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Sexta-feira, 14 de Outubro de 1994

II Série-A — Número 61

DIÁRIO

da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

SUPLEMENTO

SUMÁRIO

Moção de censura n." 1/VI:

Ao XII Governo Constitucional sobre a execução do seu Programa (apresentada pelo CDS-PP).

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias...................................... II54-(2)

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MOÇÃO DE CENSURA N.9 1/VI (a)

AO XII GOVERNO CONSTITUCIONAL SOBRE A EXECUÇÃO DO SEU PROGRAMA

Volvidos nove anos de permanência isolada no poder, graças ao apoio de um partido amorfo, embora formalmente coeso, o País sente que o governo do Prof. Aníbal Cavaco Silva não é capaz de cumprir as promessas feitas ao eleitorado e que lhe valeram a renovação da maioria absoluta em 1991.

Tendo feito da integração europeia o único vector estratégico do seu Programa e do seu discurso, o Governo tem-se revelado incapaz de defender com eficácia e consistência os interesses de Portugal no contexto comunitário e tem contribuído com a sua subserviência face às instituições da nova União Europeia para multiplicar no País e entre os Portugueses os focos de descontentamento e até de aversão à própria ideia da Europa.

Erigindo a estabilidade governativa como um fim, capaz de gerar, por si só, a paz social e o progresso económico, o Governo tem vindo a transformar-se gradualmente no factor de instabilidade no País.

Falta, com efeito, estabilidade nas políticas, nas decisões e na própria acção governativa, o que, aliado a uma manifesta incapacidade para enfrentar dificuldades, transformou o Governo no grande responsável pelo atraso na convergência da nossa economia com as dos nossos parceiros europeus e pelo alastramento de um clima de mal-estar e de insegurança que proporciona ao Partido Comunista Português a tentativa de deslocação para a rua da acção política.

Sem orientação estratégica própria e incapaz de apresentar aos Portugueses ideias claras e coerentes sobre o futuro, susceptíveis de mobilizar energias e vontades, o Governo faz da táctica eleitoral o verdadeiro fio condutor do seu programa de acção, traduzido na total subordinação do seu próprio calendário político e do calendário da Assembleia da República ao calendário eleitoral, contribuindo para o desprestígio das instituições democráticas e da própria democracia.

Sinais evidentes da situação descritas são, sem dúvida, os recentes acontecimentos ocorridos na ponte sobre o Tejo, a decisão tomada no caso da oferta pública de aquisição da parte do capital do Banco Português do Atlântico, o processo de indicação do novo comissário europeu de Portugal e a persistência da queda dos índices da produção agrícola e industrial.

Exige-se, pois, que o Primeiro-Ministro e o seu Governo respondam ao País na Assembleia da República, razão pela qual o Grupo Parlamentar do CDS-PP, interpretando o sentimento da Nação, nos termos e para os efeitos do artigo 197° da Constituição da República Portuguesa, apresenta a seguinte moção de censura:

A Assembleia da República, nos termos do artigo 197.° da Constituição, delibera censurar o Governo.

Assembleia da República, 6 de Outubro de 1994. — Pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP: Nogueira de Brito — Narana Coissoró — Adriano Moreira — Manuel Queiró — Maria da Conceição Seixas.

PARECER DA COMISSÃO DE ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS, DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS.

Em 6 de Outubro de 1994 o presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP dirigiu ao Presidente da Assembleia da República e entregou no Gabinete de S. Ex.° ofício--requerimento do seguinte teor:

O Grupo Parlamentar do Partido do Centro Democrático Social-Partido Popular, ao abrigo do n.° 1 do artigo 197.° da Constituição e do artigo 238.° do Regimento, vem apresentar uma moção de censura ao Governo sobre a execução do seu Programa, conforme o texto que se junta em anexo e dá-se aqui por reproduzido.

Neste termos, requer a V. Ex.° se digne promover que se sigam nos demais termos dos artigos 238." e seguintes do Regimento.

Tal ofício capeava o texto de moção de censura ao Governo que o Grupo Parlamentar do CDS-PP pretende apresentar, o qual está subscrito por todos os Deputados que o integram e em que, depois de desenvolver a necessária fundamentação, concluiu:

Exige-se, pois, que o Primeiro-Ministro e o seu Governo respondam ao País na Assembleia da República, razão pela qual o Grupo Parlamentar do CDS-PP, interpretando o sentimento da Nação, nos termos e para os efeitos do artigo 197.° da Constituição da República Portuguesa, apresenta a seguinte moção de censura:

A Assembleia da República, nos termos do artigo 197." da Constituição, delibera censurar o Governo.

Como é sabido, o Sr. Presidente da Assembleia da República ausentou-se no dia 6 de Outubro de 1994, em visita oficial à Irlanda.

Porém, antes de partir, lavrou, em 4 de Outubro de 1994, o seguinte despacho:

O presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP comunicou-me ontem que este Grupo Parlamentar vai entregar no meu Gabinete, na próxima quinta-feira, antes da realização da conferência de líderes convocada para esse dia, uma moção de censura ao Governo.

Tenho sérias dúvidas acerca da admissibilidade de moções de censura fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia da República. Essas dúvidas resultam, entre o mais, do disposto nos artigos 238." a 240.° do Regimento da Assembleia da República (moções de censura), em comparação com regime de institutos próximos — por exemplo, os regulados nos artigos 231." (em particular no seu n.°2) e seguintes (apreciação do Programa do Governo) e 235.° (em particular no seu n.° 2) e seguintes (votos de confiança).

Nestes termos, solicito à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias um parecer, a elaborar no prazo de quarenta e oito horas, sobre a admissibilidade de moções de censura fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia da República e, sendo caso disso, os termos da sua apresentação à Assembleia da República e dos debate e votação respectivos.

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Ainda antes de se ausentar, na referida missão, S. Ex." o Sr. Presidente da Assembleia da República formulou ao seu chefe de Gabinete, em 6 de Outubro de 1994, a seguinte determinação:

Ao chefe de Gabinete:

Tendo em consideração que me ausentarei a partir de hoje e até ao próximo dia 9 do corrente, em visita oficial à Irlanda, a convite do Presidente do respectivo Parlamento, determino que o Gabinete encaminhe o despacho que junto para a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias logo que o presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP faça a entrega da moção de censura ao Governo que me foi comunicada.

Mais determino que ao referido presidente do Grupo Parlamentar seja comunicado o teor desse mesmo despacho e que a decisão do Presidente da Assembleia da República acerca da admissibilidade da moção de censura aguardará o parecer da aludida Comissão.

