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2 DE JULHO DE 1994

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Penal de 1962, raiz da lei vigente, não a faz a partir de importações metafísicas. O que essencialmente pretendeu com ela foi dar força de lei. a um lastro, de revinculação com a moral e os seus princípios por que a doutrina do pós-guerra se batera e o nazismo .naturalmente ignorara.

É essa revinculação ética que, aliás, explica várias deciT soes jurisprudenciais que-marcaram o tema. da culpa nas décadas de SO e 60. Assim, em 1952 pronunciava-se o Grande Senado Penal do Tribunal Federal nestes termos:

A pena pressupõe culpabilidade. Culpabilidade é censurabilidade [...] o fundamento interior da censura de culpabilidade consiste "em que o homem dispõe de uma capacidade livre, responsável e moral de autodeterminação ç que, portanto, pode decidir-se pelo Direito contra a sua negação.....

E em 1966 concebia a pena sem culpa cpmo «uma retribuição incompatível com o princípio do Estado de,direito que lesaria o condenado no seu direito fundamental emergente (...] da Constituição». E vincava: "

É isto que exprime o. § 48 do STGB: a culpabilidade do autor é o fundamento da individualização da pena ("). . . ...

Não era, pois, do livre-arbítrio que aqui se curava, mas de apagar de uma vez por. todos os resquícios da divisão do III Reich — o direito útil ao povo alemão era o direito legítimo, e a culpa, um pressuposto prescindível..

Atentando no conteúdo positivo a cometer.à culpa, sublinha-se a. função de garantia jurídico-estatal: ela'fundamentará sempre a aplicação da pena (não há pena sem culpa, não há crime sem culpa) mas não terá a incumbência de influenciar inexoravelmente o seu'limite máximo. Pode muito bem a pena, em nome de outras considerações', ficar aquém do grau que atingiria tendo-a exclusivamente por padrão.

Afirma o artigo 40.° que a pena não pode nunca «ultrapassar a medida da culpa» (n.°2). Trata-sé da consagração inequívoca pela lei ordinária do sentido do princípio constitucional. A dignidade da pessoa- humana impõe que a sanção criminal encontre na medida da culpa o seu tecto de aplicação e, por maioria de razão, que se fundamente na culpabilidade. . , .. •'. . ;! •'. ;

A articulação entre o sentido atribuído-à culpa penal pela reforma e a Constituição afirma-se total, por isso que:

1.° A reforma não vincula o princípio da culpa a uma opção filosófica ou metafísica sobre o' livré-afbí-trio. Comete-lhe uma função político-criminal de garantia dos cidadãos, e não mais do que isso — o que é adequado a um modelo dè sociedade pluralista, que não amarra todos a uma. unívoca profissão de fé; - • :

2.° Entende que a pena.não pode exorbitar a culpa, do mesmo modo que não pode privãr-se.dela como seu.pressuposto; -

3.° Abre a possibilidade de a medida da pena tomar em conta outras considerações, desde que se encontrem ao serviço de uma infra-incriminação.

Q Princípio da proporcionalidade.;— Para as medidas de segurança, aplicáveis a inimputáveis perigosos ou a pes-

(") Citados por C. Stratenwerth, El Futuro del Principio Jurídico Penal de Culpabilidad. Madrid, 1980. p. 90. ,.

soas capazes de determinação pelo direito, mas destinatários de um juízo de perigosidade produzido com base num comportamento ¡licito-criminal, vale este outro princípio, também, .decorrente da dignidade humana. A medida de segurança, seja detentiva. ou de outro tipo, não pode furtar-se. à adequação ao modelo de comportamento, analisado na perspectiva do perigo social que o agente representa; não será legítimo que consubstancie a medida de segurança num castigo gratuito. Há um paralelismo nítido entre a proporcionalidade no direito penal das medidas de segurança e o princípio da culpa que preside à pena. Assim como a culpa se pré-ordena face à sanção penal, e lhe impõe uma adequação própria, também a perigosidade condiciona a medida de segurança e o seu quantum. Por certo que contrariava o respeito pela dignidade pessoal um direito de medidas de segurança não condicionado pelo perigo que o agente demonstrou representar através da-sua conduta, e pelo objectivo de neutralizar esse perigo perante a sociedade e de envidar esforços para o diminuir ou apagar, através da pedagogia ou tratamento adequado.

O princípio da proporcionalidade vertido no artigo 40.° (segundo cujo n.°3 «a .medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do lacto e à perigosidade do agente») arlicula-se com a lei. fundamental, pois que:

1." Explicita á fundamentação das medidas de segurança na gravidade do facto e na perigosidade do J • agente e recusa a sua existência para além daquelas;

f 2.° Sustenta que o grau da medida de segurança se adequa à perigosidade do agente e à defesa da ordem jurídica.

D) Princípio da. vinculação à defesa de bens jurídicos.— A encimar o acervo de finalidades das penas que enuncia, coloca o artigo 40.° a protecção de bens jurídicos. Subjaz ao princípio vertente a ideia de limitar o poder punitivo do Estado, na linha, também, do n.°2 do artigo 12.° da Constituição, segundo o qual as restrições a direitos, liberdades e garantias se limitarão «ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».

O princípio tem um,lastro doutrinário abundante e ancestral.

De facto, já na Alemanha do século xvni, Hommel, um autor pouco referido nos nossos dias mas nem por isso menor, ousou tornar o bem jurídico como factor de separação de águas políticas conflituantes então. «Os conceitos de pessoa, cristão e cidadão», escreveu na altura, «são três coisas diferentes». Os bens jurídicos sob tutela estatal eram os que ao cidadão importavam, c não já aqueles de que a religião curava, bu sequer aqueles outros que se "poderiam reportar a um mítico estado de natureza. Eram os bens jurídicos aqueles que se revelassem portadores dc importância social indefectível, banidas a metafísica e a fé do seu núcleo impregnante.

Assim fez Hommel arrancar a matriz do conceito, que é filho da época iluminista e tributário da doutrina do contrato social. Provindos agora o Estado e o poder não de Deus mas de um pacto entre os cidadãos, e sendo esse pacto um contrato de liberdade e de convivência em paz, muito mais modestos se tornavam os horizontes fundadores do poder punitivo, e desaparecia a sua ligação a concepções religiosas ou a estritos aspectos morais.