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15 DE MAIO DE 1997

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Como ignorar, então, que tudo isto se reflecte no incumprimento das obrigações alimentares, sem que a lei ordinária assegure um eficaz sistema de protecção dos menores que dela mais carecem?

É certo que a reforma do Código Civil empreendida em 1977 alterou o instituto das obrigações alimentares, dando um importante passo para o adequar as novas realidades.

Hoje a lei reflecte as novas realidades e aponta para a transformação social.

Mas, apesar de tudo, mantém-se as distorções e há normas a rever, como de uma maneira geral se reconhece.

A inadequação da lei toma-se ainda mais patente quando se tem em conta o grande número de crianças que hoje vivem e são educadas na companhia só da mãe ou só do pai, quer por terem nascido fora do casamento, quer por força da separação ou divórcio dos pais.

Não se pode ignorar, finalmente, que existe ainda um enorme desconhecimento dos próprios direitos consagrados na lei por parte de quem mais carência tem de os conhecer e exercer.

2 — Um novo regime legal que ponha fim à desprotecção existente

Sobre as formas de alteração da situação que ficou descrita, vem sendo travado desde há anos um útil debate de dimensão internacional, cujas conclusões apontam para a necessidade de intervenção do Estado.

Segundo documentos aprovados pelo Conselho da Europa, os países membros devem garantir aos menores o adiantamento das pensões alimentares fixadas judicialmente quando a pessoa obrigada ao seu pagamento não cumpra os seus deveres. O Estado ficará, então, sub-rogado nos direitos dos menores, devendo exigir ao devedor as pensões não pagas.

Trata-se de soluções cuja concretização no direito português se afigura urgente face às carências existentes e aos imperativos constitucionais.

A Organização Tutelar de Menores tal como se encontra continua a não dar cumprimento a essas directrizes e tâo-pouco se adequa aos princípios que enformaram a reforma do Código Civil no que toca à família e ao instituto dos alimentos.

Se a pessoa obrigada à prestação de alimentos está ausente em parte incerta, se está ausente no estrangeiro (ainda que se lhe conheça o paradeiro), se trabalhar por conta própria, se, não trabalhando por conta própria, estiver com recibo verde, se mudar constantemente de emprego, se não cumprir a sua obrigação, que pode fazer a pessoa a quem foi confiada a guarda do menor?

No primeiro caso —ausência em parte incerta— nada há a fazer. Apenas .emoldurar a sentença do tribunal como recordação da inoperância da legislação, do demissionismo do Estado.

No segundo caso —ausência no estrangeiro— verifica-se a extrema dificuldade em fazer funcionar a Convenção sobre o Reconhecimento e Execução das Decisões Relativas às Obrigações Alimentares, ratificada por Portugal, bem como os instrumentos internacionais celebrados com vários Estados.

Uma ou outra vez atinge a finalidade. Mas quantos anos após a decisão judicial? Depois de labirintos e barreiras burocráticas?

No terceiro caso — o do trabalhador por conta própria que não cumpre ou o trabalhador falsamente classificado como prestador de serviços— normalmente, «não tem bens

e não tem rendimentos». Daí a total impossibilidade de fazer funcionar o artigo 1118.° do Código de Processo Civil. Mas ainda que haja bens e rendimentos, o alimentado terá de aguardar pacientemente o decorrer dos largos meses ou até anos, defrontando-se com repetidas certidões negativas de notificação do executado.

No último caso — o do trabalhador que frequentemente muda de emprego — haverá que renovar periodicamente perante o juiz a solicitação de proceder a inquérito para determinar qual a nova entidade do faltoso.

Mas, no meio de tudo isto, ainda há a situação trágica que hoje é a frequente realidade daqueles que, empregados, não recebem salários há vários meses, que querem cumprir e não podem e aos quais nada se pode descontar no (inexistente) vencimento.

3 —As propostas do PCP

O presente projecto de lei visa dar resposta a estas questões.

Para os casos de incumprimento de uma decisão judicial relativa a alimentos devidos a menor residente no território nacional, propõe-se que o Estado assegure a prestação necessária para suprir as que tenham ficado em falta e não tenha sido possível obter através dos mecanismos do artigo 189.° do Decreto-Lei n.° 314/78, de 27 de Outubro (Organização Tutelar de Menores). Exceptuam-se, no entanto, os casos em que o alimentado não tenha especiais carências.

Compreende-se que assim seja: a manutenção da vida está, nestes casos, assegurada.

Estabelece-se também um limite para os casos de pluralidade de alimentos e para as hipóteses (raras) em que a pensão de alimentos exceda o salário mínimo nacional.

A prestação mensal por parte do Estado não pode exceder, por cada devedor, o montante daquele salário.

Processualmente, estabeleceu-se um regime simplificado, aliás próprio dos processos regulados na Organização Tutelar de Menores.

Tem vantagens e inconvenientes a opção por um sistema jurisdicionalizado dc atribuição de prestações. O direito comparado oferece soluções que cometem à Administração o papel que o projecto confia aos tribunais e sabe-se com que dificuldades estes vão dando resposta às tarefas que hoje lhes cabem.

O regime que se propõe, com vista ao necessário debate, procura garantir a máxima celeridade compatível com a indispensável segurança.

A prestação mensal que o Estado deve assegurar é fixada pelo tribunal, a requerimento do representante legal do menor, do curador ou da pessoa à guarda de quem o menor se encontre. O juiz poderá atribuir a prestação com urgência, a título provisório e decidirá definitivamente após ter procedido às diligências de prova que entender necessárias e a inquérito sobre as necessidades do menor. A decisão do juiz é susceptível de recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo. Quando este cesse ou se altere a situação de incumprimento ou quando se modifique a situação do menor, o representante legal ou a pessoa à guarda de quem este se encontre ficam obrigados a informar o tribunal ou a entidade responsável pelo pagamento. Recebidas prestações indevidamente, devem as mesmas ser restituídas, com juros de mora, quando haja incumprimento doloso do dever de informação.

Para execução do sistema proposto cria-se um Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, que fica

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