Quer do despacho de 4 de Outubro de 1994 quer das instruções do Sr. Presidente da Assembleia da República foi dado integra] conhecimento ao presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, por ofício de 6 de Outubro de 1994, subscrito pelo Sr. Chefe de Gabinete do Presidente da Assembleia, que deu entrada nos serviços de apoio à Comissão pelas 17 horas daquele mesmo dia 6 e cujo teor igualmente se transcreve:

Tenho a honra de remeter a V. Ex.* o despacho proferido por S. Ex." o Presidente da Assembleia da República através do qual S. Ex." solicita a emissão de um parecer à Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Mais envio cópia das determinações de que ficou incumbido o Gabinete de S. Ex." o Presidente da Assembleia da República, com o esclarecimento de que o Grupo Parlamentar do CDS-PP entregou hoje a moção de censura do Governo.

Não sendo eventualmente normal a transcrição de «despachos» e «ofícios», no âmbito dos pareceres da 1." Comissão, entendeu-se, porém, que a natureza da questão em apreciação e o sentido e alcance da solicitação do Sr. Presidente da Assembleia da República seriam melhor apreendidos e mais adequadamente enquadrados, transcrevendo os textos supra-referidos.

A curteza de tempo (quarenta e oito horas), que a urgência do assunto justificadamente requer, obrigou o presidente da Comissão a assumir o encargo da elaboração do presente parecer, consciente de que muito se ganharia se tivesse havido oportunidade de contar com a disponibilidade de ilustres constitucionalistas e de Deputados conhecedores do Regimento, que, felizmente, integram a 1.° Comissão.

Dito isto importa habilitar o Sr. Presidente da Assembleia da República com parecer que lhe permite (ou o ajude) a ultrapassar as legítimas e pertinentes dúvidas que se lhe colocaram «acerca da admissibilidade de moções de censura fora do período de funcionamento da Assembleia da República».

Trata-se obviamente de uma questão de âmbito e natureza constitucional e regimental.

Naturalmente que, pelo menos neste particular, a Constituição precedeu o Regimento.

Importará, pois, fazer algum percurso constitucional re-úrospectívo ou, se quisermos, histórico, relativamente à figura das «moções de censura ao Governo».

Referindo-se ao primeiro período de vigência da Carta Constitucional de 1826, assinala o Prof. Marcello Caetano:

Feitas as eleições, as Cortes abriram em 30 de Outubro. A prática constitucional começou então a definir-se no sentido do sistema parlamentar: discussão dos actos dos ministros pelas Cortes, votação de moções de desconfiança, solidariedade ministerial demonstrada na crise total do gabinete de 6 de Dezembro em consequência da aprovação de moção de desconfiança entre o Ministro (').

Reportando-se ao período de vigência da Constituição de 1911, refere o citado professor:

O Ministério. A Constituição reconhece a existência do «Gabinete» ou corpo formado pelos Ministros, visto no artigo 53.° estabelecer que um deles, por nomeação do Presidente da República, seria o Presidente do Ministério e responderia não só pelos negócios da sua pasta mas também pelos da política geral. Havia assim uma responsabilidade solidária de todos os Ministros relativa à política geral, a par da responsabilidade individual de cada um pelos negócios da respectiva pasta: esta responsabilidade era, manifestamente, a responsabilidade política (artigo 51.°), que efectivava nas Câmaras mediante votos de confiança ou desconfiança. A responsabilidade civil e criminal dos Ministros seria julgada nos tribunais comuns í2).

Sempre que era necessário formar novo Governo, o Presidente da República chamava e consultava os líderes dos principais partidos republicanos nas duas Câmaras para se informar do sentido em que seria possível encontrar a maioria parlamentar para apoiar um Governo. De acordo com essas indicações, designava um Presidente do Ministério, que repetia as consultas, convidava os Ministros e, de acordo com eles, elaborava a sua «declaração ministerial». A seguir fazia-se a apresentação do Governo na Câmara dos Deputados primeiro e no Senado depois, e era discutida a declaração, terminando a discussão pela aprovação de uma moção de confiança ou de desconfiança: nesta última hipótese o Governo tinha de retirar-se. Se possuísse a confiança das duas Câmaras, o Governo ficava, mas somente enquanto a conservasse (3).

Já em relação à Constituição de 1933 e ao sistema por ela estabelecido reconhece-se:

Assim, o Presidente da República pode, em relação ao Governo:

a) Nomear o Presidente do Conselho e demiti-lo (artigo 81.°, n.° I) por livre decisão da sua vontade (artigo 107.°, § l.°) e sem necessidade de referenda (artigo 82.°, § único, n.° 1). Para esta nomeação e demissão o Presidente da República não tem constitucionalmente de se conformar com qualquer voto de Assembleia ou de Conselhos, nem de ouvir seja quem for. O artigo 112." acentua què «o Governo é da exclusiva confiança do Presidente da República e a sua conservação no poder não depende do destino que tiverem as suas propostas de lei ou de quaisquer votações da Assembleia Nacional», para afastar qualquer tentação de parlamentarismo (4).

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Numa referência, necessariamente breve, à nossa evolução constitucional, fica claro que, com a Constituição de 1933, afasta-se, de todo, qualquer hipótese de «moção de censura (ou de desconfiança) ao Governo», confessadamente para afastar qualquer «tentação de parlamentarismo» e com ela qualquer hipótese de pluralismo político ou partidário.

Não admira, pois, que com a Revolução de 25 de Abril de 1974, independentemente dos contornos que tal figura reveste e designadamente da discussão, reaberta em sucessivas revisões constitucionais relativamente à moção de censura construtiva, tenha surgido a preocupação de assegurar a consagração constitucional deste instituto de fiscalização e de oposição parlamentar.

Assim, e logo no 2." pacto MFA/partidos e no seu ponto 4, surx>rdinado ao título «Relações entre o Presidente da República, a Assembleia Legislativa e o Governo», previa-se:

4.1 —O Governo é publicamente responsável perante o Presidente da República e perante a Assembleia Legislativa.

4.2 — A responsabilidade política do Governo perante a Assembleia Legislativa efectiva-se mediante a apreciação do programa de Governo, a recusa de confiança por ele pedida ou a aprovação de moções de censura nos termos a definir pela Assembleia Constituinte.

4.3 — Em caso de demissão, os membros do Governo cessante permanecerão em funções até à posse do novo Governo.

