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Sábado, 5 de Novembro de 1988

II Série-A — Número 5

DIÁRIO

da Assembleia da República

V LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

SUMÁRIO

Projectos de lei (n." 308/V a 310/V):

N.° 308/V — Elevação de Pias à categoria de vila

(apresentado pelo PS)........................ 28

N." 309/V — Garantia do aumento do valor mínimo e da actualização das reformas e pensões

(apresentado pelo PCP)....................... 28

N.° 310/V —Define o conceito de dedicação exclusiva do mandata de deputado e regulamenta a sua aplicação (apresentado pelo PSD) ....... 30

Propostas de lei (n.M 77/V e 78/V):

N.° 77/V — Lei de Bases do Estabelecimento, Gestão e Exploração das Infra-Estruturas e Serviços

de Telecomunicações.......................... 30

N.° 78/V — Disciplina a utilização terapêutica do

sangue....................................... 35

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II SÉRIE-A — NÚMERO S

PROJECTO DE LEI N.° 308/V

ELEVAÇÃO DE PIAS A CATEGORIA DE VILA

Pias é sede da freguesia do mesmo nome, estando integrada no Município de Serpa e no distrito de Beja.

Pias terá sido fundada no início do século xvii por artífices caboqueiros que se radicaram nesta região com a finalidade de extraírem granito para mós, soleiras, pias, etc. Em 1644 Mora Coelho, rica proprietária da região, doou alguns terrenos a estes operários, tendo sido a partir de então que Pias (ou Aspias, como surge no mapa, datado de 1763, sobre o Alentejo de João Silveiro Carpinetti) se desenvolveu.

Segundo Luís Figueira Borges, in Monografia de Pias, há vestígios arqueológicos por toda a freguesia, o que prova que esta zona foi habitada desde tempos imemoriais. Um destaque especial também para a Ermida de Santa Luzia, a 2,5 km da localidade, cuja edificação se calcula que tenha sido feita nos finais do século xiv e que, e ainda recorrente ao trabalho acima citado, foi «mandada construir por Nuno Álvares Pereira por altura da saída dos frades carmelitas de Moura em 1397».

Actualmente, de acordo com o último recenseamento (1988), a freguesia de Pias tem 3145 eleitores.

Pias dispõe de um vasto leque de equipamentos colectivos, de que se destaca:

Posto de assistência médica, com médico permanente; farmácia; casa do povo; duas sociedades recreativas; um clube desportivo de projecção nacional; uma casa de espectáculos, com capacidade para 800 espectadores; centro cultural (em construção); centro de saúde (em construção); dois ranchos corais etnográficos; um grupo de música popular portuguesa; um conjunto musical de baile; um grupo de teatro amador; um núcleo das guias de Portugal; um lar para a terceira idade, com capacidade para 80 pessoas; um jardim infantil, com capacidade para 60 crianças; um pavilhão gimnodesportivo (em construção); campo de jogos para bancada, iluminação, campo de futebol, ringues de patinagem, polidesportivo, futebol de cinco e campo de ténis; escola pré-primária; escolas primárias; escolas do ciclo preparatório TV; estação dos CTT; posto da GNR; cooperativas agrícolas e de consumo; mercado de abastecimento público; três supermercados; vários estabelecimentos de todos os ramos de comércio; oficinas e pequenas indústrias de fabrico de pão, enchidos, queijo e conservas; lagares de azeite e de vinho; núcleos de artesanato (tapetes de Arraiolos; cabedal, rendas, ferro e madeira); serviços de transporte público diário (CP e RN); serviço de carros ligeiros de aluguer; empresa de camionagem; estação de rádio local, três grandes armazenistas de produtos alimentares.

Para ocupação dos tempos livres merecem destaque: uma discoteca; vários bares; cinema (duas vezes por semana) e clube de vídeo. Para os mais novos há a referir a existência de dois parques infantis.

Dispõe ainda de igreja, com modernas instalações, sede da junta de freguesia e cemitério.

Registe-se ainda que está para breve a implementação de uma albufeira a 3 km da localidade para o aproveitamento de águas pluviais e a plantação de cerca de 10 000 árvores na área continua e em solos esqueléticos, que num futuro próximo irá ser uma zona de lazer. Para além de ficar com as condições ideais para a implementação de um parque de campismo.

Para breve também está prevista a construção de uma moderna residencial na povoação, com 40 quartos, para além de um projecto de exploração turística de âmbito rural, com a recuperação de casas abandonadas nalgumas propriedades da freguesia, e ainda uma pequena indústria de exploração dos granitos de Pias, de grande valor económico, devido às suas características.

Destaque-se, por último, que Pias revela uma intensa actividade económica, industrial, agro-pecuária e apícola.

A elevação à categoria de vila é uma forte e justa aspiração da população, como tem sido tornado público pelos autarcas locais e outras entidades.

Face ao exposto, fica demonstrado que Pias preenche os requisitos que a Lei n.° 11/82, de 2 de Julho, estabelece para poder ser elevada à categoria de vila.

Nestes termos, os deputados do Partido Socialista abaixo assinados, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõem o seguinte projecto de lei:

Artigo único. A povoação de Pias, sede da freguesia do mesmo nome, no concelho de Serpa, é elevada à categoria de vila.

Os Deputados do PS: Helena Torres Marques — Tito de Morais — João Cravinho — Jaime Gama.

PROJECTO DE LEI N.° 309/V

GARANTIA DO AUMENTO DO VALOR MlNIMO E DA ACTUALIZAÇÃO DAS REFORMAS E PENSÕES

1 — Através do presente projecto de lei, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português pretende contribuir para que as condições de vida dos reformados, pensionistas e idosos, uma das camadas da população que mais têm sentido a degradação da situação social, sejam melhoradas e dignificadas.

São, aproximadamente, 2 milhões de portugueses, que, chegando ao fim de uma vida de trabalho, não encontram condições para uma velhice serena e digna e que têm geralmente de recorrer ao auxílio, à dependência dos filhos ou familiares ou ao trabalho remunerado que complete uma reforma hoje incompatível com o nível de vida existente no nosso pais.

