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Quinta-feira, 12 de março de 2020 I Série — Número 39

XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)

REUNIÃOPLENÁRIADE11DEMARÇODE 2020

Presidente: Ex.ma Sr.ª Edite Fátima Santos Marreiros Estrela

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Nelson Ricardo Esteves Peralta Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita

S U M Á R I O

A Presidente (Edite Estrela) declarou aberta a sessão às

15 horas e 2 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os

231 a 234, 236 e 237, 239, 244 a 247, 250 e 252 a 255/XIV/1.ª, dos Projetos de Resolução n.os 295, 297 a 299, 301 e 304 a 312/XIV/1.ª, do Projeto de Revisão Constitucional n.º 1/XIV/1.ª e da Proposta de Lei n.º 16/XIV/1.ª.

Procedeu-se a um debate, solicitado pela Comissão de Assuntos Europeus, com a presença do Governo, relativo às prioridades da Presidência do Conselho da União Europeia, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei

relativa ao acompanhamento, apreciação e pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do processo de construção da União Europeia (Lei n.º 43/2006, de 25 de agosto, alterada pela Lei n.º 21/2012, de 17 de maio, e Lei n.º 18/2018, de 2 de maio), e à participação de Portugal na Cooperação Estruturada Permanente, conforme previsto na alínea k) do n.º 1 do artigo 4.º da mesma Lei. Usaram da palavra, a diverso título, além dos Ministros da Defesa Nacional (João Gomes Cravinho) e de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Augusto Santos Silva), os Deputados João Vasconcelos (BE), António Filipe (PCP), Fabíola Cardoso

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(BE), José Luís Ferreira (PEV), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Beatriz Gomes Dias (BE), Bruno Dias (PCP), Isabel Meireles (PSD), Constança Urbano de Sousa (PS), Cristina Rodrigues (PAN), Carlos Eduardo Reis (PSD) e Lara Martinho (PS).

No encerramento do debate, usaram da palavra, além dos Ministros da Defesa Nacional e de Estado e dos Negócios Estrangeiros, os Deputados José Luís Ferreira (PEV), Cristina Rodrigues (PAN), João Pinho de Almeida (CDS-PP), António Filipe (PCP), Fabíola Cardoso (BE), Sérgio Marques (PSD) e Isabel Oneto (PS).

Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 12/XIV/1.ª — Transpõe a Diretiva (UE) n.º 2017/828, relativa a direitos dos acionistas de sociedades cotadas no que concerne ao seu envolvimento a longo prazo. Intervieram, além do Secretário de Estado Adjunto e das Finanças (Ricardo Mourinho Félix), os Deputados Sara Madruga da Costa (PSD), João Cotrim de Figueiredo (IL), Duarte Alves

(PCP), Mariana Mortágua (BE), Cecília Meireles (CDS-PP), André Silva (PAN) e Fernando Anastácio (PS).

Foi apreciada a Petição n.º 616/XIII/4.ª (FENPROF - Federação Nacional dos Professores) — Solicitam a criação de um grupo de recrutamento da intervenção precoce, em conjunto com os Projetos de Resolução n.os 105/XIV/1.ª (BE) — Pela criação de um grupo de recrutamento de intervenção precoce, 173/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda ao Governo que crie o grupo de recrutamento na área da intervenção precoce e 207/XIV/1.ª (PAN) — Pela criação de um grupo de recrutamento da intervenção precoce. Produziram intervenções os Deputados Alexandra Vieira (BE), Ana Mesquita (PCP), Bebiana Cunha (PAN), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Mariana Silva (PEV), Carla Madureira (PSD), Lúcia Araújo Silva (PS) e André Ventura (CH).

O Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 12 minutos.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Antes de mais, cumprimento as Sr.as e os Srs. Deputados, os Srs.

Membros do Governo e também as Sr.as e os Srs. Funcionários e as Sr.as e os Srs. Jornalistas.

Vamos dar início à sessão.

Eram 15 horas e 2 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade que abram as galerias ao público.

Antes de iniciarmos a ordem do dia de hoje, a Sr.ª Secretária Deputada Maria da Luz Rosinha tem várias

informações a dar.

Tem a palavra, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr.ª Presidente, passo a anunciar as iniciativas legislativas que

deram entrada na Mesa e foram admitidas.

Refiro, em primeiro lugar, os Projetos de Lei n.º 231/XIV/1.ª (CDS-PP) — Sétima alteração à Lei n.º 32/2006,

de 26 de junho, aumentando de três para cinco ciclos de tratamentos de segunda linha de procriação

medicamente assistida, comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde, que baixa à 9.ª Comissão, n.º

232/XIV/1.ª (BE) — Garante a não exploração de novas fontes de hidrocarbonetos, que baixa à 11.ª Comissão,

em conexão com a 6.ª Comissão, n.º 233/XIV/1.ª (PSD) — Alteração da denominação da freguesia de «Passos»,

no município de Fafe, para «Paços», que baixa à 13.ª Comissão, n.º 234/XIV/1.ª (CDS-PP) — Criação do grupo

de trabalho para a regulamentação legal das profissões de desgaste rápido e criação da respetiva tabela, que

baixa à 10.ª Comissão, n.º 236/XIV/1.ª (CDS-PP) — Altera o direito ao subsídio de doença para os casos de

isolamento profilático por doença infetocontagiosa e procede à sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4

de fevereiro, que baixa à 10.ª Comissão, em conexão com a 9.ª e a 13.ª Comissões, n.º 237/XIV/1.ª (BE) —

Altera o Regime da Procriação Medicamente Assistida, permitindo a inseminação post mortem para realização

de projeto parental claramente estabelecido (sétima alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho), que baixa à 9.ª

Comissão, n.º 239/XIV/1.ª (BE) — Pagamento a 100% do subsídio de doença em caso de situações de

tuberculose ou de outros casos de isolamento profilático por doença infetocontagiosa, que baixa à 10.ª

Comissão, em conexão com a 9.ª e a 13.ª Comissões, n.º 244/XIV/1.ª (CDS-PP) — Regime de incentivos para

lusodescendentes e portugueses emigrados que pretendam frequentar instituições de ensino superior públicas

em Portugal, que baixa à 8.ª Comissão.

Deram, igualmente, entrada na Mesa os Projetos de Lei n.º 245/XIV/1.ª (PAN) — Incorpora no Código Laboral

as faltas motivadas por isolamento profilático como justificadas e atribui aos beneficiários um montante diário de

subsídio de doença correspondente a 100% da remuneração, que baixa à 10.ª Comissão, em conexão com a

9.ª e a 13.ª Comissões, n.º 246/XIV/1.ª (PAN) — Altera o Código do Trabalho e a Lei Geral do Trabalho em

Funções Públicas, reforçando os direitos dos trabalhadores no regime de trabalho noturno e por turnos, que

baixa à 10.ª Comissão, n.º 247/XIV/1.ª (PAN) — Garante o acesso à gestação de substituição, procedendo à

sétima alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho (procriação medicamente assistida), que baixa à 9.ª Comissão,

n.º 250/XIV/1.ª (BE) — Consagra os crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz

de resistência como crimes públicos (47.ª alteração ao Código Penal), que baixa à 1.ª Comissão, n.º 252/XIV/1.ª

(PEV) — Garante o reforço dos direitos aos trabalhadores por turnos e noturno (Alteração ao Código do Trabalho

e à Lei do Trabalho em Funções Públicas), que baixa à 10.ª Comissão, n.º 253/XIV/1.ª (PS) — Aprova regras

de transparência aplicáveis a entidades privadas que realizam representação legítima de interesses junto de

entidades públicas e procede à criação de um registo de transparência da representação de interesses, que

baixa à 1.ª Comissão, em conexão com a 14.ª Comissão, n.º 254/XIV/1.ª (PS) — Procede à interpretação do

Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, clarificando o respetivo âmbito subjetivo de aplicação, que baixa à 5.ª

Comissão, em conexão com a 6.ª e a 9.ª Comissões, e n.º 255/XIV/1.ª (PCP) — Reforça o subsídio de doença

em caso de surto epidémico e assegura que não há perda de remuneração em situação de isolamento profilático

por doença infetocontagiosa (sexta alteração do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro), que baixa à 10.ª

Comissão, em conexão com a 9.ª e a 13.ª Comissões.

Deram também entrada na Mesa os Projetos de Resolução n.º 295/XIV/1.ª (PEV) — Controlo de espécies

invasoras e de infestantes na Pateira de Fermentelos e despoluição do rio Cértima e seus afluentes, n.º

297/XIV/1.ª (PSD) — Regulamentação da Lei de Bases da Economia Social, que baixa à 10.ª Comissão, n.º

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298/XIV/1.ª (PSD) — Compromisso de cooperação para o setor social e solidário, que baixa à 10.ª Comissão,

n.º 299/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que promova um estudo sobre o financiamento das IPSS que

acabe com o crónico subfinanciamento do setor, atenda à modulação regional de forma a corrigir as assimetrias

existentes e promova a harmonização das carreiras profissionais nas IPSS, que baixa à 10.ª Comissão, n.º

301/XIV/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo a reativação da Escola de Formação do Arsenal do Alfeite, que

baixa à 3.ª Comissão, n.º 304/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo o reforço da Rede Nacional de Cuidados

Paliativos e o apoio aos doentes, suas famílias e cuidadores informais, em contexto específico de cuidados

paliativos, que baixa à 9.ª Comissão, n.º 305/XIV/1.ª (PEV) — Privilegiar a política dos três R, em detrimento

das soluções de fim de linha, que baixa à 11.ª Comissão, n.º 306/XIV/1.ª (PEV) — Requalificação da Escola EB

2,3 Mário de Sá Carneiro, no concelho de Loures, n.º 307/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo a adoção de

medidas de valorização das associações que promovam o equilíbrio de género nos seus órgãos sociais, que

baixa à 1.ª Comissão, n.º 308/XIV/1.ª (CH) — Recomenda a extensão da gratuitidade dos manuais escolares

aos alunos das escolas particulares ou cooperativas, que baixa à 8.ª Comissão, n.º 309/XIV/1.ª (CH) —

Recomenda a inclusão do ensino de expressões artísticas nos ensinos pré-escolar, primário e básico, que baixa

à 8.ª Comissão, n.º 310/XIV/1.ª (CH) — Pela reposição dos suplementos remuneratórios em dívida às forças de

segurança, que baixa à 1.ª Comissão, n.º 311/XIV/1.ª (CH) — Pela colocação de vídeo-intérpretes de linguagem

gestual nos serviços públicos, que baixa à 9.ª Comissão, e n.º 312/XIV/1.ª (CH) — Pela aposta na formação e

contratação de peritos de Polícia Científica da Polícia Judiciária, que baixa à 1.ª Comissão.

Deram, ainda, entrada na Mesa o Projeto de Revisão Constitucional n.º 1/XIV/1.ª (CH) — Pela defesa da

população em cenários epidémicos e a Proposta de Lei n.º 16/XIV/1.ª (GOV) — Transpõe a Diretiva (UE)

2018/843, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, relativa à prevenção da utilização do

sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo e a Diretiva

(UE) 2018/1673, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018, relativa ao combate ao

branqueamento de capitais através do direito penal, que baixa à 1.ª Comissão, em conexão com a 5.ª Comissão.

Terminei, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, vamos, então, dar início ao

debate, solicitado pela Comissão de Assuntos Europeus, com a participação do Governo, relativo às prioridades

da Presidência do Conselho da União Europeia, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei

relativa ao acompanhamento, apreciação e pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do processo de

construção da União Europeia (Lei n.º 43/2006, de 25 de agosto, alterada pela Lei n.º 21/2012, de 17 de maio,

e Lei n.º 18/2018, de 2 de maio), e à participação de Portugal na Cooperação Estruturada Permanente, conforme

previsto na alínea k) do n.º 1 do artigo 4.º da mesma Lei.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional (João Gomes Cravinho): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Irei

abordar brevemente as prioridades da nossa participação na Cooperação Estruturada Permanente, na PESCO

(Permanent Structured Cooperation) — sigla em inglês —, e dirigir-vos também algumas palavras sobre o Fundo

Europeu de Defesa.

Vivemos num contexto de grande exigência securitária e a PESCO é um instrumento importante, centrado

no desenvolvimento das capacidades de defesa dos Estados-Membros da União Europeia (UE) e também na

ideia de promover maior cooperação política e industrial no domínio da defesa.

É hoje muito claro que não estamos a falar na criação de um exército europeu e é também claro que não

estamos a assumir nenhuma duplicação de capacidades, nomeadamente em relação à NATO (North Atlantic

Treaty Organization). Portugal tem apenas um conjunto de forças e capacidades que devem estar ao serviço do

País e dos seus aliados e parceiros, de forma coordenada.

A participação de Portugal na PESCO alterou-se substancialmente no ano passado, porque nos

candidatámos a liderar dois projetos, na terceira vaga de projetos, e fomos bem-sucedidos nessas candidaturas.

Quero, em particular, sublinhar os três elementos que resultaram nesta melhoria da posição portuguesa.

Primeiro, foi desenvolvido um trabalho de grande valor no âmbito do Grupo de Apoio à Participação

Portuguesa na PESCO, que criámos no Ministério da Defesa Nacional.

Segundo, foi feita uma reavaliação das prioridades da nossa participação.

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Terceiro, foi, ainda, previsto financiamento no âmbito da Lei de Programação Militar.

A boa experiência, no âmbito do sistema que montámos, leva a que estejamos agora a ver como estender

esta experiência à participação portuguesa no Fundo Europeu de Defesa, sobre o qual falarei dentro de

instantes.

A situação atual, após a terceira vaga de projetos, que tem um total de 46 projetos, é a de que Portugal

participa em 10 projetos, lidera 2 deles e é observador em outros 15 projetos. Os projetos que lideramos são o

MUSAS (Maritime Unmanned Anti-Submarine System), na área da guerra antissubmarina, e o Cyber Academia

& Innovation Hub (CAIH), na área da formação e da inovação ciber.

Em relação ao MUSAS, trata-se de um sistema para a guerra antissubmarina, dedicado ao desenvolvimento

de uma arquitetura no serviço de consulta, comando e controlo para guerra antissubmarina, privilegiando a

utilização intensiva de tecnologia e inteligência artificial. Integra o Plano de Desenvolvimento de Capacidades

da União Europeia para o controlo subaquático, contribuindo para a resiliência no mar. O seu financiamento está

em processo de definição pelo consórcio.

O Cyber Academia & Innovation Hub, que também lideramos, trata de formação e inovação em matéria ciber:

integra o Plano de Desenvolvimento de Capacidades da União Europeia para operações de resposta ciber,

potencia os investimentos nacionais previstos na Lei de Programação Militar e a presença da NCIA (NATO

Communications and Information Academy), em Oeiras. O financiamento nacional é de 800 000 € e o

investimento total previsto para os três anos é de 4 milhões de euros, incluindo financiamento europeu e da

indústria. O projeto conta já com 40 participantes no plano da indústria e das instituições académicas, tanto do

setor público, como do setor privado.

A União Europeia encontra-se, durante este ano de 2020, a desenvolver o processo de revisão estratégica

da PESCO, para o qual Portugal tem contribuído e que deverá estar pronto até ao final deste ano. A nossa

expetativa é a de que, em função dessa revisão estratégica e também em função de alguma atrição nos projetos,

haja uma redução do número total de projetos.

O segundo ponto é sobre o Fundo Europeu de Defesa. Vale a pena sublinhar que, tendo em conta as

negociações em curso relativamente ao orçamento europeu, o pacote financeiro do Fundo Europeu de Defesa

continua em aberto, assim como continuam em aberto alguns aspetos de modalidades de participação.

Portugal tem contribuído ativamente para este processo, sobretudo na participação de pequenas e médias

empresas, que são a essência da realidade nacional e, em larga medida, também da realidade europeia.

Estamos a trabalhar diretamente com as indústrias da base tecnológica e industrial de defesa para as

informar e para as sensibilizar da importância de integrarem redes e parcerias à escala europeia e, naturalmente,

onde for estrategicamente relevante para o País, alavancando essa atividade.

Na semana passada, fui a Bruxelas reunir com o Comissário Thierry Breton, responsável pelo mercado

interno e serviços e que tem a seu cargo o futuro Fundo Europeu de Defesa. Decidimos, nessa reunião, que

ainda este ano teremos em Portugal um roadshow da Comissão Europeia sobre o Fundo Europeu de Defesa,

para que as nossas empresas possam ter um melhor conhecimento sobre as oportunidades nesse âmbito.

Entretanto, do nosso lado, também montaremos um mecanismo de informação e de apoio, à semelhança do

que fizemos com a PESCO.

Em suma, a Defesa está a dar cumprimento ao Programa do Governo em matéria de defesa europeia e está

a acompanhar e a assegurar a nossa plena participação nos processos em curso, seja no âmbito político seja

no âmbito económico e industrial.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Inscreveram-se dois Srs. Deputados para formularem pedidos de

esclarecimento e o Sr. Ministro informou a Mesa de que deseja responder em conjunto.

Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Vasconcelos, do Bloco de Esquerda.

O Sr. JoãoVasconcelos (BE): — Muito obrigado, Sr.ª Presidente.

Começo por cumprimentar o Sr. Ministro da Defesa Nacional, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e o

Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

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Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa Nacional, a crise do coronavírus — COVID-19 mostra como

as políticas europeias, que desviam dinheiro dos serviços públicos para os gastos em material militar, estão

erradas. E tudo para dar dinheiro à indústria militar europeia, tudo para criar um negócio para os grandes países

europeus, deixando a Europa pior e os povos europeus em pior situação. Esse enorme erro foi criado em 2017

e chama-se Cooperação Estruturada Permanente (CEP) na área da Política de Segurança e Defesa.

Na altura, o Governo português afirmou que a participação de Portugal na CEP não colocava em causa, e

passo a citar, «a soberania e a autonomia dos processos de decisão nacional» e que não produzia alterações

no que respeita às políticas de defesa nacional. O que não disse foi que a CEP iria tirar dinheiro dos fundos

europeus para a coesão e das políticas europeias para responder às desigualdades.

Desde o início, o Bloco de Esquerda recusou que o nosso País integrasse a Cooperação Estruturada

Permanente, pois isso seria mais uma perda de soberania, uma escolha que atacava os interesses nacionais

na distribuição dos fundos europeus…

O Sr. DuarteMarques (PSD): — Isso não é verdade!

O Sr. JoãoVasconcelos (BE): — … e um negócio feito à medida dos interesses dos países do centro da

Europa, contra os interesses de países como Portugal.

Portugal ficará mais dependente e subserviente aos interesses bélicos europeus e será obrigado a investir

centenas de milhões de euros no setor da defesa em armas ou tecnologias militares, a chamada «indústria da

guerra». E bem sabemos, apesar de jurarem o contrário, que a CEP mais não será do que o embrião de um

futuro exército europeu.

Milhões de euros esbanjados desta forma e que tanta falta irão fazer ao investimento público e nas políticas

de educação, saúde e habitação, bem como na investigação e desenvolvimento tecnológico. Não haverá, assim,

qualquer convergência social no nosso País a reboque da Cooperação Estruturada Permanente.

Bem pode o Governo dizer que temos vários projetos no âmbito da Cooperação Estruturada Permanente nos

domínios da formação, treino, desenvolvimento de capacidades e disponibilidade operacional, que Portugal

participará em vários desses projetos e que o nosso País tinha, no mínimo — afirmou-o o Sr. Ministro —, 25

milhões disponíveis para esses projetos, já em 2020.

As questões que queria colocar ao Sr. Ministro são as seguintes: não considera que Portugal anda a brincar

aos projetos militares e a gastar tantos milhões ao serviço da União Europeia e da NATO em despesas

supérfluas? Quanto prevê o Governo gastar na totalidade, em 2020? Serão os 25 milhões em 2020 ou há mais

dinheiro que será retirado dos serviços públicos para despesas em material militar?

