituição, enquanto lei

fundamental do País, é para levar a sério, que Os Verdes se envolveram de forma tão empenhada no processo

de regionalização.

Aplausos do PEV e de Deputados do PS.

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Com esse propósito, Os Verdes apresentaram, durante a distante VII Legislatura, duas iniciativas sobre a

matéria. Uma delas propunha a criação e o processo de instituição das regiões administrativas no continente e

a outra propunha-se alterar a lei-quadro das regiões administrativas.

Mas, para além da apresentação destas iniciativas legislativas, Os Verdes participaram ativamente na

discussão, durante o processo de referendo que, se sobre esta matéria, teve lugar no nosso País, há cerca de

duas décadas. E participámos ativamente, tomando partido, tomando posição, uma posição clara e objetiva a

favor do processo de regionalização.

Hoje, mais de 40 anos depois de a nossa Constituição consagrar as regiões administrativas como parte

integrante da organização do poder político, Os Verdes continuam empenhados na defesa do processo de

regionalização.

Hoje, duas décadas depois da realização do referendo, Os Verdes consideram que é tempo de voltar ao

assunto e começar a definir o calendário e os respetivos procedimentos para se iniciar o processo de instituição

em concreto das regiões administrativas e, por isso, acompanhamos as propostas que hoje estão em discussão

e que têm como objetivo exatamente promover o impulso processual para ir ao encontro da nossa Constituição.

É verdade que, ao longo do tempo, de vez em quando, fomos assistindo, a intenções no sentido, diziam-nos,

de promover a descentralização.

Sucede, como hoje, aliás, podemos constatar, que se tratou apenas de respostas a impulsos mediáticos, a

uma espécie de remendos soltos para disfarçar o essencial. E o essencial é promover, instituir uma verdadeira

e efetiva descentralização.

Hoje, podemos perceber que esses remendos mais não visaram do que adiar o processo de regionalização

e a racionalização da administração do Estado.

Assim aconteceu com as alterações a algumas estruturas desconcentradas da administração central, como

é o caso das CCDR, que, independentemente do trabalho que desenvolvem, não substituem, de forma alguma,

as regiões administrativas.

Desde logo porque, no caso das CCDR, estamos a falar de desconcentração e o que as regiões

administrativas pretendem e promovem é a descentralização. Ou seja, uma coisa é desconcentrar, outra coisa,

bem diferente, é descentralizar. E um conceito não se confunde nem se pode misturar com o outro, porque

quando falamos de desconcentrar estamos, ainda assim, a falar de administração central e, portanto, não

estamos a falar de descentralizar.

Assim aconteceu também com a tal Comissão Independente para a Descentralização, produto de um acordo

do PS e do PSD para impor a transferência de responsabilidades para as autarquias locais sem qualquer

preocupação com a transferência de verbas necessárias às novas responsabilidades das autarquias locais.

Num caso e noutro, o que fica visível é um esforço deliberado para continuar a adiar o processo de criação

das regiões administrativas, um processo e uma reforma que potencie e aprofunde a nossa vivência

democrática, que consiga promover o desenvolvimento efetivo das regiões mais desfavorecidas do País, que

melhore a resposta aos problemas das pessoas, que favoreça o combate às assimetrias regionais e assegure

a autonomia do poder local.

É tudo isto que a criação das regiões administrativas pode potenciar e, a nosso ver, é tempo de começar a

preparar o processo para que, em 2021, as regiões administrativas sejam uma realidade no nosso País, para

que, em 2021, estejamos, nesta matéria, em sintonia com a nossa Constituição, porque a nós nos parece que

nenhum artigo, nenhum preceito da nossa constituição deve ser deitado ao lixo.

Aplausos do PEV e do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Peixoto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sobre este tema, o PSD quer deixar

aqui registadas quatro ideias-chave.

A primeira é que está totalmente aberto para discutir o tema da regionalização, sem filtros, sem preconceitos

e sem nenhum tipo de dogmas.

O PSD concorda, por isso, que se abra um debate alargado — e não entende como é que o Partido Socialista

manifesta reservas relativamente a esse debate —, que pode começar já ou daqui a pouco tempo, e que esse

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debate seja feito com a sociedade civil, com as comunidades intermunicipais, com as assembleias

metropolitanas, com as universidades, com todos aqueles que sabem desta causa e a quem esta causa importa,

nomeadamente os partidos políticos. Este não é um assunto proibido e era só o que faltava que não pudéssemos

falar nele.

A segunda ideia é que, em simultâneo com este debate, e em coerência com o que foi sugerido pela

Comissão Técnica Independente, o Parlamento, os grupos parlamentares, leiam esse relatório,…

Protestos do PCP.

… e percebam que têm lá algumas notas e indicações muito importantes para nos habilitar a todos a legislar

sobre aquilo que é básico.

Aqui, Sr. Deputado João Oliveira, não podemos dar o primeiro passo, andando 10 metros, sem andar primeiro

2, 3 ou 4 metros. Não podemos fazer isso e é o que os senhores estão a fazer. Esse é o pecado original dos

vossos projetos e das vossas ideias.

Em primeiro lugar, os portugueses, os Deputados, os partidos políticos, têm de perceber para que querem a

regionalização. Para quê? Quais são as competências e as atribuições dos órgãos regionais? Como é que vão

ser eleitos os Deputados e os órgãos regionais? Quais são as fontes de financiamento dos órgãos regionais?

O Sr. João Oliveira (PCP): — Essa é a fase seguinte!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Não é, Sr. Deputado, não é!

O Sr. João Oliveira (PCP): — É, é!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — E, depois, qual vai ser o recorte geográfico destas regiões? Quais são os

concelhos que, em concreto, vão integrar uma ou outra região?

Diz o Sr. Deputado que isto deve ser feito depois? Não deve. Foi exatamente por esse erro histórico, esse

disparate, que em 1998 o referendo à regionalização chumbou. É que os portugueses foram colocados perante

uma pergunta sem saberem nada do que estava para trás.

Aqui pode acontecer exatamente a mesma coisa. Sem que o Parlamento, sem que os senhores tenham a

coragem — como já vos propusemos e os senhores chumbaram — de desconcentrar os serviços públicos para

o interior, sem que isso, simultaneamente, acompanhe, a par, este processo de regionalização, não saímos disto

e este processo é um verdadeiro logro.

Portanto, Srs. Deputados, só depois desta reflexão alargada, séria, e é uma reflexão séria…

O Sr. João Oliveira (PCP): — É o que está proposto!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Deputado, é uma reflexão séria, a mais séria que há para quem acredita

na regionalização.

O Sr. João Oliveira (PCP): — É o que está proposto!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — E temos de respeitar quem não acredita na regionalização, porque há

argumentos bons de um lado e de outro.

O PSD não está a manifestar aqui nenhuma posição pró-regionalização ou contra a regionalização. Não está,

porque primeiro quer fazer este debate, quer ouvir, quer pensar,…

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Ainda não tiveram tempo para pensar?

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — … e só depois quer agir. Os senhores estão a fazer exatamente o contrário.

Referendo, só a seguir.

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Depois disso, Srs. Deputados — e esta é a quarta ideia e a mais importante de todas —, o PSD não

concordará com qualquer processo de regionalização que só sirva, ou sirva primordialmente, para aumentar a

despesa do Estado, para favorecer clientelismos partidários ou para distribuir alguns lugarzinhos. Se é para isso,

não contem connosco.

