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II SÉR1E-A — NÚMERO 22

PROJECTO DE LEI N.° 480/V Acção popular

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direito, Liberdade e Garantias

I

1 — Sobre o exercício da acção popular foram agora apresentados dois projectos de lei: um pelo PS (n.° 465/V) e outro pelo PCP (o agora em causa).

Emitiu esta Comissão, quanto ao primeiro, um parecer, de que o signatário foi relator. Obviamente, o que agora se elabora complementará o anteriormente produzido, que teve aprovação desta Comissão na reunião de 14 do corrente mês.

E, como nele se refere, para a problematização genérica do tema, será por igual de convocar o parecer desta Comissão, de que o signatário igualmente foi relator, respeitante ao projecto de lei n.° 439/V (representação colectiva dos consumidores) (Diário da Assembleia da República, 2.a série-A, n.° 11, de 6 de Janeiro de 1990).

II

2.1 — Como informa Marcelo Caetano (Manual de Direito Administrativo, li, 9.a ed., p. 1363) tem a acção popular tradições no nosso direito, na óptica do legado romano: era atribuída «a qualquer pessoa do povo» para defender e conservar as coisas públicas contra quem perturbasse o seu uso ou indevidamente delas se apossasse.

Foi exactamente com esta fisionomia que ressurgiria no Código Administrativo de 1878 e se manteria no artigo 369.° do actual Código.

Por decorrência deste preceito exercem os cidadãos uma acção supletiva face à «inércia ou negligência dos órgãos competentes da autarquia».

Explicita Marcelo Caetano:

[...] pela instauração do processo, o particular, devidamente autorizado por lei, actua como se fosse órgão ocasional da autarquia em cujo «nome' e interesse» procede. Na verdade, sendo cada membro da autarquia local um elemento da colectividade substrato da pessoa colectiva, tem o direito e o dever de nessa qualidade zelar pelo património colectivo. Se os órgãos o não fazem convenientemente, podem os cidadãos substituir-se-lhes na actuação processual, no exercício de um direito político.

Só que, para além desta fórmula de acção popular, previu o Código Administrativo, no artigo 822.°, uma outra, em sede de recurso directo de anulação: qualquer eleitor ou contribuinte de contribuições directas ao Estado, no gozo dos seus direitos civis e políticos, passou a ter legitimidade para recorrer das deliberações, que considerassem ilegais, dos corpos administrativos, comissões administrativas das federações de municípios, comissões centrais das uniões de freguesias, conselhos municipais e distritais, juntas de turismo, juntas autónomas dos portos e comissões venatorias, com jurisdição nas circunscrições e que se achasse recenseado ou por onde fosse colectado.

Tratar-se-ia de «uma larguíssima faculdade de fiscalização cívica dada aos cidadãos para defesa dos interesses das colectividades», numa «acção correctiva em defesa da legalidade administrativa».

2.2 — É de aduzir, no entanto, que a intencionalidade do legislador constitucional surge agora fortemente amplificada, sobretudo depois da explicitação feita na segunda revisão. Isso mesmo advém da redacção dada ao n.° 3 do artigo 52.° da Constituição da República Portuguesa. Desde logo, a acção popular passa a dirigir-se, declaradamente, à tutela dos chamados interesses difusos, fragmentados ou colectivos. Só que poderá entender-se que, na lei de aplicação, se deverá ir mais além. É que já não estará em jogo a mera defesa dos interesses de grupo, embora de carácter indirecto, mas o de toda a colectividade, num escopo de participação efectiva dos cidadãos na resposição da legalidade e da justiça.

2.3 — Só que a modelação das soluções a textuali-zar não é fácil, sobretudo no campo do direito processual civil.

III

3.1 — Recolhe o projecto de lei n.° 480/V algumas das preocupações que já estavam subjacentes ao projecto de lei n.° 146/1, apresentado, em Novembro de 1978, também pelo PCP. Isto embora reconhecendo as inovações sectoriais que desde então se intercalaram na ordem jurídica portuguesa na tutela dos direitos dos consumidores, do ambiente, do património cultural, etc.

3.2 —E é nele captável uma preocupação de pôr uma especial ênfase na defesa do domínio público e do demais património do Estado, bem como do sector público empresarial.

Preocupação que, há que reconhecer, tem uma divi-sável carga política.

Mas qual é a lei que não é dissociável de um propósito de intervenção política? O legislador não estará imunizado de fazer valer as suas próprias concepções de base. O legislador ou, na fase genética do processo legislativo, quem a este dá causa.

Tudo estará em, recolhendo o que possa haver de útil nessa «ideologização» legiferante, a «pluralizar», dando conta do que deva ser reconhecível como o «sentimento jurídico» de uma determinada época e de uma certa conformação social.

4 — Num aspecto ocorrerá, por certo, uma universalidade de propósitos: o de encontrar mecanismos expeditos e realmente eficazes de actuação processual. E o remédio configurável para dar como cumprido esse objectivo passará, por certo, pela reconversão, em termos muito significativos, de institutos e mentalidades.

IV

5.1 — Persiste, no entanto, o relator deste parecer em duvidar que as fronteiras entre as acções de grupo e as acções populares possam ser geometricamente demarcáveis. E que não se confinarão as primeiras a fazer valer interesses directos; se assim fosse, para ultrapassar as dificuldades conceituais nem seria necessário apelar para uma grande imaginação criativa, Bastaria, quando muito, introduzir alguns afeiçoamentos no clássico instituto do iitisconsórcio.

Indo ao fundo das coisas, a novidade maior da tutela dos interesses colectivos, fragmentados ou difusos, despontará de que através dela se outorga cidadania processual à tutela de interesses indirectos. E interesses indirectos poderão ser não apenas os de um grupo configurado e mais ou menos compartimentado, mas, possivelmente, os de toda a colectividade. A ser assim,