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe,

do PCP.

O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, o PCP sempre

manifestou oposição à participação de Portugal na chamada Cooperação Estruturada Permanente no âmbito da

União Europeia, por diversas razões aqui explicadas aquando de um debate que teve lugar na passada

Legislatura, embora nos pareça que faz todo o sentido que haja um escrutínio desta Assembleia acerca da

participação de Portugal nos projetos inseridos nesta Cooperação Estruturada. Esta foi uma aquisição da última

Legislatura, porque não era assim. A participação de Portugal estava a ser lançada sem que houvesse

possibilidade de um escrutínio minimamente eficaz por parte da Assembleia da República sobre esta matéria.

Essa possibilidade de também se trazer este ponto para a discussão das prioridades no âmbito da União

Europeia é uma aquisição desta Assembleia.

Obviamente, isso não retira as críticas que fazemos a esta dita «cooperação», porque o que entendemos é

que a política de defesa nacional deve ser ditada pelo interesse nacional. Trata-se de um poder soberano do

nosso País, da nossa defesa e as Forças Armadas portuguesas têm um papel fundamental na defesa da nossa

soberania, da nossa integridade territorial e não devem estar submetidas aos que serão os interesses

estratégicos de outras potências, designadamente no âmbito da União Europeia.

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Uma coisa é a cooperação militar entre nações soberanas e iguais, outra coisa são projetos de natureza

supranacional, através dos quais Portugal fica ligado a projetos que não são ditados fundamentalmente pelo

nosso interesse, mas pelo interesse estratégico de potências no âmbito da União Europeia.

A União Europeia não tem tido uma política de paz. Não tem! Basta lembrarmo-nos do papel que a União

Europeia teve no conflito dos Balcãs, que continua latente e sem fim à vista; da agressão e desmembramento

da então Jugoslávia; da fabricação de uma suposta independência do Kosovo, transformado em protetorado; de

toda a agressão feita contra o povo sérvio; da desestabilização provocada pela União Europeia na Síria, na

Líbia, no Médio Oriente. Não consideramos que o que tem sido a orientação, em termos de política externa, da

União Europeia seja uma política de paz.

Portanto, o envolvimento de Portugal nesse âmbito não corresponde ao interesse nacional.

Depois, há também a componente militar. Conhecemos os problemas que as Forças Armadas portuguesas

têm, designadamente, no plano das dificuldades para que os jovens se sintam atraídos pelas Forças Armadas,

na degradação a nível salarial — ontem mesmo, reconhecida na Comissão Parlamentar pelo Sr. Ministro — dos

quadros permanentes das Forças Armadas e, mesmo, das pessoas que servem as Forças Armadas em regime

de voluntariado e contrato.

Quais são, então, as prioridades do âmbito da Cooperação Estruturada Permanente? Não têm rigorosamente

nada a ver com isso! Têm a ver com investimentos no âmbito do equipamento das Forças Armadas, que não

são, efetivamente, aqueles que correspondem às necessidades das Forças Armadas portuguesas, mas aqueles

que são convenientes no âmbito da União Europeia.

Daí a questão que coloco, Sr. Ministro da Defesa Nacional: não seria mais importante resolver problemas

que há muito se arrastam nas Forças Armadas portuguesas, em vez de estar a alinhar em projetos no âmbito

desta cooperação estratégica, que poderão servir o desígnio estratégico de outras potências, mas que não

servem o interesse nacional?

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional, João

Gomes Cravinho.

O Sr. MinistrodaDefesaNacional: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, o Sr. Deputado João Vasconcelos

aborda a sua conhecida posição antimilitarista, sobre a qual, enfim, nada tenho a dizer. Trata-se de uma

manifestação da posição do partido que representa, de tal modo desfasada das realidades com que nos

confrontamos que tenho alguma dificuldade em pegar em qualquer ponta dos comentários que fez.

Quanto à pergunta que fez, sobre se não deveríamos, antes, gastar o dinheiro noutro local, a pergunta que

lhe faço é a seguinte: se e quando Portugal for confrontado com algum desafio militar e não tiver Forças

Armadas, quanto é que poderá, então, custar o exército de mercenários, que, presumivelmente, é a solução que

V. Ex.ª oferece para a resolução dos problemas?

Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado António Filipe relativamente ao interesse nacional, eu diria

o seguinte: há 46 projetos e participamos em 10. Os projetos em que participamos são escolhidos em função do

interesse nacional, e participamos voluntariamente porque entendemos que há um interesse nacional. Mais do

que isso, propomos projetos que correspondem diretamente ao nosso interesse e procuramos que haja a

participação de outros países.

Portanto, alavancámos, através da nossa participação na PESCO, o nosso interesse nacional e não

submetemos a nossa capacidade, através dessa participação, a interesses alheios.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos

Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

O Sr. MinistrodeEstadoedosNegóciosEstrangeiros (Augusto Santos Silva): — Sr.ª Presidente, Sr.as e

Srs. Deputados: Portugal revê-se inteiramente nas prioridades definidas pela Presidência croata do Conselho

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da União Europeia. Basicamente, podem resumir-se assim: prioridade ao desenvolvimento; prioridade à

conectividade; prioridade à proteção das pessoas; e prioridade ao reforço da influência global da União Europeia.

Cremos que estas prioridades também enquadram bem algumas das tarefas fundamentais da União como

tal, ditadas pela evolução da situação que a Europa conhece, quer do ponto de vista económico, quer do ponto

de vista social, quer do ponto de vista da saúde pública.

Assim, a atenção ao desenvolvimento deve significar, necessariamente, uma atitude firme no sentido de um

compromisso positivo em torno do novo quadro financeiro plurianual, um compromisso que parte da proposta

inicialmente apresentada pela Comissão Europeia — que foi um bom ponto de partida, embora insuficiente — e

se aproxima das posições bem expressas pelo Parlamento Europeu.

Também no quadro da prioridade ao desenvolvimento, devemos conduzir uma política europeia capaz de

evitar uma nova recessão económica na Europa e, pelo contrário, saber empenhar todos os Estados-Membros

na transição ecológica, na transição digital, fazendo daí uma nova oportunidade para o crescimento da riqueza

e do emprego na nossa União.

Também é difícil falar, hoje, da necessidade de proteger as pessoas sem ter em conta duas urgências

imediatas que a União vive: por um lado, a urgência de impedir o alastramento da epidemia do coronavírus e

desenvolver as medidas necessárias para a sua contenção e depois para a mitigação e, por outro lado, a

urgência de construirmos, ao longo deste semestre, uma resposta europeia, uma política europeia das

migrações e do asilo, porque é essa a única capaz, favorecendo as migrações legais e respeitando o direito

internacional humanitário, de nos providenciar respostas efetivas a problemas como aqueles que se vivem hoje

na fronteira entre a Turquia e a Grécia.

Evidentemente, também, a prioridade no reforço do papel da Europa no mundo tem uma leitura imediata,

agora que conhecemos o documento para a estratégia conjunta entre a União Europeia e a União Africana, o

qual a Comissão Europeia publicou ainda esta semana.

Por todas estas razões, Portugal pensa que as prioridades definidas pela Presidência croata para o exercício

do primeiro semestre de 2020 constituem um bom quadro de orientação para a nossa ação coletiva.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — A Mesa registou a inscrição, para pedir esclarecimentos, de cinco Srs.

Deputados, aos quais o Sr. Ministro responderá em conjunto.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª FabíolaCardoso (BE): — Boa tarde, Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e

Srs. Deputados.

Sr. Ministro, as prioridades para a Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia parecem

ultrapassadas pela realidade e é sobre a realidade europeia de resposta à emergência da COVID que, para

começar, gostaria de colocar algumas questões.

Quando os 27 países se articulam, a Europa é mais forte para se defender, para enfrentar as crises.

Resultante da videoconferência, de ontem, do Conselho Europeu, foram definidas prioridades essenciais:

proteção da saúde dos seus cidadãos; implementação de respostas integradas políticas para, juntos, limitarmos

a propagação do vírus; investimento de emergência para garantir a disponibilidade de material médico e reforçar

a investigação científica. Até aqui estamos de acordo. Mas, quando se começa a perceber quais as medidas

concretas que vão ser tomadas para o combate relativo às consequências socioeconómicas negativas geradas

pela COVID e para onde vão ser encaminhados os 25 000 milhões, temos várias preocupações.

As estratégias divulgadas para reduzir o impacto económico e social da epidemia são contrárias às boas

intenções que foram declaradas. Em vez de anunciar linhas de apoio que permitam um investimento preventivo

em todos os serviços públicos, tendo à cabeça o serviço nacional de saúde de cada país, reforçando estratégias

de contenção e, assim, garantindo o menor impacto possível da doença, em vez de garantir o apoio económico

aos Países-Membros para que reforcem, com equipamentos e recursos humanos, os seus sistemas nacionais

de saúde para responderem a esta situação, em vez de esclarecer que nenhum Estado-Membro será perseguido

ou penalizado se não cumprir as regras orçamentais por causa de despesas com origem no combate a esta

doença, suspendendo claramente as regras orçamentais austeritárias durante esta crise, em vez disto, a

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Comissão continua a colocar os tratados à frente das pessoas e afirma que as regras do tratado orçamental já

são suficientemente flexíveis, o que se percebe, considerando as projeções recentemente divulgadas, por

exemplo, pela chanceler Merkel sobre a infeção na Europa, que não pode ser verdade.

Mais: não há nenhuma medida de apoio a quem fique sem trabalho, não há uma resposta social europeia

para impedir quebras de rendimento dos trabalhadores.

Sr. Ministro, o que propôs o Governo português para responder a estas preocupações, para responder pelos

salários e pelo emprego perante esta epidemia?

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís

Ferreira, do Partido Ecologista «Os Verdes».

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.

Ministro, pelo que ouvi da sua intervenção, estamos de acordo que a proposta de quadro financeiro plurianual

prejudica os interesses de Portugal. Por isso, a nosso ver, deve ser rejeitada com toda a firmeza pelo Governo

português.

De facto, esta proposta significa um corte de 12% das verbas destinadas à coesão económica e social

relativamente à verba do atual quadro financeiro. Ou seja, agrava ainda mais o corte previsto na proposta original

da Comissão Europeia com um dado ainda mais preocupante, que é o facto de esse agravamento incidir sobre

o Fundo Social Europeu e sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.

A proposta é, portanto, muito prejudicial para Portugal e para os países ditos da coesão e apenas dá resposta

às exigências ou aos interesses das principais potências da União Europeia e, por isso, deve ser encarada como

inaceitável pelo Governo português.

Mais, Sr. Ministro: se, eventualmente, houver atrasos na aprovação, na programação ou até mesmo na

execução das verbas desse quadro e esses atrasos forem, de alguma forma, utilizados como mecanismo de

pressão sobre os países mais dependentes dessas verbas, como é o caso de Portugal, o Governo português

não pode ceder a essas chantagens e deve, a nosso ver, não só rejeitar essas pressões como também não

abdicar de nenhum mecanismo ao seu dispor para defender os interesses do nosso País, incluindo o direito de

veto.

Gostaria, Sr. Ministro, que se pronunciasse sobre esta matéria, sobretudo se a proposta se mantiver.

Na semana passada, a Comissão Europeia apresentou a sua proposta sobre a designada «lei climática

europeia». Pretende-se, com esta lei climática, transformar o objetivo da União Europeia da neutralidade

carbónica em 2050 — que era, digamos, uma intenção — num imperativo legal, com vista a ter expressão

legislativa nos ordenamentos jurídicos de cada um dos Estados-Membros. É uma intenção com vista a dar

seguimento ao compromisso político de tornar a Europa no primeiro continente com neutralidade carbónica até

2050.

Segundo a Comissão, a transição para o novo modelo será gradual e justa — e nós vamos aguardar para

ver o que vai acontecer, sobretudo no que diz respeito à sua justiça —, mas, ao que parece, haverá acordo para

avançar de imediato com uma avaliação aprofundada do impacto desta transição económica e energética, o que

implicará, naturalmente, uma revisão dos objetivos da redução das emissões para 2030.

O Sr. BrunoDias (PCP): — É mais transação do que transição!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Ora, do que conhecemos desta lei climática europeia, ela não reflete

algumas das preocupações que constam do Pacto Ecológico Europeu, para além de apontar para metas pouco

ambiciosas e, sobretudo, por faltarem medidas concretas no curto prazo.

Ainda assim, interessava saber a posição do Governo português sobre esta lei climática europeia, pelo que

peço ao Sr. Ministro que se pronuncie em relação a esta matéria.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida,

do CDS.

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr. Ministro, efetivamente, o debate de hoje fica dependente daquele que é também, neste

momento, o condicionamento da política europeia. Todo o roteiro da Presidência croata está condicionado pela

resposta que a União tem de dar imediatamente a um problema que surgiu entretanto, o coronavírus.

As questões que queria colocar ao Sr. Ministro, sem prejuízo de outras questões estruturais e sobre as quais

já temos falado, têm exatamente a ver com esse tema. É que a resposta europeia corre o risco de, mais uma

vez, poder ser considerada tardia, insuficiente e vaga. Aliás, a própria reação àquilo que foi decidido pelos chefes

de Estado tem muito a ver com isso, porque, numa matéria tão importante, parece que a posição europeia

passou com pouca relevância, que, se calhar, é a que merece.

Em primeiro lugar, questiona-se porque é que a União Europeia só reúne ao nível de chefes de Estado e só

tem uma primeira resposta suficientemente forte e articulada depois de mais de meio milhar de europeus, de

cidadãos da União Europeia, terem morrido em consequência desta epidemia. Porque é que a União Europeia

não atuou mais cedo?

Em relação ao que é apresentado pela União Europeia como solução financeira, como pacote financeiro, os

25 bi, vemos que o Reino Unido, que tem situações diferentes com que lidar porque faz o esforço por si só —

ao contrário de outros Estados-Membros, a que, ao seu esforço nacional, acresce o esforço da União Europeia

—, apresenta um pacote de 30 bi, ou seja, superior àquele que a União Europeia apresentou ontem, com esta

ressalva que, naturalmente, torna a situação diferente. É fundamental perguntar se este pacote é suficiente —

uma pergunta que o próprio Primeiro-Ministro fez ontem.

Peço, pois, ao Sr. Ministro que comente se a União Europeia será rigorosa a seguir o roteiro que define,

porque, obviamente, todos temos a preocupação de que se possam repetir erros da crise de 2008, quando a

União Europeia começou com uma resposta e depois alterou-a introduzindo critérios que a comprometiam

substancialmente.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — É uma atualização muito superior!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não, não é uma atualização. Não vamos falar sobre a

componente nacional do problema, Sr. Ministro, porque aí a exigência de responsabilidades é muito superior. A

diferença é que nós nunca negámos o efeito externo criticando o efeito interno, nunca admitimos também que

se justificasse tudo o que aconteceu em Portugal com o efeito externo. É muito clara a nossa posição.

Mas o que interessa agora é saber se a União Europeia dá garantias de ter aprendido alguma coisa com a

crise de 2008 e se isso contribuirá para evitarmos um novo período recessivo na União, porque neste momento

essa preocupação tem de existir.

Sr. Ministro, vou colocar ainda questões muito concretas pelo facto de a resposta ser vaga.

Sr. Ministro, um dos programas europeus mais estimulantes principalmente para as novas gerações é o

programa Erasmus. O que é que a União Europeia já decidiu fazer, até este momento, em relação aos jovens

europeus que estão fora do seu Estado de origem, que estão, muitos deles, sem aulas, porque não há aulas

nos países onde se encontram, e que não podem regressar aos seus países, estando completamente

abandonados por uma União Europeia que teve a capacidade de criar esse Programa? Este é, provavelmente,

um dos programas que cria maior ligação entre os jovens e o projeto europeu e sobre isso a União Europeia

não diz nada, não diz absolutamente nada. O que é que deve acontecer? O que é que se deve fazer? O que é

que cada Estado-Membro deve fazer? O que é que cada estudante deve fazer? O que é que cada instituição de

ensino deve fazer?

A ineficácia da União Europeia a lidar com este tipo de problemas vê-se num caso concreto, como é o

programa Erasmus.

Por isso, Sr. Ministro, gostaria que respondesse a todas estas questões e que, caso consiga, mostre que, de

facto, este ceticismo que temos em relação à resposta europeia não é justificado.

Aplausos do CDS-PP.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Beatriz

Gomes Dias, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Boa tarde, Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr.as Deputadas e Srs.

Deputados.

Sr. Ministro, neste momento, milhares de crianças, mulheres e homens que fogem da guerra e de

perseguições estão a ser recebidos na fronteira entre a Grécia e a Turquia com agressões, gás lacrimogéneo e

balas de borracha. O seu único crime é a busca de uma vida mais digna e segura na Europa.

A Turquia abriu as portas à passagem de centenas de milhares de pessoas, que se acumulam em condições

indignas e de grande vulnerabilidade em campos de refugiados que há muito ultrapassaram a sua capacidade.

A resposta da guarda costeira grega foi atacar as embarcações que tentam desembarcar na sua costa,

disparando contra elas e provocando naufrágios e, inclusivamente, mortes.

A chamada «crise dos refugiados» não é mais do que a crise do modelo da Europa-fortaleza da Frontex, do

qual Portugal foi cúmplice — uma Europa que, ao arrepio dos princípios básicos do direito internacional e dos

seus próprios princípios, subcontrata a desumanidade ao assinar acordos como o que estabeleceu com a

Turquia.

Congratulamo-nos pelo facto de Portugal ter manifestado a sua disponibilidade para acolher menores

desacompanhados que se encontram em campos de refugiados na Grécia, mas só isso não chega. Temos de

abandonar este modelo de fechamento da Europa, que, como vemos de forma trágica, não está a resultar. Dará

Portugal esse passo?

É urgente a assunção de medidas de partilha solidária das responsabilidades no acolhimento e integração

de pessoas refugiadas e de abandono desta política desumana. O Governo português celebrou, em 2019, um

acordo com a Grécia, através do qual se disponibilizou a acolher 1000 pessoas que se encontram em campos

de refugiados naquele país. Até agora, este acordo não foi efetivado. Porquê? Para quando a concretização

deste acordo, Sr. Ministro?

Por último, no âmbito do programa voluntário de reinstalação do ACNUR (Alto Comissariado das Nações

Unidas para os Refugiados), o Governo assumiu o compromisso de reinstalar 1010 pessoas refugiadas que se

encontram na Turquia e no Egito. Em que ponto está este processo, Sr. Ministro?

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias,

do PCP.

O Sr. BrunoDias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos

Negócios Estrangeiros, este debate sobre as prioridades da Presidência do Conselho da União Europeia vem,

no fundamental, dar continuidade às discussões que temos realizado sobre as opções políticas e as orientações

nesta matéria e há, naturalmente, aspetos dessas prioridades assumidas pela Presidência croata que importa

trazer ao debate.

Porém, tendo em conta o momento em que esta discussão tem lugar, já se vai tornando apropriada uma

abordagem não só às prioridades apontadas como, inclusive, à sua aplicação no concreto, numa Presidência

que vai praticamente a meio.

Ora, a pergunta que se coloca é a seguinte: que balanço faz o Governo da intervenção que está a ser feita

agora pela Presidência croata, em articulação com a Comissão Europeia, em dossiers como o quadro financeiro

plurianual que, desde logo, face aos resultados que sem surpresa saíram do último Conselho Europeu

extraordinário, levantam aqui exigências reforçadas de intervenção e de ação em defesa do interesse nacional?

Que caminho está a ser seguido nesta matéria ao nível da Presidência da União Europeia e que análise faz

o Governo dessa intervenção e dessas diligências?

