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23 DE MAIO DE 1990

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Por sua vez, em conformidade com os n.os 2 e 3 do mesmo preceito constitucional, se a Assembleia da República rejeitar o projecto ou lhe introduzir alterações, remetê-lo-á à respectiva assembleia legislativa regional para apreciação e emissão de parecer e, elaborado este, a Assembleia da República procede à sua discussão e deliberação final.

Do constitucionalmente fixado resulta que, embora revestindo a forma de proposta de lei, o processo legislativo do estatuto das regiões autónomas tem uma tramitação específica e distinta da que é seguida no caso das demais e comuns propostas de lei.

Daí que o Regimento da Assembleia da República tenha incluído, entre os «processos legislativos especiais», a «aprovação dos estatutos das regiões autónomas», que regula nos seus artigos 169.° a 173.°

É assim, de harmonia com o regimento e na sequência de despacho de distribuição do Presidente da Assembleia da República, que cumpre a esta Comissão emitir parecer sobre a proposta de lei n.° 134/V (Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira), apresentada pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira.

Antecedentes históricos

Atenta a natureza do diploma e a particular importância que assume a consolidação da autonomia política da Região a que se destina, parece-nos pertinente tecer algumas considerações prévias da análise, necessariamente sucinta, do seu articulado, pois que nos encontramos ainda, e apenas, numa fase do processo legislativo que precede a apreciação e debate, na generalidade, da proposta de lei, em Plenário.

No n.° 1, do artigo 227.° da Constituição, teve-se o cuidado, o acerto e o realismo de consignar que «o regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares.

É, pois, indispensável ter presente na análise da proposta de lei, em apreciação, os preceitos constitucionais relativos às regiões autónomas e os antecedentes históricos que justificaram o regime de autonomia política e administrativa que a Constituição lhes conferiu.

Não tem cabimento trazer à colação, aqui e agora, as polémicas e opiniões que dividem os historiadores quanto ao momento exacto e circunstâncias em que se dá o «achamento» ou «descoberta» das ilhas que compõem o arquipélago que hoje constitui a «Região Autónoma da Madeira».

Parece, no entanto, historicamente assente que já em documentos náuticos do século xiv se assinalam as ilhas do Porto Santo e da Madeira.

Narra a lenda que, por volta de 1350, terão alcançado a ilha da Madeira Ana de Marfet e Machim (que terá dado o nome à vila de Machico), nobres ingleses que, contrariados nos seus amores, se haviam posto em fuga para França, tendo uma tempestade desviado da rota a nau em que seguiam.

Apesar do episódio ter inspirado a interessante «Epanáfora Amorosa», de D. Francisco Manuel de Melo, o certo é que os historiadores consideram dever-se a (re)descoberta das ilhas aos navegadores portugueses João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, o Porto

Santo em 1419 e a Madeira, no ano seguinte, 1420 (v. Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, vol. II, p. 140).

Importa registar que o infante D. Henrique cedo se deu conta de que as ilhas, mercê da distância, processo de povoamento e demais condicionalismos, não podiam ser governadas nem administradas da mesma forma que o era o território português da península.

Foi assim que instituiu a Capitania do Porto Santo, de que ficou donatário Bartolomeu Perestrelo, a Capitania de Machico, de que ficou donatário Tristão Vaz Teixeira, e a Capitania que abrangia o Funchal e a parte restante da ilha da Madeira, de que ficou donatário João Gonçalves Zarco.

Na linha de tais preocupações as cartas de doação, que instituem as capitanias, conferem, desde logo, amplíssimos poderes aos donatários.

Escreve a este respeito o historiador madeirense P.e Fernando Augusto da Silva:

Não é, portanto, de estranhar que, ao investir Gonçalves Zarco, Tristão Vaz e Bartolomeu Perestrelo na direcção das três Capitanias em que foi dividido o arquipélago, lhes tivesse outorgado tão amplas faculdades de Governo no regimento a que Gaspar Frutuoso várias vezes se refere e em particular expressas nas cartas de doação aos mesmos donatários.

Com o estabelecimento dessas Capitanias criou--se um sistema de administração que posteriormente se estendeu às ilhas açorianas e às terras do Brasil, havendo perdurado por dilatados anos e produzido resultados apreciáveis, apesar das deficiências e imperfeições que continha. [In Elucidário Madeirense, vol. i.)

A este propósito escreveu também o experimentado jurista Augusto da Silva Branco Camacho:

As cartas de doação das ilhas aos capitães donatários concediam-lhes, com efeito, amplos poderes de Governo com jurisdição cível e criminal, reservando à Coroa apenas o direito de fazer guerra e paz, cunhar moeda e aplicar penas que implicassem talhamento de membro. [In Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes, actualizado e anotado, Ponta Delgada, 1965.]

Noutro estudo, intitulado Em Defesa da Autonomia Administrativa das Ilhas Adjacentes (1962), o mesmo autor, depois de denunciar que constitui erro grosseiro situar o inicio da autonomia insular no século passado, com Hintze Ribeiro e Vicente de Freitas, escreve:

Temos por assente que os primeiros documentos oficiais outorgados por autoridade competente, como hoje se diria, e constitutivos da mais ampla autonomia insular foram as Cartas de doação do Infante D. Henrique.

Não deixou, porém, o desenrolar da história e dos diversos movimentos e tendências que se foram registando em Portugal de influir na maior ou menor amplitude dos poderes políticos e administrativos próprios das ilhas.

Assim, a forte tendência centralizadora que veio a ter em D. João II o expoente da «centralização monárquica» não deixou de se repercutir no governo e