4.4 — O Presidente da República dissolverá obrigatoriamente a Assembleia Legislativa quando esta haja recusado votos de confiança ou aprovado moções de censura que determinem, por qualquer destes motivos, a terceira substituição do Governo durante a mesma legislatura (5).

Não admira, pois, que a maior parte dos projectos de revisão constitucional então apresentados previssem, desde logo, com formulações diversas, a moção de censura ao Governo.

Assim, o projecto do PS previa no artigo 89.°:

São atribuições da Assembleia Legislativa popular:

b) Apreciar os actos do Governo e da Administração Pública, podendo apresentar moções de desconfiança contra aquele;

Art. 90.° A aprovação de duas moções de confiança ao Governo com, pelo menos, 30 dias de intervalo obrigará a recomposição ministerial (6).

Por sua vez, o projecto de revisão do PPD previa no seu artigo 123.°:

Art. 123.° — 1 — Nos casos de formação ou de recomposição ministerial que abranja, pelo menos, um terço dos Ministros, o novo Governo deverá ser submetido a voto de confiança da Câmara dos Deputados na sua primeira sessão. Se a Câmara não se encontrar em funcionamento, será convocada extraordinariamente para este efeito.

2 — Após deliberação em Conselho de Ministros, o Primeiro-Ministro pode solicitar um voto de confiança da Câmara dos Deputados sobre uma declaração de política nacional ou sobre qualquer texto que nela esteja em apreciação.

3 — Por iniciativa de um quarto dos seus membros, a Câmara dos Deputados pode recusar a confiança ao Governo, votando moções de desconfiança, mas as propostas não poderão ser discutidas e votadas antes de decorridas quarenta e oito horas sobre a sua apresentação (7).

4 — A recusa da aprovação de propostas de lei do Governo não implica de per si a recusa de confiança.

Como se pode ver, esta disposição inspirou grandemente a solução que veio a ser consagrada, ainda em vigor.

O projecto de Constituição então apresentado pelo PCP previa quanto a esta matéria o seguinte:

Artigo 91.°

Responsabilidade política do Primeiro-Ministro e do Governo

1 — O Primeiro-Ministro é politicamente responsável perante o Presidente da República e, juntamente com o Governo, perante a Câmara dos Deputados.

2 — Nos casos de formação inicial ou de recomposição ministerial que abranja, pelo menos, um terço dos Ministros, o novo Governo deverá apresentar-se perante a Câmara dos Deputados, logo que esta reúna, para obter um voto de confiança.

3 — Para efeitos do número anterior, não se contarão os Ministros que, nos termos do artigo 88.°, são da confiança do Movimento das Forças Armadas.

4 — A Câmara pode votar moções de desconfiança ao Governo.

5 — As moções de desconfiança não poderão efec-tuar-se em relação com acções do Governo que sejam execução de directivas do Conselho de Revolução.

6 — Nos seis meses subsequentes à formação inicial do Governo ou à recomposição ministerial não poderão ser votadas quaisquer moções de desconfiança

7 — A aprovação de duas moções de desconfiança feitas com, pelo menos, 30 dias de intervalo obrigará a recomposição ministerial.

8 — A aprovação da moção de desconfiança carece de uma maioria qualificada de dois terços de Deputados.

9 — A moção de desconfiança terá de ser subscrita por, pelo menos, um décimo dos Deputados.

10—Os membros do Governo têm direito a intervir nas sessões da Câmara dos Deputados em que se discutam moções de desconfiança.

II — A eleição de uma nova Câmara dos Deputados não obriga o Govemo a obter a sua confiança (*).

Naturalmente que a redacção transcrita revela ainda uma acentuada preocupação com a presença militar na vida política não só por via directa do Movimento das Forças Armadas mas também pela subsistência institucional do Conselho da Revolução.

O CDS, que está na base da questão que determinou a necessidade do presente parecer, também previa no seu projecto de Constituição as moções de censura, nos termos que se passa a transcrever.

Artigo 111.0 Moção de censura

1 — As moções de censura ao Governo podem ser apresentadas por 50 Deputados, pelo menos, seja qual

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for o grupo parlamentar a que pertençam, ou pelo presidente de qualquer grupo parlamentar da oposição, mas neste caso apenas por uma vez em cada sessão legislativa anual.

2 — O debate terá a duração máxima de dois dias.

3 — A aprovação de uma moção de censura, só por si, não terá efeitos imediatos, mas a aprovação de duas moções de censura com, pelo menos, 30 dias de intervalo obrigará, conforme os fundamentos da censura, a recomposição ministerial ou a demissão do Governo.

4 — No caso de demissão do Governo, o Presidente da República designará novo Governo ou dissolverá a Assembleia Legislativa, mandando proceder a eleições gerais f9).

Também o MDP/CDE previa no seu projecto de Constituição o seguinte:

Art. 76.° São atribuições da Assembleia Legislativa:

a).................................................................

b) ......................................•...............................

c) Apreciar os actos da Administração Pública e do Governo, podendo apresentar moções de desconfiança contra este;

d)......................................................................

e) ......................................................................

í) ......................................................................

8) ......................................................................

h) .......................................................:..............

Art 89° O Primeiro-Ministro é politicamente responsável perante o Presidente da República e perante a Assembleia Legislativa.

Art. 90." O Governo será recomposto sempre que sujeito a duas moções de desconfiança da Assembleia Legislativa com, pelo menos, 30 dias de intervalo.

Art. 91.° A substituição do Primeiro-Ministro será uma das atribuições do Presidente da República (10).

Foi, pois, com base nestes textos e, mais concretamente, partindo das disposições transcritas dos vários projectos que a Assembleia Constituinte veio a discutir a matéria da «moção de censura ao Governo», cuja discussão não foi pací-fica e foi objecto de várias propostas de alteração.

Como é sabido, no âmbito da Assembleia Constituinte foram criadas várias comissões para a elaboração do texto final da Constituição a votar pelo Plenário.

Assim, a 5." Comissão ficou encarregue da parte da Constituição respeitante à organização do poder político, onde trabalhou muito activamente o Prof. Jorge Miranda.

Nessa parte da Constituição insere-se a matéria das moções de censura ao Governo.

Na reunião da 5." Comissão de 26 de Setembro de 1975, o Deputado Vital Moreira propôs a seguinte redacção, relativa à moção de censura ao Governo:

Artigo 7.° o

Responsabilidade política dos membros do Governo

1 — O Primeiro-Ministro é responsável politicamente perante o Presidente da República.