Sobre as prioridades que foram assumidas e apresentadas, inclusive aqui na Assembleia da República, pelo

Estado croata, aquilo que importa, apesar de tudo, registar é uma visão que carece, no mínimo, de alguma

reflexão sobre os caminhos que temos e as opções que são colocadas e que se impõe discutir relativamente à

Europa e àquilo que está colocado na União Europeia.

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No capítulo Uma Europa que se desenvolve, o documento da Presidência croata refere cinco prioridades no

que diz respeito ao desenvolvimento regional — o título é Desenvolvimento regional equilibrado — e três dessas

prioridades são reforçar a União Económica e Monetária e o euro, prosseguir o desenvolvimento da União dos

Mercados de Capitais e assegurar a qualidade igual de produtos nos mercados dos Estados-Membros.

Ora, do ponto de vista do desenvolvimento regional e da coesão, estamos muito longe das respostas

necessárias às questões que se colocam hoje em dia aos povos da Europa, aos seus países e, nomeadamente,

ao nosso País.

Portanto, há aqui preocupações e perplexidades que não podem deixar de se colocar face àquilo que está

assumido e anunciado como programa político ao nível da Presidência croata.

Por outro lado, Sr. Ministro, é incontornável destacar e abordar, desde já, a situação da migração na fronteira

greco-turca e a resposta dada pela União Europeia.

Falamos de seres humanos que fogem da guerra e da fome, e ninguém abandona o seu lar e o seu país de

ânimo leve.

Falamos da União Europeia, que tem uma dupla responsabilidade nesta situação: primeiro, apoia e participa

na agressão e desestabilização de países terceiros, tal como o meu camarada Deputado António Filipe já aqui

referiu, e depois a União Europeia que se arvora paladina dos direitos humanos convive hipocritamente com a

situação desumana nesses campos de concentração e faz acordos vergonhosos com países como a Turquia.

Portanto, a questão que se coloca e as necessidades que se impõem são: condenar a agressão turca à

República Árabe Síria, dando-lhe todo o apoio no combate ao terrorismo e na defesa da sua integridade territorial

e soberania no respeito pelo direito internacional; rejeitar a consolidação do conceito de União Europeia

fortaleza, que criminaliza aqueles que procuram ou oferecem ajuda; defender o direito internacional,

nomeadamente o direito de asilo; e promover políticas genuínas de cooperação para o desenvolvimento que

assegurem direitos, progresso social e paz. É sobre esta questão que era importante que o Governo português

se pronunciasse.

Sr. Ministro, para terminar, gostaria de colocar uma questão que tem a ver com a proposta de mandato de

negociação sobre uma nova parceria com o Reino Unido, tendo em conta que é também outra das prioridades

da Presidência croata. E isso está assumido, desde logo, no seu documento.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Termino já, Sr.ª Presidente.

Na verdade, está colocada a proibição de os Estados, no exercício da sua soberania, negociarem e

estabelecerem relações bilaterais com o Reino Unido, pretendendo atribuir o exclusivo direito de negociação à

União Europeia, o que é particularmente grave se pensarmos nas relações que Portugal tem desenvolvido com

o Reino Unido e com a relevante comunidade emigrante nesse País. Daí que também importe que o Governo

tenha uma palavra sobre essa matéria.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios

Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr.ª Presidente, começo por agradecer as

questões colocadas pelas Sr.as e pelos Srs. Deputados e, se me permitirem, por uma questão de organização

do tempo, responderei tematicamente. E foram cinco os temas colocados.

Primeiro, o tema da lei climática. Entendemos que a proposta apresentada pela Comissão Europeia é um

bom ponto de partida e que agora há muito trabalho a fazer, visto que no próprio cronograma previsto caberá à

Presidência portuguesa concluir este processo que implica um processo de codecisão e aprovação pelo

Parlamento Europeu.

O segundo tema, o do quadro financeiro plurianual, é evidentemente de muito relevo e de urgência. É

necessário, Srs. Deputados, concluir este processo o mais rapidamente possível para que não haja hiato na

transição entre o presente quadro e o próximo quadro financeiro plurianual. Entendemos, contudo, que a

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proposta apresentada pela Presidência finlandesa era má e que má foi também a proposta apresentada pelo

Presidente do Conselho Europeu. Portanto, ela foi recusada pela larguíssima maioria dos Estados-Membros e

agora estamos todos envolvidos num processo para chegar a um compromisso.

Reitero que, do ponto de vista português, é muito importante ter a noção de que esse compromisso tem de

ser entre o ponto de partida da Comissão Europeia e o ponto de partida do Parlamento Europeu e não

propriamente abaixo do próprio ponto de partida da Comissão Europeia.

Trata-se aqui, evidentemente, da questão do volume de recursos associados à ambição europeia, mas

também da estrutura da despesa pública. E no que diz respeito à estrutura da despesa pública nós defendemos

que não deve haver cortes nas políticas agrícola e de coesão, que são políticas fundadoras do ideal europeu.

Em relação ao terceiro tema, que é o mandato negocial para a parceria futura entre a União Europeia e o

Reino Unido, posso descansar o Sr. Deputado Bruno Dias, se me permite, visto que o que nós aprovámos foi o

mandato relativo ao acordo entre a União Europeia, portanto entre os 27 e o Reino Unido. Nós temos toda a

vantagem em que esse acordo se faça, que seja um acordo económico e comercial forte. A nossa ambição é

descrita nestes termos simples: queremos zero quotas, zero tarifas e zero dumping no nosso comércio com o

Reino Unido.

Portugal é um beneficiário muito evidente dos acordos comerciais que a União Europeia celebra com outros

países, basta ver a evolução das nossas exportações para o Canadá, desde a aprovação do CETA

(Comprehensive Economic and Trade Agreement). Estamos envolvidos nesse processo negocial, conduzido por

uma equipa negociadora que nós próprios escolhemos, mas que é escrutinado e enquadrado pelos Estados,

pelo Conselho Europeu desde logo e, depois, pelo Conselho da União Europeia.

Em relação ao quarto tema, o da epidemia de coronavírus, a COVID-19, queria dizer duas coisas. A primeira

é basicamente em resposta ao Sr. Deputado João Almeida, cuja compreensão do que aconteceu em 2008 saúdo

— embora tardia, é sempre bom chegar, ainda que tarde, a uma compreensão adequada do que são as crises

económicas e as respostas políticas a essas crises. Queria sossegá-lo no sentido de que o ponto essencial da

intervenção do Primeiro-Ministro no Conselho Europeu, como ele próprio explicou depois à imprensa

portuguesa, foi o de que não podemos voltar a ser — se me permite a expressão apenas metafórica —,

«esquizofrénicos»: num momento, aprovar que precisamos de contrariar a recessão económica — esse é o

nosso objetivo essencial; e temos de pôr entre parênteses a disciplina orçamental — e, no momento seguinte,

estarmos a castigar a própria execução do nosso compromisso. Isso, desta vez, não sucederá.

Quanto à questão concreta que coloca em relação ao Programa Erasmus, os estudantes Erasmus estão

sujeitos às regras das autoridades de saúde dos países em que se encontram. Neste momento, há um país, a

Itália, que está numa espécie de quarentena nacional e a nossa recomendação aos estudantes que lá se

encontram é que cumpram essas regras. Os estudantes Erasmus nos outros países têm a sua circulação livre

e se acaso não têm aulas podem escolher ficar nesses países ou regressar a Portugal.

Quanto ao quinto tema — com a licença da Sr.ª Presidente —, agradeço a saudação que a Sr.ª Deputada

Fabíola Cardoso fez à posição portuguesa, que me parece, aliás, uma saudação muito justificada. De facto,

Portugal tem contrariado a ideia de Europa-fortaleza e tem sido muito estrito na ideia de que a questão dos

refugiados é uma questão de direito internacional humanitário e que, portanto, o acolhimento de refugiados é

um nosso dever; e sendo a política das migrações uma política nacional — e o Estado pode mudar e construir

e reconstruir a sua política de migrações —, a Europa tem toda a vantagem em ter uma resposta comum às

migrações.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Queira concluir, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Concluo já, Sr.ª Presidente.

A única resposta realmente importante, estrutural, efetiva às migrações irregulares e ao tráfico de seres

humanos é a organização legal das migrações.

Portugal foi, aliás, escolhido e convidado pela Organização Internacional para as Migrações para ser um dos

dois países do hemisfério norte campeões na implementação do Pacto Global para as Migrações, e foi com

muita honra e muito agrado que nós respondemos positivamente a esse convite.

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Meireles,

do PSD.

A Sr.ª Isabel Meireles (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Como sabemos, a

Croácia é um dos Estados-Membros mais recentes, que saiu da sangrenta guerra dos Balcãs na década de 90

e que, justamente, após vários anos de negociações, aderiu à União Europeia.

Em nome do PSD, começo por desejar as maiores felicidades a esta Presidência, bem como ao Primeiro-

Ministro Plenkovic para liderar os destinos do Conselho, num contexto de recuperação e respeito mútuo entre

os Estados-Membros.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Meireles (PSD): — A Presidência croata tem um mote muito forte: uma Europa num mundo de

desafios, uma Europa forte, que é mais atual do que nunca.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros elencou as quatro prioridades da Presidência croata: uma Europa

que desenvolve, que liga, que protege e que é influente. E, numa era de transformações digitais, que estão a

moldar para sempre as nossas vidas, eu diria que a União Europeia se depara com desafios na economia e no

mundo do trabalho verdadeiramente importantes. Falamos, concretamente, em soberania digital, que significa

ter em conta a capacidade que a Europa deve ter para fazer as suas próprias escolhas, é evidente, mas sempre

com base nos seus próprios valores e respeitando as suas próprias regras, sobretudo numa era em que os

algoritmos interferem com as nossas vidas e em que as questões de segurança e de privacidade das pessoas

estão também na ordem do dia. Assim, nenhum setor pode dar-se ao luxo de crescer à margem do conhecimento

tecnológico, e agora, mais do que nunca, e sobretudo, na saúde pública.

A primeira questão é de ordem conjuntural. A Europa e o mundo — não se fala de outra coisa nos últimos

tempos — estão confrontados com o surto da COVID-19, que já contaminou os mercados financeiros, as bolsas

e alastrou a mais de 100 países. A Itália e a França caminham para a recessão técnica e o coronavírus —

perdoem-me a expressão — já «limpou» alguns biliões de euros das bolsas mundiais.

Sr. Ministro, teme que a Presidência croata possa ficar refém desta situação de saúde pública, que é também

um teste à União Europeia e, obviamente, a todos os Estados-Membros?

Como espera proteger a nossa economia deste problema, que, aliás, já motivou reuniões do Ministro da

Saúde e da própria OMS (Organização Mundial da Saúde)? Vi hoje, aliás, com muita satisfação, que o Conselho

Europeu reuniu por teleconferência, sendo que a equação tecnológica começa a entrar também neste tipo de

emergência.

É que a crise — digo eu — atacou o Governo onde ele mais se desleixou: na saúde. E não se pode pensar

em enfrentar uma situação extraordinária com medidas meramente ordinárias.

A minha segunda questão é de âmbito político, social e humanitário. Já aqui foi referido que a Turquia, neste

momento, está a fazer uma chantagem inaceitável com a União Europeia ao ameaçar abrir as suas fronteiras,

fronteiras que pertencem ao território da União Europeia, nomeadamente a fronteira turco-grega, quando, em

2016, recebeu montantes financeiros volumosos para combater a passagem clandestina destes migrantes para

o território da União Europeia. E, atenção, que são cerca de 3,5 milhões de refugiados sírios que vivem neste

momento na Turquia!

Já foi promovido apoio financeiro à Grécia, reforço da Frontex, mas, Sr. Ministro, no caso de a Presidência

croata — mais uma vez vou usar uma expressão chã — não conseguir dar conta da «batata quente» e a passar

para a Presidência alemã, eventualmente ainda nos vem ter à mão no princípio do próximo ano quando

exercermos a Presidência.

Concorda que esta é uma questão complexa e que não basta atirar dinheiro para cima destes problemas?

Já agora, como é que estamos em relação à receção de migrantes menores não acompanhados que

dissemos que íamos receber? Quantos, como e com que meios?

Terceiro e último ponto: a convergência real de Portugal em relação à União Europeia.

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O Fórum para a Competitividade prevê que o crescimento do PIB (produto interno bruto) abrande para 1,7%

neste ano e no próximo ano e propõe a criação de um grupo de trabalho justamente para analisar os maus

resultados de Portugal face aos restantes países da coesão.

É contraditório e preocupante que o Governo «encha a boca» falando sistematicamente de convergência

real com a União Europeia, até porque se prevê que, em 2024, Portugal passe a ser um dos quatro países mais

pobres da União Europeia.

Sabem quantas vezes é citada a palavra «convergência» no Programa do Governo? Dezasseis vezes! São

16 referências à expressão «convergência» no contexto da União Europeia e da zona euro.

É, sobretudo, em clima de crise que o Governo deverá demonstrar aquilo que vale, uma vez que não vai

contar com a popularidade fácil do período do «virar a página da austeridade», que, aliás, foi feito, recorde-se

aqui, pelo Partido Social Democrata.

Em 2020 e em 2021, só a Espanha deverá crescer menos do que Portugal, devido a uma série de

desigualdades, de falta de oportunidades, de falta de vontade política.

E, para o Governo, este vai ser o «teste do algodão». O «otimismo irritante» não passa disso mesmo, de um

estado de espírito. Portugal não é o País das Maravilhas, mas o País do fracasso das políticas socialistas. Para

Alice, bastava-lhe sonhar com algo mais para que esse sonho se tornasse realidade; para os portugueses, é

preciso apresentar resultados. E, desta vez, Sr. Ministro, tenho a certeza de que, se a culpa não for do PSD, o

Governo vai rapidamente encontrar um outro bode expiatório.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Constança Urbano

de Sousa, do PS.

A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs.

Deputados: A Croácia assume, pela primeira vez, neste semestre, a Presidência do Conselho da União

Europeia, cujas prioridades seriam aqui hoje debatidas — era este, pelo menos, o objetivo — e cujo lema, que

é um bom lema, é «Uma Europa forte num mundo de desafios». Subjaz a este lema uma ideia de unidade,

unidade que, de facto, é necessária para enfrentarmos os enormes e complexos desafios.

Mas a vida é o que é e, não obstante a ambição deste programa, a Presidência croata vai ficar marcada por

dois eventos: um deles, totalmente inesperado e, o outro, infelizmente esperado. O primeiro é a epidemia da

COVID-19, um evento, de facto, totalmente inesperado e que nos afeta a todos, a toda a Europa, a todo o

mundo. Ontem, realizou-se uma reunião por videoconferência do Conselho Europeu, onde foram tomadas

medidas importantes e urgentes. Não podemos ignorar que esta epidemia vai pôr à prova a União Europeia e a

sua capacidade para se manter forte e unida, não apenas nas medidas de coordenação, para limitar tanto quanto

possível a propagação deste vírus, mas também na solidariedade imediata, no que diz respeito ao fornecimento

dos equipamentos e de tudo aquilo que seja necessário para debelar no imediato esta doença, e também no

investimento nas medidas de mitigação do impacto que esta epidemia vai ter nas nossas economias.

Em relação a este último aspeto, é urgente que este fundo de 25 000 milhões de euros, anunciado pela

Comissão Europeia, chegue, e rapidamente, à economia.

Mas é também extremamente importante, Sr. Ministro, que o grau de ambição quanto à flexibilização na

aplicação das regras europeias relativas aos auxílios de Estado e ao Pacto de Estabilidade seja real, de forma

a que os Estados-Membros que invistam nos seus sistemas de saúde e que ajudem as suas empresas não

venham mais tarde a ser penalizados por isso.

O segundo evento, que não é um evento inesperado, é a situação migratória que se vive hoje na fronteira

externa da União Europeia e, em particular, na Grécia. Embora não tenha grande cobertura mediática em

Portugal, estou convencida de que este vai ser o tema que vai dominar nos próximos meses a agenda política

da União Europeia.

Uma das prioridades da Presidência croata é, precisamente, a definição de uma política de imigração não

apenas baseada no reforço do controlo de fronteiras e na cooperação com países-terceiros mas que também

inclua uma abordagem coerente e abrangente de todos os aspetos internos e externos da imigração, incluindo

a imigração legal e a reforma do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA).

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A verdade, também, é que esta é uma prioridade reiterada nos últimos anos. E a sensação que hoje temos

é a de que a Europa, cinco anos depois, não está preparada para enfrentar um fluxo idêntico àquele que teve

de enfrentar em 2015/2016.

Esta imagem dos campos de refugiados nas ilhas gregas e dos últimos acontecimentos reforça esta perceção

e também mostra muito bem como a Europa está hoje numa encruzilhada, num dilema, o dilema da escolha

entre reforçar a sua fronteira externa ou respeitar o direito de asilo e os direitos humanos.

Este é um dilema que é vivido diariamente. Recordo aqui o exemplo, da semana passada, de um comandante

de um navio de patrulha da marinha dinamarquesa que se recusou a cumprir a ordem que lhe foi dada pelos

responsáveis da Operação Poseidon da Frontex para devolver 33 imigrantes que tinha acabado de resgatar. E

recusou porquê? Porque optou pelo respeito dos direitos humanos.

Mas os acontecimentos da última semana também evidenciaram que a externalização de responsabilidades

na proteção de refugiados é um fator de extrema vulnerabilidade da própria Europa. Apesar do alívio alcançado

na reunião ao mais alto nível com o Presidente Erdogan, a verdade é que não é apenas a Turquia que pode, a

todo o momento, exercer a pressão migratória como arma de pressão política ou mesmo de chantagem política.

E não podemos esquecer-nos de que, hoje, na vizinhança da União Europeia, existem milhares, para não

dizer milhões, de pessoas desesperadas, que muitas vezes não têm outra alternativa.

Não é só a Turquia que, em termos absolutos, acolhe o maior número de refugiados do mundo. O Líbano é

um país que, em termos absolutos, acolhe um número muito superior de refugiados ao de muitos países da

União Europeia e que, em termos relativos, é talvez o País com a maior quota de responsabilidade na proteção

de refugiados no mundo. E o Líbano está numa situação de bancarrota, pelo que é expectável que tal possa

também originar, a breve trecho, um enorme êxodo.

Por isso, é necessário que, finalmente, a Europa mude o seu paradigma de política de imigração e não

internalize o medo — o medo, muitas vezes induzido na opinião pública, da imigração e, em geral, da

globalização —, mas adote uma política responsável e que não seja baseada, única e exclusivamente, no

controlo de fronteiras externas, pela simples razão de que o fenómeno migratório é demasiado complexo e nada,

nada poderá jamais deter a força das pessoas, do ser humano em desespero.

Portanto, quer queiramos quer não, vamos acolher, nas próximas décadas, um número maior ou menor de

pessoas que hão de procurar, na Europa, refúgio e melhores condições de vida.

Por isso, é altura de mudar de estratégia. Em vez de tentarmos parar aquilo que não podemos parar, vamos

gerir os fluxos regulares, em vez de «pôr todas as fichas» numa política que não tem estado a dar resultados,

como se vê no nosso dia a dia, vamos mudar de paradigma e ter finalmente uma política em que a Europa

assuma o imperativo dos seus deveres civilizacionais, de respeito pelos direitos humanos e também reconheça

que a imigração não é um mal, é inevitável e vai sempre acontecer. E vai acontecer, primeiro, enquanto existirem

os fatores que a causam — e esses são conhecidos e são os mesmos ao longo da história da humanidade —

e, segundo, enquanto a economia europeia precisar de mão de obra para o seu desenvolvimento. E não nos

podemos esquecer de que hoje a economia europeia também sofre uma enorme pressão do declínio

demográfico.

Portanto, temos de organizar vias legais de imigração, que são a forma mais racional e inteligente de lutar

contra as redes de imigração clandestinas, que fazem do desespero humano um negócio ignóbil, negócio esse

que, infelizmente, é potenciado por crescentes controlos nas fronteiras externas, que, pura e simplesmente,

aumentam — se quisermos, numa linguagem muito economicista — a margem de negócio destas mesmas

redes.

