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II SÉRIE-A —NÚMERO 51

gem sempre fica aquém do desejável e, não obstante, a certeza e a segurança deverão imperar tão sagradamente quanto possível.

Também a inserção sistemática do artigo 40." não é neutra quanto a esta sua vocação. Ele aparece como princípio geral comum à matéria das penas e das medidas de segurança, de todas as consequências de comportamentos rele: vantes em sede penal, portanto. Através da opção por um título único relativo às «Consequências jurídicas do facto», englobaram-se num âmbito comum a principiologia e as vicissitudes das penas e das medidas de segurança, fri-sando-se desta sorte a unidade da matéria e da sua problemática — unidade que reforça a sintonia dos critérios de estatuição criminal, correspectivo de uma também requerida sintonia dos critérios de previsão.

São quatro as linhas de força inseridas no artigo 40.° que devem ser retidas:

Princípio da culpa;

Princípio da proporcionalidade;

Princípio da vinculação à defesa de bens jurídicos;

Princípio da reintegração social do condenado.

Trata-se de princípios de política criminal. Trazendo-os para o seio da lei, a reforma explicita o papel que comete à articulação entre política criminal e direito penal: sintonia entre os princípios estruturais de ambos, unidade funcional. «Não mais tem sentido a manutenção da aparelhagem conceituai dogmático-sistemática quando ela não seja traçada em termos tais que funcionalmente se adeqúem às exigências político-crimináis, tal como hoje se fazem sentir», fora afirmado por Figueiredo Dias, ao que acrescentava:

Uma ciência jurídico-penal que nada lenha a oferecer às necessidades correctamente entendidas da política criminal não só se torna em peça decorativa, como é falsa (7).

Aberto estava, portanto, no pensamento dos pais da reforma, o caminho à consagração que ela tomou.

O que nesta sede importa é verificar o modo como se articulam os princípios enunciados com a Constituição, seu indiscutível referente. Ou seja: com o modelo de sociedade que ela pressupõe e intenta desenvolver e com o direito penal constitucional contido na lei fundamental (7).

B) Em primeiro lugar, o princípio da culpa. Relativamente à sua formulação mais genérica, ou seja, no sentido de que toda a pena se funda na culpa e assim a pressupõe inexoravelmente, há consenso na doutrina portuguesa quanto ao étimo constitucional: são o princípio da dignidade da pessoa humana e também o direito à liberdade, incrustados nos artigos 1.°, 13.°, n.° 1 e 27.°, n.° 1 (8), e dos artigos B e F do Tratado da União Europeia.

Indefectível a relação entre o modelo social pressuposto e sugerido pela lei constitucional e este princípio da dignidade que impõe a culpa penal.

De facto, o reconhecimento da dignidade decorre histórica e teoricamente da afirmação do respeito pela opi-

(') Cf. «Os novos rumos da polílica criminal c o direito penal português do futuro». Revista da Ordem dm Advogados, Janeiro-Abril de 1983, p. 12.

(") «As opções axiológicas constitucionais», escreve Sousa Brito, «devem se respeitadas pelas normas penais e orientar a sua interpretação. Mais: s3o elas que definem os valores fundamentais da vida em sociedade que o direito penal visa proteger » (Cf. «A lei penal na Constituição». Estudos sobre a Constituição. 2° vol., Lisboa. 1978. p. 198.)

nião individual, que Locke teorizou num contexto inspirador muito forte, o das lutas religiosas inglesas e eurocontinentais f9)- Ter-se-á gerado aí o conceito sócio--político de tolerância, tão caro ao modelo de sociedade aberta. < ■ •■

Sociedade aberta ou pluralista entendida, como o é dominantemente, como sociedade portadora de um conteúdo democrático positivo e preciso: tendo por escopo essencial viabilizar o maior número de ideologias e de atitudes vitais ou mundividências, na consideração axiológica de que essa pluralidade é um factor de enriquecimento da personalidade e, nessa medida, portanto, corolário do respeito péla dignidade. Põe-se, pois, de lado qualquer veleidade de uniformizar ideias ou comportamentos e evidencia-se ao direito de opção por uns ou por outros como critério de convivência e como-valor comunitário, já que condição de desenvolvimento. E sublinha-se o carácter excepcional de qualquer limitação que lhes seja aposta, apenas legitimada por imperativos de interesse público.

E esta atitude tão neutra quanto possível face a costu-mes e valores^ pretende-se viabilizadora de um ambiente social em que ò desenvolvimento da personalidade não seja encarado na perspectiva de uma (ainda que generosa) concessão sócio-política, mas como imperativo da legitimidade da estruturação social pelo distrito e pela política.

Um tal entendimento tem ínsito que a privação da liberdade de pessoas imputáveis não pode ocorrer à margem de um comportamento grave e censurável; e, do mesmo modo, não pode alhear-se de uma adequação à gravidade dessa censura.-. ...

Vejamos que implicações tem isto sobre a culpa penal.

E, por comodidade de análise, estratifiquem-se duas ordens de implicações: as implicações negativas e as implicações positivas.

Reportemo-nos às primeiras. O princípio da culpa que parte deste equacionamento não tem de fazer profissão de fé metafísica na aceitação do intrincado livre-arbítrio. A culpa, enquanto fundamento ,da pena, pode muito bem passar à margem de opção dessa natureza. Assim acontece, de resto, em quase todo o. pensamento inspirador das constituições é das leis penais adeptas nos nossos dias da relevância da culpa penal. Di-lo Roxin de modo lapidar: ao falar em culpa, está o legislador a fazer coisa muito diferente de «pronunciar um juízo, que não lhe compete, sobre a liberdade da vontade humana. Não se trata neste caso de uma afirmação sobre o ser, mas de um postulado de política criminal dirigido, ao juiz: deves tratar o cidadão pela sua inclinação para a liberdade como um homem capaz de decisão autónoma e responsável, desde que. a. «.via motivação normal não esteja excluída por perturbações espirituais. É um princípio regulador e normativo, e os princípios não devem ser ajuizados de acordo com os critérios do verdadeiro ou do falso, mas com os da sua fecundidade social ou danosidade» (l(l).

Negar o livre-arbítrio não será, deste modo, neutralizar a culpa penal. É algo perfeitamente compatível com um sistema juriscriminal que a admita plenamente no seu seio.

Disso dá testemunho eloquente a doutrina alemã, mátria da culpa ancorada no livre-arbítrio. O projecto de Código

(') Cf. este propósito, o interessante ensaio de Paul Popper, «Em que acredita o Ocidente?», publicado pela primeira vez em 1959 e inserido na colectânea Em Busca de Um Mundo Melhor. Lisboa, 1988, pp. 185 c segs.

(I0) Cf. Klaus Roxin. «La culpabilidad como criterio limitativo de te pena». Revista de Ciencias Penales, enero-abril de 1973. pp. íO-'iV