2 — Os Ministros são responsáveis politicamente perante o Primeiro-Ministro.

3 — Os Secretários de Estado e os Subsecretários de Estado são responsáveis politicamente perante o Primeiro-Ministro e perante o respectivo Ministro.

Artigo 8.°

Responsabilidade do Governo perante a Assembleia dos Deputados

1 — O Governo é responsável politicamente perante a Assembleia dos Deputados.

2 — A Assembleia dos Deputados pode votar moções de desconfiança ao Governo.

3 — As moções de desconfiança podem ser propostas por um quarto dos Deputados ou uma vez em cada sessão legislativa por qualquer grupo de Deputados.

4 — A aprovação de uma moção de desconfiança carece de maioria absoluta dos Deputados.

5 — Não poderão votar-se moções de desconfiança ao Governo por acções deste que sejam execução de directivas do Conselho da Revolução.

6 — A aprovação de duas moções de desconfiança na mesma sessão legislativa com, pelo menos, 30 dias de intervalo obrigará a recomposição ministerial.

Registam-se na acta da reunião daquela Comissão os seguintes comentários:

. O Sr. Vital Moreira disse que a sua redacção, embora alterando a formulação verbal do pacto («o Primeiro-Ministro é politicamente responsável perante o Presidente da República e perante a Assembleia Legislativa»), corresponde melhor à correcta interpretação dele, pois que distingue a responsabilidade do Primeiro-Ministro perante o Presidente da República da responsabilidade do Governo perante a Assembleia.

Com efeito, do pacto decorre que as moções de desconfiança, obrigando a recomposição ministerial, não têm que forçosamente conduzir à demissão do Primeiro-Ministro.

O Sr. Jorge Miranda disse que a responsabilidade política não se traduz apenas na sujeição a uma vontade alheia, mas também no dever de prestar contas e na possibilidade de se ser influenciado. Assim, pode falar-se em responsabilidade do Governo perante o Presidente da República e perante a Assembleia dos , Deputados.

0 debate da Comissão visou o esclarecimento destas • posições básicas, mas a reunião terminou sem que se

tivesse definido tendências para qualquer das redacções.

Afinal a Constituição de 1976 veio, na sua versão originária, a consagrar duas disposições que respeitam directamente à moção de censura ao Governo e seus efeitos — os artigos 197.° e 198.°, que se passa a transcrever:

Artigo 197." Moções de censura

1 — A Assembleia da República pode votar moções de censura ao Governo sobre a execução do seu programa ou assunto relevante de interesse nacional, por iniciativa de um quarto dos Deputados em efectividade, de funções ou de qualquer grupo parlamentar.

2 — As moções de censura só podem ser apreciadas quarenta e oito horas após a sua apresentação, em debate de duração não superior a três dias.

3 — Se a moção de censura não for aprovada, os seus signatários não podem apresentar outra durante a mesma sessão legislativa.

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b) A aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro;

c) A morte ou a impossibilidade física duradoura do Primeiro-Ministro;

d) A rejeição do programa do Governo;

e) A não aprovação de uma moção de confiança;

f) A aprovação de uma moção de censura por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.

2 — O Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas,-ouvido o Conselho de Estado.

No tocante às moções de censura, as alterações introduzidas consistem em passar a bastar apenas a aprovação de uma só moção de censura (e não já duas), por maioria absoluta' dos Deputados em efectividade de funções, para a demissão do Governo, para o que já não é necessário a intervenção do Presidente da República.

Tal alteração é apontada pelo Prof. Marcelo Rebelo de Sousa como uma das alterações que consolidam a posição da Assembleia da República (l7).

Certo é que na revisão constitucional de 1.989 (iniciada em 1987) é retomada, desta feita exclusivamente pelo Partido Socialista, proposta de alteração do artigo 197.°, com vista à consagração constitucional da moção de censura construtiva.

Referindo-se a esta questão e à sua incidência do âmbito das relações do equilíbrio de poderes Presidente-Assembleia--Govemo, e depois de lembrar que tal instrumento foi introduzido pela primeira vez no constitucionalismo europeu na lei fundamental de Bona de 1949 e mais tarde na Constituição Espanhola de 1978, o Prof. André Gonçalves Pereira refere:

No essencial, a «racionalização» do após-guerra teve sobretudo em vista o reforço do executivo como órgão central de direcção da política do Estado. Pretende-se nesta nova fase do constitucionalismo um regTesso ao velho princípio do equilíbrio de poderes que havia feito o esplendor do Império Britânico.

Muito concretamente, os seus principais instrumentos são:

í) A estabilização do Executivo operada através de uma regulamentação minuciosa das moções de censura e de confiança e da sua natural compartida que é o direito de dissolução das Câmaras;

ii) A especial redução da capacidade de iniciativa legislativa das assembleias provocada pela redefinição das relações institucionais entre o Parlamento e o Governo.

Certo é que este processo de «racionalização» do Par/amento não é, na verdade, tanto um processo de «racionalização» do Parlamento como do Executivo.

. Mais: o que caracteriza é o reforço do órgão governativo e não o reforço do órgão Presidente da República, ainda que este processo seja acompanhado de um aumento dos poderes presidenciais.

Mais tarde, após a 2." Grande Guerra, o motor desta acção traduz-se na reivindicação do Governo da fixação

da ordem do dia das assembleias legislativas e na introdução da figura da moção de censura construtiva.

Acontece, porém, que o nosso sistema de governo no texto de 1976 coloca a pedra de toque nos poderes presidenciais e não pensa na instituição governativa. Aliás, o parlamentarismo «racionalizado» pressupõe a existência de um chefe de Estado super partes que controla o duelo entre o Governo e a instituição parlamentar.

Em substância, quanto a nós, a «racionalização» do parlamentarismo apenas visa conceder maior viabilidade a esse duelo, reforçando os poderes do Governo, e não os poderes presidenciais..

Embora toda a terminologia seja convencional, não nos parece, portanto, feliz o uso da expressão «parlamentarismo racionalizado» por estes mestres de Coimbra, quando ela tem outro sentido na doutrina corrente (l8).

Registam as actas da revisão constitucional de 1989 uma interessante discussão sobre a alteração apresentada pelo PS, defendida, com profundo conhecimento de causa, pelo então Deputado António Vitorino, contraditado, com não menos brilhantismo, pelos Srs. Deputados Rui Machete e José Magalhães (19).

