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22 DE SETEMBRO DE 1994

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à sociedade um modelo de «modernização». Como sustenta Michel Crozier, o Estado moderno tem de ser o Estado modesto, aquele que, nada tendo a ver com o Estado mínimo dos neoliberais, se deve colocar ao serviço das pessoas, esümulando-as e às comunidades locais e outras instituições para que encontrem, elas próprias, as regulações que considerem melhores, mais justas e mais eficazes para a sua vida.

Deste modo se explica o meu empenho em limitar o papel directo do Estado, mas em aumentar o seu papel de estímulo e apoio da chamada sociedade civil. Não ignoro a dificuldade de mudança, pois a natureza peculiar do Estado Português acentuou o seu domínio sobre a chamada sociedade civil. Como explica Vasco Pulido Valente (in Tentar Perceber, p. 355), entre nós o Estado precedeu e de algum modo criou a Nação, à qual impôs forte comando central e rígida hierarquia, exigidos pela reconquista primeiro e pelos descobrimentos depois. Também a homogeneidade do Estado-Nação aumentou o seu controlo sobre a sociedade civil «porque não deparou com obstáculos étnicos, linguísticos, religiosos ou nacionais susceptíveis de enfraquecer a sua coerência interna e, em segundo lugar, porque a ausência de vincadas diferenciações estruturais na sociedade civil impediu que nela se gerassem resistências significativas e que ela conseguisse conservar alguma autonomia. É por isso que se desenvolveu de acordo com a vontade e quase sempre por iniciativa de poder político».

Penso que as novas circunstâncias dos nossos dias, o desenvolvimento que se verifica, a abertura das fronteiras, a elevação do nível educativo exigem forte inflexão nesta trajectória.

4. Nalguns pontos procuro ir até à abertura da perspectiva de reconhecimento da indeterminação, que já Tocqueville considerava — há século e meio — característica essencial da democracia, como Claude Lefort veio posteriormente a demonstrar.

Importa acentuar as concepções democráticas integralmente respeitadoras da vontade popular, incompatíveis com ideologias deterministas que pretendem conduzir as sociedades fixistas viradas para um objectivo final. É que a sociedade, o Estado, o poder político pertencem ao quadro mutável e sempre aperfeiçoável deste mundo.

Tudo isto explica por que razão proponho reduzir ao mínimo essencial os limites materiais de revisão, consagrados no artigo 288.°, e, bem assim, por que proponho devolver para a vontade popular e iniciativa dos municípios a solução da questão da eventual existência de regiões no continente.

Por um lado, entendo que seria prolongar a tradição que acima critiquei admitir que o poder político pudesse decretar, de cima para baixo, a criação de regiões, quando Portugal não só tem vivido sem elas como não parece reclamá-las neste momento. Mas, por outro lado, penso que, a prazo de seis ou sete anos, podem as pessoas e os municípios entender que uma estrutura leve, não tecnocrática nem burocrática, se justifique. Não me parece que, se assim for, o poder político que antes consagrou as regiões quando não eram necessárias, tenha legitimidade para impedir ad eternum uma eventual vontade popular de as consagrar.

5. Uma das qualidades que definem os Portugueses é o seu universalismo. Se o seu patriotismo tem forte componente universalista, a abertura aos outros povos deve continuar a ser um valor que nos distingue num mundo de novo ameaçado pela xenofobia. Por isso proponho a sua adequada consagração no texto constitucional.

6. Apresento também o presente projecto de revisão constitucional por imperativo de coerência, não só por ter apresentado propostas na Assembleia Constituinte, na preparação da revisão de 1982 e no debate da revisão de 1989 que ainda não foram consagradas, mas também como forma de homenagem a Sá Carneiro, ao seu legado de coerência, inteligência, coragem e capacidade de antecipação.

Por isso, retomo diversas propostas suas, desde a proposta de consagração da definição do povo português, no artigo 4.°, ao alargamento do referendo, incluindo o referendo constitucional, passando pela afirmação clara e completa da liberdade de aprender e de ensinar (artigo 43.°), a proibição de contramaniféstações (artigo 45.°), a eliminação da fiscalização preventiva da constitucionalidade e da inconstitucionalidade por omissão, sem esquecer as suas propostas de eliminação das disposições finais e transitórias, salvo os artigos referentes a Timor, Macau e direito anterior.

7. Entendo, todavia, que os mais importantes legados de Sá Carneiro são certamente a acentuação da importância da política como forma de promover a pessoa humana e o seu bem-estar e a capacidade de inovar.

Importa recordar que os Portugueses viveram na história os seus momentos maiores quando foram capazes de inovar, de descobrir.

É certo que, em parte, me limito a constitucionalizar alguns avanços já acolhidos na lei ordinária, como são o direito das vítimas de crimes a indemnização, a gratuitidade para todos da escolaridade obrigatória —seja ela frequentada no ensino público ou no particular e cooperativo (Decreto-Lei n.° 35/90, de 25 de Janeiro) —, ou o direito à diferença (Lei de Bases do Sistema Educativo, artigo 3.°, alínea d): «O sistema educativo organiza-se de forma a assegurar o direito à diferença [...)»).

Mas, por outro lado, proponho a consagração de alguns novos direitos como o direito ao acompanhamento na solidão e alguns direitos bio-éticos, o que me parece inovador, que dão resposta a inquietações e preocupações crescentes das pessoas.

Não esqueço evidentemente que muitos dos chamados novos direitos são direitos de execução sucessiva que só com o decorrer do tempo poderão ter concretização na vida das pessoas.

8. O presente projecto de revisão fundamenta-se também na necessidade de aproximar mais eleitores e eleitos, o «país político» do «país real», diluindo fronteiras que tendem a reservar a acção política para os partidos e a reduzir a participação política dos cidadãos aos actos eleitorais.

Ora, importa que eles possam fazer valer os seus pontos de vista: daí a ampla consagração do referendo; e que, em casos graves bem delimitados, possam obter mesmo a suspensão e reapreciação de determinados actos administrativos.

É muito importante que haja círculos uninominais que facilitem a referida aproximação. Finalmente, as pessoas devem saber que se elas são responsáveis pelos seus actos e têm deveres para com os outros e para com a comunidade, também o Estado os tem e pode ser responsabilizado.