Mas só conseguimos saber se estamos ou não livres dessa chaga depois de nós próprios, aqui, fazermos as

leis que temos de fazer para habilitar os portugueses a decidir.

Se não fizermos isto, Srs. Deputados, estamos a querer começar a casa pelo telhado, que é aquilo que os

senhores estão a fazer.

Os vossos projetos são bondosos no sentido de introduzirem, uma vez mais, o debate sobre a questão da

regionalização, mas morrem logo com a questão do calendário.

É curioso, Sr. Deputado João Oliveira, que o PCP escolha cirurgicamente a data da decisão do referendo

para coincidir com a data das eleições autárquicas.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Decisão do referendo?!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Os senhores são táticos, estão a ser táticos…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Decisão do referendo?!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Da decisão das assembleias municipais com o referendo. E, por isso…

Protestos do PCP.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Por alguma razão os senhores estão a fazer coincidir isto com as eleições

autárquicas, porque estão a pensar nos votos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Ora essa?! São eleições autárquicas!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — É legítimo, mas é um ponto de partida errado: ou estamos desprendidos

destas táticas ou só pensamos na regionalização porque temos aquela ideia — como eu tenho — …

O Sr. João Oliveira (PCP): — São eleições autárquicas!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Deputado, sabe uma coisa? Não estou seguro de qual é o melhor modelo

organizativo e administrativo do País, mas estou seguro de uma coisa: em 46 anos de democracia, apenas dois

patamares decisórios não serviram Portugal. Estamos na cauda da Europa e o que sabemos é que há outros

países, que apostam na descentralização, na desconcentração e na regionalização, que estão mais avançados

do que nós.

Contem connosco para pensarmos primeiro e agirmos depois. Nunca queremos construir a casa pelo telhado

porque ela cai na hora seguinte.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João

Azevedo.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Azevedo (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, caro Deputado Carlos Peixoto, quero

dizer-lhe que não há reserva nenhuma sobre este caminho.

O caminho está a ser bem feito e quem conhece o território percebe que as pessoas, até mais do que todos

nós, querem proximidade, querem decisão, querem competências, responsabilidade, mas também querem mais

dinheiro para ser investido. E quanto ao dinheiro para ser investido, este Governo está a cumprir, neste

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momento, quase no limite o que é a obrigação da lei das finanças locais. Houve um aumento de quase 300

milhões de euros para serem aplicados nas autarquias e os autarcas têm de definir prioridades.

Mais do que isso, temos programas regionais, temáticos e nacionais para serem aplicados,…

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — João, isto é a regionalização!

O Sr. João Azevedo (PS): — Como dizia, temos programas regionais, temáticos e nacionais para serem

aplicados junto das populações.

São as pessoas que querem isso, não somos nós. E quem conhece o território percebe bem que hoje este

caminho é muito mais consolidado do que aquele que foi feito no tempo passado.

Aplausos do PS.

Deixe-me dizer-lhe uma coisa: o caminho está a ser consolidado nos patamares das freguesias, das câmaras

municipais, das assembleias municipais, das comunidades intermunicipais, das associações de

desenvolvimento local, das CCDR, das direções regionais, das direções gerais, das áreas metropolitanas. Esse

trabalho está a ser consolidado há vários anos e certamente vai dar o fruto da regionalização.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — João, contra ou a favor!?

O Sr. João Azevedo (PS): — Mas, já agora, gostaria de perceber qual a posição do PSD sobre esta matéria

em concreto.

O Presidente do seu partido, o Dr. Rui Rio, manifestou-se publicamente como sendo defensor da

regionalização, e presumo que o Sr. Deputado também o acompanhe.

Entretanto, seria importante perceber qual o posicionamento desse partido face ao processo concreto de

implementação dessas eleições das CCDR e perceber se V. Ex.ª também acompanha o PS no sentido de

entender que a eleição das CCDR permitirá dar um passo importante na consolidação de argumentos para a

regionalização, designadamente pela aproximação da tomada de decisão dos eleitores, através do escrutínio

mais democrático, que permitirá, na nossa ótica, desmontar o argumento daqueles que defendem que a

regionalização poderá aumentar o despesismo público.

Está aqui a resposta ao pedido de esclarecimento que oportunamente me colocou, no meio da nossa

discussão.

Queria dizer-lhe que o Partido Socialista tem a noção clara daquilo que está a fazer, daquilo que está a

comprometer com os serviços descentralizados do Estado para que, no fim, consigamos ter uma regionalização

que sirva as pessoas e Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Carlos Peixoto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Azevedo, sabe que conheço o território

tão bem como o senhor, uma vez que vivemos em concelhos vizinhos, o senhor foi autarca num e eu fui autarca

noutro. Portanto, essas lições de superioridade moral guarde-as para a nossa região e não as traga para aqui.

Perguntou qual é a posição do PSD sobre a eleição direta dos presidentes e dos órgãos das CCDR. Sr.

Deputado, acho que era importante perguntar antes ao Sr. Primeiro-Ministro porque é que pôs no programa

eleitoral da Legislatura passada a eleição direta das áreas metropolitanas e, a seguir, meteu esse seu anúncio,

essa sua reforma, no bolso. São coisas à Partido Socialista anunciar nos programas eleitorais e depois não

cumprir durante o mandato! Já estamos habituados.

Portanto, não me fale de anúncios. Traga lá o projeto…

O Sr. João Azevedo (PS): — Está a chegar!

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O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — … e depois nós discutimos esse projeto. Não vale a pena falarmos de coisas

esotéricas.

O Sr. João Azevedo (PS): — Está a chegar!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Venha lá ele! Se chegar como chegaram os outros, vamos esperar mais

quatro anos, porque os senhores, geralmente, prometem e depois não cumprem.

Portanto, neste momento, isso é um não-assunto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Joacine

Katar Moreira.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Irei votar favoravelmente

as iniciativas legislativas para a regionalização e para a criação de regiões administrativas.

Andarmos sucessivamente a adiar isto é andarmos sucessivamente a adiar uma política mais

descentralizadora, mais igualitária, é andarmos sucessivamente a adiar a redução das assimetrias sociais e

territoriais. Numa época em que há uma euforia do ambiente, é, igualmente, andarmos a adiar um combate mais

efetivo às alterações climáticas.

A hora da regionalização não era ontem, nem é amanhã; a hora da regionalização é hoje!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Vasconcelos, para uma intervenção.

O Sr. João Vasconcelos (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Passados cerca de 46 anos desde

a Revolução de Abril, continua Portugal a ser um dos países mais centralistas da Europa, do ponto de vista

político e administrativo. É preciso dizer-se que o poder central consome cerca de 90% dos recursos financeiros

do Estado, o que faz letra morta do tão propalado princípio da subsidiariedade.

Como todos sabemos, desde 1976 que a Constituição da República preconiza o princípio da subsidiariedade,

logo, também, o princípio da descentralização de competências. Para onde? Para órgãos eleitos

democraticamente pelos cidadãos: freguesias, municípios e regiões. Naturalmente, o processo encetado pelo

Governo anterior para a descentralização de competências para as freguesias e os municípios esqueceu

deliberadamente a questão da regionalização.

Porém, uma descentralização efetiva, uma descentralização verdadeira só se consumará com a

regionalização.