Não obstante o maior interesse de tal discussão jurídico--consütucionàl, não a abordamos aqui com a profundidade que merece, por curteza de tempo e por envolver desvio à questão que agora nos ocupa.

Aliás, a revisão de 1989 não trouxe qualquer alteração aos artigos 197." e 198.°, que mantêm assim, o primeiro, a redacção originária de 1975 e, o segundo, a redacção fixada pela revisão de 1982, sendo que o PS retirou, em Plenário, a sua proposta de alteração (20).

0 certo é que no processo de revisão constitucional em curso surgem, de novo, propostas de alteração quer ao artigo 197." quer ao artigo 198.°, retomando alguns partidos as suas anteriores pretensões e voltando o PS a insistir na moção de censura construtiva.

Por se considerar de interesse para ajuizar do entendimento actual dós diversos partidos sobre esta questão, re-produzem-sé as propostas de alteração aos artigos 197.° e 198.° da Constituição, constantes dos projectos de revisão:

Assim, o PS (projecto n.° 1/VT) propõe o seguinte:

Artigo 197.° - . [...]

1 — A Assembleia da República pode votar moções de censura ao Governo por iniciativa de um quarto dos . Deputados em efectividade de funções ou de qualquer ■ Grupo Parlamentar.

3 (Número novo.) — As moções de censura devem em todos os casos conter a indicação de um candidato a Primeiro-Ministro, ser acompanhadas de um Programa de Governo e ser votadas conjuntamente com essa indicação e esse programa.

4 — (Actual n.° 3.)

5 (Número novo.).— As moções de censura apresentadas quando da apreciação do Programa de Governo não contam para o efeito do disposto no n.° 4.

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Artigo 198.° Efeitos

1 — Implicam a demissão do Governo:

a) A rejeição do programa do Governo;

b) A não aprovação de uma moção de confiança;

c) A aprovação de duas moções de censura com, pelo menos, 30 dias de intervalo, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.

2 — O Presidente da República não pode dissolver a Assembleia por efeito de rejeição do programa do Governo, salvo no caso de três rejeições consecutivas.

3 — O Presidente da República dissolverá obrigatoriamente a Assembleia da República quando esta haja recusado a confiança ou votado a censura ao Governo, determinando por qualquer destes motivos a terceira substituição do Governo.

Regista-se que o artigo 197.° foi aprovado por unanimidade, enquanto os n.os 1, alíneas a) e b), 2 e 3 do artigo 198.° foram aprovados por unanimidade e a alínea c) do n.° 1 foi aprovada com os votos contra do PPD, tendo sido produzidas, então, as declarações de voto que se transcrevem:

Declarações de voto

Sobre a votação da alínea c) do n.M:

O Partido Popular Democrático votou contra esta proposta porque sempre supôs que uma das dificuldades da democracia não está em conquistar o poder, mas em sair do poder. E esta proposta, tal como acaba de ser aprovada pelo Plenário, facilita aqueles que um dia se encontrarem no poder e que tiverem uma boa disciplina partidária, desagregando os outros partidos, facilita-lhes o permanecerem no poder. Ficou por tanto em causa o problema da democracia neste país. [Barbosa de Melo, PPD.]

Só para o Partido Socialista se congratular com o resultado desta votação, não no sentido da ambição do poder mas porque este dispositivo permite a estabilidade democrática, sublinho as palavras «estabilidade democrática», pelo qual nós lutamos, socialistas do Partido Socialista. [Carlos Candal, PS.]

Sobre os n.os 2 e 3:

O Partido Popular Democrático votou a favor dos preceitos acabados de aprovar e congratula-se pela estabilidade democrática, sublinho o termo «estabilidade democrática», que esses preceitos garantem. . Lamenta, relativamente a outros, que não tivesse havido a mesma preocupação de uma estabilidade igualmente democrática. [Jorge Miranda, PPD.]

Ainda então o Deputado Jorge Miranda produziu a seguinte observação:

Segundo Jorge Miranda (PPD), neste artigo 198.° há uma distinção entre o regime de apreciação do programa do Governo e da sua eventual rejeição e o regime de subsistência do Governo, que pode ser posta em causa quer através da não aprovação de moções de confiança ao Governo por ele pedidas quer através da aprovação de moções de censura.

De alguma forma, nas declarações de voto e observações transcritas ficam patentes algumas das preocupações dos constituintes relativamente à figura da «moção de censura ao Governo».

Logo na revisão constitucional de 1982 surgiram propostas de alteração aos artigos 197.° e 198.°, de que se salientam as apresentadas pela AD e pela FRS.

A AD pretendia ver consagrada no artigo 197.° a moção de censura construtiva, impondo que os apresentantes da mesma indicassem o nome do candidato a Primeiro-Ministro a propor ao Presidente da República. (I4).

Por sua vez, tanto a AD como a FRS apresentaram propostas de alteração ao artigo 198.°, no sentido de bastar a aprovação de uma moção de censura por maioria absoluta para efeitos de demissão do Governo (l5).

A questão da moção de censura construtiva, sempre retomada, como já se referiu, em cada revisão constitucional, tem-se mantido controvertida e não tem logrado obter os dois terços necessários para passar ao texto constitucional.

Aliás, é curioso registar que, contrariando a solução que a AD veio a propor, o Prof. Barbosa de Melo em 1981 escrevia quanto à moção de censura construtiva:

2 — Não se toca assim no fundamental do regime que se encontra estabelecido para as moções de censura. Trata-se de um regime que poderá julgar-se consideravelmente apertado, mas que se torna necessário para «racionalizar» —como é costume dizer-se— a actuação do Parlamento e para acautelar um valor politicamente muito importante que é o da estabilidade governativa.

3 — Entretanto — e como já se advertiu na «justificação geral», n.° 14, supra —, rejeita-se a ideia de exigir que, aprovada uma moção de censura, se indique com a apresentação da segunda (a qual, se também aprovada, implicará a demissão do Governo) o nome do candidato a Primeiro-Ministro: é que isso, consoante no lugar citado foi referido, significaria a possibilidade de a Assembleia da República impor um Primeiro-Ministro, e logo um Governo, ao Presidente da República (pois, na lógica dessa ideia, decerto que, aprovado o candidato pelo Parlamento, o Presidente teria de nomeá-lo), o que contraria, na sua essência, o sistema de governo semipresidencial.

