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II SÉRIE — NÚMERO 45

PROJECTO DE LEI H.° 398/11 GARANTIA DOS ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES

As alterações ao Código Civil determinadas pela necessidade da sua adequação aos princípios constitucionais e às realidades da sociedade portuguesa entraram em vigor há quase 5 anos.

As normas respeitantes à família e aos direitos e deveres de cada uma das pessoas que a compõem foram profundamente alteradas. À luz da Constituição, o Estado e a sociedade assumem importantes deveres perante a realidade familiar. Mas nem se pode dizer que a legislação em vigor extraia todas as implicações do quadro constitucional, nem se encontra garantida sequer a sua efectiva aplicação.

Ao apresentar o presente projecto de lei de garantia dos alimentos devidos a menores, o PCP visa colmatar uma das mais graves deficiências do actual quadro legal, criando mecanismos novos, capazes de assegurar um direito fundamental.

1 — A obrigação alimentar e a sua (débil) garantia legai

É, na verdade, reconhecidamente incompleto e insuficiente o elenco de meios disponíveis no direito português para protecção dos menores em caso de incumprimento das obrigações alimentares por parte de quem por elas se encontra vinculado. A ineficácia da lei tem como consequência a penalização de quem mais careceria de ser protegido e, pelo contrário, se vê lançado para labirintos judiciais tão penosos quanto magros em resultados. Não pode ignorar-se, por outro lado, que, nas presentes condições da sociedade portuguesa, são as mulheres as principais atingidas por este regime, é sobre elas que recai o peso fundamental das debilidades do actual quadro legal.

Maria Judite S., por exemplo (e, sintomaticamente, os exemplos são a única coisa que neste campo se revela fácil e abundante!), tem um filho menor. O pai trabalha por conta própria, na construção civil, e já não vive com a Maria Judite e o filho há largos anos.

O filho é confiado, por decisão judicial, à guarda da mãe e o pai condenado a pagar uma pensão mensal de 300$, a título de alimentos para o menor (isto em 1970). Em Maio de 1975, a pensão é alterada para 500$ mensais. Porém, em Março de 1978, a Maria Judite deixa de receber a pensão devida.

À face da Organização Tutelar de Menores (De-creto-Lei n.° 314/78, de 27 de Outubro), a Maria Judite e a criança ficam completamente indefesas e remetidas à necessidade de viver apenas de um salário mínimo nacional. Na verdade, o pai trabalha por conta própria (não é possível recorrer a desconto nos vencimentos!). Com a penhora de bens permitida pelo artigo 1118.° do Código de Processo Civil não é possível receber a pensão mensalmente (a Maria Judite teria de renovar todos os meses a execução para penhorar bens ao executado, e bens penhoráveis provavelmente não existem). Desconhecem-se rendimentos passíveis de consignação, a fazer mensalmente. A mãe recorre então ao único meio processual que a Organização Tutelar de Menores põe ao seu alcance: o procedimento criminal contra o pai do menor. A participação é feita em Maio de 1978.

O calvário da Maria Judite ainda mal começou. A acusação é deduzida no processo em 22 de Janeiro

de 1981 (até então se arrastou a instrução preparatória!). O julgamento é marcado em 1982. O réu apresenta atestado médico, provocando o adiamento. Mas para todas as audiências marcadas posteriormente aprendeu a forma de se furtar à notificação e agora nada mais há a fazer do que o julgamento à revelia, ainda não marcado.

Se uma amnistia não surgir que termine este processo na sua longa marcha, a Maria Judite poderá conseguir uma condenação. Mas a dívida só é contada até à data da acusação (é de 17 000$). Para os alimentos posteriores, a mãe terá de recomeçar tudo. Mas, com uma condenação à revelia, o réu tem largas hipóteses de escapar aos mandados de captura e ao pagamento da dívida alimentar...

Esta é a angustiante situação de centenas e centenas de mulheres com filhos menores à sua guarda que diariamente se vêem forçadas a reclamar dos juízes, nos corredores dos tribunais, nos gabinetes do ministério público, nos escritórios dos advogados, o cumprimento de obrigações judicialmente estabelecidas, a defesa do interesse na manutenção da vida.

Reclamam, em última análise, mecanismos legais e práticos que permitam o cumprimento de normas constitucionais e confiram eficácia à legislação em vigor.

2 — Dos imperativos constitucionais e legais à realidade

A Constituição reconhece às famílias o direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Aos pais e às mães é garantido o direito à protecção especial na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos. As crianças têm direitos que o Estado deve assegurar e fazer respeitar, com vista ao seu desenvolvimento integral. Aos jovens é constitucionalmente assegurada protecção adequada para efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais ...

É sabido quão longe nos encontramos de uma efectiva realização de todos estes direitos e como se fazem sentir aqui agudamente as desigualdades que caracterizam a sociedade portuguesa.

Como ignorar então que tudo isto se reflecte no (in)cumprimento das obrigações alimentares, sem que a lei ordinária assegure um eficaz sistema de protecção dos menores que dela mais carecem?

É certo que a reforma do Código Civil empreendida em 1977 alterou o instituto das obrigações alimentares, dando um importante passo para o adequar às novas realidades. Foi a segunda grande mutação em apenas 10 anos ...

Hoje a lei reflecte as novas realidades e aponta para a transformação social.

Mas, apesar de tudo, mantêm-se as distorções c há normas a rever, como de uma maneira geral se reconhece.

A inadequação da lei torna-se ainda mais patente quando se tem em conta o grande número de crianças que hoje vivem e são educadas apenas na companhia do pai ou da mãe, quer por terem nascido fora do casamento, quer por força de separação ou divórcio dos pais.

Não se pode ignorar, finalmente, que existe ainda um enorme desconhecimento dos próprios direitos consagrados na lei por parte de quem mais careceria de os conhecer e exercer ...

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