Dezenas de anos de trabalho activo numa fábrica, no campo ou num serviço traduzem-se assim, para a maioria dos portugueses, numa velhice carregada de insegurança, em que o dia-a-dia se consome na luta pela sobrevivência.

Bastaria referir o exemplo dos 525 000 reformados rurais que vivem com uma reforma de 9600$ mensais.

Também os 554 000 reformados do regime geral recebem uma pensão de 13 000$, enquanto outros 273 000 pensionistas (pensão social) recebem apenas 8600$ mensais.

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Este quadro impressionante tem sido agravado pelos insuficientes aumentos, que ao longo dos anos têm sido inferiores à taxa de inflação, conduzindo a uma degradação contínua das pensões e reformas.

2 — Sucessivos governos têm justificado esta opção face à situação financeira da Segurança Social.

Só que, pela política seguida, as receitas da Segurança Social têm baixado perigosamente em termos reais, devido ao agravamento do desemprego, à proliferação dos contratos a prazo e às dívidas, que atingem mais de 200 milhões de contos.

Coloca-se a questão de financiamento. Mas, quando se verifica, face às contas de 1987 da Segurança Social, que o ano encerrou com um saldo positivo de mais de 40 milhões de contos, as dívidas cresceram num único ano (1986-1987) 38,5 milhões de contos, tendo atingido, provavelmente, em Setembro de 1988 os 220 milhões de contos, ao mesmo tempo que o Governo se recusa a cobrir os défices dos regimes reduzidamente contributivos, não contributivos e acção social, enquanto a Segurança Social continua a financiar actividades estranhas aos seus fins, como a formação profissional e a saúde, que só em 1987 custaram cerca de 20 milhões de contos, é real o atrofiamento financeiro.

Situação que urge equacionar através de um política correcta de rendimentos e um novo sistema de financiamento. Mas é certo que não podem ser os reformados e idosos a pagar os custos da política levada a cabo nos últimos anos.

3 — 0 PCP propõe que não se adie por mais tempo a equiparação a 55% do salário mínimo nacional da reforma mínima da Segurança Social nos seus diversos regimes, conforme é recomendado pela OIT, ajustando as actuais reformas acima da mínima, por forma que a diferença entre o seu montante e o novo valor da pensão mínima se mantenha.

Propõe igualmente a actualização e reformulação da base de cálculo do valor das pensões, visando melhorar o seu montante, passando o cálculo do salário médio a ser realizado em função dos três melhores dos últimos dez anos e a fazer-se a sua actualização de acordo com o índice dos preços ao consumidor.

Salvaguardadas as situações de incapacidade total para o trabalhador em consequência de doença grave cuja pensão deverá corresponder a 85 % do salário base do beneficiário.

Por último, define a actualização das pensões e reformas simultaneamente e em proporção idêntica à do salário mínimo nacional.

Porque é de reparação de injustiça social que se trata, é urgente que o Estado democrático assuma de imediato as suas responsabilidades com esses 2 milhões de portugueses.

Assim, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Pensão mínima do regime geral

A pensão mínima do regime geral da Segurança Social e dos regimes a ele associados, designadamente os regimes especiais dos ferroviários, não pode ser inferior a 55% do montante mais elevado do salário mínimo nacional.

Artigo 2.°

Pensão mínima do regime dos trabalhadores agrícolas

As pensões de invalidez e velhice do regime transitório da Segurança Social dos trabalhadores agrícolas, bem como as do regime não contributivo (pensão social), não podem ser inferiores a 55% da remuneração mínima garantida aos trabalhadores do sector agrícola.

Artigo 3.°

Montande da pensão

1 — Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, a pensão de invalidez ou velhice é igual a 30% do salário base, a que acrescem 2,3% do mesmo salário por cada ano civil, com registo de contribuições, para além de 10 anos.

2 — 0 valor máximo da pensão é de 85 % do salário base.

Artigo 4.° Salário base

1 — O salário base é calculado pela fórmula —,

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em que S corresponde à soma das remunerações dos três anos civis melhores dos últimos dez anos.

2 — Os salários considerados no número anterior serão actualizados, no mínimo, de acordo com a variação do índice de preços ao consumidor.

Artigo 5.° Pensão de invalidez por razão de doença grave

A pensão de invalidez provocada por doença grave que determine total incapacidade para o trabalho será igual a 85% do salário base do beneficiário.

Artigo 6.°

Ajustamento das pensões superiores á pensão mínima

As pensões de invalidez e velhice do regime geral cujo valor, à data da entrada em vigor da presente lei, seja superior ao da pensão mínima são aumentadas por forma que a diferença entre o seu montante e o novo valor da pensão mínima seja idêntica à anteriormente estabelecida.

Artigo 7.° Pensões de sobrevivência

As pensões de sobrevivência serão fixadas e actualizadas em conformidade com o disposto nos artigos anteriores.

Artigo 8.° Actualização das pensões

As pensões e reformas mínimas serão actualizadas simultaneamente e em proporção pelo menos idêntica à do salário mínimo nacional aplicável ao respectivo sector, nos termos da lei.

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Artigo 9.° Entrada em vigor.

A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 1989.

Assembleia da República, 3 de Novembro de 1988. — Os Deputados do PCP: Apolónia Teixeira — António Mota — Carlos Brito — Jerónimo de Sousa — Ilda Figueiredo — Luís Roque — Maia Nunes de Almeida — João Amaral — Paulo Coelho — Octávio Teixeira — Cláudio Percheiro — Fernando Gomes.

PROJECTO DE LEI N.° 310/V

DEHNE 0 CONCEITO DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA 00 MANDATO DE DEPUTADO E REGULAMENTA A SUA APLICAÇÃO

O regime de dedicação exclusiva no desempenho do mandato de deputado, previsto no artigo 16.°, n.° 6, do Decreto-Lei n.° 464/82, de 9 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 4.° da Lei n.° 102/88, de 25 de Agosto, torna necessárias a definição do conceito e a regulamentação da prática do preceito correspondente.

Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PSD apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° — 1 — Desempenham o mandato em regime de dedicação exclusiva os deputados que declarem renunciar ao exercício de qualquer outra função ou actividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal.

2 — A declaração referida no número anterior é feita até oito dias após a data de início do mandato, com efeitos retroactivos a essa data, ou posteriormente, com efeitos a partir da sua apresentação.

3 — A declaração é apresentada ao Presidente da Assembleia directamente pelo deputado ou através da direcção do respectivo grupo parlamentar.

4 — A relação nominativa dos deputados que optem pelo regime de dedicação exclusiva ou que o façam cessar é publicada no Diário da Assembleia da República e no Diário da República.

Art. 2.° — 1 — Não envolve quebra de compromisso de dedicação exclusiva a percepção de remunerações decorrentes de:

a) Pagamento de direitos de autor;

b) Realização de conferências, palestras, cursos breves e outras actividades análogas;

c) Ajudas de custo;

d) Reembolso de transportes.

2 — Também não envolve quebra do referido compromisso o exercício das actividades previstas no n.° 2 do artigo 19.° do Estatuto dos Deputados até ao limite de quatro horas semanais.

Art. 3.° — 1 — A suspensão do mandato de deputado põe fim ao regime de dedicação exlusiva.

2 — Nos casos previstos nos n.os 1, alíneas b), c), d) e e), e 3 do artigo 4.° do Estatuto dos Deputados e na alínea a) do n.° 2 do artigo 5.° do mesmo Estatuto, o deputado pode reiniciar o regime de dedicação exclusiva a partir da data do seu regresso.

Art. 4.° — O deputado que exerce funções por substituição só pode optar pelo regime de dedicação exclusiva se a sua permanência como deputado se verificar por um período não inferior a quinze dias.

Art. 5.° — A violação do compromisso de dedicação exclusiva implica a reposição das importâncias efectivamente recebidas a título de abono por esse regime e a impossibilidade de o renovar na legislatura em curso.

Lisboa, 3 de Novembro de 1988. — Os Deputados do PSD: Montalvão Machado — Reinaldo Gomes — Mário Raposo — Guerreiro Norte — Guido Rodrigues — Carlos Encarnação — Soares Costa — Arménio Santos — Luísa Ferreira — Luís Geraldes — José Francisco Amaral.

PROPOSTA DE LEI N.° 77/V

LEI DE BASES DO ESTABELECIMENTO, GESTÃO E EXPLORAÇÃO DAS INFRA-ESTRUTURAS E SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES

Exposição de motivos

1. As telecomunicações detêm um conjunto de infra--estruturas essenciais ao funcionamento da sociedade e asseguram, simultaneamente, serviços indispensáveis à qualidade de vida dos cidadãos e ao progresso e desenvolvimento das actividades económicas; além do mais, mantêm interdependências sectoriais estratégicas, quer com a defesa e a segurança, quer com a indústria e a universidade, quer com a comunicação social.

Os progressos tecnológicos, nomeadamente na electrónica e nas telecomunicações, têm sido vertiginosos e constituem o eixo em redor do qual se efectuará a reestruturação das diferentes actividades económicas e sociais.

2. Embora nos últimos três anos, e após uma estagnação legislativa de longos anos, de que o Decreto-Lei n.° 188/81, de 2 de Julho, foi excepção, tenha sido feito um esforço normativo importante, com a publicação de numerosa legislação, em substituição de outra vinda da década de 30 a 40, com destaque para o regulamento do serviço telefónico (Decreto-Lei n.° 147/87, que substitui legislação de 1930-1933), e o regulamento de correio (Decreto-Lei n.° 176/88, que substitui legislação de 1906), a legislação fundamental sobre a actividade data da década de 60, estando hoje profundamente desactualizada face à evolução económica, social e tecnológica.

No entanto, as enormes transformações tecnológicas e sociais verificadas de forma acelerada nestes últimos anos, assim como a importância crescente das telecomunicações como infra-estrutura essencial ao desenvolvimento, tornam indispensáveis a existência de um en-quandramento legislativo que não seja factor restritivo da acelerada evolução do sector, antes o conduza para a efectiva satisfação das necessidades individuais e colectivas.

Alguns países têm-se adiantado na modificação profunda dos quadros legislativos que regulam as telecomunicações e no seio da OCDE e da CE têm sido realizados amplos debates sobre estas transformações.

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Recentemente a Comissão das Comunidades Europeias fez publicar o «Livro Verde», no qual são consagrados alguns princípios fundamentais no sentido da liberalização progressiva dos mercados de equipamentos e serviços de comunicações, assim como da separação clara entre funções operacionais e as funções normativas e fiscalizadores, estas necessariamente a cargo do Estado.

Esta separação de funções estava já consagrada na lei portuguesa desde 1981, através da criação do Instituto das Comunicações de Portugal, que, todavia, só a partir der Julho de 1988 começou a ser implantado.

A evolução tecnológica, ao favorecer a emergência de novas formas de comunicação e a sua exploração com investimentos modestos, esbateu o carácter natural que tradicionalmente se atribuía ao monopólio.

Por outro lado, a dependência em que se encontram os agentes económicos relativamente à disponibilidade de informação acentuou a pressão no sentido de novos regimes jurídicos de prestação de serviços especificamente concebidos em função das suas necessidades.

3. Portugal dispõe de experiências válidas para escolher os caminhos a prosseguir, reduzindo ao mínimo os inconvenientes e tornando máximas as vantagens para a colectividade de uma evolução no sentido apontado.

A existência da Companhia Portuguesa Rádio Marconi (CPRM) prova cabalmente que uma empresa com forte dose de capitais privados pode respeitar integralmente os interesses públicos, desde que vinculada a um contrato de concessão com normas criteriosamente estabelecidas no sentido de preservar tais interesses.

