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21 DE OUTUBRO DE 1993

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Ao contrário do que vulgarmente se julga, no entanto; o nosso Tribunal Constitucional já se pronunciou abertamente, em apreciável número de casos, no sentido de considerar expressamente como inconstitucionais diversas normas que impunham novos encargos fiscais sobre factos tributários ocorridos durante a vigência de leis anteriores: são já, de facto, abundantes os acórdãos daquele Tribunal que declararam a inconstitucionalidade de normas retroactivas no domínio dos «direitos niveladores agrícolas», em nome do princípio da Vertrauenschutz — princípio da protecção da confiança (cf. Acórdãos n.°* 409/ 89, de 26 de Janeiro, 216/90, de 20 de Junho, e 194/92, de 25 de Agosto) O-

Isto vale para mostrar que, podendo, sob certo ponto de vista, considerar-se excessivamente permissiva a nossa jurisprudência constitucional em matéria de admissibilidade de normas fiscais retroactivas, a verdade é que ela não se encontra de todo fechada — ao contrario, aliás, cada vez mais — para a hipótese de, em face de casos concretos, se pronunciar pela inconstitucionalidade de preceitos que produzem um dano intolerável na confiança dos contribuintes.

As conclusões a que chegou a nossa jurisprudência constitucional não são propriamente inéditas. Elas filiam-se abertamente nas mais relevantes considerações que podemos encontrar na literatura e na jurisprudência (*) alemãs, que apontam visivelmente no sentido da necessidade de avaliar em concreto, em cada caso, o dano que a retroactividade produz na protecção da confiança, e que têm mesmo fornecido alguns critérios para a medida desse dano (').

Admitindo os pressupostos do nosso Tribunal Constitucional — o que, diga-se desde já, se faz apenas para podermos evitar ao máximo os pontos de dissenso —, as normas da proposta de lei em referência estarão ou não em conformidade com a Constituição consoante elas impliquem ou não uma violação intolerável, desproporcionada e absolutamente imprevista do princípio da confiança do contribuinte (l0).

Estes critérios, como facilmente se vê, implicam sobretudo uma ponderação da extensão do efeito retroactivo da norma ou normas em questão, da proporção entre o objectivo legislativo e o sacrifício imposto ao contribuinte e da maior ou menor previsibilidade da modificação legislativa controvertida.

Ainda que de forma breve, e antes de se passar ao caso concreto, convirá tecer algumas considerações sobre o exacto alcance dos citados critérios de aferição da conformidade constitucional de normas fiscais retroactivas (").

Sobre a extensão do efeito retroactivo da norma, já se defendeu que só poderiam considerar-se como incmsütudoiiais as normas que enfermassem de uma retroactividade pura, e já não aquelas em que simplesmente se detectasse uma

C) Cf. Casalla Nabais, Jurisprudência do Trihuiud Constitucional em Matéria FLical, .separata de Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1992, p. 278.

(') Para um apanhada dessa jurisprudência, v. Peter Barandl. Ruckwirkung im Steuerrecht unier besonderer Berücksichtigung der steuerlichen Rückwirkung von Vertragen, B-B, 1985, pp'. 88 e segs.

O Para uma visão crítica desses critérios v. Tipke/Lang, Steuerrecht — Ein systematischer Grunderß, 13.' «I., Colônia, 1991, pp. 34 e segs., especialmente a p. 36.

(10) Esles são praticamente os mesmos critérios que encontramos referenciados em Tipke/Lang, ob. cit., p. 36.

(") Seguimos aqui de perto as reflexões de Tipke/Lang («/>. cit., pp. 36 e segs.), que, de resto, parece corresponderem a alguma 'jurisprudência do BundesfinazJiof.

retroactividade impura, ou uma ligação retroactiva da hipótese, como modernamente a doutrina prefere expressar-se (12).

Esta distinção é utilizada sobretudo a propósito dos impostos anuais, como os nossos IRS e IRC. Uma norma envolveria retroactividade pura quando, aprovada, por exemplo, no início de um determinado ano civil, procurasse abranger as relações tributárias ocorridas até ao final do ano anterior dir-se-ia que, aqui, o efeito retroactivo é pamcularmente gravoso, já que a dívida correspondente a um imposto anual vê os seus contornos completamente definidos no final do ano a que o mesmo imposto corresponde, e a lei nova viria sempre modificar para trás uma obrigação já definida.

Se, no entanto, a norma com eficácia retroactiva entra em vigor antes de terminar o ano ou período fiscal, dir--se-á que essa retroactividade é impura: apesar de essa norma se aplicar a comportamentos já passados, a verdade é que ainda não se consolidou definitivamente a obrigação principal respeitante ao imposto periódico em questão.

Esta distinção, com este alcance, parece-nos absolutamente inaceitável. Do ponto de vista da segurança e da confiança dos contribuintes, a diferença entre as duas situações é puramente formal: no segundo caso — no caso em que uma norma está afectada de retroactividade impura —, é verdade que a obrigação fiscal correspondente ao imposto periódico só adquire contornos definitivos no fim do período tributário, mas não é menos verdade que essa obrigação é de formação sucessiva, vai ganhando o conteúdo que progressivamente lhe é dado pelos sucessivos comportamentos do sujeito passivo; aos quais não é indiferente a lei aplicável em cada momento. Se um sujeito passivo toma a decisão económica de vender um activo da sua empresa em .1 de Janeiro de um certo ano, em face do enquadramento fiscal da altura, do ponto de vista da sua confiança tanto faz que a norma que posteriormente onera fiscalmente essa venda seja aprovada em 31 de Dezembro do mesmo ano ou em 1 de Janeiro do ano seguinte.

Em segundo lugar, diremos que a análise da proporção entre o objectivo legislativo que determinou o estabelecimento da eficácia retroactiva e o sacrifício imposto ao contribuinte não pode reconduzir-se a uma pura comparação entre esse sacrifício individual e o «bem comum» visado pelo legislador — comparação que, teoricamente, seria quase sempre desfavorável ao contribuinte. Será preciso antes que se verifique se o interesse visado pelo legislador alcança suficiente grandeza para justificar a lesão de situações já constituídas.

Quanto à maior ou menor previsibilidade da modificação legislativa controvertida, dir-se-á que o juízo de adequação constitucional se deve socorrer dos elementos do processo legislativo ou da própria conjuntura económica que possam indiciar que a adopção de leis retroactivas, num determinado ano, era suficientemente provável para que um agente económico medianamente interessado pudesse contar com ela.

3 — A aplicação ao caso concreto dos critérios de aferição da conformidade constitucional de normas fiscais retroactivas.

As normas da proposta de lei n.u 78/VI que acima foram referenciadas afectam de uma forma intolerável, desproporcionada e imprevisível a confiança dos sujeitos passivos do IRC. São, por isso, normas inconstitucionais.

Ibidem.