Vários partidos têm tomado várias iniciativas ao longo dos tempos para obstaculizar aquilo que diz a nossa

Constituição da República. Todos sabemos que há partidos que são contra a Constituição. O próprio CDS votou

contra a Constituição! O Sr. Deputado André Ventura, do Chega, disse, há pouco: «Estou-me nas tintas para o

que diz a Constituição!». Se calhar, também estará nas tintas para o que é a democracia, para o que foi o 25 de

Abril. No entanto, a razão por que está aqui sentado deve-se à Constituição da República, ao 25 de Abril e à

democracia!

Vozes do BE: — É verdade!

O Sr. João Vasconcelos (BE): — Sr.as e Srs. Deputados, é necessário dar um passo mais além.

É por isso que a Comissão Independente para a Descentralização avançou com uma proposta interessante

para a criação de regiões administrativas. Também é sabido que, ainda há pouco tempo, na Associação Nacional

de Municípios Portugueses, o ponto forte da discussão dos autarcas foi o tema da regionalização. Ainda no ano

passado, num inquérito do ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa), 77% dos autarcas de vários quadrantes

políticos eram a favor do processo de regionalização.

Aquilo que o Governo anterior fez, e o atual continua, foi meter a cabeça na areia como a avestruz, juntamente

com o PSD, e negociaram um acordo para a descentralização, um acordo para os fundos comunitários,

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inclusivamente, e esqueceram deliberadamente o processo de regionalização. Vejo, enfim, com agrado que o

PSD, aparentemente, deseja discutir a regionalização e avançar para este processo.

O nosso projeto de resolução aponta, efetivamente, para que se inicie o debate, um debate concreto, que se

possa consumar em 2021 com esse processo, com esse desiderato, que é importante.

Já agora, quem tem medo da regionalização? Por que é que, ao longo dos tempos, se introduziu um conjunto

de obstáculos, como a questão do referendo, para impedir a regionalização?

Protestos do CH.

É necessário dizer que a regionalização confere mais democracia, mais poder de decisão aos cidadãos,

aproxima os cidadãos do poder de forma mais reivindicativa. Por isso, é necessário avançar com este processo,

um processo que consuma, enfim, aquilo que está plasmado na nossa Constituição.

O processo efetivo de descentralização só estará integralmente consumado desde que respeite aqueles três

patamares: descentralização para as freguesias, para os municípios e para as regiões, neste caso regiões

administrativas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José

Cancela Moura, do PSD.

O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD acompanha as iniciativas do

PCP e do Bloco de Esquerda apenas e só na necessidade de desencadear um debate público alargado sobre

a organização subnacional do Estado.

No entanto, as propostas quer do PCP, quer do Bloco, têm uma opinião seletiva sobre as conclusões do

relatório final da Comissão Independente para a Descentralização, citando, apenas, por conveniência e

parcelarmente, o que importa verdadeiramente à motivação das suas posições.

Na verdade, a recomendação de uma revisão constitucional para aferir sobre a eliminação da segunda

pergunta, de alcance regional, não é artificiosa e comporta, de facto, um risco real.

Efetivamente, o próprio relatório conclui sobre o risco e as consequências da manutenção daquela pergunta.

Passo a citar: «Com efeito, se existir um resultado em que o ‘sim’ perca à tangente apenas numa só região e

ganhe esmagadoramente em todas as outras regiões, então vencerá necessariamente o ‘não’. Isto porque se

gerou um processo tal que se o ‘não’ ganhar numa só região, ainda que apenas por um voto, a simultaneidade

obriga a rejeitar o avanço para a regionalização, sem agravo nem apelo, considerando-se derrotada a

avassaladora maioria nacional que votou «sim.»

Ou o referendo de 1998 nos serve de lição e aprendemos com os erros de então, ou é garantido que um

novo referendo poderá comprometer definitivamente a regionalização.

Segundo a base técnica daquele relatório final, antes de haver referendo, é ainda necessário, e por esta

ordem, ponderar a eventual alteração do artigo 256.º da Constituição; aprovar uma lei-quadro das regiões

administrativas; a lei da divisão regional do continente, com o respetivo mapa, lista dos municípios incluídos em

cada região e indicação da própria sede; a lei eleitoral e, finalmente, a lei das finanças regionais.

Parece, pois, não obstante a bondade das propostas e das premissas do Bloco e do PCP, que os calendários

dos projetos de resolução que nos são presentes não são compatíveis com este desiderato. É quase como

começar do fim para o princípio!

Mas a nossa dúvida maior neste caminho radica no Governo e no Partido Socialista, que, em matéria de

reformas, não passa da intenção.

Em abril de 2018, após dois anos de indefinição e de impasse no processo de descentralização, o PSD, em

nome do interesse nacional, subscreveu uma declaração conjunta com o Governo que versava duas temáticas,

indissociáveis uma da outra: a transferência de competências para as autarquias e a reforma da organização

subnacional do Estado.

Sobre a primeira, o Governo fez o pleno e falhou em tudo: falhou o prazo para legislar os diplomas setoriais,

em mais de 15 meses; falhou o gradualismo, porque a possibilidade de aceitar e de rejeitar competências em

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2019 e em 2020 deixou de ter efeito útil; falhou a definição dos envelopes financeiros para o exercício de novas

competências e a dotação orçamental do Fundo de Financiamento da Descentralização, que não foram inscritas

nos Orçamentos de 2019 e de 2020; falhou, em milhões, o cumprimento da Lei das Finanças Locais.

Se o Governo e o PS reiteradamente incumpriram em toda a linha a primeira parte do acordo, que garantias

pode ter o País de que cumpra a segunda?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passados mais de 40 anos desde a

aprovação da nossa Constituição, que coloca como objetivo a criação das regiões administrativas, e passados

mais de 20 anos desde a realização do referendo, creio que há duas conclusões que se podem tirar e que estão

interligadas.

A primeira é a de que o modelo de organização centralista que, neste momento, persiste no nosso País não

é aquele que serve o País, não é aquele que serve as populações, não é aquele que permite o desenvolvimento

regional e a eliminação das assimetrias.

Consequentemente, a partir daqui, a segunda conclusão que podemos tirar é a de que, efetivamente, a

regionalização e a criação das regiões administrativas são fundamentais como instrumento de desenvolvimento

regional, de reforço e de aprofundamento do nosso regime democrático, de promoção e de incentivo da

participação popular para dar mais poder às populações na definição das opções para os seus territórios, para

dar mais coerência à organização do Estado. Isto permite não só uma verdadeira articulação entre as

administrações central, regional e local, no sentido de melhorar os serviços públicos, de serem mais eficientes

e terem mais qualidade, mas também, por esta via, uma otimização dos recursos públicos, possibilitando

decisões mais céleres com o poder regional, não estando subjugadas ou sob a tutela da administração central

e dos respetivos ministros — como estão hoje, por exemplo, as comissões de coordenação e desenvolvimento

regional —, e ainda o reforço da autonomia do poder local.

Foi com estes pressupostos que o PCP trouxe a debate esta nossa proposta. O que revela o processo de

transferência de competências em curso é, de facto, uma ausência, e a ausência é a regionalização, a ausência

é a criação das regiões administrativas, porque há um conjunto de competências que, efetivamente, não estão

bem na administração central, mas isso não significa que elas estejam bem na administração local.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Aquilo que faz falta é, de facto, um poder regional para dar esta coerência.

As CCDR, desde a sua criação em 1979, foram sempre utilizadas como argumento de que esse é que iria

ser o passo para a regionalização, mas, 40 anos depois, continuam a ser é o obstáculo para a sua concretização.