Por outro lado, a experiência dos Telefones de Lisboa e Porto é também significativa; criada em 1967 como empresa pública de carácter transitório, para vir a ser integrada nos Correios e Telecomuniações de Portugal — CTT, a empresa tem subsistido há mais de dois decénios.

Os CTT, empresa pública resultante da transformação de uma antiga administração-geral do Estado, vêm desempenhando uma multiplicidade de funções nas áreas das telecomunicações e dos correios. Esta complexidade e variedade de serviços tem sido prestada com elevados níveis de eficácia no meio empresarial português.

Todavia, não é difícil de concluir que, num contexto evolutivo como o que atrás se referiu, os resultados a esperar no futuro não poderiam ser tão favoráveis como no passado, caso subsistissem as actuais estruturas administrativas.

4. As bases legais definidas nesta proposta de lei não impõem um determinado modelo organizacional para o sector das comunicações, limitando-se a não impedir soluções empresariais de alternativa ao modelo actual e que sejam compatíveis com a organização dos mercados e com as obrigações de serviço público, que, essas sim, constituem o escopo essencial das normas legais aqui definidas.

A partir das noções de rede básica de telecomunicações e de serviços fundamentais, prestados através dessa rede, atribui-se a esses o carácter de serviço público, devendo o seu estabelecimento e exploração ser efectuados em regime de monopólio.

Considera-se que a dimensão do mercado nacional não justifica solução diferente da proposta, além de ser aconselhável também por motivos de segurança e de estratégia de desenvolvimento.

Mas abrem-se à concorrência os serviços de telecomunicações que sejam classificados de complementares à rede básica ou de valor acrescentado. Trata-se de serviços que correspondem a novas e variadas necessidades dos consumidores e que, pela sua natureza, não devem revestir-se do carácter de serviço público.

0 presente diploma contém, porém, outros aspectos relevantes para o quadro em que se deve desenvolver no futuro o sistema das comunicações em Portugal, nomeadamente:

Clarifica definições essenciais no domínio geral das telecomunicações;

Reforça os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nomeadamente através da consagração do princípio da audição prévia das organizações que os representam, para aprovação dos regulamentos dos serviços públicos de telecomunicações.

Assim:

Nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 200.° da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

TÍTULO I Disposições gerais

Artigo 1.° Objecto e âmbito

1 — A presente lei tem por objecto a definição das bases gerais a que obedecerá o estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas e serviços de telecomunicações.

2 — Por telecomunicações entende-se a emissão, recepção ou transmissão de sinais, representando símbolos, escrita, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por fios, meios radioeléctricos, ópticos ou outros sistemas electromagnéticos.

Artigo 2.° Classificação

1 — Consoante a natureza dos utilizadores, as telecomunicações podem ser públicas ou privativas, incluindo-se nas primeiras as telecomunicações de uso público e de teledifusão.

2 — Consideram-se telecomunicações públicas as que visam satisfazer a necessidade colectiva genérica de transmitir e receber mensagens e informação.

3 — Consideram-se telecomunicações privativas:

a) As privativas do Estado ou outros entes públicos, para sua comunicação ou para fins de apoio à meteorologia, ajuda e socorro à navegação aérea ou marítima ou fins semelhantes de interesse público;

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b) As que sejam estabelecidas pelas Forças Armadas e forças ou serviços de segurança, para o seu próprio uso;

c) As que sejam estabelecidas pelas entidades com competências no dominio da protecção civil;

d) As estabelecidas pelas empresas ferroviárias, desde que exclusivamente afectas ao controle de tráfego;

e) As estabelecidas pelas empresas de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica sempre que utilizem a própria rede de transporte e distribuição de energia e se trate de comunicações afectas à própria actividade dessas empresas;

f) As radioeléctricas privativas de entidades para o efeito licenciadas;

g) As que se prestam dentro de uma mesma propriedade ou condomínio, desde que não utilizem o domínio público radioeléctrico e só tenham ligação com o exterior através de um interface com as telecomunicações de uso público;

h) Outras comunicações reservadas a determinadas entidades públicas ou privadas, mediante autorização do Governo nos termos de tratados ou acordos internacionais ou de legislação especial.

4 — Consideram-se telecomunicações de uso público as telecomunicações públicas que implicam endereçamento.

5 — Consideram-se telecomunicações de difusão, designadas de teledifusãó, as telecomunicações públicas em que a comunicação se realiza num só sentido, simultaneamente para vários pontos de recepção e sem prévio endereçamento.

Artigo 3.° Domínio público radioeléctrico

1 — O espaço por onde podem propagar-se as ondas radioeléctricas constitui o domínio público radioeléctrico, cuja gestão, administração e fiscalização competem ao Estado, obedecendo ao disposto em legislação especial, com respeito do estabelecido nos tratados e acordos internacionais aplicáveis.

2 — É permitida, nos termos da lei, a expropriação de imóveis, bem como a constituição das servidões administrativas indispensáveis à construção e protecção radioeléctrica das instalações necessárias à fiscalização da utilização do espectro radioeléctrico.

Artigo 4.° Tutela das telecomunicações

1 — Compete ao Estado o exercício das atribuições de superintendência e fiscalização das telecomunicações e da actividade das empresas operadoras de telecomunicações, nos termos das leis e regulamentos aplicáveis, cabendo-lhe estabelecer as linhas estratégicas de orientação do desenvolvimento do sistema nacional de telecomunicações.

