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II SÉRIE-A — NÚMERO 11

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.° 439/V (representação colectiva dos consumidores).

1.1 — O acesso ao direito e aos tribunais não se bastará com meras declarações programáticas, mesmo que incorporadas na lei fundamental; no plano das realidades ter-lhe-ão de corresponder prestações concretas; «ganhará assim uma renovada actualidade a ideia de que a justiça é uma dívida do Estado» (cf. a minha «Nota sumária sobre o artigo 20.° da Constituição», na Revista da Ordem dos Advogados, ano 44, Dezembro de 1984, máxime p. 534). Está em jogo o necessário trânsito de uma sociedade de consumo para uma sociedade de consumidores (Boletim do Ministério da Justiça, n.° 300, Novembro de 1980, p. 11).

Exactamente por isso, como ponderei naquele 1.° texto, «é difícil de compreender a inércia que tem ocorrido na consideração dos interesses difusos ou colectivos, hoje no centro das essenciais coordenadas do acesso à Justiça. Designadamente em matéria do direito do consumo e do direito do ambiente, há prejuízos de natureza colectiva que não poderão ser enfrentados pelos meios substantivos e processuais actualmente disponíveis. Deu a alínea d) do artigo 3.° da Lei n.° 29/81, de 22 de Agosto, embora embrionariamente, uma resposta positiva ao problema».

Observei, no entanto:

Mas a audácia logo foi refreada no respeitante ao direito do ambiente. E a Constituição, aquando da revisão de 1982, veio a consagrar uma redacção que continuamos a pensar ser pouco feliz. A inexistente ou deficiente consagração desses direitos fragmentados impedirá que para eles se encontre tutela jurisdicional. E não poderá ser em homenagem à eliminação dos novos flancos de li-tigiosidade que abrirá, em vista da facilitação do trabalho dos tribunais, que se servirão os valores do Direito e da Justiça [...] [Revista, cit., p. 541.]

1.2 — O que se passara na 1.a revisão constitucional tinha a ver com a redacção proposta pela CERC para o n.° 3 do artigo 66.° e que enquanto na versão originária desse n.° 3 se aludia ao direito a indemnização, na versão de 1982 falava-se nesse direito «em caso de lesão directa». Entendi que tal ressalva seria um erro e uma desnecessidade. Um erro porque «inviabilizaria a ulterior consagração pelo legislador ordinário da tutela dos interesses e direitos colectivos difusos». Uma desnecessidade, «já que, como é óbvio, a ressarcibilidade de qualquer dano, em caso de lesão directa, não terá de ser constitucionalizada, por decorrer dos princípios gerais da responsabilidade civil».

Ora, seria indispensável salvaguardar, pelo canal da responsabilidade civil, os danos indirectos, «designadamente através de associações dotadas de representatividade». Quanto ao direito do consumo, essa tutela era já perspectivada pela Lei n.° 29/81. «Quanto [ao direito do ambiente] só através de uma elasticidade exegética do preceito constitucional agora formulado essa tutela indirecta será doravante possível» (Diário da Assembleia da República, 1.* série, n.° 107, de 24 de Junho de 1982, p. 4406.)

Não sendo acolhido o meu reparo no debate então desenrolado no Plenário, teve ele, pelo menos, a van-

tagem de conduzir a que ficasse bem pontualizado, numa solução compromissória um tanto salomónica, que a consagração expressis verbis do direito a ressarcimento em caso de lesão directa em nada viria a tolher o legislador ordinário de alargar o direito a ressarcimento a outro tipo de lesão (indirecta, portanto). Assim Diário da Assembleia da República, cit., p. 4410.

1.3 — Deu-se, entretanto, a circunstância de, na 2.a revisão constitucional, o ambíguo n.° 3 do artigo 66.° ter sido, pura e simplesmente, eliminado.

E, em boa hora, o direito de acção popular ganhou uma nova e mais abrangente dimensão (n.° 3 do artigo 52.°).

Caberá agora ao legislador ordinária «promover o exercício gratuito desse direito», quando for caso disso (Sr. Deputado José Magalhães, Dicionário da Revisão Constitucional, p. 18).

E nem se observe que, face à letra do novo n.° 3 do artigo 52.°, a tutela constitucional dos interesses e direitos colectivos ou difusos estará confinada, em matéria de direito do consumo, à «perseguição judicial das infracções contra a saúde pública», o que seria inadequadamente limitativo. É que, ao invés, da 2.a revisão dimanou um reforço da consagração constitucional dos direitos dos consumidores, até pela sua intencionalizada inserção no espaço dos direitos e deveres económicos (artigo 60.°).

2.1 — Em elucidativa síntese, dá-se conta, na exposição de motivos do projecto de lei, da interconexão que, quer no âmbito do Conselho da Europa, quer no da Comunidade Europeia, se estabelece entre a protecção dos consumidores e o seu acesso ao direito e à justiça, designadamente através de associações de consumidores.

É que estas serão, na realidade, o mais producente meio para prover, em tal área, a tutela jurisdicional dos interesses difusos ou colectivos. Como, designadamente, resulta do que ficou dito no Boletim do Ministério da Justiça (n.° 299, Outubro de 1980, p. 17), era propósito do VI Governo Constitucional a reformulação do sistema processual em termos de lhe dar essa nova dimensão. O propósito não se consumou, dada a inesperada cessação desse Governo. Mas o que então no essencial se pensava está coligido no breve artigo que logo depois escrevi em O Primeiro de Janeiro, de 25 de Fevereiro de 1981, sobre «Os interesses colectivos dos consumidores»:

No fundo, tudo estará em afirmar e saber concretizar a vontade política de instituir mecanismos normalizados de protecção dos consumidores, dos quais resulte para todas as pessoas uma crescente cidadania económico-social. [...] Acontece, no entanto, que os direitos dos consumidores merecedores de tutela jurídica não serão apenas os individuais; estão cada vez mais em causa os chamados interesses colectivos ou difusos, ou seja, os de todos os consumidores ou de uma área mais ou menos alargada de entre eles. E a questão que se põe é a de como poderão os consumidores fazer valer esses direitos [...] A resposta passará (...) pela criação de condições que melhor viabilizem a acção das associações de consumidores; por um lado, conferindo-lhes legitimidade para judicialmente promoverem a defesa dos interesses genéricos dos consumidores; por outo lado, atribuindo-lhes a possibilidade de participarem na definição da política global do consumo.