Contrariamente ao partido do Chega, para o qual os direitos, os serviços públicos, o regime democrático, a

Constituição, podem ir todos para o caixote do lixo, como foi afirmado aqui, temos uma visão completamente

diferente e continuaremos a combater todas as perspetivas antidemocráticas que surjam.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

Protestos do CH.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — A questão que se coloca relativamente a este debate é, de facto, a de dar

mais poder às populações — não temos qualquer receio relativamente a esta matéria —, maior proximidade,

mais qualidade na prestação de serviço público e, também, mais eficiência na organização administrativa do

Estado, incluindo a gestão dos recursos públicos, como são os financeiros e os humanos.

A questão que se coloca neste debate é esta: não se perca a oportunidade que foi hoje criada por este

agendamento do PCP para se dar este passo importante para a concretização das regiões administrativas.

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Se, hoje, tivéssemos trazido a debate a lei-quadro, a lei de financiamento, o modelo eleitoral, os Srs.

Deputados diriam que o mesmo tinha sido antecipado, que não tinha havido a necessária reflexão e

encontrariam, a partir daí, um conjunto de pretextos para não se avançar.

Tomámos outra opção. Que, amanhã, na votação, se tome a decisão de avançar e vamos discutir quais são,

de facto, as competências, como vão ser criadas as regiões administrativas, qual vai ser o modelo eleitoral e de

financiamento.

Protestos do CH.

Que haja, de facto, esse debate público, como foi proposto, mas que não se utilize isso como pretexto para

não se avançar para algo que é perfeitamente fundamental para o nosso País. Que não se perca esta

oportunidade de, efetivamente, se poder dar um passo fundamental para a criação da regionalização e, mais do

que isso, um passo fundamental para responder aos problemas concretos da população, um passo fundamental

para o desenvolvimento regional e para o investimento público.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — São estes os temas que estão colocados em cima da mesa e é esta a

responsabilidade que os vários partidos terão amanhã, no momento da votação: se, de facto, vamos procurar

encontrar, de uma forma séria e construtiva, os consensos para avançar, ou se vamos continuar com pretextos

para que continue a ser adiada a criação das regiões administrativas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Concluímos, assim, a discussão dos projetos de resolução n.os 148 e

220/XIV/1.ª. A votação será feita amanhã, no período regimental de votações.

Vamos passar ao terceiro ponto da ordem de trabalhos, que consiste na apreciação do Projeto de Resolução

n.º 18/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que, quando ultrapassado o tempo máximo de resposta

garantido para primeira consulta de especialidade no Serviço Nacional de Saúde, assegure aos utentes a

liberdade de aceder a essa consulta em qualquer outro hospital à sua escolha seja do setor público, privado ou

social.

Para proceder à apresentação deste projeto de resolução, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Imaginem, por um segundo, que

vivem na Guarda e que o vosso médico de família vos referenciou para uma primeira consulta de especialidade

de cardiologia no Hospital Sousa Martins.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Bem falado!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Já vai ver, Sr. Deputado! Já vai ver!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Eu bem sei!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Por lei, o tempo máximo de resposta garantido é de 150 dias, mas o

tempo real de espera é de 1814 dias, ou seja, 4 anos e 11 meses! Se os Srs. Deputados não tiverem ADSE

(Instituto de Proteção e Assistência na Doença), se não tiverem seguro de saúde, se não tiverem capacidade

de pagar a consulta no privado, não lhes resta mais nada senão esperar 4 anos e 11 meses, com tudo o que

isso pode implicar em termos de deterioração da vossa condição de saúde.

O mesmo se passará em Faro, onde, se precisarem de uma primeira consulta de ortopedia, o tempo máximo

de resposta garantido é de 150 dias, mas a espera é de 1309 dias, ou em Leiria, onde, para uma consulta de

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neurologia, a espera é de 899 dias, ou em Coimbra, onde, por uma consulta de otorrino, a espera é de 1 ano e

8 meses, ou no Hospital de São João, no Porto, onde a espera por uma consulta de pneumologia é de 1 ano e

9 meses.

E, Sr.as e Srs. Deputados, poderia continuar com muitos e muitos mais exemplos que mostram que o SNS

(Serviço Nacional de Saúde) não está a cumprir os tempos máximos de resposta, a que ele mesmo se impõe,

e que concretizam o direito à prestação de cuidados de saúde em tempo clinicamente aceitável para a condição

do doente. E, como os tempos clinicamente aceitáveis não são cumpridos, aumenta a probabilidade de as

situações iniciais de saúde se deteriorarem, de existirem comorbilidades, de haver sofrimento desnecessário.

Para o CDS, a resposta é simples. Quando somos perguntados sobre o que queremos oferecer como solução

a quem precisa de uma primeira consulta de especialidade, só há duas vias: ou uma consulta a tempo e horas

onde ela exista, independentemente da propriedade do hospital; ou uma consulta apenas no SNS, mesmo que

os doentes tenham de esperar mais, tenham de esperar até quatro anos, para salvaguardar não o doente mas

a pureza ideológica da opção política que, de resto, não foi o doente que fez mas, sim, os Srs. Deputados que

o obrigaram a fazer.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Ora bem! Já que falam tanto em liberdade!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Para nós, a resposta é óbvia: o que interessa é garantir a todos, a

qualquer pessoa, a consulta a tempo e horas.

Propomos, por isso, que, sempre que o tempo máximo de resposta garantido seja ultrapassado, o doente

possa ter a liberdade de escolher aceder a essa consulta no hospital público, privado ou social. No fundo, apenas

transpor o mesmo mecanismo que já é praticado hoje em dia comummente para as cirurgias com a designação

SIGIC (Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia) e as vantagens são óbvias: primeira e a maior

de todas, realizar a consulta em tempo clinicamente aceitável; segunda, proteger e preservar diagnósticos

precoces, mitigando efeitos agravados da situação inicial de doença; e, claro, reduzir as listas de espera,

aliviando o SNS e aliviando também os seus recursos com ganhos evidentes de saúde pública.

Se este sistema, que todos aceitamos para as cirurgias, for alargado às consultas — e parece-me não haver

razão, com este precedente, para que assim não seja e são mais de 700 000 os portugueses que aguardam a

primeira consulta de especialidade — e sabendo que, por exemplo, em janeiro deste ano, no Centro Hospitalar

de Lisboa Central, havia 60 000 casos, desta forma, teríamos capacidade de dar resposta já a estes casos e

teríamos capacidade de aliviar a sua situação de saúde.

Sr.as e Srs. Deputados, é simples e está nas vossas mãos resolver a situação destes 700 000 portugueses

amanhã, votando favoravelmente o projeto de lei do CDS.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Eles tardam mas não falham. Depois

de andarem anos a cortar no investimento no Serviço Nacional de Saúde; depois de gritarem até à exaustão

que o que era preciso era um Estado mais magro, com menos trabalhadores, sabendo que isso iria afetar todos

os setores, incluindo o Serviço Nacional de Saúde; depois de terem feito o que podiam para denegrir os

trabalhadores do Estado, incluindo os do Serviço Nacional de Saúde, e de lhes degradarem as condições de

trabalho e os rendimentos; depois de encerrarem centros de saúde, hospitais, serviços em algumas unidades,

concentrando serviços até que se tornassem ingovernáveis, agora gritam que o Serviço Nacional de Saúde está

ingovernável, criticam a falta de funcionários, acusam o pouco investimento nos meios, apontam o dedo aos que

deixam as pessoas sem consultas, tudo isto numa aliança, como poucas vezes se viu, que envolve os setores

da direita mais reacionária neste Parlamento e fora dele, mas também instituições cujo objetivo deveria ser o de

defender e não apoucar o SNS para assim defenderem os profissionais seus associados, procurando criar a

ideia de que tudo está mal, de que somos o pior dos países no que ao direito à saúde diz respeito.