Vamos, de uma vez por todas, na Europa, assumir esta questão com realismo, pragmatismo e, sobretudo,

respeito pelos valores fundacionais desta nossa Europa, que continuamos a querer que continue a ser a nossa

Europa.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira,

do PEV.

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O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dois dos eixos da atual

Presidência, em termos de prioridades, apontam para «uma Europa em desenvolvimento» e para «uma Europa

que liga», mas quando olhamos à nossa volta o que vemos na Europa é pouco desenvolvimento e até uma

regressão ao nível do combate à pobreza. Se dúvidas houvesse, bastaria olhar para o estudo da Eurofound,

recentemente apresentado, sobre a pobreza de quem trabalha. Segundo esse estudo, um em cada dez

trabalhadores na média da União Europeia está em risco de pobreza.

Ora, um dos anunciados propósitos da Estratégia 2020 é exatamente o combate à pobreza e à exclusão

social. Mas, à semelhança do que é habitual na União Europeia, tratou-se apenas de mais um anúncio «para

inglês ver» ou, melhor, «para europeu ver» e os trabalhadores europeus continuam a ser empurrados para

situações de profunda privação material, de pobreza e de exclusão social.

E se é verdade que a taxa de desemprego baixou, também é verdade que os empregos criados não

respondem ao essencial, de forma a permitir que as pessoas escapem da pobreza.

As novas relações laborais que se foram estabelecendo são absolutamente precárias, com uma proteção

mínima, quando existe, e, quanto ao salário, é quase sempre o salário mínimo que acaba por imperar.

Ou seja, o desenvolvimento, enquanto prioridade, continua a ser apenas um anúncio «para europeu ver».

Quanto ao outro eixo — «uma Europa que liga» —, basta atender ao que se passa com a política da União

Europeia para as migrações, para ficarmos devidamente esclarecidos sobre a importância que é dada a este

eixo.

A União Europeia assinou um acordo com o Governo da Turquia, em março de 2016, para travar o acesso

dos refugiados imigrantes ao território europeu. Ou seja, a União Europeia não construiu um muro, mas alugou

uma porta que se pretendia fechada. E os resultados estão à vista: a porta abriu e a União Europeia está agora

na expectativa de que as autoridades turcas cumpram as obrigações que assumiram para terem acesso a um

financiamento de 6000 milhões de euros, que é o preço da porta fechada. Ou seja, «a Europa que liga» é, afinal,

a Europa que compra portas para fechar e aluga fortalezas para levantar.

São estas as prioridades da União Europeia: uma Europa que se alimenta de anúncios e intenções.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues,

do PAN.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando estamos a menos de

10 meses do início da Presidência portuguesa da União Europeia, o debate sobre as prioridades da Presidência

do Conselho é fundamental. E falando diretamente de prioridades, esperamos que, nos próximos meses,

durante as Presidências croata e alemã, possamos finalmente chegar a acordo para um novo quadro financeiro

plurianual.

Estamos ainda muito longe de um acordo por diversas razões, mas a principal é a desvalorização das mais-

valias que a pertença à União Europeia e ao mercado único trazem a todos os povos europeus.

Esta narrativa de países contribuintes líquidos — ou pagadores — versus países recebedores para além de

demagógica é falsa.

Como se vai verificar a breve prazo, com as consequências económicas, financeiras e sociais do Brexit,

países como a Alemanha ou a Holanda beneficiam muitíssimo com o projeto europeu. Apesar de, formalmente,

contribuírem com mais dinheiro para o orçamento europeu do que recebem diretamente sobre os diversos

programas, o facto de todos os outros países lhes comprarem mais produtos manufaturados, serviços

financeiros, componentes eletrónicos, entre outros produtos, bens e serviços, por via do mercado único, faz com

que as suas economias sejam mais resilientes e robustas. Se os líderes políticos quisessem ou soubessem

explicar isto aos seus cidadãos, seria mais fácil chegarmos a um acordo e a um orçamento mais pujante,

equilibrado e adaptado aos desafios atuais.

Naturalmente, para nós, o maior desafio é o combate às alterações climáticas. Já não temos, sequer, 10

anos para travar este modelo irracional de produção e consumo.

Se a Europa não liderar, se não se dotar de um orçamento comunitário que vá ao encontro da urgência

climática, perdemos a oportunidade de ser o polo transformador da economia mundial e colocamos

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definitivamente em risco a nossa existência como espécie. Sabemos que os Estados Unidos da América e a

China apenas mudarão de rumo se pressionados geopolítica e economicamente pela Europa. É, por isso,

fundamental que a Europa esteja na liderança. E devemos liderar também no pilar dos direitos sociais.

No início do próximo ano será apresentado um plano de ação para a implementação do Pilar Europeu dos

Direitos Sociais, mas já durante a Presidência croata começarão os trabalhos preparatórios. Este Pilar foi

proclamado por todas as instituições em 2017 e consagra princípios e direitos em três grandes áreas: a

igualdade de acesso e de oportunidades de mercado de trabalho, condições laborais justas e a inclusão e

proteção sociais.

É vital que Portugal lute pela aplicação prática destes princípios e que garanta todos os esforços para tornar

realidade algo que pode melhorar definitivamente a vida de milhões de europeus.

Mas não nos enganemos: atualmente, com os movimentos populistas de direita e de esquerda,

assumidamente anti-Europa, nada está garantido. Esperamos que a Presidência portuguesa seja um motor de

desenvolvimento responsável, de afirmação dos direitos humanos, de mercado único eficiente e justo e que o

combate ao impacto das alterações climáticas seja o chapéu de todas as transformações sociais e económicas.

Também subscrevo o que já foi aqui referido relativamente aos direitos humanos dos refugiados e ao facto

de todos os Estados-Membros deverem mobilizar esforços no sentido de garantir esses direitos. Não podemos

ignorar as crianças que se encontram, neste momento, sujeitas à fome, ao frio e à violência do contexto de

guerra. Neste sentido, a minha pergunta é se, de facto, existe esta vontade política.

No que diz respeito à Cooperação Estruturada Permanente, que foi estabelecida a 11 de dezembro de 2017,

através de uma decisão do Conselho, temos assistido, desde então, ao uso desta cooperação como mote para

a construção de um exército europeu. A nosso ver, este é um caminho perigoso, que desvirtua o princípio da

cooperação europeia em matérias de defesa e segurança. E, por detrás da cortina de fumo da PESCO, os

objetivos parecem ser claros por parte da Comissão Europeia. Em Davos, a Presidente Von der Leyen comentou

que a União Europeia deve reforçar a sua capacidade de ação em termos de defesa e criar uma estrutura militar

complementar e independente da NATO.

Bem sabemos que a Presidente foi Ministra da Defesa na Alemanha e que, neste mandato, se junta ao

complexo industrial militar para reforçar dotações, financiamento e investigação em torno da expansão desta

indústria de morte. E é aqui que discordamos desta estratégia e destes investimentos no próximo quadro

financeiro plurianual.

Investir na máquina de guerra com o argumento pacifista, em vez de reforçarmos o financiamento de uma

transição social, económica e cultural para um modelo de desenvolvimento responsável e descarbonizado bem

antes de 2050 é cavar a nossa própria sepultura.

Os valores propostos no quadro plurianual são claros. Na proposta da Comissão estão definidos 13 000

milhões de euros para o Fundo Europeu de Defesa. Neste Fundo, 4,1 mil milhões de euros são reservados ao

financiamento direto de projetos de investigação. Para além da fase de investigação, serão disponibilizados mais

8,9 mil milhões de euros para complementar os investimentos dos Estados-Membros, cofinanciando as

despesas de desenvolvimento de protótipos e testes subsequentes destas investigações militares. Ou seja, mais

vigilância, tanques, aviões, armas, mais morte e destruição. O militarismo no seu expoente máximo.

Sim, devemos investir na cooperação militar entre nações, mas não tornar prioritário o militarismo europeu.

A história tem-nos demonstrado, vezes e vezes sem conta, que a violência não é a resposta e a estratégia de

dividir e conquistar, tão propensa aos movimentos populistas, brota com a criação de inimigos invisíveis e o

medo generalizado.

Assim, a minha pergunta é no sentido de saber se o Sr. Ministro vê ou não esta cooperação como um caminho

para a organização de um exército europeu.

Aplausos do PAN.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Eduardo

Reis, do PSD.

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O Sr. Carlos Eduardo Reis (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs.

Deputados: No mundo de incertezas em que vivemos, de riscos crescentes e novas ameaças à segurança das

pessoas e dos seus bens, prover a segurança é uma função essencial do Estado.

O terrorismo global, as ciberameaças, os riscos ambientais e financeiros, as assimetrias económicas, as

catástrofes naturais, a escassez de recursos, os conflitos étnicos e religiosos, as guerras civis na vizinhança da

União Europeia geradoras de movimentos migratórios descontrolados, a corrupção, a lavagem de dinheiro e o

furto de informações são desafios globais que exigem soluções globais; são ameaças mutáveis que pressupõem

respostas integradas.

As Forças Armadas do século XXI não podem ser apenas o garante da integridade territorial ou da soberania

nacional, têm de ser, igualmente, um agente ativo na promoção da segurança internacional e da proteção dos

cidadãos em tempo de paz, contribuindo, por exemplo, para a estabilização de conflitos em regiões de África e

do Médio Oriente, que afetam a segurança europeia, bem como na resposta a situações de emergência em

território nacional, como aconteceu nos recentes episódios da queda da estrada de Borba ou dos incêndios de

Pedrógão, através do reforço de unidades militares de emergência.

A Cooperação Estruturada Permanente é uma resposta aos desafios globais e pode, se cumprida, ser uma

solução global. Trata-se de um desenvolvimento expressamente previsto no Tratado de Lisboa, que não envolve

qualquer transferência de soberania, mantendo um caráter intergovernamental e não entrando em conflito com

a NATO, contribuindo mesmo para reforçar o chamado «pilar europeu da organização».

Na altura da sua criação, o ex-Ministro da Defesa, Azeredo Lopes, afirmou que a presença como membro

fundador era uma oportunidade única que surgia para Portugal e que permitia ao nosso País «estar dentro para

influenciar naquilo que nos interessa».

Posto isto, o importante aqui é saber o que realmente interessa a Portugal neste processo. De um conjunto

de objetivos, como o da criação de um quadro legal para enquadrar investimentos em segurança e defesa, que

permita aos Estados participantes melhorarem as suas capacidades militares através de iniciativas concertadas,

Portugal pode e deve encarar isto como uma grande oportunidade. E, nessas oportunidades, o mar, com a

nossa vocação atlântica, a lusofonia como relação preferencial, e a potenciação da nossa indústria, através do

Fundo Europeu de Defesa, são boas áreas de aposta.

O mar é o recurso estratégico mais importante do nosso País, mas é também aquele que mais desafios

oferece à segurança nacional. Portugal deve intensificar relações com as agências europeias que têm como

missão a defesa integrada dos oceanos, como é o caso da Agência Europeia da Segurança Marítima, garante

da gestão equilibrada e sustentada dos recursos do mar. A segurança deve, pois, também, ser uma ferramenta

de proteção ambiental.

Além do mais, a NATO valoriza o posicionamento atlântico de Portugal como um vetor estratégico para o

reforço da cooperação da defesa entre a América do Norte e a Europa. O nosso País deve, portanto, liderar, na

União Europeia, a defesa de uma política externa que complemente e não duplique as capacidades e missões

da NATO, promovendo o fortalecimento do elo transatlântico.

A segunda oportunidade é aquela que encontramos nos PALOP (países africanos de língua oficial

portuguesa). Dada a proximidade cultural e histórica com os países da lusofonia, Portugal tem de assumir a sua

posição de interlocutor preferencial nas questões que envolvam estes países no âmbito da política comum de

segurança e defesa.

A terceira grande oportunidade que aqui quero abordar, e que o Sr. Ministro também já abordou, prende-se

com o Fundo Europeu de Defesa. Os 13 000 milhões deste Fundo não devem ficar perdidos nos grandes países;

antes devem servir a vocação desta ideia de cooperação estruturada e da criação de uma sociedade resiliente.

O Estado português deve liderar iniciativas que promovam a resistência e a combatividade das sociedades

modernas, como é o caso da criação do mecanismo europeu de proteção civil ou da entrega da unidade de

comando da Proteção Civil às Forças Armadas, em consonância com a Constituição da República Portuguesa,

que atribui este tipo de missões às Forças Armadas, no n.º 6 do seu artigo 275.º.

O Fundo Europeu de Defesa deve ser explorado pelas empresas portuguesas, em articulação com os órgãos

da defesa nacional, tendo em vista reforçar a investigação e o desenvolvimento de capacidades essenciais para

as atividades de patrulha, vigilância, fiscalização, busca e salvamento marítimo, resposta a acidentes marítimos

— poluição incluída —, e apoio, proteção e salvaguarda de pessoas e bens em situação de emergência e

catástrofe, desde a faixa costeira até aos limites da plataforma continental sob nossa responsabilidade.

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Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, um País que esteve na criação da NATO não pode ficar na cauda da

Cooperação Estruturada Permanente.

O Sr. António Filipe (PCP): — Isso da NATO foi com o Salazar!

O Sr. Carlos Eduardo Reis (PSD): — Os novos riscos são invisíveis. O facto de não terem rosto exige

respostas globais e integradas por parte dos agentes do Estado, mas requer uma intensificação da educação

dos cidadãos para estes riscos que geram insegurança, nomeadamente no digital.

Estes novos riscos também são imprevisíveis. Sabemos que vão acontecer e não se podem evitar. Devemos,

pois, trabalhar na prevenção e mitigação dos seus efeitos no que à segurança dos cidadãos e dos seus bens

diz respeito.

Se cumprir estes desígnios, a Europa vai, com toda a certeza, liderar a agenda da educação para o risco,

envolvendo todos, através da mobilização das escolas, das universidades, dos meios de comunicação social,

das polícias, das Forças Armadas, da ciência e da inovação.

A Cooperação Estruturada Permanente é um desafio e uma oportunidade demasiado grande para Portugal

prescindir de criar condições e estar na primeira linha de defesa e segurança, pelas pessoas, não fazendo a

guerra e promovendo a paz.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lara

Martinho, do PS.

A Sr.ª Lara Martinho (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É

importante começar por salientar, neste debate, o empenho de Portugal na construção da identidade europeia

de defesa e na Cooperação Estruturada Permanente, reforçando a sua capacidade militar e, simultaneamente,

as suas indústrias de defesa em complementaridade com a contribuição para a NATO, como o Sr. Ministro bem

referiu na sua intervenção inicial.

Três anos após a União Europeia ter adotado a estratégia global no domínio da segurança e da defesa, os

avanços nesta área são, de facto, evidentes. As prioridades estratégicas da União saem reforçadas,

designadamente na resposta a conflitos e crises externas, no desenvolvimento das capacidades de segurança

e defesa dos Estados-Membros e na proteção da União Europeia e dos seus cidadãos.

A União Europeia passou a afirmar-se como um ator decisivo na defesa do multilateralismo, da relação

transatlântica e de uma ordem mundial assente em regras. E essa afirmação revela-se cada vez mais

fundamental, desde logo, porque, na realidade, a conjuntura internacional alterou-se e continua a alterar-se.

Desde a anexação da Crimeia à ameaça terrorista e à instabilidade crescente que se vive nas fronteiras, vivemos

num permanente novo paradigma de segurança e defesa para o qual devemos ter respostas.

Mas também politicamente a realidade se altera. Veja-se, por exemplo, a posição cada vez mais unilateralista

dos Estados Unidos da América na cena mundial.

Não nos podemos esquecer ainda das novas exigências no âmbito da cibersegurança e da ciberdefesa, que

também contribuíram para este maior investimento na segurança e defesa dos Estados-Membros, elevando o

nível de cooperação estratégica e fazendo-o com uma clara vontade política que se manifestou também na

rápida tomada de decisões nestas matérias.

São vários os progressos concretizados no reforço da cooperação no domínio da segurança e defesa. Para

dar alguns exemplos, veja-se a implementação da análise anual coordenada de defesa que monitoriza

periodicamente os planos nacionais de defesa, o reforço da vertente civil da Política Comum de Segurança e

Defesa da União Europeia, que a torna mais capaz, eficaz e flexível, além de mais concertada, entre os Estados-

Membros, o que reforça o seu contributo para a paz e a estabilidade internacionais. Veja-se ainda a edificação

da capacidade militar de planeamento e condução no quadro do Estado-Maior da União Europeia, uma decisão

muito importante que dá resposta a necessidades já anteriormente identificadas e que ajuda a tornar mais

eficazes as missões europeias fora da União Europeia.

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Mas vejam-se também os avanços que se registam no âmbito da Cooperação Estruturada Permanente.

Foram adotados 46 projetos. Portugal participa em 10 projetos, dois dos quais lidera, e é ainda observador em

outros oito. Estes projetos, que contam com uma forte ligação à Base Tecnológica e Industrial de Defesa, numa

abordagem multidisciplinar que potencia uma participação competitiva da nossa indústria nacional de defesa,

são importantes para o nosso País, sendo que, para potenciar a participação portuguesa na PESCO, foi criado

um grupo de apoio para definir as prioridades nacionais.

Sr.as e Srs. Deputados, devemos dar seguimento ao aprofundamento da cooperação no domínio da defesa

entre os Estados-Membros, desenvolvendo conjuntamente as nossas capacidades de defesa e disponibilizando-

as de acordo com as nossas possibilidades.

No caso de Portugal, evidencia-se a internacionalização dos centros de competência, entre eles o Centro do

Atlântico. Mas, em complementaridade com a PESCO, é de relevar ainda o Fundo Europeu de Defesa, de forma

a ajudar os Estados-Membros a gerir os seus recursos. Trata-se de um contributo fundamental para o reforço

da autonomia estratégica da União Europeia e que muito representa para o desenvolvimento da nossa indústria

e economia de defesa nacional e para o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN).

Por fim, não podemos deixar de salientar a criação do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz (MEAP) e os

esforços, com resultados concretos, que estão a ser desenvolvidos no âmbito da mobilidade militar.

Importa, ainda, realçar que, a par destes desenvolvimentos, assistimos a uma cooperação sem precedentes

entre a União Europeia e a NATO com a concretização de 74 ações comuns referentes às declarações conjuntas

de 2016 e 2018. Estes resultados demonstram bem que o desenvolvimento de uma Europa forte não surge em

detrimento da Aliança Atlântica.

De facto, nos últimos três anos, assistimos a progressos significativos no domínio da segurança e da defesa

da União Europeia. Esses são progressos para a União Europeia e, simultaneamente, para Portugal e para o

mundo, onde a Europa assume a liderança nos planos do clima, da ajuda ao desenvolvimento do comércio

internacional e, decisivamente, no plano da segurança e defesa, entre outros.

O caminho ainda é longo, mas os resultados dos últimos três anos demonstram uma mudança no curso da

História, em termos de cooperação europeia em segurança e defesa. Contamos com a Presidência portuguesa

para o aprofundamento desta estratégia global da União Europeia e, em particular, da nova iniciativa bússola

estratégica.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes

Dias, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Combater a Europa-fortaleza é

implementar medidas que garantam a solidariedade entre os Estados, a partir de responsabilidades no

acolhimento de refugiados, de pessoas que fogem da morte e que procuram melhores condições de vida.

A Grécia enfrenta o desafio de ser o escudo da Europa. A Europa não precisa de um escudo, precisa de

políticas públicas que respondam à crise humanitária que tem vindo a agudizar-se e a tornar-se cada vez mais

grave.

