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29 DE OUTUBRO DE 1993

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Na verdade, não obstante ter sido proposto pelo constituinte Dr. Bernardino Roque a inserção de tal princípio, o mesmo Deputado viria a retirar a sua proposta face aos ataques que ela mereceu dos constituintes Drs. Barbosa de Magalhães e Afonso Costa.

E desde então foi-se desenvolvendo a ideia, retirada também de alguma doutrina que se foi firmando, de que a retroactividade da lei não deveria ter consagração constitucional, salvo em matéria penal.

O certo é que todas as tentativas que se têm desenhado no sentido da consagração constitucional de um princípio de irretroactividade da lei fiscal ou da lei em geral têm sido goradas.

A Constituição de 1933 não acolheu tal princípio e no entender de vários autores a mesma admitia a retroactividade da lei fiscal

Relativamente à Constituição vigente, o reconhecimento de que não contém preceito que expressamente estabeleça a irretroactividade da lei fiscal resulta da circunstância de aquando da revisão de 1982 ter havido várias iniciativas no sentido da adopção de norma consagrando tal princípio, como resulta do facto de tais projectos não terem merecido acolhimento.

Francisco Sá Carneiro, no seu projecto «Uma Constituição para os anos 80», consagrava no n.° 4 do artigo 96.° disposição proibindo a retroactividade da lei fiscal.

O Prof. Jorge Miranda incluiu também no seu projecto norma idêntica.

Os Profs. Barbosa de Melo, Cardoso da Costa e Vieira de Andrade, na sua publicação Estudo e Projecto de Revisão da Constituição e em observação feita ao artigo 99.°, relativo ao sistema fiscal, escreveram o seguinte:

3) O n.° 3 consagTa uma clássica garantia dos cidadãos em matéria de impostos e reproduz integralmente o actual n.° 3 do artigo 106.° Isto quer dizer que não se acolheu a sugestão, tanto do projecto Sá Carneiro como do projecto Jorge Miranda, no sentido de incluir aqui o princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal (rectius, de normas de «tributação» agravadoras). Entende-se, com efeito, que seria injustificado, e sobretudo extremamente perigoso, consignar na Constituição, com tal latitude, semelhante princípio: a verdade é que a restrição e o sacrifício que os impostos representam não podem equiparar-se aos das sanções penais.

O actual artigo 106." da Constituição não acolheu, pois, o princípio da irretroactividade da lei fiscal (l4).

Isto mesmo é reconhecido por vários autores. Assim, o Prof. Sousa Franco, na sequência da revisão de 1982, escreveu a este propósito o seguinte:

II — Apesar das críticas que neste ponto vêm sendo formuladas, a revisão constitucional não consagrou o princípio da irretroactividade das leis fiscais. Na verdade, o artigo 106.°, n.° 3, da CR 76 (inalterado) exige que exista lei prévia e respeito pelos princípios constitucionais na criação de impostos, atribuindo direito de resistência aos cidadãos relativamente a

t,") Marques Guedes, in «Interpretação, aplicação e integração das normas jurídicas», in Ciência e Técnica Fiscal, n.™ 44-45, 1962.

(I4) Actas, Diário da Assembleia da República. 2." série, n.° 18, suplemento, de 2\ de Novembro de 1981.

impostos que não hajam sido criados de acordo com a Constituição e cuja liquidação e cobrança não obedeçam à lei; mas não proíbe à lei que cria os impostos a possibilidade de dispor retroactivamente. Também o não faz qualquer outro preceito. No entanto, a garantia da não retroactividade das leis foi consideravelmente alargada, em diversos outros domínios, nesta revisão constitucional. No artigo 18.°, n.°3, da CR 82 determina-se que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias não podem ter efeito retroactivo; no artigo 29.°, n.° l, estende-se o princípio da irretroactividade da lei incriminadora às medidas de segurança, assim como os seus n.os 3 e4 alargam às medidas de segurança as garantias da não retroactividade da lei criadora das penas e medidas de segurança e do não agravamento retroactivo da penalidade ou da medida de segurança aplicável; e o artigo 19.°, n." 4, da CR 82 determina que a declaração do estado de sítio não pode afectar o princípio da não retroactividade da lei criminal.

Em matéria fiscal, todavia, estamos com a doutrina que entende que, sendo a irretroactividade um princípio geral do direito punitivo — agora ainda mais claramente, pois foi alargado às medidas de segurança—, as leis punitivas fiscais, quer regulem crimes fiscais (por aplicação directa), quer infracções fiscais, não podem ser retroactivas. E, perante o novo texto do artigo 18.°, n.° 3, não deverá ressuscitar-se o velho argumento, segundo o qual as leis fiscais seriam leis restritivas do direito de propriedade (o qual, embora seja direito fundamental económico na sistematização mantida da Constituição — artigo 62.°, n.° l —, deve considerar-se direito fundamental de natureza análoga, para os efeitos do artigo 17." da CR 82: apesar das diferenças de redacção, deixando de mencionar expressamente as liberdades e os direitos fundamentais dos trabalhadores, porventura com intenção de incluir os segundos no novo conceito genérico, a natureza do direito de propriedade não mudou). Ora, assim sendo, não poderiam então as leis fiscais ser retroactivas? Pensamos que podem. O imposto restringe directamente o património dos cidadãos, mas por razões de interesse público, que fazem entender o sacrifício fiscal como algo de diferente de uma mera restrição ao direito de propriedade. A lei fiscal arbitra um conflito entre diversas formas de utilidade, titularidade e afectação jurídica dos bens (para não invocar já a fundamentação do imposto no direito ao uso comum dos bens da terra, hoje pacífica na doutrina social da Igreja). Sendo assim, ele é uma instituição com fundamento autónomo, que em si é objecto de garantias constitucionais (como a do artigo 106." da Constituição). E, portanto, o imposto bem se diferencia das meras restrições ao direito de propriedade, sendo suficientes garantias da propriedade -as normas constitucionais relativas à criação de impostos. Salvo diferente interpretação —que fosse ressuscitar a velha argumentação individualista-liberal sobre a natureza e fundamento do imposto, que parece alheia ao próprio modelo doutrinário, compromissório também neste domínio, que é o da Constituição—, nem este nem outro preceito evita ou proíbe constitucionalmente a retroactividade da lei fiscal. Infelizmente, digamo-lo com clareza; mas o intérprete não pode substituir o legislador, fazendo-lhe dizer o