E, agora, depois de terem entregado as grandes unidades à gula dos interesses privados, acompanhados,

de resto, pelo PS, que, ainda nesta semana, renovou o seu amor pela gestão privada, abrindo de novo concurso

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para a PPP do hospital de Cascais, chegaram a um novo patamar, querendo privatizar as consultas de

especialidade. Querem abrir a porta, sabem bem o valor dos passos que se podem dar quando se abre uma

frecha e é por isso que votaram contra a proposta que visa o fim das taxas moderadoras, não vão os mais pobres

não ter de pagar nada amanhã por este direito.

Nós sabemos as dificuldades do SNS, nós conhecemos os problemas e trazemo-los aqui muitas vezes,

sabemos quem são os responsáveis por estas dificuldades — PS, PSD e CDS —, mas também sabemos duas

coisas, Srs. Deputados: primeira, que o SNS é uma das mais importantes e profícuas construções do Portugal

de Abril, que as bancadas à direita não podem suportar, e que é, ainda, hoje, um dos melhores do mundo,

garantindo os mesmos direitos a toda a população portuguesa; segunda, que os problemas que existem no SNS

não se resolvem tirando do Orçamento do Estado para dar aos grupos privados de saúde. Os problemas

resolvem-se contratando mais médicos, mais enfermeiros, mais técnicos, mais auxiliares para o Serviço

Nacional de Saúde.

Este, sim, é o caminho!

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Presidente, Eduardo Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Marques, do Grupo

Parlamentar do PS.

O Sr. Paulo Marques (PS): — Sr. Presidente, Caro Deputados e Caras Deputadas: Quero começar por

felicitar o CDS por trazer a esta Câmara este assunto, dado que ele ajuda-nos a perceber melhor o que

pretendemos para o SNS e para quem o queremos e, uma vez mais, o CDS trouxe-nos aqui uma solução que

parece simples, fácil e barata, mas não é.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Não?! Então, esperem quatro anos!

O Sr. Paulo Marques (PS): — Queria aproveitar esta oportunidade para enaltecer o exercício de

transparência do Governo que, na anterior Legislatura, decidiu estabelecer, em portaria, a definição dos

chamados «tempos máximos de resposta garantidos» com o objetivo de estabelecer padrões de qualidade a

atingir no SNS. É assim que vemos o surgimento desta medida.

Eventualmente, seria tudo mais fácil se esse exercício de planeamento, que visa alcançar padrões de

qualidade no SNS, não existisse ou estivesse mesmo escondido.

Mas o caminho que o Governo tem realizado no SNS não se tem prestado a equívocos. O objetivo do PS é

o de tornar o Serviço Nacional de Saúde mais capaz, mais robusto, mais inovador e que seja um motor

verdadeiro de desenvolvimento na promoção da prestação de cuidados de saúde aos portugueses.

Como foi dito na última campanha eleitoral, o PS tem na saúde o seu principal compromisso com os

portugueses para esta Legislatura.

Vejamos o que temos hoje no SNS: temos mais utentes no sistema; temos mais consultas e cirurgias

realizadas; temos mais profissionais de saúde; temos mais portugueses com médico de família atribuído; e,

ainda no último Orçamento do Estado, aprovado há dias, temos a maior dotação orçamental inicial de sempre

no Serviço Nacional de Saúde.

Pretendemos que o SNS possa, a cada dia que passa, melhorar a sua capacidade de resposta. Temos, hoje,

novos desafios que não existiam anteriormente e é com eles que o SNS tem de se debater.

A saber: temos, hoje, uma população mais envelhecida; estamos a introduzir novas especialidades médicas

no Serviço; temos equipamentos de diagnóstico que precisamos de substituir; temos instalações a necessitar

de renovação; e ainda, em alguns casos, temos mesmo de fazer novos equipamentos de saúde.

Sinceramente, não entendemos que esta vossa proposta possa acrescentar alguma melhoria significativa

para os utentes do Serviço Nacional de Saúde.

O objetivo do SNS é poder acompanhar ao longo da vida, digo, ao longo da vida,…

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A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — É mesmo ao longo da vida!

O Sr. Paulo Marques (PS): — … os utentes e é nisso que temos de concentrar os nossos esforços.

Porém, se para isso tivermos de, pontualmente, recorrer a serviços fora do SNS, como hoje já se faz com as

cirurgias, como bem disse a Sr.ª Deputada, fá-lo-emos sem complexos ou preconceitos político-ideológicos.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Então, vai aprovar o nosso projeto!

O Sr. Paulo Marques (PS): — Em Portugal, vivemos, felizmente, numa economia de mercado onde

coexistem a oferta pública, privada e social. É assim! E assim continuará a ser.

Fazendo uma consulta, que é uma coisa que a Sr.ª Deputada não deve ter feito,…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Tenha cuidado! Não faça essas afirmações!

O Sr. Paulo Marques (PS): — … ao Relatório de Acesso a Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do

SNS e Entidades Convencionadas, poderá verificar-se que tem havido uma percentagem de cumprimento dos

tempos de resposta garantida na ordem dos 70% na área da primeira consulta.

Sim, bem sabemos que temos aqui um longo caminho a percorrer, porque ainda nos falta atingir 30% para a

situação ideal. Agora, o que não queremos é empurrar os utentes do SNS para fora do sistema, para acesso a

consultas de especialidade e acompanhamento a doenças crónicas. Não! Não queremos isso!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Pois não! Queremos uma consulta!

O Sr. Paulo Marques (PS): — Não vemos nisso nenhuma melhoria para os utentes a médio e a longo prazos.

Essas questões não se resolvem com uma ida pontual a uma consulta de especialidade, mas, sim, com um

acompanhamento especializado e permanente. Aliás, o enunciado do projeto de resolução, apresentado pelo

CDS, contém em si mesmo uma profunda desigualdade territorial, plenamente vertida nos exemplos que

enunciaram no vosso projeto.

O que desejamos é que exista o mesmo nível de disponibilidade de serviço no SNS, independentemente do

local de Portugal onde nos encontremos.

Estamos disponíveis, como sempre, para continuar a melhorar o SNS com mais recursos humanos, já

prometidos e planeados para entrar ao longo da Legislatura, e com novos equipamentos de saúde.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir. Já ultrapassou largamente o tempo de que dispunha.

O Sr. Paulo Marques (PS): — Vou já terminar, Sr. Presidente.

Em síntese, estamos disponíveis para ter mais e melhor SNS. Agora, para o que não estamos disponíveis é

para construir uma autoestrada para este tipo de oferta fora do SNS.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Pereira, do Grupo

Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos anos, os portugueses

têm assistido a uma crescente e evidente deterioração das condições de acesso ao Serviço Nacional de Saúde.

Essa deterioração é, particularmente, visível nas cirurgias, nas consultas hospitalares de especialidade e nos

exames complementares de diagnóstico e terapêutica em que os doentes esperam e desesperam meses à

espera do atendimento a que têm direito.