2 — Incluem-se ainda nas atribuições do Estado em matéria de regulamentação, superintendência e fiscalização das telecomunicações:

a) A gestão do espectro radioeléctrico e das posições orbitais;

b) A representação em organizações internacionais intergovernamentais no âmbito das telecomunicações;

c) A definição das politicas gerais e o planeamento global do sector;

d) A aprovação da legislação e regulamentação aplicável, designadamente quanto ao uso público dos serviços;

e) A normalização e homologação dos materiais e equipamentos de telecomunicações e a definição das condições da sua ligação à rede de telecomunicações de uso público;

f) A concessão, licenciamento e autorização do estabelecimento e exploração de redes e serviços de telecomunicações;

g) A fiscalização do cumprimento, por parte das empresas operadoras de telecomunicações, das disposições legais e regulamentares relativas à actividade, bem como a aplicação das respectivas sanções;

h) A definição dos preços e tarifas dos serviços de telecomunicações, nos termos da legislação aplicável;

0 A declaração de utilidade pública das expropriações e a constituição de servidões necessárias ao estabelecimento de infra-estruturas de telecomunicações e à fiscalização do domínio público radioeléctrico.

Artigo 5.°

Planeamento e coordenação da rede nacional de telecomunicações

1 — A rede de infra-estruturas dos vários sistemas de telecomunicações civis, incluindo os de teledifusãó, obedecerá a uma adequada coordenação, tendo em vista o aproveitamento desses sistemas, para melhor satisfação das necessidades de desenvolvimento económico-social, de defesa nacional, de segurança interna e de protecção civil.

2 — O desenvolvimento e a modernização da rede básica de telecomunicações, das redes próprias dos entes públicos que operem sistemas de teledifusãó e dos serviços fundamentais de telecomunicações deverão satisfazer as condições fixadas num plano director das infra-estruturas de telecomunicações, articulado com o plano de ordenamento do território.

3 — O Governo tomará as providências indispensáveis à boa execução do disposto nos números anteriores, articulando-as com as políticas de defesa nacional, segurança interna, protecção civil, industrial, de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico e de desenvolvimento regional do País.

Artigo 6.° Conselho Superior de Telecomunicações

O órgão consultivo do Governo em matéria de coordenação dos diferentes sistemas de telecomunicações ci-

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vis, das Forças Armadas e das forças e serviços de segurança é o Conselho Superior de Telecomunicações, sem prejuízo das competências próprias dos ministros que superintendam nas áreas da defesa nacional, da segurança interna, do planeamento civil de emergência e da protecção civil.

Artigo 7.°

Infra-estruturas de telecomunicações

1 — Consideram-se infra-estruturas de telecomunicações o conjunto de nós, ligações e equipamentos que permitem a interconexão entre dois ou mais pontos para a telecomunicação entre eles, abrangendo, designadamente:

o) Os nós de concentração, comutação ou processamento;

b) Os traçados, cabos ou conjuntos de fios de telecomunicações aéreos, subterrâneos, subfluviais ou submarinos e outros sistemas de transmissão;

c) As estações de cabos submarinos;

d) Os centros radioeléctricos;

e) Os sistemas de telecomunicações via satélite;

f) Os feixes hertzianos.

2 — 0 estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas de telecomunicações competem, em exclusivo, aos operadores do serviço público de telecomunicações nos termos dos artigos 8.° e seguintes.

3 — Exceptuam-se do disposto no número anterior:

d) As infra-estruturas exclusivamente afectas à emissão, recepção e transmissão de serviços de teledifusão, definidos nos termos do n.° 5 do artigo 2.°;

¿7) As infra-estruturas afectas às telecomunicações privativas tal como definidas no n.° 3 do artigo 2.°;

c) As infra-estruturas de telecomunicações complementares, a que se refere o artigo 11.°

4 — Os operadores de serviço público de telecomunicações e os operadores de teledifusão podem contratar reciprocamente a utilização da capacidade disponível nas respectivas redes.

5 — Em caso de comprovada insuficiência de capacidade por parte dos operadores de serviço público que operem a rede básica de telecomunicações, para facultarem circuitos aos operadores de telecomunicações complementares, poderá excepcionalmente ser autorizada a estes a instalação, a título precário, de infra--estruturas de que careçam para a prestação de serviços, em termos a regular.

TÍTULO II Das telecomunicações de uso público

Artigo 8.° Serviço público de telecomunicações

1 — Compete ao Estado assegurar a existência e disponibilidade de um serviço público de telecomunicações de uso público, adiante designado por serviço público de telecomunicações, que cubra as necessidades de co-

municação dos cidadãos e das actividades económicas e sociais no conjunto do território nacional e assegure as ligações internacionais, tendo em conta as exigências de um desenvolvimento económico e social harmónico e equilibrado.

2 — O serviço público de telecomunicações, que pode ser explorado pelo Estado, por pessoa colectiva de direito público ou por pessoa colectiva de direito privado, mediante contrato de concessão de serviço público, adiante designados por operadores de serviço público, obriga ao estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas que constituam a rede básica de telecomunicações e à prestação dos serviços que sejam considerados como fundamentais, nas condições definidas na lei ou em contratos de concessão das empresas operadoras.

3 — Os serviços fundamentais a que se refere o número anterior compreendem os serviços fixos de telefone e telex, bem como um serviço comutado de transmissão de dados.

Artigo 9.° Rede básica de telecomunicações

1 — A rede básica de telecomunicações é composta pelo sistema fixo de acesso de assinantes e pela rede de transmissão, sendo ainda seus elementos os nós de concentração, comutação ou processamento essencialmente destinados à prestação dos serviços fundamentais a que se refere o artigo anterior.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por:

d) Sistema de acesso de assinante — o conjunto de meios de transmissão físicos ou radioeléctricos localizados entre um ponto situado ao nível do interface com o equipamento terminal de assinante e outro ponto situado ao nível do interface com o primeiro nó de concentração, comutação ou processamento;

b) Sistema fixo de acesso de assinante — o sistema de acesso de assinante em que o interface com o equipamento terminal de assinante é fixo;

c) Rede de transmissão — o conjunto de meios físicos ou radioeléctricos que estabelecem as ligações para transporte de informação entre os nós de concentração, comutação ou processamento;

d) Nós de concentração, comutação ou processamento — todo o dispositivo ou sistema que encaminhe ou processe a informação com origem ou destino no sistema de acesso de assinante.