Notar-se-á, a este propósito, que os regimes constitucionais que consagram tal solução são regimes caracterizadamente parlamentares, em que o presidente (na República Federal da Alemanha) ou o rei (na Espanha) se limitam a propor à câmara um candidato a chanceler ou a presidente do governo, respectivamente, que só nomearão depois de aprovado por aquela: num sistema assim é que a solução referida já terá lógica, e será conveniente como instrumento de «racionalização» do parlamentarismo O6).

A revisão constitucional de 1982 manteve integralmente a redacção do artigo 197.°, alterando apenas a redacção do artigo 198.°, que passou a ser a seguinte:

Artigo 198.°

Demissão do Governo

1 — Implicam a demissão do Governo: a) O início de nova legislatura;

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Artigo 198.° [.-]

I — ......'..................................................................

d) (Esta alínea deve ser eliminada, se vier a ser aprovada a proposta a que se referem os n."* 2 do artigo 190° e I e 2 do artigo 195.")

.................................................................O

Por sua vez, no projecto de revisão constitucional da JSD — Deputados Pedro Passos Coelho e outros— (projecto n.° 8/V1) propõe-se a seguinte alteração:

Artigo 197.°

Moções de censura

1 — ........................................................................

2 — As moções de censura devem conter a indicação de um candidato a Primeiro-Ministro.

3 — (Actual n." 2.)

4 —(Actual n." 3) (22)

Finalmente a proposta de revisão constitucional do PCP (projecto n.° 10/VI) propõe a seguinte alteração:

Artigo 198.°

Demissão do Governo

1 — ........................................................................

f) A aprovação de duas moções de censura com, pelo menos, 30 dias de intervalo ou de uma moção de censura por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.

2- ................................................................. (23)

Temos, pois, o quadro da evolução constitucional da «moção de censura» e a sua situação de jure condito e de jure constituindo (?)

Importa referir que neste particular (como noutros) o nosso recente direito constitucional tem inspirado as constituições dos novos países de língua oficial portuguesa, como seja o caso da Lei Constitucional da República de Angola (24), da Constituição da República de Cabo Verde i25) e da Constituição da República da Guiné C6).

Enunciada a evolução constitucional da figura da «moção de censura ao Governo», importa fazer o seu enquadramento regimental de forma a procurar encontrar resposta para as dúvidas postas à 1." Comissão.

Não é possível, porém, por força dos próprios termos como o Sr. Presidente da Assembleia da República coloca a questão no seu despacho de 10 de Abril de 1994, proceder a tal enquadramento sem analisar como são tratados constitucional e regjmentalmente, quanto à sua admissibilidade, a rejeição do Programa do Governo e os votos de confiança fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia da República.

O artigo 195.° da Constituição estabelece no seu n.° 1:

O Programa do Governo é submetido à apreciação da Assembleia da República, através de uma declaração do Primeiro-Ministro, no prazo de 10 dias após a sua nomeação.

Logo, porém, o n.° 2 daquele artigo preceitua explicitamente:

Se a Assembleia da República não se encontrar em funcionamento efectivo, será obrigatoriamente convocada para o efeito pelo seu Presidente.

Assim e quanto à apreciação do Programa do Governo, não obsta a eventual circunstância da Assembleia da República não se encontrar em funcionamento efectivo, pois, por imperativa determinação constitucional, sempre o Presidente tem de a convocar.

Os artigos 231.° e seguintes do Regimento constituem o natural e adequado desenvolvimento do constitucionalmente preceituado relativamente à apreciação do Programa do Governo pela Assembleia da República, não levantando quaisquer dúvidas quanto à sua tramitação.

Já no que diz respeito à solicitação do voto de confiança — artigo 196.° da Constituição da República Portuguesa — comummente designada «moção de confiança», nada refere a Constituição quanto ao procedimento a adoptar, se e quando solicitada à Assembleia da República «fora do período do seu funcionamento efectivo.»

Porém, o Regimento no seu artigo 235.° prevê:

1 — Se o Governo, nos termos do artigo 196." da Constituição, solicitar à Assembleia da República a aprovação de um voto de confiança sobre uma declaração de política geral ou sobre qualquer assunto relevante de interesse nacional, a discussão iniciar-se-á no terceiro dia parlamentar subsequente à apresentação do requerimento do voto de confiança ao Presidente da Assembleia.

Registe-se o sentido restritivo que o n.° 2 do artigo 235.° do Regimento adopta quanto à eventual convocação do Plenário:

Fora do funcionamento efectivo da Assembleia da República, o requerimento do Governo só determina a convocação do Plenário, mediante prévia deliberação da Comissão Permanente, nos termos do artigo 43."

A Constituição e o Regimento são, porém, omissos quanto às implicações, para a sua tramitação, no caso da iniciativa de uma «moção de censura» ser desencadeada fora do período de efectivo funcionamento da Assembleia, como aconteceu agora por parte do Grupo Parlamentar do CDS--PP.

Como interpretar ou integrar tal omissão ou silêncio constitucional e regimental, tendo presente as expressas soluções adoptadas em relação à «rejeição do Programa do Governo» e à «moção de confiança»?

À primeira vista, pelo menos, parecem lógicas as seguintes conclusões: (

Quando se quer impor a convocação da Assembleia, mesmo fora do período efectivo de funcionamento, a Constituição e o Regimento fazem-no de forma expressa («Apreciação do Programa do Governo» — artigos 195.°, n.° 2. da Constituição e 291." do Regimento);

Quando se quer permitir ou possibilitar a convocação do Plenário, mesmo fora do período efectivo de funcionamento, a Constituição articuladamente com o Regimento autorizam-no («Apresentação da moção de confiança» — artigos 196." do Regimento e 235.° da Constituição);

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Quando nada se diz a tal respeito é porque não só não se impõe a convocação da Assembleia fora do período do seu efectivo funcionamento como não se autoriza, sequer, que a Comissão Permanente possa (neste caso, para efeitos de moção de censura) convocar o Plenário, relegando-a, deste modo, para depois da reabertura do ano parlamentar (artigo 177.° da Constituição).

Esta conclusão configurar-se-ia, assim, coerentemente concordante com os três graus de relevância e de urgência parlamentar que o legislador terá conferido, em sede constitucional e regimental, a cada uma das figuras referidas.

Gomes Canotilho e Vital Moreira referem:

Se a Assembleia da República se não encontrar em funcionamento, a apresentação de uma moção de confiança não implica a sua reunião obrigatória, ao contrário do que acontece com a apreciação do Programa do Governo (artigo 195.°, n.° 2), cabendo à Comissão Permanente da Assembleia decidir í27).

Tudo indica que se quis privilegiar com esta solução a estabilidade governativa.