Isso mesmo, aliás, tem sido objeto de conclusão de relatórios do Tribunal de Contas, da Entidade Reguladora

da Saúde e, inclusive, do próprio Governo. Por exemplo, segundo o último Relatório de Acesso a Cuidados de

Saúde no Serviço Nacional de Saúde, a percentagem de consultas hospitalares realizadas fora dos tempos

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máximos de resposta garantidos — Sr. Deputado Paulo Marques, isto é para si! — aumentou desde 2015.

Assim, o tempo médio de espera dos doentes para cirurgia nos hospitais públicos aumentou de 27 dias em 2015

para 39 dias em 2018, um agravamento de 14%. E se consultarmos o Portal do SNS, Sr.as e Srs. Deputados,

não faltam casos em que os utentes do Serviço Nacional de Saúde são obrigados a esperar largos meses, anos

até, para terem acesso a consultas, cirurgias e exames de diagnóstico de que carecem.

Só a título de exemplo, direi que os tempos máximos de espera garantidos, de que o Sr. Deputado se

vangloriou de terem colocado na lei, no caso das cirurgias ortopédicas, em que o tempo máximo de espera

estabelecido é de 180 dias, é ultrapassado em 608 dias. Por exemplo, o tempo de espera que os senhores

estabeleceram para as consultas de cardiologia, de 150 dias, é ultrapassado em 1814 dias.

Estes são só dois exemplos, mas tenho uma lista completa de exemplos de aumentos brutais e

ultrapassagens largas dos tempos médios de espera, Sr. Deputado.

O Sr. João Dias (PCP): — Por causa dos cortes que os senhores fizeram! Por causa dos vossos cortes

brutais!

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Queria dizer-lhe que o PSD não se conforma com esta situação, pelo que

propôs no seu Programa Eleitoral, nas últimas eleições, o alargamento do SIGIC das cirurgias às consultas de

especialidade e aos exames complementares, quando os mesmos não se realizassem em termos aceitáveis,

como é o caso. E voltámos a propor isso mesmo no debate, na especialidade, do Orçamento do Estado.

Sr.as e Srs. Deputados, o que é que fizeram o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista

e o PAN relativamente a esta proposta? Deixem-me que vos diga: votaram contra! Os senhores votaram contra

a proposta do PSD, impedindo, na prática, que os doentes tenham um acesso mais rápido às consultas e aos

exames no Serviço Nacional de Saúde. É disto que se trata!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — É preciso reforçar o SNS, não é transferir mais verbas para os privados!

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr.as e Srs. Deputados, a terminar, direi o seguinte: ainda ontem, tivemos a

triste notícia de uma morte ocorrida após quatro horas de espera, na urgência do hospital de Beja. Queria dizer-

lhes que a resposta do Serviço Nacional de Saúde tem de ser rápida e eficaz.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Por tudo isto, o PSD acompanhará este projeto de resolução do CDS.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PAN, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Bebiana Cunha.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, cumprimento as Sr.as e os Srs. Deputados.

Relativamente a este projeto de resolução do CDS, de facto, os dados referentes aos tempos máximos de

resposta garantidos são expressivos e muito preocupantes, levando-nos a olhar para este problema sem

descurar aquelas que nos parecem ser reflexões de raiz.

As respostas em matéria de saúde têm de ser assumidas como um compromisso por qualquer Governo. Em

Portugal, os tempos de espera em áreas fundamentais dizem-nos que é preciso investir mais, melhor e de forma

estruturada na saúde, para não se estar continuamente a tapar dívidas, e investir também de forma muito mais

integrada na prevenção, o que diminuirá os custos em matéria de saúde.

Já questionámos o Governo, por diversas vezes, no sentido de saber qual o investimento feito em prevenção

e quando nos aproximaremos da média europeia. Das respostas do Governo, concluímos que não há uma

aposta realmente integrada e mensurável em medidas preventivas. Se este trabalho de raiz não for feito, iremos

continuar, ano após ano, a manter ou a aumentar os tempos de espera.

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É fundamental que o Serviço Nacional de Saúde sirva os seus propósitos de prestação de cuidados

atempados e de qualidade. Não temos dúvidas acerca do empenho, da competência, da responsabilidade e do

esforço que os profissionais de saúde diariamente demonstram, na tentativa de dar as melhores respostas em

matéria de saúde, no nosso SNS.

Sabemos que o SNS carece de investimentos estruturais, que falta fazer, e que, sem estes, apenas estamos

a adiar o problema. Os últimos dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), ainda provisórios, dizem-nos

que, para cada 100 000 habitantes, existem 216 médicos, 362 enfermeiros e 76 técnicos de diagnóstico e

terapêutica, a título de exemplo. São números manifestamente baixos para as necessidades diárias da nossa

população.

O PAN não tem uma visão limitativa, limitadora ou preconceituosa quanto à utilização dos serviços de saúde

dos setores privado ou social. Consideramos que cada setor tem o seu papel na sociedade e que pode até haver

uma complementaridade, desde que devidamente regulamentada, sem que haja perdas apenas para uma das

partes, como tem sucedido.

Neste sentido, perante os números e os cenários — os presentes e os prospetivos — em matéria de saúde,

consideramos que, acima de tudo, têm de ser asseguradas as necessidades das pessoas. O Governo não pode

esquecer as suas competências e responsabilidades relativamente à saúde, em Portugal. Há ainda muito

caminho a fazer para assegurar um atendimento célere e para garantir aquilo que é fundamental: o acesso à

saúde por parte da nossa população, dos portugueses e das portuguesas, combatendo assim, também,

desigualdades sociais.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.

A Sr.ª Joacine Katar Moreira (N insc.): — Sr. Presidente, o remédio do Serviço Nacional de Saúde é o

Serviço Nacional de Saúde, o que significa que esta iniciativa legislativa é completamente falaciosa. Se

necessitamos de reduzir a lista de espera, se é necessário melhorarmos o atendimento e os serviços e

investirmos nas especialidades e se há milhões de cidadãos completamente dependentes do SNS, é porque é

necessário reforçar o SNS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira, do Bloco de Esquerda, para uma

intervenção.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Efetivamente, o tempo de espera para

consultas de determinadas especialidades hospitalares em Portugal, no Serviço Nacional de Saúde, é um

problema.

Em muitos hospitais, o tempo de espera é bom, porque respeita os tempos máximos de resposta garantidos,

mas, em muitos outros, isso não acontece. Efetivamente, isto não se compreende e não é compaginável com

um SNS de qualidade ter vários meses de espera para aceder a consultas de especialidade hospitalar.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Compreende-se perfeitamente! Não são meses, são anos!

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Esse é um ótimo debate para se fazer aqui. No entanto, não é esse o debate

que o CDS-PP traz.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Não?!

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Se fosse esse o debate que o CDS-PP traz, estaríamos neste momento a

discutir propostas para, por exemplo, reformular as carreiras dos profissionais para aumentar a captação e a

fixação dos profissionais,…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Esse era o debate do Bloco!

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O Sr. Moisés Ferreira (BE): — … para, por exemplo, estabelecer regras para a formação de mais

profissionais e para a colocação de mais especialistas no Serviço Nacional de Saúde, para, por exemplo, rever

o número obrigatório de horas que os médicos especialistas têm de fazer nas urgências. Talvez isso possa ser

algo a revisitar, como, aliás, os sindicatos médicos propõem, para que haja mais tempo para as consultas de

especialidade e para que esse tempo não seja tão consumido pelas horas obrigatórias de urgência. Essas

seriam propostas para obviar o problema do tempo de espera para acesso a consultas de especialidade.