3 — A rede básica de telecomunicações é exclusivo dos operadores de telecomunicações de serviço público e deverá funcionar como uma rede aberta, servindo de suporte à transmissão da generalidade dos serviços, independentemente de o respectivo prestador ser ou não titular da própria rede.

4 — As infra-estruturas que integram a rede básica de telecomunicações constituem bens do domínio público do Estado.

Artigo 10.° Serviços de telecomunicações complementares

1 — A exploração de serviço de telecomunicações envolvendo a utilização de infra-estruturas de telecomu-

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nicações complementares pode ser feita pelos operadores do serviço público de telecomunicações ou por empresas de telecomunicações complementares, devidamente licenciadas para o efeito.

2 — As empresas operadoras de telecomunicações complementares devem obedecer a requisitos de idoneidade e capacidade técnica e económico-financeira a definir em regulamento de acesso à actividade a aprovar pelo ministro responsável peias comunicações.

3 — Nos títulos de licenciamento do exercício da actividade dos operadores de telecomunicações complementares serão definidas as condições em que estes ficam autorizados a actuar e, designadamente, as infra-estruturas próprias que poderão instalar para a sua exploração e para ligação à rede básica de telecomunicações.

Artigo 11.° Infra-estruturas de telecomunicações complementares

1 — Consideram-se infra-estruturas de telecomunicações complementares todas as infra-estruturas de telecomunicações de uso público que não integram a rede básica de telecomunicações, definida nos termos do artigo 9.°

2 — O estabelecimento, exploração e gestão das infra-estruturas de telecomunicações complementares competem às entidades previstas no n.° 1 do artigo anterior, nos termos que vierem a ser definidos em diploma de desenvolvimento.

Artigo 12.° Rede de telecomunicações de uso público

1 — As infra-estruturas que integram a rede básica de telecomunicações e as infra-estruturas de telecomunicações complementares constituem a rede de telecomunicações de uso público.

2 — É permitida, nos termos da lei, a expropriação de imóveis, bem como a constituição das servidões administrativas indispensáveis à instalação, protecção e conservação das infra-estruturas da rede de telecomunicações de uso público.

Artigo 13.° Serviços de valor acrescentado

1 — Por serviços de valor acrescentado entendem-se os que, tendo como único suporte os serviços fundamentais ou complementares, não exigem infra-estruturas de telecomunicações próprias e são diferenciáveis em relação aos próprios serviços que lhes servem de suporte.

2 — A prestação de serviços de valor acrescentado poderá ser feita por qualquer pessoa singular ou colectiva que para esse efeito seja autorizada nos termos de regulamento de acesso à actividade a aprovar pelo ministro responsável pelas comunicações, para além dos operadores do serviço público de telecomunicações e de empresas de telecomunicações complementares.

Artigo 14.° Defesa da concorrência

1 — Os operadores de serviço público de telecomunicações devem assegurar a utilização das suas redes por todos os operadores de telecomunicações em igualdade de condições de concorrência.

2 — Quando os operadores do serviço público de telecomunicações prestem serviços de telecomunicações complementares são proibidas quaisquer práticas que falseiem as condições de concorrência ou que se traduzam em abuso de posições dominantes.

3 — A utilização de circuitos alugados aos operadores do serviço público é limitada ao uso próprio do utilizador ou à prestação de serviços complementares e de serviços de valor acrescentado.

Artigo 15.° Uso público dos serviços de telecomunicações

1 — Todos têm o direito de utilizar os serviços de telecomunicações de uso público, mediante o pagamento das tarifas e preços correspondentes, desde que sejam observadas as disposições legais e regulamentares aplicáveis.

2 — Com os limites impostos pela sua natureza e pelo fim a que se destinam, é garantida a inviolabilidade e o sigilo das telecomunicações de uso público, nos termos da lei.

3 — A aprovação dos regulamentos de exploração dos serviços de telecomunicações de uso público prestados em exclusivo será feita pela Governo e precedida da audição das organizações representativas dos consumidores, como medida de protecção dos direitos dos utilizadores.

Artigo 16." Equipamento terminal

1 — É livre a aquisição, instalação e conservação dos equipamentos terminais de assinante, devendo a sua ligação à rede de telecomunicações de uso público obedecer às condições estabelecidas em regulamento, tendo em vista a salvaguarda do bom funcionamento da rede.

2 — A prestação de serviços de instalação e conservação dos equipamentos terminais de assinante só pode ser efectuada por pessoas singulares ou colectivas, devidamente autorizadas.

3 — Os operadores do serviço público de telecomunicações devem assegurar ligações adequadas às suas redes, independentemente de o equipamento terminal de assinante ser ou não da propriedade dos utilizadores.

Artigo 17.° Princípios gerais de fixação de tarifas e preços

1 — As tarifas e preços relativos às telecomunicações de uso público exploradas em exclusivo ficam sujeitas a aprovação do Governo, nos termos da legislação aplicável.

2 — Os preços dos restantes serviços são fixados pelos operadores, sem prejuízo do disposto no regime geral de preços e nas regras estabelecidas nos respectivos títulos de licenciamento.

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TÍTULO III Disposições finais e transitórias

Artigo 18.°

Salvaguarda de direitos adquiridos

0 disposto na presente lei não prejudica o regime jurídico vigente aplicável às concessões de serviços de telecomunicações de uso público.

Artigo 19.°

Capital estrangeiro

A participação directa ou indirecta de pessoas singulares ou colectivas estrangeiras no capital social dos operadores de serviço público de telecomunicações, bem como dos operadores de telecomunicações complementares, não pode exceder 25%.

Artigo 20.° Telecomunicações com regimes especiais

Os títulos ii e ih da presente lei apenas se aplicam às telecomunicações de uso público como tal definidas no artigo 2.°, sendo as restantes objecto de legislação especial.