Compreendem-se, pois, neste contexto as dúvidas e as preocupações do Sr. Presidente da Assembleia da República, tanto mais que o artigo 239.° do Regimento refere que «o debate inicia-se no terceiro dia parlamentar subsequente à apresentação da moção de censura».

Assim, na hipótese de ser viável, desde já, a apresentação da moção de censura e a sua admissão pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, quando, se havia de considerar ocorrer «o terceiro dia parlamentar subsequente à apresentação da moção de censura» para efeitos de dar-se início ao respectivo debate?

É óbvio que «dia parlamentar» é dia de normal e efectivo funcionamento da Assembleia (de 15 de Outubro a 15 de Junho), dia que ocorra em prorrogação de tal período ou em dia ou dias em que a Assembleia tenha sido expressa e regularmente convocada (n.0$ 2 e 3 do artigo 177.° da Constituição).

Daqui decorre que, no período em curso, os próximos dias parlamentares (salvo convocação extraordinária da Assembleia) ocorrerão a partir de 17 de Outubro, já que 15 e 16 são, respectivamente, sábado e domingo.

É claro que contra a argumentação aduzida sempre poderá alegar-se que a regra supletiva geral — a do «Plenário» poder ser convocado pela Comissão Permanente fora do período normal de funcionamento — deve ter aplicação também na hipótese de ser desencadeada uma «moção de censura», proporcionando-se, assim, ao grupo parlamentar ou aos Deputados que tenham tal iniciativa em férias parlamentares a possibilidade da sua apresentação e até a sua apreciação e debate.

Se assim é, não se percebe a sentida necessidade de expressar no artigo 235.°, n.° 2, a possibilidade de a Comissão Permanente convocar o Plenário fora do funcionamento efectivo da Assembleia para efeitos de uma moção de confiança, já que tal possibilidade decorreria já do n.° 3 do artigo 177." da Constituição!?

Os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira referem:

As moções de censura só podem ser apresentadas com a Assembleia em funcionamento, o que não impede que ela possa ser convocada para permitir essa apresentação (M).

Admite-se ser sustentável a tese de que, só sendo possível apresentar moções de censura com «a Assembleia da República em funcionamento», o Sr. Presidente da Assembleia da República deverá rejeitar liminarmente o requerimento do CDS-PP, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 17.° do Regimento.

É certo que a doutrina dos Profs. Canotilho e Vital Moreira aponta no sentido da possibilidade de convocação da Assembleia, mas isto ainda e tão-só para «apresentação» (que não a apreciação e debate) da moção de censura.

Isto significa que o Grupo Parlamentar do CDS-PP deveria ter requerido previamente à Comissão Permanente ou, pelo menos, em simultaneidade com a entrega da moção de censura a convocação da Assembleia para efeitos de apresentação da moção e sua subsequente discussão, e só se tal fosse aprovado poderia, então, o Sr. Presidente da Assembleia da República admitir o requerimento do CDS-PP.

Desta forma, desencadear-se-ia o debate a que se refere o n.° 1 do artigo 239.°, se a Assembleia fosse convocada em termos de antecipação do seu período normal de funcionamento ou por um número de dias suficiente a garantir as exigências e prazos regimentalmente fixados.

Porém, o CDS-PP não requereu previamente tal convocação, nem o fez no requerimento dirigido em 6 de Outubro de 1994 ao Presidente da Assembleia da República, que acompanha a moção de censura.

Aliás, o n.° 2 do artigo 235.° do Regimento, respeitante à moção de confiança, só aparentemente é que pode parecer inútil ou mera repetição do n.° 3 do artigo 177.° da Constituição.

Efectivamente, o que se quer dizer com aquele preceito é que se o Governo pretender que a moção seja discutida, ainda fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia, tem de o requerer à Comissão Permanente, não bastando, porém, que o requeira, pois esta é soberana na sua deliberação.

Aliás, neste sentido apontam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira quando referem:

É de sublinhar que o Governo não tem o poder constitucional de promover a convocação da Assembleia da República, embora nada proíba que o possa solicitar à respectiva Comissão Permanente f29).

Apesar de tudo, parece-nos demasiado radical e pouco consentâneo com a flexibilidade parlamentar, com o respeito pela boa fé do partido requerente, e com o princípio de aproveitamento dos actos, que se indefira liminarmente o requerimento do Grupo Parlamentar do CDS-PP, obrigando, de novo, à sua oportuna entrega na Mesa da Assembleia.

A situação assemelha-se um pouco ao que se passa com os tribunais, salvaguardadas as diferenças institucionais.

Nas férias judiciais estão abertas as respectivas secretarias, em princípio, para assuntos urgentes. O certo é que se for dada entrada na secretaria, durante as férias, de requerimento não destinado a processo urgente, o mesmo não é devolvido ou rejeitado, sendo antes junto mais tarde ao respectivo processo, para ser despachado na altura própria, não ocasionando a sua prematura entrega qualquer irregularidade relevante.

Ora, também no presente caso, nada impede (nem impediu) o CDS-PP de entregar no Gabinete do Presidente

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da Assembleia da República requerimento destinado a desencadear uma moção de censura ao Governo, o qual, nos termos em que foi formulado, só pode ser considerado, constitucional e regimentalmente, iniciado que seja o novo ano parlamentar e logo que ocorra o primeiro dia parlamentar, que, em princípio, será o próximo dia 17 de Outubro, já que 15 é sábado e 16 domingo.

Acresce que, face aos termos em que tal requerimento vem formulado (sem que se tenha requerido à Comissão Permanente a convocação da Assembleia para efeitos de apresentação e subsequente apreciação e debate da moção de censura), tem de se presumir, designadamente para efeitos do útil aproveitamento regimental e parlamentar de tal requerimento, que o CDS-PP pretende apresentar a moção de censura em causa no período de efectivo funcionamento da Assembleia, que se inicia, como já referido, no próximo dia 17 do corrente mês de Outubro.

