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21 DE FEVEREIRO DE 2020

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destruiu de, muitas maneiras, o reduto mínimo do respeito por si próprias, tendo vivido o fim da vida com uma

imensa e imerecida violência. Conversei com gente que me quis contar essas histórias de dor e partilhar comigo

a sua revolta funda por não ter sido respeitada a vontade dos seus mais queridos de morrerem de acordo com

as exigências de dignidade que os próprios fixaram a si mesmos ao longo da vida.

Foram essas pessoas que me ensinaram não conceitos abstratos, mas, sim, o essencial que há a saber

sobre este assunto, isto é, que não há nada que legitime forçar alguém a ter uma despedida da vida que a

violente. É precisamente para as vidas concretas destas pessoas concretas que hoje somos chamados a

legislar, com a responsabilidade toda de quem sabe que a vida é um dom que só ao próprio pertence e que esse

— e só esse! — é o sentido de a dizermos inviolável.

Sim, o que hoje fazemos nesta Assembleia da República não é uma discussão sobre a vida em abstrato,

mas sobre uma escolha para as pessoas concretas com o seu sofrimento concreto e o seu sentido de dignidade

concreto. O que hoje decidiremos nesta Assembleia da República é se aceitamos ou não que, em circunstâncias

extremas de doença e de sofrimento de alguém concreto, o médico, que ajude essa pessoa concreta a morrer

— porque é essa a vontade pessoal, livre e reiterada dessa pessoa —, deve ser condenado a pena de prisão

até três anos.

O que hoje faremos nesta Assembleia da República, conscientes da complexidade do tema e da importância

da decisão, é responder a uma pergunta: escolhemos nós a prepotência de impor a todos um modelo de fim de

vida que significa uma violência insuportável para muitos ou, recusando qualquer imposição, decidimos respeitar

a escolha de cada um sobre o final da sua vida?

Pela parte do Bloco de Esquerda, quando forem votados os cinco projetos que propõem a despenalização

da morte assistida, estaremos do lado da dignidade de cada escolha e decidiremos pela tolerância contra a

imposição. Cabe-nos hoje a responsabilidade de decidir por uma lei que, recusando o preconceito que condena

quem não o quer a um sofrimento inútil, permita alargar o campo da tolerância em Portugal e, assim, faremos

de hoje um dia grande para a democracia portuguesa.

Aplausos do BE, do PAN e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 67/XIV/1.ª (PAN) e para intervir no debate, tem a

palavra o Sr. Deputado André Silva.

O Sr. André Silva (PAN): — Boa tarde, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados: O debate que fazemos hoje

é sobre empatia, sobre a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. O debate que fazemos hoje é sobre

solidariedade, sobre a forma como nos relacionamos com o outro, se devemos ou não ser solidários com quem

se vê impossibilitado de recorrer ao auxílio, à compreensão dos seus semelhantes para se libertar da tragédia

em que vive.

O debate que fazemos hoje é sobre coragem, se teremos a coragem e a responsabilidade de construir uma

lei justa, séria e rigorosa, que respeite a vontade e a decisão de cada pessoa. O debate que fazemos hoje é

sobre a dignidade da pessoa humana, que é sentida e experienciada de forma diferente por cada um, mas que

só é plena se existir liberdade, autonomia e autodeterminação.

Atualmente, o Estado português impede a liberdade de escolha, impede a ajuda para o alargamento da

autonomia e impede a autodeterminação para conformar a nossa vida de acordo com a nossa mundivisão. Um

Estado que não confere liberdade, autonomia e autodeterminação a uma pessoa que se encontra lucidamente

num fim de vida excruciante para escolher antecipar a sua morte, segundo os seus valores, é um Estado que

não admite que estas pessoas morram segundo o seu conceito de dignidade. É um Estado que impõe a todos

um modelo de fim de vida, uma crueldade e uma violência intolerável para muitos. É um Estado prepotente e

autoritário.

O debate que fazemos hoje é sobre justiça. Ao final da tarde, vamos decidir se queremos que o Estado

português continue a julgar como criminosos e a prever o encarceramento daqueles que, por compaixão,

praticam um ato de bondade. O debate que fazemos hoje é sobre igualdade. É aceitável que um português rico

consiga garantir a sua vontade de antecipar a morte, saindo do País, e que este mesmo País não dê a resposta

universal que se impõe num Estado de direito, democrático e plural, ou seja, as condições para que essa vontade

seja respeitada aqui, na companhia de familiares e amigos?