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II SÉRIE-A — NÚMERO 10

PROJECTO DE LEI N.° 318/V

TRANSLADAÇÃO DOS RESTOS MORTAIS DE EÇA DE QUEIRÓS E AQUIUNO RIBEIRO

1 — O Decreto de 26 de Setembro de 1836, de Manuel da Silva Passos, diz que «um dos edifícios nacionais deverá ser destinado para receber as cinzas dos grandes mortos depois do dia 24 de Agosto de 1820».

Parecia assim dividir-se a história de Portugal em antes e depois do Vintismo. Em monarquia absoluta e monarquia liberal. Os reis tinham já os seus panteões, conforme a dinastia ou a vontade de cada um: de Santa Cruz de Coimbra à Batalha, dos Jerónimos a São Vicente de Fora. Os fidalgos tinham, em geral, capelas, igrejas ou mosteiros muitos deles já fundados na intenção de neles jazerem para a eternidade. Mas a Pátria, património de todos, não deveria deixar de apontar aos vindouros aqueles que melhor a tinham servido e eram exemplo dos demais.

Talvez Passos Manuel, cuja obra de estadista se caracterizou mais pelo empenhamento na instrução e na cultura do que pela febre das realizações materiais, tivesse em mente Manuel Fernandes Tomaz, morto quinze anos antes sem ter levado a seu termo a liberalização do Pais, sem por isso ter deixado de ser o principal obreiro do Vintismo e o seu motor nos primeiros tempos.

Seja como for, o decreto não produziu qualquer efeito até 1880, ano em que o centenário de Camões e as grandes festas que o assinalaram parecem ter acordado da sua sonolência os meios oficiais.

Em consequência, os Jerónimos, já panteão de príncipes e soberanos das culminâncias das descobertas e conquistas, foram escolhidos para jazida final de Vasco da Gama e Camões. O herói e o poeta equiparados aos reis.

E como panteão nacional continuariam quando, em 1888, aos grandes de Quinhentos se juntou o maior dos nossos historiadores: deu entrada na sala do Capítulo, em magnífico mausoléu, o féretro de Alexandre Herculano. Em 1896 morria João de Deus e era também levado para os Jerónimos. No centenário de Almeida Garrett foi para lá que foram cinzas do autor de Viagens na Minha Terra e de Frei Luís de Sousa.

Com João de Deus, inclusive se não respeitou o artigo 30.° do decreto de Passos Manuel: «Nenhum cidadão [assim rezava] poderá receber esta honra senão quatro anos depois da sua morte.» E voltou a não ser respeitado com Guerra Junqueiro, em 1923, e com Teófilo Braga, em 1924. Como o não fora com Sidónio Pais, para lá levado logo após ter sido assassinado, em 1918. Anos depois lá seriam depositados, em pleno governo totalitário, os restos mortais de Óscar de Fragoso Carmona.

Entretanto, acabou-se enfim a construção do templo de Santa Engrácia, especificamente destinado a Panteão Nacional. E sob a sua abóbada se colocaram imponentes túmulos de mármore com os nomes de grandes vultos da nossa história. Mas vazios. Nuno Álvares, Vasco da Gama, Pedro Alvares Cabral, infante D. Henrique, são lembrados no Panteão, mas continuam noutros lugares sepultados.

Mero simbolismo. Mas, em cerimónia imponente, para lá viriam a ser trasladados os restos mortais de Almeida Garrett, de João de Deus, de Guerra Junqueiro, de Teófilo Braga, de Sidónio Pais, de Óscar

de Fragoso Carmona. Nos Jerónimos continuaram Camões, Vasco da Gama e Alexandre Herculano. Recentemente para lá foram também trasladados os restos mortais de Fernando Pessoa.

Até agora, como se vê, nenhum vintista. Nem Manuel Fernandes Tomaz, nem o próprio Passos Manuel, mereceram as honras do Panteão Nacional. E dos que fizeram a República, apenas Guerra Junqueiro e Teófilo Braga, mais escritores do que estadistas, embora Teófilo Braga tenha sido Presidente do Governo Provisório e, por alguns meses, Presidente da República, em 1915. Lutadores da República democrática, como António José de Almeida, Bernardino Machado, Afonso Costa, Norton de Matos, todos aliás mortos no ostracismo ou no exílio, esperam a sua honra de público reconhecimento e de justiça.

2 — De entre os escritores portugueses dos últimos 100 anos dois vultos à espera de um gesto se destacam: Eça de Queirós e Aquilino Ribeiro. Sobre as cinzas de Eça de Queirós, aliás, se levantaram recentemente problemas no Cemitério do Alto de São João, tendo chegado a pôr-se a hipótese terrível de serem atiradas à vala comum!

Grande foi também o gemai Camilo Castelo Branco. Mas deixou disposição testamentária, em respeito da qual jaz no Porto, no Cemitério da Lapa.

Eça de Queirós, falecido em 1900, aumenta o número dos seus leitores, nos países de língua portuguesa e em numerosas traduções em quase todas as línguas cultas, à medida que os anos passam. Homem das Conferências do Casino, em 1870, a sua projecção literária foi grande desde as Farpas, que inicia com Ramalho Ortigão, e só este continuará. Mas O Crime do Padre Amaro, publicado em volume em 1876, firma a sua projecção nacional. Vêm depois O Primo Basílio, A Relíquia, O Mandarim, Os Maias, A Ilustre Casa de Ramires e outros ainda. É decerto o autor mais popular em toda a América Latina. Êxito continuado e sempre acrescido de livraria.

3 — Aquilino Ribeiro nasceu em 1885 e morreu em 1963. Construiu a sua obra literária entre 1913 e 1963. Em meio século, mais de meia centena de volumes, além de colaboração dispersa em jornais e revistas. Os tempos de Aquilino Ribeiro foram diferentes dos de Eça de Queirós. Diferentes foram também as obras. Irmanam-se, porém, na grandeza e no êxito.

Jardim das Tormentas, publicado em 1913, com prefácio de Carlos Malheiro Dias, é uma revelação. Desde então, o escritor toma lugar na primeira fila dos escritores portugueses. No romance, na biografia, na história, na crítica, na polémica violenta, literária ou política, e até na literatura infantil, a sua obra nasce clássica. Foi, além disso, um interveniente na vida pública, cidadão inconformado, combatente pela democracia, e inclusive de armas na mão contra a tirania. Parte da sua obra é escrita no exílio. A craveira do cidadão vai de par com a do escritor.

Vítima da censura, morre quando, sempre a remar contra a maré oficial, o País celebrava o cinquentenário da sua vida literária. O seu funeral foi grandioso, num dia 28 de Maio, simultaneamente homenagem ao escritor e ao combatente, e manifestação de protesto contra as arbitrariedades do totalitarismo. A Vida Sinuosa, Terras do Demo, O Malhadinhas, Estrada de Santiago, Batalha sem Fim, Andam Faunos pelos Bosques, Aventura Maravilhosa de D. Sebastião, Romance