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8 DE JULHO DE 1989

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Os seus pretensos agentes não arrefeceram a tempo de terem podido constatar os resultados do então chamado processo revolucionário em curso. Daí a sua insatisfação e a sua revolta.

Hoje, dificilmente fugirão a um sentimento de arrependimento e frustração. Somos — acabámos por ser — um Estado de direito perfeitamente consolidado; uma democracia aberta, pluralista, pluripartidária e pluri-participada; os problemas sociais vão sucessivamente tendo resposta a caminho do nível em que o têm as mais consolidadas democracias europeias; aderimos a um projecto supranacional que nos situa no espaço económico, social e cultural mais evoluído e prestigiado, e assistimos ao esforço de aproximação a esse espaço de outros modelos político-sociais que se reclamavam do alto da justiça social e do progresso.

Será que tem hoje sentido um projecto de luta do género do que parece ter estado — se é que esteve — na mente e na vontade dos agentes que o presente projecto de amnistia põe em causa?

Noutros países — como na vizinha Espanha — projectos com motivação política, ainda que outra, têm perdurado no tempo e na acção, sem visível sinal de abandono ou amolecimento.

Diversamente, os comportamentos que subjazem às condenações ou às acusações a que o presente projecto de amnistia se dirige, denotam todos os sintomas de um projecto abandonado. O País goza de invejável paz cívica. E não é arriscado supor que mais serve a continuidade desse bem um acto de clemência do que o desenvolvimento previsível da situação judicial entretanto criada.

3 — Esta situação pode caracterizar-se assim:

Há réus condenados por terem entendido que a não interposição de recurso da decisão condenatória lhes facilitaria a antecipação da libedade provisória a meio do cumprimento da pena, sendo que essa data se aproxima;

Há arguidos que, tendo sido condenados, interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, que, ao impor ao Tribunal da Relação de Lisboa a reapreciação da matéria de facto, aliás sem possível recurso a qualquer registo da sua primeira versão, acabou por determinar o recomeço da produção de prova, com as naturais dificuldades (testemunhas de difícil, se não impossível recondução a deporem) e delongas;

Há arguidos cuja prisão preventiva excedeu em cerca de ano e meio o limite legal da mesma prisão, o que os torna credores de uma reparação por parte do Estado, ainda que apenas moral;

Há processos em curso de instrução que, a serem introduzidos a prestações no circuito judicial, ameaçam eternizar sem limite previsível, mas com consequências conjecturáveis, um resultado final;

Salvo raros casos de fuga à detenção, é tarde para se lamentar a impunidade. A maioria dos arguidos cumpriu já — em plena presunção de inocência, que se mantém — uma pena de prisão efectiva da ordem dos cinco anos, o que corresponde, em termos de liberdade provisória, a uma condenação efectiva de cerca de dez anos;

Há sobretudo um clima de paz cívica que pode ser comprometido se a máquina judicial continuar

engasgada na sua capacidade de resposta pronta, sendo que se lhe não antevêem facilidades, antes escolhos de difícil remoção; E um país que durante tanto tempo foi vítima de perseguições políticas pode, sem dificuldade, encontrar em si impulsos de compreensão e tolerância para comportamentos de motivação política, até porque alguns dos pretensos agentes em causa contribuíram decisivamente para o termo daquelas perseguições e para o estabelecimento do Estado de direito democrático que exige esta tolerância.

4 — Assim sopesadas as determinantes do «se» da amnistia proposta, impõe-se sopesar as razões influentes no seu concreto alcance.

Com base na consideração implícita de que, assumidamente ou não, houve vítimas, a amnistia vem proposta com exclusão dos impropriamente chamados «crimes de sangue».

Impõem-se aqui as seguintes considerações:

À parte as já referidas condenações definitivas, e independentemente de saber se estão ou não conexionadas com a existência de vítimas, é nossa obrigação raciocinar no plano de presunção de inocência, por mais que condenações não transitadas inculquem o contrário. Um Estado de direito não permite sobrepor convicções subjectivas a direitos fundamentais;

Entre os efeitos de uma eventual condenação que confirme como pena a prisão já sofrida, ou a prolongue no tempo, não pode incluir-se, infelizmente, o de restituir a vida às vítimas, nem estas ao convívio dos seus familiares.

O mais que, neste momento, pode assegurar-se às vítimas da correspondente lesão moral é uma indemnização compensatória dos danos sofridos.

E sendo embora certo que uma amnistia que eventualmente se decrete não faz precludir a responsabilidade civil conexa com uma eventual responsabilidade criminal (artigo 126.°, n.° 3, do Código Penal), crê-se que, ao assumir a extinção do processo criminal por acto politico, deveria o Estado assumir a responsabilidade pelo pagamento da indemnização de perdas e danos que no caso caiba, sem prejuízo do pertinente direito de regresso sobre os responsáveis directos.

Com este «remendo», que outro melhor se não vê, perderiam relevo as considerações justificativas de uma distinção entre os diversos graus de eventual responsabilidade criminal, de passo que o ganhariam as razões justificativas de um nivelamento de todos os casos.

Assim porque, se o que se pretende é uma pá de terra sobre as últimas rebeldias de cariz político após Abril, essa pá de terra só será um ponto final se não fizer distinções que estimulem reacções de solidariedade ou reacendam as cinzas de labaredas extintas.

Isto para significar que, por mais que isso doa aos paladinos da meia-tinta, o mais sensato será concluir--se que, a este respeito, a opção está de facto entre tudo e nada.

Se há que fazer distinções, que elas se encarem estritamente no âmbito da possibilidade, aberta pelo n.° 3 do artigo 126.° do Código Penal, da subordinação da amnistia ao cumprimento de certos deveres, só em concreto se podendo ajuizar sobre quais e em que casos.