No entanto, a proposta que o CDS-PP traz é outra e é sobre outro assunto. É sobre um cheque-consulta…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Por acaso chamámos-lhe «vale», mas também pode ser «cheque»!

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — … para transferir o orçamento do Serviço Nacional de Saúde para os hospitais

privados. É mais uma das várias propostas que o CDS-PP traz regularmente à Assembleia da República com o

objetivo de fazer uso do orçamento do Serviço Nacional de Saúde…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Para resolver os problemas das pessoas!

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — … para alavancar o negócio privado da saúde. Esta não é, certamente, uma

proposta ou uma discussão sobre os tempos de acesso às consultas de especialidade.

Aliás, compreendemos o contexto desta proposta. Ela insere-se numa competição clara que é feita à direita,

desde a extrema-direita, que defende a privatização do Serviço Nacional de Saúde,…

Protestos do CH.

… até à direita falsamente liberal, que defende tudo o que é subsídio público ao negócio privado, e à parceria

público-privada (PPP), que tantas vezes substitui o logotipo do PSD.

Protestos da Deputada do PSD Sandra Pereira.

Há, efetivamente, uma competição feroz à direita para ver quem é mais amigo do interesse económico.

Ora, essa competição não tem nada que ver com o Bloco, não tem nada que ver com o Serviço Nacional de

Saúde e, por isso, nela não entraremos. Efetivamente, a discussão que faz falta aos utentes não é a que se está

a fazer aqui, hoje.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar do PCP, para uma

intervenção.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com este projeto de resolução, cá está o CDS a

defender mais uma oportunidade de expansão do negócio para os grandes grupos económicos que operam na

área da saúde.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — E, já agora, as pessoas, se puder ser!

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Pergunte ao Bernardino se quer acabar com a PPP de Loures!

O Sr. João Dias (PCP): — Se hoje há fragilidades no Serviço Nacional de Saúde — e elas existem, não as

escondemos —, elas manifestam-se diariamente nas dificuldades que a população enfrenta no acesso aos

cuidados de saúde e devem-se às opções dos Governos do PS, do PSD e do CDS.

Protestos da Deputada do CDS-PP Ana Rita Bessa.

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Não nos esquecemos de que foi o vosso Governo, PSD/CDS, que mais aprofundou o desmantelamento do

Serviço Nacional de Saúde.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — É verdade!

O Sr. João Dias (PCP): — E, verdade seja dita, o atual Governo, do PS, à semelhança do anterior, resiste

em corrigir essa situação.

Foram políticas de direita que reduziram o número de trabalhadores, acabaram com carreiras específicas,

transformaram hospitais em empresas, transferiram doentes e recursos financeiros para os grandes grupos

económicos que operam no setor da saúde e puseram empresas, cuja finalidade é o lucro, a gerir hospitais.

Tudo isto com um objetivo claro: o de aproveitar a doença para um negócio muitíssimo lucrativo.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desrespeito pelos tempos máximos de resposta garantidos é um sinal de

evidentes insuficiências estruturais e não é com o aumento da promiscuidade entre setor público e setor privado

ou com a transferência de mais recursos para o privado que se resolve o problema, é, sim, com o investimento

desses recursos no SNS.

O PCP não pode acompanhar este projeto do CDS. Isso seria estar do lado daqueles que, desde a sua

criação, têm sempre procurado descredibilizá-lo e destruí-lo para poderem mercantilizar os cuidados de saúde.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — É verdade!

O Sr. João Dias (PCP): — É claro que há uma carência de profissionais de saúde e, se houve redução de

serviços e valências, não é de estranhar que haja elevados tempos de espera para consultas, cirurgias, exames,

tratamentos, como sabemos muito bem.

Por isso, só com um adequado financiamento do Serviço Nacional de Saúde, com a contratação dos

profissionais de saúde em falta e a garantia dos seus direitos, com o reforço dos serviços e valências a nível

dos cuidados de saúde primários e dos cuidados hospitalares, com a reversão das parcerias público-privadas

se poderá garantir a acessibilidade dos utentes aos cuidados de saúde a que têm direito.

É por isso que o PCP luta: luta pela garantia do direito à saúde para todos, independentemente das suas

condições económicas e sociais; luta pela valorização e pelo reforço do Serviço Nacional de Saúde; luta pela

adoção de medidas estruturais que permitam reforçar a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde

em todo o território.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP entende que o Serviço Nacional de Saúde deve ser um direito de

todos os portugueses, pobres ou ricos,…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Só que não é!

O Sr. João Dias (PCP): — … e não uma área de negócio. É, pois, necessária uma aposta clara num serviço

público, gerido pelo Estado, assente na proximidade dos cidadãos, que garanta que não existe qualquer entrave

ao acesso aos cuidados.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — As pessoas que esperem!

O Sr. João Dias (PCP): — É deste Serviço Nacional de Saúde que os diferentes Governos se têm afastado

e é esse o percurso que é preciso inverter. Os portugueses sabem que podem contar com o PCP para promover

esses avanços.

Aplausos do PCP e do PEV.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Quatro anos de espera! As pessoas também sabem isso!

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega, para uma intervenção.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, e, no entanto, eles continuam a morrer. Enquanto o PCP nos

faz o discurso bonito de que «lutaremos contra as PPP», de que «o povo unido jamais será vencido»,

continuamos à espera mais de 1000 dias, continuam a morrer pessoas no hospital de Lamego e no hospital de

Beja. Porquê? Porque «a grande luta continua», até que um dia já não haja luta para fazer, enquanto as pessoas

continuam a morrer.

Discutimos amanhã, nesta Câmara, a morte assistida. E nem mais: chega-nos hoje um projeto — que nem

é do Chega, por isso estou à vontade para dizer isto — que propõe que, só quando ultrapassado o tempo

máximo de espera, se possa aceder aos outros serviços. Basicamente, o que se diz é: «Para salvar a vida,

quando já não há um serviço que pegue, vamos lá ao setor privado ou social.» Mas não! O PCP não deixa, o

Bloco não gosta e o PS não se compromete.

Foi sempre assim e, no entanto, as pessoas vão morrendo e vão continuando a perder serviços. E o PCP

pergunta: «Bom, mas onde é que estão as PPP de Cascais, de Loures, etc.?» Não há, Sr. Deputado! Faltam

serviços. Eles não nascem de um dia para o outro.

É curioso que seja o Sr. Deputado Moisés Ferreira a falar disto. Havia um outro Moisés — não este, mas o

Moisés bíblico — que dizia que a água, quando não sai de uma rocha, sai de outra, podendo vir de uma ou

outra. Sr. Deputado Moisés Ferreira, devia ler a Bíblia para perceber que, às vezes, quando não há uma solução,

há outra.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado. Chegou ao fim.

O Sr. André Ventura (CH): — Quando não há um caminho, há outro. E, quando não há o caminho da

esquerda patriótica e unida,…

Protestos da Deputada do BE Sandra Cunha.

O Sr. Presidente: — O seu tempo já foi ultrapassado. Já chega. Muito obrigado.

