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II SÉRIE-A — NÚMERO 24

2.4 — Importa, pois, verificar em que termos diferem as medidas de polícia constantes da proposta de lei n.° 85/VI do que actualmente dispõe o Código de Processo Penal.

a) Âmbito pessoal de aplicação.—A proposta de lei n.° 85/VI alarga a todos os cidadãos maiores de 16 anos a obrigatoriedade do porte de documento de identificação e de se sujeitarem à aplicação dos procedimentos de identificação nela previstos, divergindo do disposto no Código de Processo Penal, que é aplicável apenas aos cidadãos sobre os quais recaia alguma suspeita da prática de actos criminosos.

De facto, o Código de Processo Penal confere aos órgãos de polícia criminal o poder de proceder à identificação de «pessoas encontradas em lugares abertos ao público habitualmente frequentados por delinquentes» (condições cumulativas). O Código de Processo Penal não consagra assim o poder de exigir a identificação de qualquer cidadão que se encontre em qualquer local público, mas apenas dos cidadãos que, por se encontrarem em locais habitualmente frequentados por delinquentes, fazem recair sobre si uma «suspeição objectiva», susceptível de justificar o procedimento de identificação.

Os n.05 2 e 3 do artigo 250.° do Código de Processo Penal referem expressamente a sua exclusiva aplicabilidade a cidadãos «suspeitos».

Os procedimentos previstos no n.° 2, que consistem na realização, em caso de necessidade, de provas dactiloscópicas, fotográficas ou de análoga natureza e no convite à indicação de residência, referem-se exclusivamente à identificação de suspeitos.

Também a possibilidade, referida no n.° 3, de conduzir as pessoas que forem incapazes de se identificarem ou de se recusarem a fazê-lo ao posto policial mais próximo apenas pode ser usada, «havendo motivo para suspeita».

A existência de uma suspeição é assim condição sirte qua non para a aplicação de procedimentos de identificação no respeito pelos imperativos constitucionais.

Neste sentido, escreve Maia Gonçalves (3) em anotação ao artigo 250.° do Código de Processo Penal, que esta disposição foi justificada pela «premência de dotar os órgãos de polícia criminal de instrumentos legais que lhes dessem os meios adequados para proceder à identificação das pessoas suspeitas». Ainda segundo este autor, a redacção do Código de Processo Penal «procurou conciliar a constitucionalidade dos normativos» (que proíbem inequivocamente a detenção para efeitos de identificação) «com a dotação dos órgãos de polícia criminal dos meios que lhes possibilitam a identificação de suspeitos antes de os deixar escaparem-se».

Também o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.° 7/87, onde se pronuncia pela constitucionalidade do n.° 3 do artigo 250.°, distingue o procedimento de identificação realizado em posto policial da prisão preventiva, da custódia ou da detenção, considerando a «retenção no posto policial até seis horas não como um caso de privação de liberdade mas como um acto instrumental» para conseguir a prisão ou detenção. O que pressupõe, evidentemente, a existência de uma suspeição prévia relativamente ao identificando.

A proposta de lei n.° 85/VI, na medida em que impõe a todos os cidadãos, pelo simples facto de se encontrarem ou circularem em lugar público ou sujeito a vigilância policial, a sujeição ao procedimento de identificação, a terem de se deslocar ao posto policial mais próximo, a terem de permanecer aí até seis horas e ainda a realizar provas dacti-

loscópicas ou fotográficas, não parece compatível com o respeito pelos requisitos de necessidade, proporcionalidade e exigibilidade que o princípio da proibição do excesso das medidas de polícia implica que sejam respeitados nos termos do artigo 722.° da Constituição e pela tutela dos direitos dos cidadãos, que não constituem apenas um limite mas também uma finalidade da actuação da polícia.

Com efeito, não parece ser proporcionado, em relação aos fins visados, que qualquer cidadão, independentemente de qualquer suspeição que sobre ele recaia, se tenha de sujeitar a um conjunto de medidas que só se justificam como actos instrumentais necessários para garantir a identificação de suspeitos.

Equiparar todos os cidadãos, nos termos da proposta de lei 85/VI, aos suspeitos da prática de crimes nos termos do Código de Processo Penal em vigor, para efeitos da sua sujeição a idênticos procedimentos de identificação, não é proporcionado nem necessário face às finalidades de segurança interna que são invocadas.

Havendo um procedimento já previsto na lei para a identificação dos cidadãos suspeitos, ainda que vaga ou «objectivamente», não se vislumbram razões de segurança interna que devam impor restrições de direitos fundamentais precisamente aos cidadãos que o não são.

Assim, não parece ser exigível que qualquer cidadão, nem suspeito nem frequentador de qualquer local que implique suspeições, tenha de ser portador de documento de identificação, sob pena de retenção em posto policial.

Parece também constituir violação do princípio constitucional da proibição do excesso das medidas de policia a retenção em posto policial para identificação dos cidadãos não suspeitos e, por maioria de razão, a sua sujeição à realização de provas dactiloscópicas ou fotográficas.

Se a polícia tem precisamente por funções garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, parece ser manifestamente excessivo que a invocação vaga de razões de segurança interna para fazer ceder tão drasticamente o direito à liberdade (ainda que meramente ambulatória) de todos os cidadãos.

b) Fundamentos dos pressupostos de aplicação do procedimento de identificação. — Sendo certo que a proposta de lei n.° 85/VI preconiza a alteração dos pressupostos de aplicação do procedimento de identificação previsto actualmente no Código de Processo Penal, uma alteração de sentido ampliativo (aplicabilidade a todos os cidadãos encontrados em lugar público ou sujeito a vigilância policial) surge justificada, em geral e em cada caso concreto, na base de razões de segurança interna (n.° 1 do artigo 1.°).

Assim, o cidadão será identificável pelas forças ou serviços de segurança, sempre que existam «razões de segurança interna que o justifiquem».

Esta disposição traz dificuldades. Desde logo quanto à determinação do que sejam razões de segurança interna justificativas do procedimento de identificação em geral, mas sobretudo quanto à determinação dos limites do poder discricionário que é conferido às forças ou serviços de segurança para avaliar, em cada caso concreto, se existem ou não razões de segurança interna que justifiquem, designadamente, a retenção de um cidadão em posto policial para efeitos de identificação.

Coloca-se aqui com acuidade a questão de saber que garantias têm os cidadãos contra eventuais abusos de autoridade cometidos à sombra da invocação de razões de segurança interna por agentes policiais.