O acolhimento de refugiados é uma tarefa que deve mobilizar todos os Estados-Membros, de modo a colocar

a dignidade das pessoas à frente das políticas securitárias. Os campos de refugiados estão a rebentar pelas

costuras, acolhem muito mais pessoas do que a sua capacidade e as pessoas estão sujeitas a situações de

violência, à privação e ao sofrimento. É urgente dar centralidade política ao acolhimento e à integração de

pessoas refugiadas, assim como combater as suas vulnerabilidades.

Tendo Portugal reconhecido esta prioridade, o Governo português estabeleceu um acordo com a Grécia, que

permite o acolhimento de 1000 pessoas refugiadas. Mas a operacionalização desse acordo tarda em acontecer

e é preciso implementá-lo. Precisamos de saber como acolher os refugiados, como corrigir as carências que

têm sido reconhecidas pelo Governo português e pelas associações representativas de refugiados relativamente

ao acolhimento e garantir que estas pessoas têm a sua dignidade reconhecida.

Por outro lado, também é preciso entender como é que Portugal vai implementar o Programa Voluntário de

Reinstalação, relativamente a 1100 pessoas refugiadas, com o qual se comprometeu com o ACNUR.

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As pessoas refugiadas contam e não podem ser deixadas para trás.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Vamos passar ao encerramento deste debate.

Para o efeito, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do PEV.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Como

Os Verdes têm vindo a afirmar, a União Europeia continua de costas voltadas para os interesses dos povos

europeus, pois há muito que a sua grande preocupação deixou de ser os cidadãos e passou a ser a banca e os

banqueiros.

Se já há muito que a União Europeia removeu do seu vocabulário conceitos tão importantes como o de

«solidariedade», agora, prepara mais um golpe nas políticas de coesão, que vai ter efeitos muito negativos numa

economia como a nossa, em que os fundos comunitários assumem um papel decisivo. Por isso, esperamos a

mais firme oposição do Governo português à proposta para o quadro financeiro plurianual. Aliás, esta proposta

só vem confirmar que as causas sociais e, também, muitas causas ambientais cada vez representam menos

para a União Europeia.

Por um lado, o reforço do caminho de militarização da União Europeia, ligado à obsessiva criação de um

exército comum, num quadro de serviço à NATO, é mais um exemplo da secundarização das matérias sociais.

A cumplicidade e até a participação da União Europeia em intervenções militares de agressão e ingerência nas

últimas décadas…

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Dê lá um exemplo!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — … demonstram bem a lógica e as consequências desta política belicista.

É um caminho que em tudo se distancia da promoção da paz, a mesma promoção da paz que, curiosamente,

representou o objetivo inicial da atual União Europeia e que está na sua origem, com a criação da CECA, a

Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, como forma de controlar as principais matérias-primas

indispensáveis à guerra. Esta União Europeia, que começou por ser construída com o objetivo de promover a

paz, está agora transformada num sujeito ativo no que diz respeito ao financiamento militar.

Por outro lado, a perspetiva do incremento desta componente militar implica o aumento da despesa com

meios de defesa ou, melhor, de agressão, retirando capacidade de investir em áreas fulcrais para o bem-estar

e para a melhoria das condições de vida dos povos dos Estados-Membros.

É neste contexto que surge a designada Cooperação Estruturada Permanente, com o objetivo de reforçar o

domínio militar, implicando, entre outras questões, a intensificação de capacidades e equipamentos militares,

uma maior despesa nesta área, a disponibilização de mais unidades de combate e por aí fora.

Mas esta não é nenhuma prioridade para os povos da Europa,…

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Oh!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — … nem nenhuma necessidade para o povo português, apesar de ser um

negócio muito apetecível para a indústria militar, na qual, por exemplo, a Alemanha e a França têm interesse

convocando os demais Estados-Membros a financiá-la.

Para além disso, a Cooperação Estruturada Permanente representa mais um passo significativo para a perda

de soberania dos Estados e para a concentração do poder de decisão nas grandes potências da União Europeia,

a nível da política externa e militar.

Por isso, Os Verdes continuam a considerar que a Assembleia da República deveria ter-se oposto à adesão

do nosso País à Cooperação Estruturada Permanente, indo ao encontro dos interesses do povo português,

nomeadamente defendendo uma Europa onde o desemprego e a pobreza deem lugar à solidariedade, que

consiga criar efetivos laços de coesão social, onde o serviço às grandes multinacionais dê lugar ao

desenvolvimento sustentável, com solidariedade entre os povos e entre os cidadãos, e onde a construção do

arsenal de agressão dê lugar a instrumentos de progresso que promovam a paz.

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Foi exatamente com esse propósito que Os Verdes apresentaram, em 2017, uma iniciativa legislativa para

que esta Assembleia recomendasse ao Governo a não adesão de Portugal à Cooperação Estruturada

Permanente. Sucede que essa proposta, como, de resto, outras, de outras bancadas, mas no mesmo sentido,

não tiveram acolhimento por parte do PS, do PSD e do CDS.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Felizmente!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Seria, a nosso ver, um excelente contributo para a promoção da paz na

Europa e no mundo, mas essas bancadas não o entenderam assim.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues,

do PAN.

A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em jeito de conclusão, devemos refletir

sobre que Europa queremos, ou seja, se queremos uma Europa militarizada, ou não, humanitária, ou não, focada

no combate às alterações climáticas, ou não. A decisão sobre as prioridades da Presidência do Conselho da

União Europeia é, precisamente, uma dessas oportunidades de reflexão.

De facto, queremos uma Europa que desenvolve, que liga, que protege e que influencia. Portugal, à

semelhança de outros países da União Europeia, enfrenta, hoje, desafios climáticos, demográficos e sociais,

que não devem ser menosprezados. As verbas provenientes dos fundos europeus podem e devem priorizar a

descarbonização da economia, a mitigação e adaptação às alterações climáticas, a diminuição das assimetrias

regionais e a própria promoção da paz e garante dos direitos humanos. O projeto europeu deve dar resposta a

estas preocupações, que não são uma realidade distante, mas, sim, o presente de todas as pessoas.

A Europa deve estar preparada não apenas para enfrentar as grandes catástrofes naturais que poderão

ocorrer, e cuja frequência se prevê que aumente, decorrentes das alterações climáticas, mas também situações

como as que vivemos atualmente com a COVID-19, que tem impactos evidentes para a saúde e, também, para

as economias nacional e global.

Termino reiterando a importância de, apesar de cada Estado-Membro ter os seus próprios desafios internos,

não deixarmos, por isso, de ajudar pessoas, como os refugiados, que se encontram num drama humano

inigualável, promovendo o seu acolhimento e a existência de respostas humanitárias adequadas e céleres.

Aplausos do PAN.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida, do

CDS.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: O debate de hoje acabou por ficar bastante condicionado por aquela que é a realidade atual

e a resposta que a União Europeia está a dar à questão da COVID-19.

Sobre esta questão, alertámos, e continuamos a alertar, para o risco de, mais uma vez, a União Europeia

não estar à altura, como deveria, para dar uma resposta europeia complementar, e articulada com a resposta

de cada Estado-Membro, que permitisse, efetivamente, no contexto europeu, acrescentar algo.

Para isso, a resposta teria de ser mais oportuna mas foi tardia; teria de ser mais clara mas continua a ser

equívoca; teria de ser mais eficiente mas, até ao momento, não temos nenhuma garantia de que consiga ter

uma eficiência superior à que teve no passado.

Demos um exemplo muito claro, que tem a ver com um dos programas que mais relaciona as novas gerações

com a União Europeia: o Programa Erasmus. Agradecemos as explicações do Sr. Ministro dos Negócios

Estrangeiros, no entanto, não podemos deixar de considerar que seria importante, a nível europeu, haver a

capacidade de explicar às famílias desses alunos, por exemplo, o que está a acontecer e o que deve acontecer.

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Já agora, Sr. Ministro, cada Estado-Membro — e Portugal, em concreto — deveria ter a disponibilidade para

prestar essa informação e para ir fazendo esse acompanhamento.

A Europa e todo o mundo deparam-se, neste momento, com desafios enormíssimos, como o de conseguir

garantir a saúde pública e, assim, defender a vida dos cidadãos e, depois deste, o da capacidade de proteger a

economia e evitar uma nova recessão. Também sobre esta questão, a resposta europeia é decisiva mas, até ao

momento, não vimos, tal como os mercados também não viram até hoje, nenhuma consequência da resposta

europeia ou da eficiência que ela possa vir a ter.

Mas este debate era, à partida, sobre a Cooperação Estruturada Permanente e sobre a Presidência croata.

Sobre o primeiro ponto, queríamos dizer que, obviamente, reconhecemos como importantes as garantias que

aqui foram dadas — que, para nós, são essenciais para que esta política prossiga — de que não estará nunca

em causa a criação de um exército europeu. Isso é algo que rejeitamos em absoluto e que foi condição para

que nos pudéssemos rever nesta política.

Outra questão fundamental para nós é o não haver uma duplicação entre a política europeia de defesa e a

participação de Portugal na NATO. O que há, do ponto de vista europeu — e isso nós defendemos —, é um

fortalecimento do pilar europeu da NATO, o que é, naturalmente, relevante não só para a Europa, mas para

todos os aliados e para toda a política de defesa em que participamos.

Salientamos um ponto importante daquilo que o Sr. Ministro da Defesa aqui referiu: estando, com o próximo

quadro financeiro plurianual, em vésperas de entrar em funcionamento o Fundo Europeu de Defesa, é importante

sabermos que há empresas portuguesas a manifestar interesse em vir a ter projetos no âmbito desse fundo.

Isso é relevante para a economia nacional e, obviamente, do ponto de vista da defesa nacional, também é

relevante ter empresas portuguesas com essa capacidade no contexto deste fundo europeu. Queríamos

salientar, ainda em matéria desta política, a importância da ciberdefesa, da vigilância e do controlo oceânico,

que são decisivos para o nosso País.

Em relação à Presidência croata, e para terminar, refiro três pontos importantes. Quanto ao quadro financeiro

plurianual, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros voltou a referir que a posição de Portugal é a de apoiar uma

solução entre a posição inicial da Comissão e a posição inicial do Parlamento. Seria uma boa solução, mas não

tem sido esse o caminho seguido até aqui.

A pergunta é a mesma de sempre: se não acontecer aquilo que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros

aqui referiu, Portugal vai, ou não, usar todos os meios que tem à sua disposição? Concretamente, vai, ou não,

usar o direito de veto que tem, por a solução não estar dentro do quadro que foi previsto?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.

Por fim, ainda relativamente às prioridades, quanto ao Green Deal e à transição digital, é fundamental

também…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — … assegurar o interesse nacional quer nas garantias às

empresas portuguesas em relação a essa adaptação, quer na formação profissional dos nossos trabalhadores

para que possam estar preparados para esta transição digital.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Assim, defenderemos o interesse nacional e participaremos

eficientemente no projeto europeu.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Filipe, do

PCP.

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O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quero referir

três pontos concretos no encerramento deste debate.

O primeiro tem a ver com as consequências que podem decorrer da atual epidemia COVID-19. Não

queremos contaminar o debate parlamentar com esta questão, a propósito de tudo e de nada, mas este é um

problema que não conhece as fronteiras da União Europeia, embora seja um problema muito grave para vários

países da União Europeia, e também porque nós temos um recurso próprio precioso no combate a esta

epidemia, que é o Serviço Nacional de Saúde. É, sobretudo, a esse nível que temos de enfrentar esta questão.

Mas há consequências económicas que seguramente vão decorrer da atual situação, sendo imprevisível até

onde isto irá e que consequências concretas irá ter. A questão que tem de se colocar no plano europeu é esta:

se for necessário um investimento adicional de meios e recursos para fazer face às consequências, não apenas

sanitárias mas também económicas, sobretudo na economia real — mais do que o dinheiro virtual retido nas

bolsas, preocupam-nos as consequências na economia real que levem, evidentemente, à necessidade de um

investimento acrescido por parte do Estado —, qual será a atitude do Governo português perante a União

Europeia? Se o eventual rompimento dos critérios de convergência estabelecidos no Pacto de Estabilidade

servirem de pretexto para uma nova agressão ao povo português por via austeritária, como aconteceu na

sequência da crise de 2009, era importante que houvesse uma posição muito clara da parte dos Governos

europeus, e particularmente da parte do Governo português.

A segunda questão diz respeito aos refugiados. A crise de refugiados que se tem vindo a verificar nos últimos

anos e que conhece agora um novo agravamento é um exemplo claro de que «quem semeia ventos colhe

tempestades». A União Europeia ajudou ativamente ao desmantelamento do Estado líbio, tem vindo a participar

ativamente na agressão à Síria e procurou resolver o problema da catástrofe humanitária criada com o livro de

cheques, pagando à Turquia para conter o fluxo de refugiados.

Ora bem, perante os novos desenvolvimentos desta gravíssima crise humanitária, é importante que a União

Europeia e Portugal, enquanto Estado da União Europeia, não deixem de assumir as suas responsabilidades

políticas, sociais, humanitárias, nesta matéria, para o acolhimento dos refugiados que procuram condições de

sobrevivência junto das fronteiras, acedendo a países da União Europeia para fugir à situação catastrófica que

foi criada nos respetivos países. Entendemos que Portugal não deve deixar de assumir as suas

responsabilidades.

A terceira e última questão, Sr.ª Presidente, é a do quadro financeiro plurianual. Há, à partida, um consenso

muito grande, no sentido de que a proposta que está em cima da mesa relativamente ao quadro financeiro

plurianual é inaceitável para Portugal. É inaceitável pela lesão que provoca na coesão económica e social,

afetando gravemente os interesses de Portugal.

Portanto, impõe-se uma rejeição muito firme desta proposta, na medida em que, evidentemente, os recursos

a serem canalizados para a coesão serão insuficientes para inverter a dinâmica de divergência que se tem

verificado e que é consequência do processo de integração na União Europeia, no qual se acentua a divergência

entre os vários Estados, mal colmatada pelos fundos de coesão. Assim, havendo um agravamento na política

de coesão, evidentemente, as assimetrias só se podiam agravar.

Importa referir que o tempo corre a favor dos inimigos da coesão. Quanto mais conseguirem protelar um

acordo favorável a países como Portugal…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.

Como dizia, quanto mais tempo conseguirem protelar, melhores são as condições que têm para impor

soluções inaceitáveis. Portanto, impõe-se da parte do Estado português uma postura de grande firmeza, em

defesa de uma verdadeira política de coesão económica e social na União Europeia.

Aplausos do PCP e da Deputada do PEV Mariana Silva.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso,

do Bloco de Esquerda.

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A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O lema

da Presidência croata é «Uma Europa forte num mundo de desafios». Sabemos bem que o significado desta

frase mudou não só nas últimas semanas, mas até nos últimos minutos, agora que a Organização Mundial da

Saúde decretou oficialmente que estamos perante uma situação de pandemia. Esta frase e esta situação põem

à prova não só as prioridades da Presidência croata mas também o futuro da Europa, de uma Europa que

queremos unida, corajosa e solidária.

A Europa enfrenta desafios inesperados, a que se soma um problema estrutural. Às crises climática e de

refugiados, somam-se agora não só o surto desta doença, que já fez centenas de mortos na União Europeia e

milhares de infetados, mas também a crise económica, financeira e social, que ensombra novamente o horizonte

a nível mundial.

A Europa, a solidariedade europeia, é novamente colocada à prova, tal como o verdadeiro cariz das políticas

que somos capazes de desenvolver. Lembramo-nos de como a Europa salvou os bancos em 2008, mas

condenou as pessoas à austeridade. Iremos repetir esses erros com a crise atual? Deixar de fora propostas de

ação que incluam apoios sociais que salvaguardem rendimentos e respondam à crise é novamente deixar

pessoas para trás.

Precisamos de cooperação? Sim. Precisamos de respostas para a economia? Sim. Mas também precisamos

de políticas que respondam pelo lado da saúde, com investimento em respostas de qualidade para todas as

pessoas e em investigação científica nunca antes vista, para que se alcance o conhecimento que nos permita

debelar este novo vírus.

Temos de responder também com medidas que protejam as pessoas de uma crise económica. Não podemos

aceitar que sejam as pessoas a pagar novamente. Não podemos responder à crise precarizando mais as

relações laborais ou agravando desigualdades de género, que persistem não só nos ordenados mas também

nas vidas quotidianas dos cidadãos europeus.

A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Que Europa queremos? A realidade coloca-nos à prova e serão as

respostas que escolhermos para esta pergunta que nos definirão para a História.

Olhando para as fronteiras onde os muros se levantam, como na Bulgária, ou para os refugiados que são

recebidos com gás lacrimogéneo ou com balas de borracha, como na Grécia, percebemos que a União Europeia

está a falhar em alguns dos seus desafios fundamentais. Uma Europa influente não pode ser aquela que

subcontrata a externalização das fronteiras, enquanto continua a vender tecnologia militar.

A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Se, por um lado, há aspetos positivos, como, por exemplo, a lei do clima,

que é um ponto de partida lançado pela Presidência croata e que terá conclusão eventual na Presidência

portuguesa — esperamos nós —, por outro lado, fica no ar a ideia de que podemos e devemos ir mais longe.

Aliás, neste momento, até se levantam questões sobre o tamanho do passo que estamos a dar. Greta

Thunberg afirmou, ainda na semana passada, no Parlamento Europeu, que estamos a desistir, que o novo

Green Deal e, em particular, a lei europeia do clima são um retrocesso, admitindo o falhanço desta proposta da

União Europeia.

Seremos nós capazes de atacar com a coragem e a solidariedade necessárias as mudanças? Será Portugal

capaz de entender o seu papel neste desafio? A resposta às crises que vivemos, da COVID-19 à perspetiva de

uma crise económica e social, da emergência climática à resposta aos refugiados, definirá o que se quer da

União Europeia.

Da parte do Bloco de Esquerda, já conhecem a resposta a cada uma dessas crises: rejeitando tanto o

autoritarismo como a indiferença, combatendo o militarismo e a Europa-fortaleza, não deixaremos ninguém para

trás.

Aplausos do BE.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Marques,

do PSD.

O Sr. Sérgio Marques (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Depois

de todo o caminho percorrido no campo económico, à integração europeia faltava uma dimensão de segurança

e defesa, a qual se tornou mesmo imprescindível num contexto de novas e complexas ameaças e de mudanças

importantes na situação internacional.

Sem a proteção americana e da NATO, a Europa seria um continente vulnerável e indefeso. Faz, por isso,

todo o sentido que a União Europeia desenvolva todos os esforços para reforçar a sua segurança e defesa e a

proteção dos seus cidadãos, visando a sua autonomia estratégica.

A Cooperação Estruturada Permanente é o mais recente passo dado com este objetivo. A CEP expressa a

vontade da UE, numa ambiciosa, mas realista, cooperação na área da segurança e defesa, que não pode deixar

de ser feita numa lógica de conciliação, coordenação e complementaridade com a NATO que leve à formação

de um exército comum europeu.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Sérgio Marques (PSD): — Respeitando estes limites, aliás, estabelecidos em resolução desta

Assembleia, Portugal fez bem em participar, desde logo, neste processo de cooperação. Será a oportunidade

de contribuirmos para o reforço da vertente atlântica da UE, agora desguarnecida pelo Brexit, e de pormos em

relevo o nosso recurso estratégico mais relevante: o mar que preenche e circunda o nosso triângulo territorial

— continente, Açores e Madeira.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Sérgio Marques (PSD): — Por outro lado, a CEP representa para Portugal uma oportunidade única

de modernização das nossas Forças Armadas, no sentido do seu melhor apetrechamento e operacionalidade.

São, por isso, preocupantes as recorrentes notícias, algumas oriundas até do próprio meio militar, sobre uma

gritante ausência de recursos de toda a ordem com que se debatem as nossas Forças Armadas.