O Sr. André Ventura (CH): — … há o caminho de salvar as vidas dos portugueses. Essa devia ser a

prioridade e, infelizmente, não é essa a prioridade deste Parlamento.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, para uma intervenção.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Iniciativa Liberal nunca estará

do lado daqueles que toleram que haja pessoas a sofrer e a morrer à espera de uma consulta, de uma cirurgia,

de um exame por puro preconceito ideológico. A saúde não tem ideologia.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Muito bem!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Estaremos sempre ao lado de quem quer melhores serviços e

cuidados de saúde para os cidadãos. Pouco nos importa se vêm do público, ou do privado, ou do social. Repito:

a saúde não tem ideologia!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — O que não podemos aceitar é o que se passa hoje: tempos de

espera inacreditáveis, pessoas que morrem enquanto esperam, hospitais públicos em sistemática acumulação

de dívidas a fornecedores, indicando que há um défice operacional que ninguém assume e que ninguém quer

resolver.

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Existem serviços de urgência ou de especialidade que estão a meio gás ou a encerrar, como é o caso do

serviço de obstetrícia do Hospital de S. Bernardo, que está em risco de fechar esta semana. Isto não é

admissível! As pessoas têm o direito a bons cuidados de saúde, prestados a tempo, seja onde for, seja por quem

for.

Foi por isso que propusemos o alargamento do CIG SNS aos serviços do setor social e privado com o objetivo

de eliminar as listas de espera para consultas de especialidade e para exames.

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Termino já, Sr. Presidente.

A nossa iniciativa foi chumbada nesta Câmara com os votos do PS, do PCP, do Bloco e do PAN. Estes Srs.

Deputados ainda não perceberam que a saúde das pessoas não pode esperar nem tem ideologia.

O Sr. Presidente: — E assim chegámos ao final do debate e terminamos também a nossa ordem do dia…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, estou inscrita para intervir.

O Sr. Presidente: — É verdade, o CDS-PP está inscrito. De facto, o CDS-PP tem direito a encerrar o debate.

Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, dou-lhe a palavra com todo o gosto.

Faça favor.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — O gosto é meu, Sr. Presidente. Muito obrigada.

Srs. Deputados, Sr. Deputado Moisés Ferreira, estou um pouco cansada que me digam qual o debate que

devia haver, particularmente se for o debate que tem de ser feito com as propostas do Sr. Deputado.

Protestos do Deputado do BE Moisés Ferreira.

Até lhe proponho que, se o Sr. Deputado quer ter o seu debate, apresente propostas, e nós fazemo-lo. Mas,

deixe-me lá fazer agora o meu debate, sobre as minhas propostas, se não se importa.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

Protestos do Deputado do PCP João Dias.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Srs. Deputados, o objetivo do CDS vai, com certeza, surpreender-vos,

porque não é o SNS. O SNS é instrumental àquilo que devia ser o objetivo que nos une a todos, que é cuidar

da saúde das pessoas. Isso é que interessa.

Ouço-vos aqui falar sobre os trabalhadores, sobre as condições do SNS, mas oiço-vos muito pouco falar

sobre doentes. Dá para falar sobre os doentes e as necessidades que eles querem ver resolvidas?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

Protestos do BE e do PCP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Gostava que os Srs. Deputados fossem explicar a uma pessoa que

vive na Guarda e que está há quatro anos à espera que é bom que esteja à espera porque, senão, está a pactuar

com a promiscuidade do SNS com o privado. Expliquem-lhe isso bem, porque essa pessoa, de certeza, vai

compreender e vai ficar sentada tranquilamente à espera, sossegada, porque isso é que vale a pena…

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Muito bem!

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A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Para os senhores, ter a consulta é secundário, o que importa é que

essa pessoa não esteja a ser conivente com a promiscuidade do negócio da saúde. Srs. Deputados, tenham

paciência!

Para além de que, se o número de consultas do SNS for eficiente, se o SNS tiver capacidade de dar resposta,

o que nós estamos a propor acaba por não ter execução. Portanto, não estejam preocupados!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vocês não têm responsabilidade nenhuma!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Os milhões que querem investir no orçamento do SNS resolverão, de

certeza, o problema e esta proposta rapidamente perderá a sua validade.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Ora bem!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Mas, enquanto não o fazem, essas pessoas não vão ter de ficar à

espera só porque os senhores entendem que há aqui uma grande promiscuidade.

Já agora, Sr. Deputado Paulo Marques, só para terminar, a portaria de que o Sr. Deputado falou, mas que

não terá seguramente lido, na alínea d) do n.º 4 diz o seguinte: «É dever do SNS informar o doente sempre que

a capacidade de resposta dos estabelecimentos do SNS não seja adequada e sempre que haja a possibilidade

de referenciação para outros estabelecimentos do SNS ou (…)» — note bem, Sr. Deputado! — «(…) para outras

entidades com acordos ou convenções para a prestação do mesmo tipo de cuidados». Portanto, foi o seu

Governo que já abriu a porta…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Ora bem! Exatamente!

Protestos do PS.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — … a que, sempre que os tempos máximos de resposta garantidos não

sejam respeitados, as consultas possam ser realizadas onde haja acordos ou convenções. Só que, depois, não

fizeram os acordos nem as convenções. Era só seguir a vossa própria ideia.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Vamos, agora sim, terminar a sessão, não sem antes dar conta da ordem do dia de

amanhã, cuja reunião plenária terá lugar às 15 horas.

O primeiro ponto consiste na apreciação conjunta dos Projetos de Lei n.os 4/XIV/1.ª (BE) — Define e regula

as condições em que a antecipação da morte, por decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença

incurável e fatal e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável, não é punível, 67/XIV/1.ª (PAN) —

Regula o acesso à morte medicamente assistida, 104/XIV/1.ª (PS) — Procede à 50.ª alteração ao Código Penal,

regulando as condições especiais para a prática de eutanásia não punível, 168/XIV/1.ª (PEV) — Define o regime

e as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e 195/XIV/1.ª (IL) — Regula a antecipação

do fim da vida, de forma digna, consciente e medicamente assistida.

Do segundo ponto, sem tempos atribuídos, consta o Projeto de Deliberação n.º 7/XIV/1.ª (PAR) — Fixa a

composição, distribuição e elenco dos grupos parlamentares de amizade na XIV Legislatura.

Haverá ainda votações regimentais, a votação dos projetos de lei que indiquei, e, tal como foi acordado hoje

na Conferência de Líderes, a votação será nominal, por ordem alfabética, em que cada Deputado dirá como

vota os projetos, quais os que vota favoravelmente, desfavoravelmente ou quais os que vota «sim», quais os

que vota «não» e em relação aos quais se abstêm. Foi o que ficou decidido hoje na Conferência de Líderes.

Portanto, não vale a pena, amanhã, perdermos tempo com esta questão. A Câmara está devidamente informada

de que será assim.

Entretanto, ainda antes de acabar a sessão, a Sr.ª Secretária Sofia Araújo vai dar conta de algumas iniciativas

que entraram agora na Mesa.

Faça favor, Sr.ª Secretária.

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A Sr.ª Secretária (Sofia Araújo): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram

admitidos pelo Sr. Presidente, o Projeto de Resolução n.º 262/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda ao Governo a não

autorização de alienação de barragens concessionadas pelo Estado à EDP, que baixa à 11.ª Comissão, e o

Projeto de Deliberação n.º 7/XIV/1.ª (PAR) — Fixa a composição, distribuição e elenco dos grupos parlamentares

de amizade na XIV Legislatura.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Sofia Araújo.

E assim terminamos a nossa reunião plenária de hoje.

Desejo a todos uma boa tarde. Até amanhã.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 14 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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