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4 DE JULHO DE 1992

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[...] porque sao moradores e que lhes pertence desde o momento em que o sao, mas que também se extingue, sem mais, quando deixam de morar nesse mesmo local.

É como que um direito real, embora com características e contornos especiais, que o nosso direito consuetudinário, acolhido e respeitado pelo direito positivo, deliniou e consagrou; porém, e contrariamente ao que por vezes se taz com certas afirmações, esse direito ao uso dos baldios distingue-se também claramente da compropriedade, no rigorismo do seu conceito.

Este direito ao uso dos baldios por parle dos seus tradicionais utentes transcende o exclusivo interesse individual de cada um, para ser realmente um direito radicado no interesse colectivo de todos eles.

Daqui que— salvo o ocorrido conjunturalmente em certos períodos históricos — sempre que se tenha considerado, e bem, a regra de que os baldios não podem ser apropriados individualmente por qualquer utente, seja a que título for; por isso, a consagração do princípio, tal como sucede no projecto de lei em debate— que os mesmos estño fora do 'comércio jurídico'. Eles são objecto de uma afectação especial, qual seja a da satisfação de determinadas necessidades colectivas das populações, consoante as utilidades que deles possam ser obtidas.» (Marques Mendes, PSD, Diário da Assembleia da República, 1." série, n.° 116, de 1 de Maio de 1984, pp. 4886-7).

3 —Tradição dc coinunilarismo agro-pusloril

«Perdendo-se numa tradução de comunitarismo agro--pastoril, a origem dos baldios, entre nós, estará nos Celtas, ou até antes deles. Vem dos Castros e Citânicas, com a sua agricultura de meia encosta e o pastoreio dos gados nos descampados dos montes vizinhos.

Continuou com as aldeias comunitárias durante a colonização romana, acompanhando a conquista das várzeas, ganhando o espaço de cultivo aos pântanos e florestas, e resistiu à implantação do domínio urbano e privado do latifúndio romano.

Passou pelas invasões germânicas e preservou os fundamentos comunitários, mantendo as instituições comunitárias apoiadas em baldios ao longo do domínio visigótico e da consolidação do cristianismo em dioceses e paróquias.

Resistiu às guerras e pilhagens, preterindo a protecção das montanhas à protecção dos nobres e ao sistema feudal que estes impuseram.

Refugiado nas montanhas, resistiria ainda à invasão muçulmana e reforçar-se-ia com o alargamento para sul do novo reino de Portugal, através da atribuição, mediante foral, de uma parte da 'presúria' real.

Conquistado o sul do Tejo, a nobreza e as ordens religiosas repartiram as terras. Surgirá o baldio de vizinhança aldeã, onde cada um dispõe de um pedaço de terra para cultivar a seara de pão para comer.

E assim os baldios sobreviveram durante séculos à evolução do regime de propriedade, às crises das guerras, às usurpações das classes e interesses dominantes — prelados, mestres, priores, conservadores, fidalgos, administradores de municípios e misericórdias'.

E será só com o advento do liberalismo, defensor do 'direilo de propriedade livre', que os baldios, que haviam resistido ao confronto com o 'direito de propriedade plena' dos romanos e ao conceito de posse germânico, irão enfrentar a mais dura batalha da sua existência.

Ao abrigo das leis liberais é abolido, na região ao latifúndio, o compáscuo e dividido o baldio, cujas parcelas

são sorteadas pelos proprietários dos latifúndios circundantes ou pura e simplesmente usurpados por único proprietário.

E assim que desaparecem quase totalmente os baldios do sul.

No resto, a legislação tende apenas a preservar as áreas tidas por indispensáveis ao logradouro comum dos povos, e mesmo assim impondo taxas de usufruição dos baldios.

É a partir da vigência do Código Civil de 1867 que começam a ser dadas diferentes interpretações quanto à natureza jurídica dos baldios. Se o Decreto de 19 de Julho de 1839 declarava expressamente que apesar da alteração da divisão administrativa 'os baldios continuavam a pertencer aos povos que tradicionalmente os vinham usufruindo e só a estes', surgiam agora os que classificavam os baldios como propriedade pública das autarquias locais. [...] Os baldios foram ainda incluídos no domínio das coisas comuns, categoria diferente da do domínio público, 'caracterizado sobretudo pela propriedade comunal dos vizinhos de certa circunscrição ou parte dela'.

Posteriormente, a categoria das coisas comuns viria a ser suprimida com a entrada em vigor do Código Civil de 1966. Passaram então alguns autores a sustentar a tese que estaria ultrapassada a fase da propriedade comunal dos vizinhos, devendo os baldios ser definidos como coisas particulares, pertencentes ao património da autarquia, mas 'sujeitos a afectação especial*.

É neste contexto que se vai avolumando legislação que não só porá em causa os direitos seculares dos povos dos baldios como escandará as portas do Estado, às usurpações por parte das juntas de freguesia e de câmaras municipais, à conveniência destas nas apropriações privadas.

O Decrcto-Lei n.° 27 207, de 1936, que permitiu ao Estado estabelecer, como lhe aprouvesse, a reserva de terrenos baldios ou sujeição dos mesmos a regime florestal, completando-se com o Código Administrativo, que cometia às juntas de freguesia e câmaras municipais a administração dos baldios, completava o cerco.

O equilíbrio das economias serranas foi devastado pela alienação dos baldios e pela monoflorestaçâo.

Aldeias ficaram privadas da juventude, muitas desapareceram após a emigração dos jovens e a morte dos velhos. Foram muitos os que sofreram a prisão, os que derramaram o seu sangue na defesa dos baldios contra a prepotência e a corrupção do poder.

[...] a luta das comunidades locais em defesa dos baldios remonta à érxx:a da colonização romana.

[...] apesar das constantes usurpações das classes dominantes, os baldios acompanharam durante séculos a evolução do regime de propriedade, só começando a ser verdadeiramente contestados e transformados (por outros, que não os seus utentes), na sua forma e conteúdo, a partir do século xix e, sobretudo, durante o regime fascista.

Até então, sempre haviam sido possuídos e fruídos, em total liberdade, pelos seus povos.

[...] O Decreto-Lei n.° 39/76, de 19 de Janeiro, viria a estabelecer, como aliás o reconhece o próprio parecer da Procuradoria-Geral da República:

1) [...] são terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores [...];

2) [...] estão fora do comércio jurídico, são inalienáveis e imprescritíveis;

3) [...] são administrados exclusivamente pelos compartes ou em regime de associação (...];

4) [...] incumbe apoiar e promover a actividade de esclarecimento [...] dar apoio na gestão das matas e produção.

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