Assim, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em cumprimento do despacho de S. Ex." o Sr. Presidente da Assembleia da República de 4 de Outubro de 1994, sobre a admissibilidade do requerimento do CDS-PP relativo a moção de censura ao Governo, emite o seguinte parecer, que apresenta sob a forma de conclusões:

1) Nada impede a entrega por grupo parlamentar, no Gabinete do Presidente da Assembleia da República, fora do período do funcionamento efectivo da Assembleia, de requerimento destinado a desencadear moção de censura ao Governo;

2) Não sendo requerida previamente, nem em simultaneidade com a entrega de tal requerimento, reunião da Comissão Permanente no sentido de ser por ele convocada a Assembleia para a apresentação daquela moção de censura, é de presumir que o Grupo Parlamentar requerente pretende que tal apresentação ocorra no primeiro dia subsequente às férias parlamentares, que é, no presente caso, o próximo dia 17 de Outubro;

3) Deste modo obstar-se-á a um excessivo legalismo literal e formal, pouco consentâneo com a flexibilidade parlamentar, que conduziria à rejeição liminar do requerimento;

4) Por assim ser, e atentos os princípios da boa-fé e de aproveitamento dos actos, os serviços do Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República só no próprio dia 17 de Outubro deverão submeter a despacho de S. Ex.a o Sr. Presidente da Assembleia da República o requerimento do Grupo Parlamentar do CDS-PP, ou, em alternativa, eventual despacho de admissão que o Sr. Presidente sobre ele venha desde já a proferir produzirá efeitos tão-só a partir daquela data;

5) Assim, em nenhuma circunstância, designadamente para efeitos dos artigos 197." da Constituição e 239.° e seguintes do Regimento, o requerimento do CDS-PP poderá ser considerado como apresentado antes do próximo dia 17 de Outubro, tendo sido, aliás, esta a solução adoptada relativamente à moção de censura entregue pelo PS em 12 de Outubro de 1990;

6) Assim, admitido que seja o requerimento do CDS--PP e divulgado o seu conteúdo e texto do projecto de deliberação (moção de censura que o acompanhou), em folhas avulsas no próprio dia 17 de Outubro — artigo 152.° do Regimento (por

analogia) —, dever-se-á iniciar o respectivo debate em Plenário no dia 20 de Outubro (n.° 1 do artigo 239.° do Regimento), evitando-se o seu protelamento;

7) Se o recurso ao artigo 152.° do Regimento for tido por inadequado (o que não nos parece), então ter--se-ia de considerar como data de apresentação da moção de censura a do seu anúncio em Plenário, contando-se a partir daí o prazo a que se refere o n.° 1 do artigo 239° do Regimento.

(I) Curso de Ciência Política e Direiui Constitucional, li vol. 3." ed., Coimbra Editora, 1961. p. 28.

(2)Prof. Marcello Caetano, ob. ti/., p. 68. (') Idem, Ibidem, p. 74.

(4) Prof. Marcello Caetano, ob. t/7., p. 146.

(5) In Consi. Politica Rep. Portuguesa 1976. compilação de Reinaldo Caldeira e Maria do Céu Silva. p. 331.

(6) Compilação de Reinaldo Caldeira e Maria do Céu Silva, cit., p. 80.

(7) Idem. pp. 142 e 143.

(8) Idem. p. 203. (») Idem. p. 268. (,0) Idem. 309 e 313.

(u) Acta da reunião da Comissão Eventual da Revisão Constitucional de 27 de Outubro de 1981. Diário da Assembleia da República. 1.* série, n.°4, (2° suplemento), de 14 de Novembro de 1981.

(15) Idem. pp. 28 e 29.

('*) Profs. Barbosa de Melo, Cardoso da Costa e Vieira de Andrade, in Estudo e Projecto de Revisão da Constituição. Coimbra Editora, 1981, pp. 228 e 229.

(") O Sistema de Governo Português. 3.* ed.. AAF, D, Lisboa, 1992, p. 58.

(18) O Semipresidenciutismo em Portugul. Ática, 1984, p. 51.

(") V. Diário da Assenéleia da República. 2." série, n.° 47, RC, de 20 de Outubro de 1988. de p. 1471 a p. 1495.

V. também A Revisão Constitucional e a Moção de Censura Construtiva. Fundação Friedrich Ebert.

(**) Diário da Assembleia da República. !." série, n" 89, de 31 de Maio de 1989, p. 4402.

(3I) V. suplemento ao Diário da Assembleia da República. 2.' série, n.° 53, de 14 de Julho de 1994.

C22) V. 2." suplemento ao Diário da Assembleia da República. 2° série, n" 59. de 22 de Setembro de 1994.

(23) V. 4." suplemento ao Diário dà Assembleia da República. 2.* série. n.° 59, de 22 de Setembro de 1994.

(í4) Artigo 116°, in As Constituições dos Estados Lusófonos, de Jorge Bacelar de Gouveia, Aequitas, Lisboa.

(a) Artigos 191° e 213.°. idem.

(26) Artigos 85° e 104°

(w) Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 761.

Palácio de São Bento, 10 de Outubro de 1994.— O Relator e Presidente da Comissão, Guilherme Silva.

(a) Despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República de admissão da moção de censura:

Considerando que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em parecer desta data, corroborou o essencial das dúvidas, por mim suscitadas perante eh. sobre a conformidade com a Constituição e o Regimento do uso do instituto da moção de censura fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia da República;

Tendo em conta que o CDS-PP declarou, através do Presidente do respectivo Grupo Parlamentar, na reunião da conferência de hoje. que manterá a presente moção de censura ao Governo, mesmo no caso de ela produzir efeitos só a partir do I ° dia parlameiwat da 4.' sessão legislativa da VI Legislatura;

Atendendo ao procedimento adoptado na moção de censura ao XI Governo Constitucional da iniciativa do Grupo Parlamentar do PS. que entrou no Gabinete do Presidente da Assembleia da República em 12 de Outubro de 1989 (fora do período de funcionamento efectivo) e só foi anunciada na t.' reunião plenária da sessão legislativa seguinte (17 de Outubro de 1989), começando

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a correr daí o prazo de 48 horas fixado no artigo 197." da Constituição da República Portuguesa:

Admito a presente moçüo de censura, entregue no meu Gabinete em 6 de Outubro, com efeitos a partir de 17 de Outubro próximo futuro (I." dia parlamentar da 4." sessão da presente legislatura).

Nestes termos, o prazo constitucional imperativamente fixado na 1* pane do n.° 2 do artigo 197° da Constituição da República Portuguesa, assim como o prazo regimental apontado na 1 .* parte do artigo 239.° do Regimento poderão começar a correr no dia 17

de Outubro próximo futuro, desde que a data se encontrem verificados os pressupostos constitucionais e regimentais da produção de tal efeito. Comunique-se.

Palácio de São Bento. 10 de Outubro de 1994. — António Moreira Barbosa de Meln.

A DrvtsÀO de Redacção e Apoio Audiovisual.

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