Artigo 21.°

Regulamentação e entrada em vigor

1 — O Governo promoverá o desenvolvimento e regulamentação da presente lei e procederá à adaptação dos estatutos das pessoas colectivas de direito público que forem operadoras de telecomunicações aos princípios nela definidos.

2 — A publicação dos regulamentos respeitantes aos serviços de telecomunicações complementares deverá ser feita progressivamente, de acordo com a evolução das necessidades do mercado e das obrigações decorrentes da legislação comunitária.

Artigo 22.° Legislação revogada

1 — São revogadas todas as disposições do Decreto--Lei n.° 188/81, de 2 de Julho, relativas a telecomunicações, salvo o artigo 7.°

2 — É revogado o Decreto-Lei n.° 317/79, de 23 de Agosto.

Vista e aprovada em Conselho de Ministros de 13 de Outubro de 1988. — O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva. — O Ministro da Defesa Nacional, Eurico Silva Teixeira de Melo. — O Ministro dos Assuntos Parlamentares, António d'Orey Capucho. — O Ministro da Administração Interna, José António da Silveira Godinho. — O Ministro da Justiça, Joaquim Fernando Nogueira. — O Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, João Maria Leitão de Oliveira Martins. — O Ministro Adjunto e da Juventude, António Fernando Couto dos Santos.

PROPOSTA DE LEI N.° 78/V

DISCIPLINA A UTILIZAÇÃO TERAPÊUTICA DO SANGUE

Exposição de motivos

1. O papel fundamental que a utilização terapêutica do sangue humano ocupa actualmente na prestação de cuidados de saúde conduz à imperiosa necessidade de definir políticas relativamente à sua obtenção, tratamento e administração e, naturalmente, à adopção de esquemas organizacionais que garantam a sua correcta utilização.

2. Efectivamente, assistindo-se, por um lado, a uma procura de sangue sempre crescente, pelas exigências cada vez maiores dos meios postos à disposição dos doentes para lhes restituir a saúde ou minorar o sofrimento, e, por outro lado, sendo o sangue um bem, por natureza, escasso, inteiramente dependente da disponibilidade para a sua dádiva por parte das pessoas em boas condições de saúde, forçoso é concluir que a acção a desenvolver neste sector de prestação de cuidados de saúde se tem de orientar por princípios claramente definidos e actuar segundo normas que garantam a sua correcta utilização.

3. Assim, deve ser expressamente consagrada na lei a gratuitidade do sangue desde o momento em que é colhido até ao momento em que é ministrado ao doente que dele necessite, pois, como produto do corpo humano de incalculável valor para a vida própria e de outros seres humanos, deve conservar-se fora de qualquer comércio. Além disso, trata-se da única forma de assegurar que o acesso ao produto não dependa nem do poder económico, nem de qualquer outra espécie de poder, mas apenas da condição de doente que dele precisa. Para se acentuar o valor atribuído à dávida do sangue como tal, e no intuito de dissuadir práticas contrárias, entende-se punir a sua comercialização, fazendo incorrer os infractores em sanções de natureza criminal.

4. Há igualmente que assegurar o mais rigoroso aproveitamento do sangue colhido, considerado este como dádiva à comunidade, para que o mesmo, através dos processos mais avançados de que a ciência e a técnica dispõem, chegue, nas melhores condições de utilização, a todos os doentes que dele necessitam, segundo o exclusivo critério da sua condição de doentes.

5. Há, finalmente, que proclamar, como dever cívico de todo o cidadão em boas condições de saúde, o dever de dar o próprio sangue, como contribuição para a comunidade a que pertence, a que não corresponde qualquer retribuição em espécie, nem sequer expectativa de compensação, salvo a de que, contribuindo para a suficiência de sangue da comunidade a que pertence, o dador contribui, do mesmo passo, para a sua própria segurança e dos seus familiares.

6. Ao Estado —aliás de acordo com o disposto no artigo 64.°, n.° 3, alínea é), da Constituição— cabe assumir a responsabilidade pela observância dos princípios enunciados e a correcta aplicação das normas a observar. Para tal deverá dispor de um organismo qua-

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lificado para o efeito. Verificando-se que a orgânica do actual serviço com competência no sector não se tem revelado adequada, prevê-se, em sua substituição, a criação do Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea, que deve assegurar, a nível central, o apoio à definição das políticas, elaborar os planos de acção e coordenar toda a actividade do sector, quer pública, quer privada. Este organismo deverá ser dotado de competência para orientar a actividade dos serviços de transfusão sanguínea dos hospitais e do Instituto Português de Oncologia, constituindo-se assim uma rede nacional destinada a assegurar em todo o País os meios necessários à obtenção, conservação, preparação, aproveitamento e correcta utilização do sangue humano para benefício de toda a população.

Com os objectivos descritos, elaborou-se a presente proposta de lei, que se submete à Assembleia da República.

Assim:

Nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 200.° da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

CAPÍTULO I Princípios gerais

Artigo 1.° — 1 — Compete ao Estado assegurar a todos os cidadãos o acesso à utilização terapêutica do sangue, seus componentes e derivados, independentemente das condições económicas e sociais em que se encontrem, bem como garantir os meios necessários à sua correcta obtenção, preparação, conservação, fraccionamento, distribuição e uso.

2 — Cabe aos cidadãos, como detentores e única procedência do sangue de origem humana, o dever social de contribuírem para a satisfação das necessidades colectivas daquele produto.

3 — O sangue, uma vez colhido, é considerado como uma dádiva à comunidade, não remunerada, sem prejuízo do pagamento aos dadores, se for caso disso, das despesas efectuadas com deslocações e outras inerentes ao acto da dádiva.

4 — De harmonia com os princípios consagrados nos números anteriores, na utilização terapêutica do sangue este será sempre, em si mesmo, gratuito.

Art. 2.° — 1 — É proibida a comercialização de sangue humano.

2 — Quem, com o intuito de obter, para si ou para terceiro, uma vantagem patrimonial, detiver, adquirir ou alienar ou, por qualquer meio, comercializar sangue humano será punido com prisão até um ano e multa até 100 dias.

