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25 DE JUNHO DE 1994

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A primeira referência à educação pré-escolar em Portugal, em termos legislativos, é feita, porventura, no diploma de João Franco, como Ministro do Reino, no ano de 1894. São extintos um conjunto de serviços referentes aos dois escalões do ensino, o primário e o secundário, em obediência a um enorme corte de despesas. Ao mesmo tempo, talvez em jeito de compensação, é referido que em Lisboa e no Porto, «e em outras povoações importantes, podem ser estabelecidas escolas para educação e ensino das classes infantis» (Carvalho Rómulo, História do Ensino em Portugal, Fundação Gulbenkian, Lisboa, 1986, p. 692). Eram «benefícios fáceis de oferecer no papel», como escreve o mesmo autor.

O advento da educação pré-escolar no nosso país coincide praticamente com a chegada da 1." República. Mesmo assim figura mais no papel, pese embora toda a boa doutrina espelhada nos textos legais.

Criaram-se, então, os primeiros jardins-escolas oficiais em Lisboa e no Porto. E anunciou-se um vasto programa de instalação, sempre junto das escolas primárias, que foi sucessivamente adiado.

Toda essa nobreza de intenções consta do Decreto de 29 de Março de 1911 e é depois retomada e revista em 1919, reconhecendo-se, desse modo, implicitamente, o falhanço da sua aplicação.

Mas nem tudo se perdeu no papel. Enquanto o ensino infantil oficial não arrancava, o mesmo ensino particular dava passos importantes, com a criação dos «jardins-escolas de João de Deus, criados sob a orientação de João de Deus Ramos, filho do poeta daquele nome» (ibid., p. 669). Foi depois da revisão dos estatutos da Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus que levou à criação das «escolas maternais», que mais não eram do que os jardins-escolas. Proliferaram e espalharam--se pelo País, até aos nossos dias, mantendo uma obra digna de menção.

Esta Associação nascera da polémica gerada com o aparecimento da Cartilha de João de Deus. Com o impulso de particulares, é fundada em 1882 por Casimiro Freire, industrial que se bateu contra a situação do analfabetismo em Portugal (ibid., p. 612).

O Decreto n.°6137, de 29 de Setembro de 1919, retoma as «escolas infantis [...] destinadas à educação de crianças desde a idade dos 4 até aos 7 anos completos». Assinava o então Ministro da Instrução Pública, Joaquim José de Oliveira.

No seu artigo 2." determinava-se que «em todas as capitais de distrito e sedes de concelho serão criadas escolas infantis, à medida que os recursos dos municípios o forem permitindo».

Era, assim, assumida a responsabilidade da criação de uma rede pública de educação pré-escolar.

Ficava igualmente claro que «sob a forma de lição de cousas» ele deve tender à «preparação para o ensino primário», conforme o estipulado no artigo 16.° Ia-se mais longe ao «regular» a sua ministração «por meio de representações fA&sAic&s com o auxílio de material froebeliano ou do matéria/ da professora Montessori». Ou seja, é consagrada a formulação do ensino ou do desenvolvimento de capacidades num sentido que hoje ainda é considerado como adequado, tendo em vista a preparação das crianças em direcção à aprendizagem programática do ensino pri-mário.

Confirma-se esta visão do ensino da escola infantil, novamente, quer nos artigos 11.°, «os exercícios devem apresentar-se sob o aspecto de jogos recreativos e instrutivos», e 14.°, «tomando por ponto de partida a sua curiosidade natural e conduzindo-as por ela ao hábito da observação e reflexão».

Previa-se ainda que cada turma, artigo 119.°, «não poderá ter mais de 20 alunos de frequência média».

Os objectivos específicos eram marcados com muito rigor, apontando sempre para a preparação e entrada no ensino primário.

Do ponto de vista legislativo, pode-se dizer, estava quase tudo previsto, incluindo o tamanho das salas, condições de higiene, cantinas, recreio, etc.

Facto interessante, que demonstra a pormenorização do legislador da época, é, entre outras, a previsão no artigo 6.° de «um dormitório, para o conveniente repouso das crianças durante o dia, um vestiário, um gabinete para as professoras, uma sala de lavatórios e um balneário com tudo o que for preciso para que as crianças possam tomar na escola banhos de limpeza, sempre que isso se reconheça necessário, e, quando o balneário não seja possível, tinas para o mesmo fim na sala dos lavatórios».

Salvaguardadas as devidas diferenças de épocas, o legislador, pelo menos, prevenia as melhores condições para a educação pré-escolar.

O mesmo se pode dizer quanto ao encaminhamento da formação de professores, prevenindo-se a necessidade da especialização para este tipo de «ensino infantil».

Contudo, na realidade, pouco ou nada do que a lei previa se aplicou.

O mesmo aconteceu, em 1923, com o Estatuto da Educação Pública, datado de 21 de Junho, da autoria do ministro Camoeses, que, no que se refere à educação pré--escolar «ministrada em jardins-de-infância, com quatro anos de duração, dos 3 aos 6 anos de idade, e sem carácter de obrigatoriedade» (ibid., p. 699), o pretendia com «tendência» obrigatória, logo que as condições económicas o permitisse. Notável, pois é a primeira vez que se refere a possibilidade de introduzir na escolaridade obrigatória o pré-escolar.

Depressa o Estado Novo cerceou o desenvolvimento destas iniciativas, com o encerramento total das «escolas infantis», substituindo-as pelo modelo de atendimento de carácter social, excluindo-se a vertente pedagógica de preparação para a aprendizagem sistematizada do ensino primário.

Um retrocesso enorme, também ao nível legislativo, sustentado pela redução drástica em matéria de investimentos do Estado. A escolaridade obrigatória foi reduzida e as «escolas infantis» desapareceram.

É retomada a concepção inicial da Creche francesa, cujas preocupações se dirigiam fundamentalmente ao acolhimento, à alimentação, higiene e vestuário das crianças muito necessitadas ou mesmo abandonadas. São criadas as creches, cuja gestão é entregue a organizações de carácter religioso e humanitário.

Surge a Obra das Mães, a quem, entre outras, é entregue essa tarefa.

Nos colégios particulares, paralelamente, a educação pré-escolar era facultada, em regra, aos mais favorecidos, pelas «naturais» limitações do acesso.