Esta grave carência pode comprometer a nossa participação plena na CEP e o próprio cumprimento de várias

obrigações nela assumidas. Refiro-me à obrigação de aumentar o nível da despesa de investimento e da

dedicada a investigação, desenvolvimento e inovação na área da defesa. Ficaria, deste modo, também,

comprometido o nosso acesso ao Fundo Europeu de Defesa e o desenvolvimento da nossa base tecnológica e

industrial no setor da defesa, da qual resultariam mais efeitos benéficos para toda a nossa economia, pelo

envolvimento crescente de novas PME (pequenas e médias empresas) em atividades ligadas, nomeadamente,

ao cluster aeronáutico, à indústria de construção naval, à ciberdefesa, ao têxtil, etc.

Portugal não pode perder esta oportunidade de alavancar o seu crescimento económico. Sim, estamos a

crescer, mas não o suficiente. Sim, estamos a convergir com a média europeia, mas não o suficiente para

evitarmos ser ultrapassados por vários países da coesão.

Quando temos desfrutado de condições únicas de crescimento, a nossa ambição de nos chegarmos à frente

na UE é poucochinha. Nos últimos anos, a Lituânia, a Eslováquia, a Estónia e a Polónia já nos passaram à

frente.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — A Eslováquia não!

O Sr. Sérgio Marques (PSD): — A este ritmo não tardará muito para estarmos de novo na cauda da Europa.

E não se venha dizer, como fez recentemente o Primeiro-Ministro, que são as obrigações decorrentes da nossa

adesão à moeda única que condicionam as nossas perspetivas de crescimento ou a nossa enorme dívida

pública.

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Vários países da UE crescem bem mais do que nós e os atuais juros, historicamente baixos, removeram o

grande entrave que a enorme dívida pública poderia constituir. São, acima de tudo, fatores endógenos, que as

políticas do Governo não conseguem ultrapassar, que limitam o nosso crescimento.

Revertam, por exemplo, a reforma laboral feita pelo Governo PSD/CDS, como parece exigir o Bloco de

Esquerda ao PS para restabelecer a geringonça, e vamos todos ver como vamos crescer ainda menos!

Sim, o que é imperioso reverter é este rumo de empobrecimento relativo.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto, do

PS.

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O debate

que, hoje, nos reuniu ocorre no particular contexto de novos desafios para a Europa, em que a COVID-19 e a

situação dos migrantes da fronteira da Turquia e da Grécia emergiram na Agenda Europeia e acentuam, por um

lado, o caráter global das novas ameaças e riscos e, por outro, as fragilidades decorrentes da ausência de uma

política europeia de migração e asilo, o que só pode reforçar os apelos a consensos urgentes sobre o nosso

futuro comum.

Vivemos um momento em que os Estados-Membros direcionam os recursos públicos para o setor da saúde,

para a proteção das populações, das empresas e das nossas economias, o que implica avaliar, dia a dia, o

impacto socioeconómico decorrente da propagação do vírus e impõe a flexibilização das regras orçamentais

europeias de forma a mitigar os seus efeitos e a garantir que os Estados-Membros não serão penalizados pelo

investimento que agora é exigido.

É neste particular momento que se revela de forma premente como apenas uma Europa solidária e coesa,

assente nos seus valores fundamentais, pode projetar o nosso futuro. E, neste contexto, o novo quadro

financeiro plurianual é de uma exigência acrescida, em particular porque, se queremos uma nova visão para a

Europa para responder aos novos desafios, não podemos abdicar do que, em conjunto, já construímos até aqui

e sacrificar a Política de Coesão e a Política Agrícola Comum.

Por isso, não podemos deixar de apoiar o esforço que o Governo português tem desenvolvido na procura de

um consenso que permita um quadro financeiro plurianual que garanta o futuro que queremos para a Europa,

confiando que os encontros bilaterais, como o de hoje, com a Chanceler Merkel, possam aprofundar o caminho

para o acordo reclamado pelos 17 países «Amigos da Coesão», agora designados «Amigos de uma Europa

ambiciosa».

Precisamos, assim, de um orçamento que corresponda a esta ambição europeia, que se traduza na

necessidade de se investir em mais investigação e desenvolvimento, no combate às alterações climáticas, na

transição digital, na cooperação com outros continentes, na segurança, sem prescindir do caminho já

consolidado.

Precisamos de ultrapassar as divergências em matérias que são ainda fundamentais na União Europeia: a

de uma política comum de defesa e a de um verdadeiro pacto europeu para a migração e asilo.

A Cooperação Estruturada Permanente afigura-se como um instrumento necessário da política de defesa

europeia. Não podemos esquecer que a defesa das comunidades é, desde sempre, o traço comum a todos os

povos. E é nessa cooperação que cada Estado reforça, também, a defesa da sua soberania, defendendo os

seus interesses mas protegendo-se das ameaças comuns.

Importa, por isso, que, no âmbito de definição da Cooperação Estruturada Permanente, haja uma definição

clara sobre quais as reais ameaças comuns, de forma a garantir a cooperação e o desenvolvimento de projetos

que se revelem essenciais à defesa europeia. Referimos aqui também a relevância do envolvimento dos

parlamentos nacionais no acompanhamento deste processo. É esta participação parlamentar fundamental, por

um lado, para garantir o interesse europeu dos projetos comuns e, por outro, para que tais desenvolvimentos

não ponham em causa a soberania de cada Estado-Membro.

Termino, Sr.ª Presidente, não deixando de referir e assinalar todo o debate que aqui foi feito quer em torno

da Cooperação Estruturada Permanente, quer em torno das principais preocupações da União Europeia neste

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momento, no sentido de termos um quadro financeiro plurianual que nos permita enfrentar os desafios do futuro

e também aquilo que é a política de migração e asilo.

Estas são áreas que não vi serem aqui referidas, mas gostaria de salientar o empenho que o Governo

português tem tido e a forma como Portugal é internacionalmente reconhecido nestas áreas, quer na sua política

de migração, quer naquilo que tem feito ao longo destes tempos, mesmo em matérias de missões de paz

conjuntas, saudadas pela NATO, pela ONU, pela União Europeia.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Vou já terminar, Sr.ª Presidente.

E aqui também devemos uma palavra àqueles nossos militares da Guarda Nacional Republicana e da

Autoridade Marítima, que defendem a paz e estabilizam, muitas vezes, o que está na origem dos problemas que

dão seguimento, muitas vezes,…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … àquilo que depois vemos no campo da migração.

Por isso tenho de referir que, se a Europa tem, nesta matéria, um percurso a fazer em comum, Portugal,

desde há muito, com este Governo, sabe qual o caminho a seguir.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa, João

Gomes Cravinho.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A nossa soberania e os nossos

interesses promovem-se da melhor forma através da colaboração estreita com os nossos aliados, com os nossos

parceiros.

A ideia do «orgulhosamente sós» — ideia triste e com os resultados desastrosos que se conhecem — não é

imaginável nos tempos em que vivemos. Nós não podemos promover o exercício da nossa soberania,…

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

… não podemos promover os nossos interesses se não for em cooperação com os países que nos são

próximos.

A Assembleia da República estabeleceu, na resolução que aprovou a nossa participação na Cooperação

Estruturada Permanente — e bem —, que isto nunca poderia ser um passo para a criação do exército europeu.

Não é um passo para a criação de um exército europeu.

O Sr. António Filipe (PCP): — Isso não é mau!

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Portugal rejeita totalmente essa ideia e está muitíssimo bem

acompanhado nessa medida por uma grande maioria dos países europeus.

Não tem, portanto, a ver com isso, mas com o entrosamento de Portugal com mecanismos de segurança

cooperativa num mundo cada vez mais complexo, cada vez mais contestado, cada vez mais interligado. Portugal

não tem a opção de se retirar do mundo e ir viver para uma ermida, como se fosse um monge em retiro espiritual.

Essa não é uma opção que tenhamos. Pelo contrário, o paradoxo do nosso tempo é que a nossa soberania e

os nossos interesses defendem-se melhor quando estamos aliados e em colaboração com outros.

A participação de Portugal na PESCO, na Cooperação Estruturada Permanente, é um dos mecanismos que

existem para desenvolvermos e promovermos os nossos interesses e é nesse espírito que nos envolvemos no

reforço das nossas capacidades e no reforço das capacidades de defesa europeia. Entendemos que o reforço

das capacidades de defesa europeia contribuem para a identidade europeia de defesa, que, por sua vez,

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contribui para a segurança de Portugal. Em simultâneo, entendemos que a PESCO representa um veículo

através do qual se pode reforçar o pilar europeu da NATO. E, por fim, entendemos também que as nossas

indústrias de defesa, que são cada vez mais uma parte importante do nosso tecido económico nacional, devem

participar nesse processo.

Os desafios que temos pela frente requerem novas capacidades, mas os mecanismos tradicionais e as

capacidades que temos de desenvolver são adequados para lhes corresponder. Temos duplo uso de muitas

das nossas capacidades militares e muitas das capacidades a serem desenvolvidas, no âmbito da PESCO, têm

a ver com a possibilidade de duplo uso.

Portanto, a PESCO representa uma referência fundamental para a nossa capacidade de nos defendermos

quer seja do ponto de vista militar, quer seja do ponto de vista do conjunto de ameaças que afetam a população

portuguesa.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para encerrar este debate, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos

Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:

Terminado este debate, é forçoso constatar uma característica muito positiva do sistema político português, que

é o amplo consenso que, em matéria de políticas de defesa nacional, de construção europeia e de política

externa em geral, é evidente.

Da minha parte, queria acentuar três pontos essenciais que estruturam esse consenso face às questões mais

dramáticas que hoje vivemos. Começando pela resposta à, agora, pandemia COVID-19, é evidente a vantagem

que retiramos da concertação europeia nesta fase de contenção, de primeira resposta, sendo também evidente

a importância das decisões já tomadas pelo Conselho Europeu no que diz respeito ao reforço da investigação

científica, porque dela esperamos, a breve prazo, a descoberta de uma vacina e de outros meios de combate a

este novo vírus, mas também de reforço das capacidades dos sistemas de saúde europeus. Também aí se vê

a importância de um elemento essencial do modelo social europeu, que é a existência de sistemas públicos

fortes, não privatizáveis,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Já ouvimos essa conversa!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — … que são uma resposta da coletividade, como

tal, aos problemas de segurança humana que, em cada momento, enfrentamos.

Foram colocadas algumas questões acerca de consequências financeiras. Os gastos adicionais que vamos

ter no combate ao coronavírus ou à COVID-19 são tipicamente, à luz das próprias regras da União Económica

e Monetária, despesas chamadas on-off, despesas temporárias, particulares, singulares, que, como tal, não

contam para a determinação das regras de disciplina orçamental que são as nossas.

Também queria, se me permitem, corrigir um pouco, visto que, nas decisões do Conselho Europeu de ontem,

são também evidentes as preocupações com o alastramento do vírus e com as consequências para a economia

europeia, em particular para o setor das viagens, do turismo e para setores industriais que dependem de cadeias

globais, na medida em que, dessas consequências, não resulte perda em matéria de rendimento das famílias,

de emprego e de salário. Justamente, as decisões que temos tomado também ao nível nacional têm essa

preocupação essencial.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, se me permitem, não façamos do coronavírus uma oportunidade para

combate político a este ou àquele, muito menos para desgaste político do Governo, porque esta é uma

responsabilidade nossa, é um problema nacional e europeu, que só em conjunto podemos debelar.

Aplausos do PS.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — E pagamos todos!

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O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Esta hora que se vive na Europa também

reforça a importância — como muito bem disse a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues — da liderança europeia no

mundo, na definição do seu modelo social, na forma como preza a investigação científica e os sistemas públicos

de saúde, mas também as prioridades claras que tem a Presidência portuguesa, que já são conhecidas e que

bem a expressam.

Portanto, esteja descansada a Sr.ª Deputada, porque justamente o pilar europeu dos direitos sociais, a

agenda social, a consciência clara de que só a Europa social pode vencer o desafio da transição ecológica e da

transição digital serão uma linha de rumo fundamental da nossa Presidência no Conselho da União Europeia.

Finalmente, as questões relativas à política de migrações e de acolhimento dos refugiados. Há um elemento

que me vão também permitir corrigir, porque se trata de dois factos: os refugiados, as pessoas que hoje

abandonam de novo regiões da Síria, como o Idlib, não são perseguidas pela União Europeia, estão a fugir de

bombardeamentos indiscriminados do regime sírio, incluindo bombardeamentos a escolas e hospitais. É preciso

ter clareza nisso, porque, senão, parece que é a União Europeia que provoca refugiados, que é a União Europeia

que começa guerras e que é a União Europeia que desafia as regras do Direito Internacional.

Também não é verdade que o acordo feito em 2016 entre a União Europeia e a Turquia fosse para evitar a

passagem clandestina de migrantes. Ao contrário do que disse a Sr.ª Deputada Isabel Meireles, o essencial

desse acordo é para apoiar as organizações não-governamentais nos seus programas de apoio e integração de

refugiados. É para isso que os 6000 milhões de euros que nós pedimos aos contribuintes europeus são usados.

E justamente esta tática do Presidente da Turquia, usando como arma política as pessoas, o que quer é

retirar a lógica desse programa, que nós devemos manter, revendo os aspetos que seja indispensável rever.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Vou concluir, Sr.ª Presidente.

A posição portuguesa foi saudada por várias bancadas, e eu agradeço essa saudação, porque a posição

portuguesa, em nenhum momento, ofereceu alguma dúvida ou manifestou alguma ambiguidade.

Sim, Portugal foi um dos cinco países europeus que primeiro disseram «sim» ao acolhimento das pessoas

que estão em circunstâncias mais vulneráveis nesta crise, isto é, menores não acompanhados, «sim», sempre

o dissemos, a todos os esforços da Comissão Europeia no sentido de distribuir pelos Estados-Membros

migrantes resgatados no mar Mediterrâneo, e «sim» temos cumprido e vamos continuar a cumprir todos os

compromissos que assumimos, quer do ponto de vista do acolhimento de refugiados, que é uma obrigação legal,

quer do ponto de vista da construção de políticas de migração, que, como bem disse a Sr.ª Deputada Constança

Urbano de Sousa, devem servir para organizar a migração e, por isso mesmo, porque organizam a migração,

combatem as redes e combatem os traficantes.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, vamos passar ao segundo ponto da ordem do dia, que

consiste na apreciação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 12/XIV/1.ª (GOV) — Transpõe a Diretiva (UE)

n.º 2017/828, relativa a direitos dos acionistas de sociedades cotadas no que concerne ao seu envolvimento a

longo prazo.

Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, a quem aproveito para

cumprimentar.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças (Ricardo Mourinho Félix): — Sr.ª Presidente, Sr.as e

Srs. Deputados: A crise financeira revelou insuficiências na governação das empresas a que importa dar

resposta. Se é importante evitar a assunção de riscos excessivos pelas empresas é também essencial assegurar

remunerações claras e transparentes aos seus gestores, remunerações essas que tenham correspondência no

seu desempenho a médio e a longo prazos.

É também fundamental assegurar um maior envolvimento dos acionistas na vida das empresas, assegurar

que os acionistas exercem os seus direitos e dispõem de toda a informação necessária para o fazer. Ora, tal

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nem sempre aconteceu e, muitas vezes, as ações são detidas através de intermediários financeiros ou de

investidores institucionais.

O governo das empresas deve ser melhorado e contribuir para a sua sustentabilidade e os acionistas têm aí

um papel absolutamente fundamental.

A proposta de lei que hoje apresentamos transpõe a diretiva dos direitos dos acionistas, promove um maior

envolvimento entre as empresas e os seus acionistas, reforça o controlo sobre a remuneração dos gestores e

impõe maior transparência. As empresas cotadas passam a conhecer, de forma clara, os seus acionistas e a ter

acesso a informação relevante sobre o seu relacionamento com a empresa.

Esta proposta assegura também uma maior troca de informação entre as empresas cotadas e os seus

acionistas, que passam a estar mais informados.

Os intermediários financeiros, como, por exemplo, os bancos, passam a transmitir obrigatoriamente

informações aos acionistas, que a empresa é obrigada a fornecer para o exercício de direitos destes acionistas,

mas esses intermediários passam também a ter a obrigação de transmitir às empresas as posições dos seus

acionistas no exercício dos direitos, nomeadamente dos seus direitos de voto.

Os investidores institucionais, como, por exemplo, as companhias de seguros, mas também os intermediários

financeiros e os gestores de ativos, passam a estar obrigados a divulgar a política de envolvimento com os

acionistas, nomeadamente o envolvimento destes na sua estratégia de investimento, e a prestar contas sobre a

forma como aplicam essa política e essa estratégia, nomeadamente através da divulgação do seu sentido de

voto nas assembleias gerais, quando o fazem em nome dos acionistas.

As transações relevantes com partes relacionadas que não tenham a ver com a atividade da empresa ou

não sejam feitas em condições de mercado passam a estar sujeitas à divulgação da sua aprovação pelo

conselho de administração, responsabilizando desta forma os administradores e os seus gestores.

As empresas cotadas passam a adotar obrigatoriamente uma política remuneratória dos membros dos seus

conselhos de administração que é aprovada pela assembleia geral e que tem um carácter vinculativo. Aliás, esta

foi uma opção nacional por contraposição à possibilidade de a posição da assembleia geral ser meramente

consultiva.

A proposta que vos apresentamos determina ainda a divulgação do relatório anual que proporcionará uma

visão global das remunerações dos gestores, incluindo todos os benefícios, independentemente da sua forma.

O desempenho dos gestores é decisivo para o sucesso das empresas e também por isso a política remuneratória

tem de se adaptar a um quadro de maior transparência na prestação de contas.

Os acionistas devem determinar as remunerações dos gestores que escolhem, pois tal assegurará uma

ligação mais clara entre a remuneração e o desempenho, favorecendo estratégias empresariais orientadas para

o longo prazo. A política remuneratória deve refletir os interesses dos acionistas, promover a sustentabilidade

das empresas e ser, por isso, aprovada pela assembleia geral.

A empresa deve ter a possibilidade de exigir a restituição da remuneração variável aos gestores que não

prossigam os objetivos definidos de forma sustentável, passando, por isso, também a haver maior escrutínio,

nomeadamente sobre as remunerações variáveis, os benefícios e os regimes de pensão, e o relatório sobre as

remunerações passará a estar disponível no site das empresas cotadas durante um período de, pelo menos, 10

anos.

A transposição da diretiva dos direitos dos acionistas torna mais fácil aos acionistas dos países da União

Europeia participarem e votarem em assembleias gerais de empresas de outros Estados-Membros, promovendo

o investimento em todo o espaço europeu e sendo, por isso, mais um passo na integração europeia, na

promoção da poupança, na promoção do investimento e do crescimento económico, inclusive, e do emprego de

qualidade.

Sr.as e Srs. Deputados, os acionistas devem ter um papel decisivo na definição da governação, na definição

da estratégia das empresas e na definição do seu papel social e ambiental, assim como na remuneração dos

gestores.

Só assim se promove o investimento sustentável e a orientação das empresas para objetivos de longo prazo.

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sara Madruga da

Costa.

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em todos os domínios da

sua atuação, temos objetivamente um Governo fora de prazo, um Governo que chega sempre atrasado e a más

horas e que, por isso, é constantemente obrigado a correr atrás do prejuízo. Assim acontece, igualmente, em

matéria de finanças.

Sr.as e Srs. Deputados, esta é a quinta — repito, a quinta — proposta de transposição de diretiva que ocorre

fora de prazo. Recorde-se que a transposição da diretiva que hoje debatemos, conhecida como a Diretiva dos

Acionistas II, já deveria ter entrado em vigor no dia 10 de junho de 2019.

É pena que tal não tenha acontecido, uma vez que as preocupações e os objetivos dela constantes, que

versam sobre matéria de governo das sociedades cotadas em bolsa, são da maior atualidade e da maior

relevância. E porquê, Sr.as e Srs. Deputados? Porque nos recordam que, para fazer face a uma crise financeira,

é necessário ter uma estratégia, é necessário adotar as melhores políticas, é necessário incentivar a pensar

mais a longo prazo e menos em objetivos de curto prazo — aliás, tudo isto se aplica em matéria de governo das

sociedades como se deveria aplicar diariamente ao Governo da República.

Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Facilitar a identificação dos acionistas, simplificar o exercício dos

seus direitos, melhorar a transparência nas relações com investidores e reforçar o controlo acionista sobre a

política remuneratória dos administradores são os objetivos presentes nesta diretiva que vão no sentido

preconizado.

A transposição desta diretiva é, no contexto presente, muito relevante, como já referimos. No entanto, o que

os portugueses, neste momento, esperam e desejam não é apenas a mera transposição destas regras do

governo societário mas que o Governo replique aquelas que são as suas preocupações na sua governação em

matéria de estratégia e de medidas sustentáveis e de longo prazo para fazer face a inesperadas e eventuais

crises.

Sr.as e Srs. Deputados, o que os portugueses esperam e desejam é que o Governo o faça quanto antes e

não volte a chegar atrasado.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de

Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado:

Um «Minuto Liberal» um pouco mais conciliatório, hoje, dada a natureza da matéria e a emergência de saúde

pública que estamos a viver.

A transposição desta diretiva e esta proposta de lei, tratando de colmatar deficiências em coisas tão

importantes como a identificação de acionistas, transparência dos investidores, controlo acionista da política

remuneratória, transações entre partes relacionadas, vai merecer o nosso acordo, não sem antes fazer dois

comentários: aqui e além, esta Diretiva e a proposta de lei que a transpõe mostram que as pessoas que a

escreveram têm muito pouca noção do que é uma grande empresa, nomeadamente uma grande empresa

cotada, porque há várias medidas que aumentam desmesuradamente as necessidades de reporte e a

burocracia sem aumentar em coisíssima nenhuma o controlo e a participação dos acionistas. A melhor ilustração

disto são os artigos que se referem à política remuneratória, que não vão contentar ninguém exceto, talvez,

aquela categoria especial de voyeurs de salários.

Finalmente, uma pergunta: por que é que a redação final de vários artigos do Código dos Valores Mobiliários

e do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo não acolheu as sugestões da Associação

Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios, prejudicando desta forma os agentes locais

portugueses vis-à-vis os seus congéneres europeus? Porquê ir além da diretiva e prejudicar os agentes locais?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves.

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O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A Proposta de

Lei n.º 12/XIV/1.ª, como, aliás, a diretiva que transpõe, proclama um conjunto de boas intenções, mas de boas

intenções está o inferno cheio!

Nada temos contra a criação de maiores condições de participação dos acionistas na governação das

sociedades e nada nos obsta a que haja maior transparência entre gestores e acionistas. Não seremos nós a

opor-nos a que haja alguma limitação à remuneração dos titulares dos órgãos de administração e de fiscalização,

nem sequer contestamos que haja necessidade de uma perspetiva de mais de longo prazo na gestão das

empresas, o problema é que a proposta de lei ignora que, muitas vezes, são, precisamente, os acionistas que

querem uma estratégia que assegure lucros de curto prazo.

Outro problema é que estamos a falar de um universo muito limitado de empresas. São apenas 55 as

entidades cotadas em bolsa e é a esse universo que esta proposta de lei se dirige. Ficam de fora grandes

empresas como a TAP, a Brisa, o Banco Montepio, entre muitas outras, empresas essas que não dispensam,

por não serem cotadas, alguma disciplina em matéria de governação.

O que agora se pretende dispor em matéria de remunerações de gestores assenta no princípio da procura

do alinhamento dos interesses de longo prazo da sociedade e dos seus acionistas. Quer isto dizer que, quando

acionistas e gestores estejam alinhados, como é frequente, no único objetivo de produzir os maiores lucros

possíveis no mais curto prazo possível, podem continuar a existir pacotes salariais estelares, desde que

decididos em assembleia geral.

Cria-se a obrigação de ter códigos de conduta, mas quais os efeitos práticos disso? A questão de fundo é

outra e prende-se com a essência do capitalismo globalizado, a livre circulação de capitais e as desigualdades

crescentes na distribuição do rendimento e sobre isso nem a diretiva europeia nem esta proposta de lei alteram

nada de substancial.

Entrando no campo da fantasia, a exposição de motivos afirma que esta proposta de lei vai «promover o

crescimento e a criação de emprego».

Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado, o alcance do que aqui se propõe é tão limitado que o mais certo

é não ter efeito nenhum, nem no crescimento, nem no emprego, muito menos naquilo que é determinante: uma

redistribuição mais justa da riqueza criada.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A

proposta de lei que o Governo nos traz acrescenta algumas regras de transparência na relação entre acionistas

e administradores e a administração de empresas cotadas, mas é só isso — fim de conversa! A proposta não

altera o sistema e não servirá, certamente, para aquilo que diz servir e, portanto, não vai, certamente, impedir

estas empresas de serem conduzidas por lógicas de curto prazo, que visam apenas sugar das empresas os

seus recursos ou, alternativamente, gerir estas empresas para que elas produzam um maior valor em bolsa para

potenciar ganhos de curto prazo.

Essa é a essência do sistema financeiro, essa é a essência do sistema económico tal como ele está

desenhado hoje: muitos investidores investem em empresas não com vista à sua produção daqui a 30 anos,

não com vista ao interesse da empresa, da economia e da manutenção de postos de trabalho daqui a 30 anos,

mas, sim, com vista ao lucro de hoje em bolsa, e para isso tanto faz se esse lucro é conseguido com melhores

perspetivas de produção ou se é conseguido com operações de alavancagem e de empolamento de lucros. É

para isso mesmo que são geridas as empresas.

Por isso, embora registemos que há avanços positivos em matéria de transparência, que, como já foi dito, se

aplicam unicamente às empresas cotadas, deixando de fora grandes empresas que não o são, vamos ser

realistas sobre os propósitos desta diretiva e as suas hipóteses de bom sucesso.

É esta proposta que vai evitar que fundos de investimento internacionais, fundos abutres, que querem apenas

ter lucros num cabaz e num portefólio alargado de empresas, suguem as empresas portuguesas ou quaisquer

outras empresas cotadas? É esta proposta que vai impedir que os CTT distribuam dividendos, que não têm,

indo ao próprio capital e às reservas dos CTT para agradar aos seus acionistas? Era esta proposta que iria

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impedir Ricardo Salgado de utilizar a PT, condicionando as suas operações, para conseguir ter lucros e salvar

o seu império? Não é. Não é e convém que tenhamos essa noção, assumindo com realismo que são propostas

importantes no campo da transparência mas que são só isso mesmo e não vão alterar, de forma alguma, as

regras de funcionamento do sistema capitalista financeirizado.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles,

do CDS.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, o

Governo apresenta uma proposta de lei para a transposição de uma diretiva, desta vez dizendo respeito ao

governo das sociedades, e a primeira coisa que gostava de registar é o seguinte: sobretudo nesta área financeira

e fiscal, temos discutido transposições de diretivas em número que não é pequeno, neste início de Legislatura.

Percebendo eu que há prazos para a transposição de diretivas — mas também, enfim, é o Governo quem

escolhe fazer as transposições sempre em cima do prazo —, é bom percebermos, sobretudo em matérias

complexas como estas, que o facto de o estarmos a fazer discutindo as transposições na especialidade em

catadupa não vai ajudar a que a discussão na especialidade seja bem feita. Pelo contrário, vai dificultar, pois a

pressão do tempo e o facto de coincidirem muitas discussões na especialidade não vai levar a que as coisas

sejam feitas da melhor forma.

Em segundo lugar, estamos obviamente de acordo com os objetivos que o Governo identifica, mas o que é

necessário perguntar — e daí a minha preocupação com a especialidade — é se o que o Governo vem propor

são as medidas mais eficazes para chegarmos a estes objetivos. Da nossa parte, temos as maiores dúvidas de

que a excessiva regulamentação, eu diria mesmo a hiper-regulamentação, em matéria financeira seja a melhor

forma de conseguir controlar os abusos.

Todos temos noção de que muita coisa correu de forma que não deveria ter acontecido e por isso há a

tentação de prevenir todos os casos através de legislação, mas o que pergunto é se esta tentação natural, que

reconheço, será a melhor forma de impedir algumas más práticas.

Por outro lado, os pareceres que acompanham a proposta de lei demonstram que algumas preocupações,

quer técnicas, quer com litigância — nestas matérias a litigância tem sido excessiva e, mais uma vez, a hiper-

regulamentação não é boa conselheira —, têm de estar acauteladas. Portanto, da nossa parte haverá,

obviamente, concordância com os objetivos do Governo, total abertura para discutir tecnicamente as soluções

e esperemos que, na especialidade, se possa chegar não apenas às melhores soluções mas também às

soluções mais simples.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do

PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje

discutimos a transposição da segunda diretiva dos direitos dos acionistas das sociedades cotadas, um tema

complexo mas com muita importância para a sustentabilidade da economia portuguesa.

Importa lembrar que esta diretiva e a proposta de lei que pretende a sua transposição procuram, por via de

um maior envolvimento dos acionistas nas sociedades cotadas, evitar a repetição dos erros ocorridos aquando

da crise económica e financeira de 2008, em que a falta deste envolvimento trouxe um foco excessivo em ganhos

de curto prazo, o que trouxe consequências gravosas amplamente conhecidas.

Ainda que isto represente um avanço, é óbvio para o PAN que esta visão não é suficiente e que, de certa

maneira, é naïf. Dizemo-lo porque é ilusório achar que, do dia para a noite, os acionistas vão deixar de olhar

para as suas ações como ativos patrimoniais que querem rentabilizar a curto prazo, passando a ser os garantes

da sustentabilidade da empresa, pelo que a opção do legislador europeu deveria ter ido no sentido de assegurar

um maior envolvimento dos credores e dos trabalhadores.

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Contudo, importa aqui deixar duas notas. Por um lado, temos de sublinhar que nesta proposta de lei são

feitos alguns avanços no tocante ao aprofundamento das obrigações de transparência das sociedades cotadas

e, em particular, à introdução de regras de transparência relativas a investidores institucionais, a gestores de

ativos e a consultores em matéria de votação.

Nesta matéria, destacamos em particular os avanços que se dão quanto aos consultores, os chamados

«proxy advisors», que, com a proposta do Governo, ficam sujeitos à supervisão da CMVM (Comissão do

Mercado de Valores Mobiliários) e ao dever de elaboração e divulgação pública dos códigos de conduta por si

adotados, de relatórios relativos à sua aplicação e de relatórios anuais quanto aos procedimentos e métodos

adotados na sua atividade.

Por que é isto importante? Porque colmata riscos associados a estes consultores e identificados por

estudiosos, há anos, tais como sejam o excesso de discricionariedade de que dispõem, a suscetibilidade de

conflitos de interesses e a opacidade dos seus procedimentos e métodos, que, em última análise, podem levar

a distorções concorrenciais e à falta de qualidade da consultoria. Portanto, uma vez que o Governo concretiza

bem a diretiva nestes domínios e adota uma perspetiva de aprofundamento da transparência, pode, nesta como

noutras matérias em que adote esta perspetiva, contar com o PAN.

Por outro lado, esta proposta de lei introduz ainda alterações no controlo acionista sobre as políticas

remuneratórias dos administradores das sociedades cotadas, o que naturalmente é positivo. Contudo, o

Governo poderia ter sido mais ambicioso e procurado abrir a discussão sobre a forma de implantar mecanismos

de combate aos desequilíbrios salariais existentes entre trabalhadores e administradores das sociedades

cotadas, um debate que já se vai fazendo noutros países.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. André Silva (PAN): — Concluo já, Sr.ª Presidente.

Em 2018, os CEO (chief executive officer) das sociedades cotadas ganhavam 52 vezes mais do que os seus

trabalhadores, o que representa uma perversidade que tem de ser combatida e o Governo poderia ter

aproveitado para a combater nesta proposta de lei. Infelizmente, tal não aconteceu.

Aplausos do PAN.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando

Anastácio, do PS.

O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Na sequência do debate, penso que

será legítimo tirar a ilação de que há uma concordância, pelo menos, à volta do princípio, sem prejuízo de alguns

de nós poderem ter divergências do ponto de vista da abordagem conceptual relativamente à questão em

concreto. Na perspetiva do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a iniciativa legislativa em causa é um passo

importante a considerar face àquilo que se pretende, que é uma maior transparência nas sociedades.

Como disse, a presente proposta de lei tem um enfoque muito especial na transparência e pretende,

designadamente: facilitar a identificação dos acionistas das sociedades cotadas, com um inerente interesse na

simplificação do exercício dos direitos dos acionistas e na necessária transmissão de informação; aumentar as

regras de transparência relativas aos investidores institucionais, gestores de ativos e consultores em matéria de

votação; reforçar o controlo acionista sobre a política remuneratória, o que, como já foi referido e evidenciado,

é um ponto importante; e introduzir um regime de controlo acionista sobre transações relevantes com partes

relacionadas.

Com esta transposição visa-se, pois, colmatar insuficiências do governo das sociedades cotadas na União

Europeia, reforçando os direitos dos acionistas e procurando incentivar o seu envolvimento na gestão das

sociedades com um foco que não seja o do mero curto prazo, ou seja, promovendo que eles tenham uma

perspetiva de sustentabilidade e procurando com isto resolver algumas das questões que se evidenciaram com

a recente crise financeira.

A proposta tem incidência no Código dos Valores Mobiliários, bem como no Regime Geral dos Organismos

de Investimento Coletivo e no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, com alguns

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objetivos que gostaria de destacar de forma muito sucinta. O primeiro é o de criar mecanismos que facilitem às

sociedades cotadas saberem quem são os seus acionistas, nomeadamente informações relativas à sua

identidade, ao número de ações que detêm, desde quando, bem como obrigar os intermediários financeiros a

prestar este serviço de registo de informação e a transmitir aos diferentes acionistas as informações que são

relevantes.

Um outro objetivo é o de colmatar insuficiências no governo destas sociedades, reforçando os direitos dos

acionistas e procurando o seu envolvimento numa perspetiva de sustentabilidade e de longo prazo.

Segue-se a abordagem da temática da remuneração dos administradores, matéria que será extremamente

importante. É importante ficarmos com a noção de que estas matérias poderão e deverão ser tratadas nas

assembleias gerais das sociedades.

Um último aspeto, tendo presente que as transações com partes relacionadas podem prejudicar as próprias

sociedades, é o da necessidade de criar mecanismos de salvaguarda que protejam os interesses dos acionistas

e das sociedades.

Termino com a seguinte referência muito particular: estou ciente de que esta iniciativa já recebeu pareceres

de um conjunto de entidades e, portanto, a expectativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista é a de que,

na especialidade, possamos aprimorar este regime, se tal for necessário, e, assim, dotar o nosso ordenamento

jurídico de normativos mais eficazes e transparentes.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para encerrar este debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado

Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, que dispõe de 2 minutos.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Desde já, parece-

me que há um entendimento comum em relação àquilo que trazemos, ou seja, melhoramos o papel dos

acionistas na direção e governação das empresas, numa maior transparência, na definição das remunerações

dos gestores. Isso é algo que partilhamos.

Depois, temos, obviamente, diferenças de perspetiva. Muitos dos Srs. Deputados acham que se ficou aquém,

que se deveria ser mais intrusivo e ter mais informação, mas outros referiram os custos de reporte e até um

certo voyeurismo sobre as remunerações.

Penso que a proposta que trazemos é equilibrada, no sentido em que aumenta a informação sem expor a

vida das sociedades e o segredo comercial, que é essencial preservar, sendo nessa base que se desenvolvem

as sociedades ao nível do investimento.

Esta é uma proposta que promove o investimento, seguramente. Dirão: «Não é uma revolução.» Porém, não

se fazem revoluções por via da lei, apresentam-se reformas. E sim, ao longo dos últimos tempos temos discutido

muitas diretivas e transposições das mesmas, mas é precisamente esse corpo de propostas de lei que enquadra

o funcionamento dos mercados no sistema financeiro, ao nível dos seguros, ao nível dos bancos, ao nível do

mercado de capitais. É da interação desse quadro de regulação que induzimos os incentivos para que as

empresas tenham cada vez mais uma perspetiva de longo prazo, mas não se decreta que as empresas tenham

perspetivas de longo prazo. Isso resulta de incentivo e de olhar para aquilo que correu mal, sim, para que no

futuro não volte a acontecer o mesmo tipo de problemas.

O que apresentamos é uma moldura que pretende dar regulação e incentivos corretos. Àquilo que tem a ver

com a prevenção de crimes e a prevenção de práticas fraudulentas é dada resposta através de um conjunto de

projetos que também temos apresentado relativamente ao branqueamento de capitais e ao combate do

financiamento do terrorismo.

No que diz respeito à orientação de longo prazo do Governo — sim, o Governo tem uma orientação de longo

prazo! —, as medidas que tomámos de estabilização do sistema financeiro e de consolidação estrutural das

contas públicas são isso mesmo, uma perspetiva de médio e longo prazo. Essa é uma orientação que este

Governo tem e que prevalecerá.

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluímos assim o segundo ponto da ordem do dia, referente à

discussão da Proposta de Lei n.º 12/XIV/1.ª (GOV).

Passamos ao terceiro ponto, com a apreciação da Petição n.º 616/XIII/4.ª (FENPROF – Federação Nacional

dos Professores) — Solicitam a criação de um grupo de recrutamento da intervenção precoce, em conjunto com

os Projetos de Resolução n.os 105/XIV/1.ª (BE) — Pela criação de um grupo de recrutamento de intervenção

precoce, 173/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda ao Governo que crie o grupo de recrutamento na área da intervenção

precoce e 207/XIV/1.ª (PAN) — Pela criação de um grupo de recrutamento da intervenção precoce.

Para apresentar o Projeto de Resolução n.os 105/XIV/1.ª (BE), tem a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra

Vieira.

A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Sr.ª Presidente, saúdo a FENPROF e os 4000 peticionários, em particular

os pais e as mães, por trazerem a este Plenário um tema esquecido e negligenciado, o da intervenção precoce,

através desta petição que pretende criar um grupo de recrutamento próprio para os docentes e educadores que

trabalham nesta área.

O grande mérito da petição — justíssimo, no nosso entender — é o de evidenciar a necessidade de encarar

a intervenção precoce como sendo essencial dentro do sistema educativo, não só pelo apoio que docentes e

educadores prestam aos jardins de infância e às creches mas também pelo apoio e trabalho que podem

desenvolver junto das famílias. É sabido, e a neurociência demonstra-o, que é nesta idade que se verifica, com

maior intensidade, o desenvolvimento físico e intelectual da pessoa. Nesse sentido, a intervenção precoce é

essencial para o caso das crianças que revelam dificuldades de desenvolvimento que vão mostrar-se impeditivas

no seu percurso escolar e na sua vida autónoma.

A intervenção precoce em crianças ocorre até ao momento em que entram no primeiro ciclo do ensino básico.

A neurociência tem vindo a demonstrar, também, que quanto mais cedo se fizer a intervenção junto das crianças

e com as famílias mais podem ser minimizadas e trabalhadas muitas das problemáticas com reflexo positivo na

restante vida da pessoa, nomeadamente no percurso escolar.

A intervenção precoce resulta da articulação entre três Ministérios — da Segurança Social, da Saúde e da

Educação —, que se articulam numa Comissão Nacional e em várias Subcomissões Regionais. A Comissão

Nacional prevê um conjunto de medidas de apoio integrado centrado na criança e na família, de natureza

preventiva e reabilitativa, no caso de crianças que, até aos 6 anos, tenham um quadro limitado nas funções e

nas estruturas do corpo, com risco no atraso do seu desenvolvimento integral.