3 — Ao crime previsto no número anterior é aplicável o disposto nos artigos 2.°, 3.°, 4.°, 7.° a 14.° e 16.° a 19.° do Decreto-Lei n.° 28/84, de 20 de Janeiro.

CAPÍTULO II

Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea

Art. 3.° — 1 — Para assegurar a realização dos objectivos definidos no artigo 1.° desta lei, será criado, no âmbito do Ministério da Saúde, o Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea, organismo central que se

destinará a planear, coordenar, orientar e fiscalizar, a nível nacional, as actividades, quer públicas quer privadas, relativas à promoção da dádiva de sangue, obtenção, preparação, controle de qualidade, conservação, distribuição e administração de sangue e seus derivados, bem como o respectivo tratamento industrial.

2 — O Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea terá a sua sede em Lisboa e será dotado de personalidade jurídica e de autonomia técnica, administrativa e financeira.

Art. 4.° — 1 — Incumbirá, designadamente, ao Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea:

a) Elaborar o plano nacional, anual e plurianual de actividades da rede nacional de transfusão sanguínea;

b) Elaborar as normas técnicas por que se deverão reger as unidades da rede nacional de transfusão sanguínea e coordenar e fiscalizar as suas actividades;

c) Promover a educação da população para a dádiva de sangue e fomentar e apoiar a criação e as actividades de associações de dadores de sangue;

d) Promover a formação de pessoal técnico;

e) Promover a investigação científica referente à utilização terapêutica de sangue;

f) Exercer, relativamente a actividades privadas de transfusão sanguínea, as funções de controle de qualidade e de fiscalização, no que respeita ao cumprimento das normas por ele emitidas;

g) Tomar, de um modo geral, as medidas necessárias à correcta utilização do sangue, desde a colheita à sua administração.

2 — Poderão ser chamados a colaborar com o Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea, no âmbito das suas competências, outros serviços e instituições, públicos ou privados, particularmente em situações de urgência ou calamidade nacional.

CAPÍTULO III Rede nacional de transfusão sanguínea

Art. 5.° A rede nacional de transfusão sanguínea será constituída por centros regionais de transfusão sanguínea, pelos serviços de transfusão sanguínea dos hospitais e do Instituto Português de Oncologia e por postos de transfusão sanguínea, onde forem considerados necessários.

Art. 6.° — 1 — Os centros regionais de transfusão sanguínea funcionarão sob a orientação técnica do Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea, e caber-lhes-á coordenar a acção dos demais serviços e postos de transfusão sanguínea da respectiva área.

2 — Os centros regionais de transfusão sanguínea poderão funcionar em serviços de transfusão sanguínea de hospitais.

Art. 7.° Os serviços de transfusão sanguínea dos hospitais e do Instituto Português de Oncologia deverão executar funcionalmente as instruções emanadas do

Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea e dos centros regionais competentes, sem prejuízo da sua integração no respectivo hospital.

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Art.° Os postos de transfusão sanguínea realizarão a correspondente actividade nos hospitais a que estejam afectos.

CAPÍTULO IV

Associações de dadores de sangue e direitos dos dadores

Art. 9.° — 1 — Consideram-se associações de dadores de sangue as organizações que se proponham fins de promoção altruística e desinteressada da dádiva de sangue e a inscrição de dadores voluntários para a sua prática habitual e que fomentem nesta área o dever moral de solidariedade entre os cidadãos.

2 — O Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea ouvirá as organizações representativas de associações de dadores de sangue, de nível nacional, sobre os planos de actividades que elaborar.

3 — As associações e os grupos de dadores de sangue colaboram com as entidades oficiais na promoção e desenvolvimento das campanhas periódicas ou extraordinárias da dádiva de sangue.

Art. 10.° — 1 — Aos dadores de sangue será concedida autorização sempre que, por solicitação do Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea, dos centros regionais e dos serviços de transfusão sanguínea ou por iniciativa própria, desejem ausentar-se das suas actividades com o fim de dar sangue salvo quando haja motivos urgentes e inadiáveis de serviço que naquele momento desaconcelhem o seu afastamento do local de trabalho.

2 — Caso não se comprove a sua apresentação no local da colheita de sangue, a falta ao serviço será considerada, nos termos gerais da lei, como injustificada, sem prejuízo do procedimento disciplinar a que haja lugar.

3 — As ausências ao serviço a que se refere o n.° 1 deste artigo não determinam a perda de quaisquer direitos ou regalias e, designadamente, não serão descontadas nas licenças.

Art. 11." — 1 — Será criado o cartão nacional de dador de sangue. 2 — Será criado o seguro de dador.

CAPÍTULO V

Financiamento

Art. 12.° — 1 — O financiamento do Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea será assegurado pelo orçamento do Serviço Nacional de Saúde.

2 — Constituirão igualmente fontes de receita do Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea as verbas cobradas a entidades que utilizem os serviços da rede nacional de transfusão sanguínea, salvaguardada sempre a gratuitidade do próprio sangue.

3 — Constituirão, em especial, receitas do Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea:

a) As dotações orçamentais especificadas;

b) Os rendimentos provenientes da sua actividade;

c) Os subsídios, doações, heranças e legados de que for beneficiário.

CAPÍTULO VI Disposição final

Art. 13.° — 1 — O Governo aprovará, no prazo de 90 dias, a legislação necessária à execução da presente lei.

2 — Da legislação prevista no número anterior constará, designadamente, a criação do Instituto Nacional de Transfusão Sanguínea e a extinção do actual Instituto Nacional de Sangue, transitando para aquele a titularidade dos direitos e obrigações do organismo extinto.

Vista e aprovada em Conselho de Ministros de 27 de Outubro de 1988. — O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva. — O Ministro dos Assuntos Parlamentares, António d'Orey Capucho. — A Ministra da Saúde, Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.

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DIARIO

da Assembleia da República

Depósito legal n.' 8819/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P. AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica--se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

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3 — Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

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