O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1110-(26)

II SÉRIE-A — NÚMERO 59

PROJECTO DE REVISÃO CONSTITUCIONAL N.9 10/VI

Memória justificativa

1 — Ao apresentar o seu projecto de revisão constitucional, dando execução à resolução da reunião do Comité Central de 14 de Julho passado, o Partido Comunista Português não só reafirma todas as objecções que coloca à legitimidade, à oportunidade e à necessidade deste processo de revisão como sublinha mais uma vez os gravíssimos perigos que ele comporta para a democracia tal como se configurou em resultado da Revolução do 25 de Abril.

Desde a primeira hora que o PCP salienta que nada justifica a realização, neste momento, de uma revisão constitucional, pelo contrário, há claras razões para que ela não seja concretizada.

Em primeiro lugar, não há nenhuma questão urgente ou inadiável que possa ser invocada para justificar esta pressa e esta precipitação.

Em segundo lugar, não é democraticamente admissível que a actual Assembleia da República encete este processo, já que nenhum partido nas eleições de 1991 apresentou a intenção de rever a Constituição nem fez submeter a debate quaisquer propostas concretas. Pelo contrário, a questão da revisão constitucional foi expressamente afastada por todos os principais partidos, não só pelo PCP mas igualmente pelo PS, PSD e CDS.

Mas a questão essencial que torna a abertura deste processo particularmente inoportuna, é que ela ocorre num momento de gravíssima crise económica e social, quando todas as energias deveriam ser canalizadas para as urgentes tarefas de luta pela resolução dos problemas e de combate à política do governo do PSD.

Quando os graves problemas do País, dos trabalhadores e das camadas mais desfavorecidas não encontram resposta, quando cresce o desemprego, estão em perspectiva mais e mais despedimentos e a fome se tornou uma realidade em várias regiões do País, quando prossegue a destruição do aparelho produtivo e se adoptam políticas para acelerar o desmantelamento das funções sociais do Estado, quando se preparam graves atentados aos direitos fundamentais dos trabalhadores, colocar, como faz o PS, a revisão da Constituição como primeira prioridade é desviar as atenções do que deveria ser a tarefa central de combate à política do Governo.

Numa altura em que são cada vez mais evidentes os sinais do profundo descontentamento de amplas camadas da população, numa altura em que se multiplicam e diversificam as manifestações de protesto como as registadas na Ponte de 25 de Abril, numa altura em que transparecem crescentes dificuldades do PSD e se acentua o seu descrédito político, estender a mão ao PSD, como faz o PS, para entendimentos sobre a descaracterização da lei fundamental é oferecer ao PSD, responsável pela política do Governo, uma ajuda política totalmente contrária aos interesses do povo e do País. Não é com novos entendimentos entre o PS e o PSD para pôr em causa aspectos essenciais da Constituição que se combate a actual política. Esse é o caminho contrário ao caminho necessário para preparar uma alternativa democrática e viabilizar uma nova política.

2 — O PCP chama vivamente a atenção para os perigos que decorrem deste processo de revisão constitucional para os interesses do povo e do País e denuncia os sofismas que o pretendem justificar.

Vem-se invocando uma insuficiente participação dos cidadãos e o seu descontentamento pela vida política, responsabilizando por esse facto o actual sistema eleitoral. Dá--se assim cobertura a uma das mais hipócritas' mistificações que vem sendo feita sobre a situação política nacional.

Quando se afirma que é a Constituição, em particular o «sistema político», incluindo o sistema eleitoral, que criam problemas e que afastam os cidadãos da vida política e, eventualmente, os Deputados dos eleitores, o que se esconde são as verdadeiras causas e os verdadeiros responsáveis por esse «desencanto» dos cidadãos, que radica, na realidade, na política antidemocrática e anti--social e de atropelo à própria Constituição que vem sendo levada a cabo. As dificuldades e o descontentamento não resultam da Constituição ou do sistema político, mas, bem ao contrário, da ofensiva contra os seus imperativos, com destaque para os direitos fundamentais, em particular os direitos dos trabalhadores, para os direitos económicos, sociais e culturais, para a concretização da democracia participativa, da descentralização, da regionalização, da soberania e da independência nacional. Não é a Constituição ou o «sistema político» que estão na base da política económica que conduz ao desemprego, à marginalização, à pobreza e à fome, mas sim, bem ao contrário, o não cumprimento de aspectos importantes da Constituição e a não concretização da perspectiva de transformações humanistas e progressistas que consagra.

Constitui uma intolerável contradição que os mesmos que, para legitimar operações de engenharia eleitoral de estrito interesse partidário, afirmam pretender aproximar os Deputados dos eleitores são os que realizam campanhas eleitorais com base em «candidatos a Primeiros-Ministros» e suprimem o papel dos candidatos a Deputados; ou que, no Governo, suprimem ou diminuem o papel da Assembleia da República e promovem a governamentalização do sistema político e a concentração de poderes no Primeiro--Ministro.

Constitui uma intolerável contradição que os mesmos que preconizam alterações do sistema eleitoral de sentido não democrático em nome e com o pretexto da estabilidade governativa defendam constantes alterações da lei fundamental do País, que deveria caracterizar-se, no essencial, pela estabilidade.

É uma intolerável contradição que os que agora se afirmam tão preocupados com a participação dos cidadãos, sejam os mesmos que sempre temeram e hostilizaram a intervenção das massas populares na vida nacional, são os que caluniaram e desprezaram a luta social, são os que em sede das anteriores revisões da Constituição contribuíram para eliminar importantes formas de participação popular, como os conselhos municipais e as comissões de moradores, são os que na prática política inviabilizaram conquistas legais como, por exemplo, a existência de gestores eleitos pelos trabalhadores nas empresas públicas.

O que é necessário não é a crítica e condenação abstracta de uma «classe política», mas a crítica e condenação das forças partidárias e dos partidos políticos responsáveis pela actual «política de classe» contra o povo e a favor dos grandes grupos económicos. O que faz falta não é o desprezo e a condenação da «política» em geral, mas a condenação da política de direita, do PSD e do seu governo. O que é preciso denunciar não é um pretenso divórcio entre todos os agentes políticos e os cidadãos, mas o profundo divórcio que efectivamente existe entre os políticos responsáveis pela actual política e os interesses e aspirações do povo português.