Há muito que não há orientações do organismo nacional. No entanto, este serviço essencial tem funcionado

aquém das necessidades, sejam materiais, sejam de recursos humanos. Mais uma vez, um serviço público é

sustentado pela generosidade de quem nele trabalha muito para lá das suas horas de serviço e até mantendo-

se contactável após o final do dia de trabalho.

Discordamos do que afirmou o PS, na semana passada, sobre a criação de um grupo para a docência dos

professores de teatro, ao afirmar que fazê-lo seria pulverizar a carreira docente. Consideramos até um

argumento bastante surpreendente, pois, a todo o momento, há essa necessidade e é normal que assim suceda,

como aconteceu com o ensino artístico, por exemplo, e até tendo em conta a autonomia e a flexibilidade

curriculares.

No momento atual, o Grupo de Recrutamento 900, da Educação Especial, integra o 910, o grupo de apoio a

crianças no domínio cognitivo e motor, perturbações da personalidade e da multideficiência; o 920, o grupo de

apoio a crianças com problemas de audição; e o grupo 930, o grupo de apoio a crianças com problemas de

visão. Ora, os docentes e os educadores de intervenção precoce têm de ser colocados no grupo 910, o que é

desadequado, pois a intervenção precoce é muito abrangente e exige formação específica, que já existe.

Além disso, verifica-se muitas vezes que é qualquer docente, de qualquer outra área, quem se disponibiliza

para integrar a equipa de intervenção precoce e, muitas vezes, isso até ocorre por convite da equipa

multidisciplinar.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Termino já, Sr.ª Presidente.

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De acordo com a Constituição da República Portuguesa, a educação é um serviço público que deve ser

prestado a todos os cidadãos e a todas as cidadãs. Não se compreende como o Estado português continua, em

primeiro lugar, a não consagrar este direito às crianças com menos de 6 anos.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Termino já, Sr.ª Presidente.

E, em segundo lugar, como continua a cercear esse direito, ao não criar as condições para que, o mais cedo

possível, estas problemáticas possam ser trabalhadas no sentido de uma vida autónoma e para que ocorra um

percurso escolar com sucesso.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção de apresentação do Projeto de Resolução n.º

173/XIV/1.ª, do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP saúda a FENPROF

(Federação Nacional dos Professores), a APEI (Associação de Profissionais de Educação Infância), a APD

(Associação Portuguesa de Deficientes), a CNOD (Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes) e a

CGTP-IN (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses — Intersindical Nacional) pela dinamização da

petição que reivindica a criação de um grupo de recrutamento para a intervenção precoce, bem como as mais

de 4000 pessoas que a subscreveram, possibilitando a sua discussão hoje, em Plenário.

É preciso assinalar por que razão a intervenção precoce é tão importante e justifica, efetivamente, a criação

de um grupo de recrutamento. Assim é porque falamos de uma ação preventiva e reabilitativa que conjuga a

educação, a saúde, a ação social.

A intervenção precoce é dirigida ao apoio às crianças dos 0 aos 6 anos de idade, mas também às suas

famílias, muitas vezes até nas suas próprias casas, fora de horas, sendo esta uma questão que tem de ser

assinalada e que é muito importante. É um trabalho muito específico, muito intenso pela natureza das tarefas

que têm de desenvolver, pelo que tem de contar com professores e educadores que tenham formação

especializada nesta área.

Se isto parece óbvio e evidente, a verdade é que, hoje em dia, muitos dos docentes que trabalham na

intervenção precoce não têm qualquer especialização ou formação adequadas precisamente porque, lá está,

não existe grupo de recrutamento, situação que o Governo do Partido Socialista tarda — e muito — em resolver.

Aliás, recorde-se, que, na audição dos peticionários em Comissão, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista

argumentou com a inexistência de uma avaliação do que ocorre no terreno para não assumir a necessidade

efetiva de criação do grupo de recrutamento. Mas, Sr.as e Srs. Deputados, então, o Governo não teve já tempo

para conhecer o que se passa no terreno? Não está agora a pegar neste assunto pela primeira vez! A pergunta

que fazemos é se não sabe ainda ou, então, se já sabe e está em condições de assumir a sua posição aqui,

hoje, por inteiro. E temos de perguntar mais: porquê? Porquê? Porque é que a criação deste grupo de

recrutamento foi sempre rejeitada pelo Ministério da Educação? Até porque esta é uma medida que não implica

qualquer acréscimo de despesa.

O Sr. João Oliveira (PCP): — É um facto!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Por que razão está a fazer esta resistência à sua criação? O que se passa

no tal terreno, onde as organizações que dinamizaram esta petição, bem como outras, estão diariamente, é que

continuam a ser convidados professores e educadores sem formação especializada para a atividade ou, então,

à falta de alternativa, a atribuição da intervenção precoce é feita a qualquer docente do Grupo de Recrutamento

910, da educação especial, ainda que a sua especialização não seja neste domínio. Mas por quanto tempo mais

isto irá acontecer?!

O PCP traz hoje à discussão um projeto para que, de uma vez por todas, esta situação seja resolvida, com

a criação do grupo de recrutamento da intervenção precoce, melhorando a resposta pública desta área e

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garantindo os direitos não só de quem trabalha mas também de quem está, neste momento, no sistema

educativo e precisa deste apoio fundamental.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Presidente, Eduardo Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para apresentar a iniciativa do PAN, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de dizer, antes de mais,

que saudamos a FENPROF e as demais entidades que dinamizaram esta petição, assim como os mais de 4000

peticionários que lhe deram corpo.

Saudamos e trazemos aqui um projeto de resolução nesse sentido, porque a intervenção precoce é um tipo

de intervenção especializada que requer toda a nossa atenção, destinando-se ao apoio de crianças até aos 6

anos de idade que se encontrem em risco de desenvolvimento ou que manifestem algum tipo de necessidade

específica.

Todos os aqui presentes sabem que a deteção precoce de alterações no desenvolvimento das crianças —

na linguagem, na aprendizagem, motoras, entre outras — é, de facto, fundamental para podermos intervir, tal

como é fundamental o planeamento e a programação de intervenções adequadas a cada criança, a cada família,

garantindo que são dadas as melhores respostas de estimulação, de aprendizagem, de reabilitação,

minimizando os efeitos e as dificuldades existentes em todo o processo desenvolvimental destas crianças.

Para isso, Sr.as e Srs. Deputados, as políticas educativas para a inclusão devem, de facto, prever

intervenções que possam acontecer o mais cedo possível, possam ser especializadas, garantindo a estas

crianças a tentativa clara de correção das limitações funcionais que possam existir e a tentativa clara de que se

intervém no sentido da participação autónoma destas crianças na vida social.

A relevância, a especificidade e a complexidade destas intervenções exige, de facto, conhecimentos e

competências especializadas de profissionais integrados nas equipas multidisciplinares. Mas o cenário que

temos atualmente, Sr.as e Srs. Deputados, mostra que podem ser integrados docentes sem qualquer formação

ou especialização nesta área de intervenção precoce, podendo a integração de professores a nível da

intervenção precoce ser feita através do grupo de recrutamento da educação especial, o Grupo de Recrutamento

910, ou, então, através de um convite realizado a um determinado docente.

Sr.as e Srs. Deputados, o cenário atual não dá resposta ao que anteriormente elencámos e, por isso, trazemos

aqui uma proposta de recomendação ao Governo que, no fundo, visa um reconhecimento claro da importância

da intervenção precoce e garante que se intervenha com profissionais dotados de conhecimentos

especializados, de competência técnica adequada em matéria de desenvolvimento infantil e de alterações do

desenvolvimento das crianças, visando técnicas de apoio específicas às crianças e suas famílias.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do Grupo Parlamentar do CDS-PP,

para uma intervenção.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os mais de

4000 peticionários desta petição.

Como já aqui foi dito, a intervenção precoce dá apoio a crianças entre os 0 e os 6 anos de idade e, muito

importante, dá apoio às suas famílias, muitas vezes em situações de grande vulnerabilidade, pois encontram-

se muito perdidas sobre o que devem fazer em relação às notícias que recebem e aos filhos que têm em casa.

A intervenção precoce está organizada em três áreas de apoio multidisciplinar, na saúde, na educação e na

segurança social, e está estruturada no Serviço Nacional de Intervenção Precoce na Infância, o chamado SNIPI,

cuja moldura legislativa se encontra no Decreto-Lei n.º 281/2009.

As equipas de intervenção precoce desenvolvem um trabalho fundamental com estas crianças, com as suas

famílias e, como aqui foi dito, muitas vezes até no seu domicílio. Para que os trabalhos sejam proveitosos e para

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que haja potenciais ganhos de desenvolvimento nas vidas destas crianças, há, de facto, uma janela de

oportunidade que tem de ser aproveitada com técnicas especializadas e, portanto, com recursos humanos

também especializados.

Na anterior Legislatura, o grupo de trabalho das necessidades educativas especiais — que me lembre, ainda

cá estão a Sr.ª Deputada Joana Mortágua e a Sr.ª Deputada Diana Ferreira, para além de mim — fez várias

visitas ao terreno e, nessas visitas, tornou-se muito claro que havia, por um lado, falta abrangente de

profissionais nestas equipas e, por outro, um problema específico na área da educação, que tinha, de facto, que

ver com o tipo de professores colocados nestas equipas, muitas vezes educadores de infância, com uma

associação muito linear em relação à faixa etária, e professores de educação especial do Grupo 910, que tem

algum treino para trabalhar esta área mas não o treino específico que esta janela de oportunidade de que há

pouco falava exige.

Portanto, a educação especial, neste momento, do ponto de vista do recrutamento e da colocação de

professores, tem três domínios: o 910, que tem que ver com a área cognitiva e motora; o 920, que tem que ver

com a surdez e com perturbações da comunicação; o 930, que tem que ver com baixa visão e cegueira. Mas,

na verdade, a intervenção precoce na infância, pela sua especificidade e pelas exigências concretas que as

crianças têm, não cabe e não pode estar diluída em nenhuma destas áreas. Por isso, merece ter um grupo de

recrutamento próprio e autónomo, algo que o CDS também defende.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra, por Os Verdes, a Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes saúdam todos os

peticionários que nos trazem, mais uma vez, as injustiças que podemos encontrar na contratação de professores

e educadores.

O Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância consiste num conjunto organizado pelas entidades

institucionais e é de natureza familiar, visando, sobretudo, garantir condições de desenvolvimento para crianças

com funções ou estruturas do corpo que limitam o crescimento pessoal, social e a sua participação nas

atividades próprias para a idade, assim como para crianças com risco grave de atraso no desenvolvimento.

A sua coordenação cabe aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social, da Saúde e da Educação,

tendo em consideração o envolvimento das famílias e da comunidade. Esta intervenção aplica-se às crianças

entre os 0 e os 6 anos, aumentando a sua relevância.

Os profissionais envolvidos, professores e educadores de infância, são ou convidados ou colocados pelo

Ministério da Educação, dependendo das escolas. Quando são colocados através do concurso de recrutamento,

são-no através do Grupo de Recrutamento 910, para a educação especial, que se destina ao apoio a crianças

e jovens com graves problemas cognitivos, com graves problemas motores, com graves perturbações da

personalidade ou de conduta, com multideficiência e, também, para o apoio em intervenção precoce na infância.

Ora, sempre que um docente concorre neste grupo de docência não sabe se irá trabalhar na intervenção

precoce ou no apoio a outras crianças, de acordo com o âmbito de abrangência do próprio grupo de

recrutamento. Quando a colocação é feita por convite, qualquer professor pode disponibilizar-se para trabalhar

na intervenção precoce na infância, mesmo que as suas habilitações não sejam adequadas para trabalhar nesta

área. Todos compreendemos que as crianças que dela necessitam não podem continuar a ficar à mercê destes

mecanismos e os profissionais merecem ser colocados de acordo com a sua habilitação, visto que existe

formação específica nesta área, pelo que nada justifica que estes docentes continuem integrados num grupo de

recrutamento tão abrangente. E será aceitável que as crianças que necessitam de intervenção precoce estejam

sujeitas ao apoio de docentes sem formação na área?

Os Verdes defendem ser urgente a criação de um grupo de recrutamento para estes professores,

devidamente habilitados com formação especializada, e a correspondente colocação por concurso. Por isso,

acompanhamos os projetos que recomendam ao Governo iniciar um processo negocial com vista à criação de

um grupo de recrutamento na área da intervenção precoce.

Aplausos do PEV e de Deputados do PCP.

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O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Carla Madureira, do

Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começamos por saudar os

signatários e promotores desta petição, que tem em vista a criação do grupo de recrutamento da intervenção

precoce.

Deixamos aqui também um cumprimento especial a todos aqueles que trabalham na intervenção precoce e

que dão um apoio tão importante às crianças e às respetivas famílias.

A intervenção precoce assume um papel fundamental no desenvolvimento das crianças até aos 6 anos de

idade, com alterações ou em risco de apresentar alterações nas estruturas ou funções do corpo.

Esta intervenção deve ser proporcionada o mais precocemente possível e deve criar condições propícias ao

bom desenvolvimento da criança com uma abordagem centrada na sua família, maximizando as oportunidades

de aprendizagem da criança, apoiando os pais e garantindo que os mesmos dispõem dos recursos de que

precisam para cuidarem da criança.

A intervenção precoce, assumindo este papel importante no desenvolvimento da criança, e tendo em conta

a sua especificidade, deve ser assegurada, preferencialmente, por um conjunto de profissionais devidamente

especializados.

Embora haja um leque de docentes com especialização na área da intervenção precoce, normalmente são

os professores do Grupo 910, o grupo da educação especial, domínio cognitivo e motor, a trabalhar com estas

crianças.

Mas a intervenção precoce na infância não se cinge unicamente a este domínio. A educação especial

engloba, também, o domínio da surdez e da comunicação e o da baixa visão e cegueira.

Entendemos, pois, que a intervenção precoce na infância deve considerar a formação específica do

professor. E sabemos que o Partido Socialista concorda connosco e também pensa assim. Ora, vejamos: o

próprio Programa do Governo diz que «O ensino é um dos setores em que a especialização e a formação dos

profissionais são críticas para os resultados obtidos».

Por isso, consideramos que é ao Governo, através do Ministério da Educação, que compete organizar os

concursos de docentes e definir os grupos e as formas de recrutamento, até porque esta medida, em concreto,

não terá impacto significativo no Orçamento do Estado. Não o fazendo agora, entendemos que o Partido

Socialista o deverá fazer no âmbito do compromisso que assumiu, em sede de Orçamento do Estado, de

elaborar um diagnóstico sobre o modelo de recrutamento e a colocação de professores e um plano que tenha

em conta as várias mudanças na sociedade portuguesa.

O Partido Social Democrata ficará atento à atuação do Governo e do Ministro da Educação, esperando que

cumpram as suas promessas e que não voltem a falhar com os seus compromissos, como já aconteceu no

passado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Ainda para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lúcia Araújo, do Grupo

Parlamentar do PS.

A Sr.ª Lúcia Araújo Silva (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os

peticionários.

A petição e os projetos de resolução em apreciação, na área da intervenção precoce, que abrange crianças

dos 0 aos 6 anos, levam-me a recordar que os docentes colocados na intervenção precoce, independentemente

do grau de ensino da sua proveniência, são docentes com formação especializada na educação especial.

A intervenção que é requerida aos docentes que trabalham com a intervenção precoce na infância insere-se

no conjunto de competências formativas específicas, adstritas ao Grupo de Recrutamento 910, de educação

especial, de acordo com o decreto-lei em vigor que define os grupos de recrutamento.

Recordo ainda que o Decreto-Lei n.º 281/2009, atualmente em vigor, garante a resposta às necessidades

identificadas, criando o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância, com um conjunto de medidas de

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apoio integrado, centrado na criança e na família, incluindo ações de natureza preventiva e reabilitativa, no

âmbito da educação, da saúde e da ação social, com a coordenação das áreas governativas do trabalho, da

solidariedade e segurança social, da saúde e da educação.

À área governativa da educação compete organizar uma rede de agrupamentos de escolas de referência

para a intervenção precoce na infância que integre docentes desta área pertencentes aos quadros, que podem

solicitar mobilidade estatutária, consideradas as especificidades da lecionação na área da intervenção precoce,

ou contratados por parte das escolas, as quais têm como critério específico a formação especializada na

educação especial.

Relativamente à criação de um grupo de recrutamento para a área em discussão, o Governo é sensível à

criação de novos grupos de recrutamento. Recordo, a título de exemplo, o grupo de recrutamento de Língua

Gestual Portuguesa, criado pelo XXI Governo Constitucional (Decreto-Lei n.º 16/2018), após um trabalhoso

processo de estudo desenvolvido previamente.

Relativamente à criação do grupo em causa, esta matéria envolve sempre uma rigorosa análise prévia,

implicando um estudo profundo da estrutura do ensino, com avaliações quer nas áreas curriculares, quer no

âmbito dos recursos humanos e materiais necessários, não se podendo concluir à data pela criação de um grupo

de recrutamento.

Sublinho, ainda, a especial atenção que o Governo tem dado ao tema da educação inclusiva, com a sua

aprovação jurídica no Decreto-Lei n.º 54/2018 e o aumento dos recursos humanos, materiais, técnicos e

pedagógicos, tendo em vista dar resposta às necessidades decorrentes da implementação do novo regime, nos

quais se destacam: mais de 6000 docentes de educação especial nos três grupos de recrutamento respetivos,

o que traduz um aumento de mais de 1000 docentes; o reforço de um assistente operacional por grupo nos

jardins de infância da rede pública; e o reforço de mais de 200 assistentes operacionais para suprirem

dificuldades acrescidas de crianças que apresentem grande dependência de adultos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, tivemos mais uma vez um exemplo do Partido

Socialista no seu melhor: sensível ao problema, a considerar que temos um quadro legal suficiente, a saudar os

peticionários, mas a entender que o Governo não vai fazer absolutamente nada sobre esta matéria porque já

temos lei que chegue, o que importa é avaliar os meios no terreno e ver como funciona.

Sr.ª Deputada Lúcia Araújo, arrisco-me a dizer que, em termos de intervenção precoce, Portugal tem dos

piores dados da União Europeia e isto deveria, pelo menos, fazer-nos pensar sobre o que não estamos a fazer

bem.

Quando confrontado com o grupo de recrutamento para a intervenção precoce, o Partido Socialista

respondeu: «Ainda não, estamos a avaliar as condições no terreno.»

Em junho de 2018, foi pedido um estudo ao Conselho Nacional de Educação. Onde é que estão os resultados

disso, meu Deus?!

Protestos da Deputada do PS Lúcia Araújo Silva.

Precisamos de quanto tempo? Dois anos, três anos, vinte anos para conseguirmos chegar a conclusões

sobre a intervenção precoce?!

É verdadeiramente incrível que, numa matéria que é consensual, numa matéria que toca nas dificuldades

mais básicas das famílias e das crianças, não consigamos chegar a um consenso e as respostas do Partido

Socialista sejam: «Estamos a analisar, estamos a ver, um dia veremos como funciona.»

A verdade é esta: esta medida não teria impacto ou teria um impacto muito reduzido, repito, muito reduzido,

do ponto de vista orçamental. Não há motivo nenhum senão alguma cegueira ideológico-pragmática para que o

Partido Socialista a queira impedir. Por isso, sim, a medida faz falta, é fundamental e custa muito que aquele

partido que, quando estava na oposição, falava da importância da intervenção precoce, falava da importância

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das necessidades educativas especiais, agora diga, simplesmente, «vamos ver, vamos analisar, obrigado por

terem vindo, até à próxima».

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos, assim, ao final da nossa ordem de trabalhos.

A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, às 15 horas, e estará na ordem do dia a Interpelação ao

Governo n.º 2/XIV/1.ª, requerida pelo BE, sobre a crise no serviço postal e a recuperação do controlo público

dos CTT.

Muito obrigado, até amanhã e boa tarde a todos.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 12 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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