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Quinta-feira, 28 de Setembro de 2000 II Série-A - Número 3

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

S U M Á R I O

Projectos de lei (n.os 263, 265, 272 e 301 a 303/VIII):
N.º 263/VIII (Cria o "Cartão da Família"):
- Relatório e parecer da Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família.
N.º 265/VIII (Reforça as medidas de protecção em matéria de maternidade e paternidade):
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
- Relatório e parecer da Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família.
N.º 272/VIII (Lei do Enquadramento Orçamental):
- Parecer da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
N.º 301/VIII - Alienação do património do Estado (apresentado pelo PSD).
N.º 302/VIII - Estabelece as bases gerais da coordenação, equipamento, reorganização e reestruturação das forças de segurança (apresentado pelo CDS-PP).
N.º 303/VIII - Investigação de paternidade/maternidade (alteração de prazos (apresentado pelo Os Verdes).

Proposta de resolução n.º 38/VIII (Aprova, para adesão, o Protocolo de Emenda à Convenção para supressão do tráfego de mulheres e crianças e à Convenção para a supressão do tráfego de mulheres maiores, aberto à assinatura em Nova Iorque, em 12 de Novembro de 1974):
- Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

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PROJECTO DE LEI N.º 263/VIII
(CRIA O "CARTÃO DA FAMÍLIA")

Relatório e parecer da Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família

Relatório

I - Nota preliminar

O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentou à Assembleia da República um projecto de lei n.º 263/VIII, que "Cria o Cartão da Família", nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
Por Despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, de 10 de Julho de 2000, o referido projecto de diploma baixou à Comissão Parlamentar de Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família para emissão do competente relatório e parecer.

II - Do objecto e motivação do projecto de lei n.º 263/VIII

Através do projecto de lei n.º 263/VIII, visa o Grupo Parlamentar do PSD criar o Cartão da Família, iniciativa que de acordo com os proponentes "... pretende ser um contributo sério, ainda que por si só não suficiente, para o aprofundamento e diversificação de apoios" às famílias portuguesas.
Refere o grupo parlamentar proponente do projecto de lei em análise, que "(...) não se conhece ao Governo, para além de alguns anúncios tão mediáticos quanto inconsequentes, qualquer realização relevante no domínio do apoio efectivo às famílias numerosas ou às que careçam de medidas especiais de protecção", razão pela qual considera ser "(...) seu indeclinável dever, perante as famílias portuguesas criar um cartão da Família", medida de largo beneficio social (...)", dando assim "(...) um claríssimo sinal de esperança aos portugueses".
O projecto de lei vertente é composto por nove artigos que consagram a instituição de um cartão da família, o seu âmbito material e pessoal, os benefícios económicos que confere aos seus titulares e as condições de utilização.
Entre os aspectos mais relevantes do projecto de lei n.º 263/VII, destacam-se os seguintes:
É consagrado o cartão da família, como meio de identificação pessoal e intransmissível, que confere aos seus titulares benefícios económicos e sociais no acesso a determinados bens e serviços (artigos 1.º e 2.º).
Podem ser titulares deste cartão da família, as pessoas que tenham entre si relações jurídicas decorrentes do casamento, de vínculo de parentesco na linha recta ou de adopção, habitem a residência da família situada em território nacional e cujo agregado familiar se encontre numa das seguintes situações: a) seja composto por cinco ou mais elementos e, pelo menos, três dos quais se encontrem em situação de dependência económica dos demais; b) seja composto por quatro ou mais elementos, e um dos cônjuges seja pensionista por invalidez; c) seja composto por três ou mais elementos, dois dos quais se encontrem em situação de dependência económica do terceiro; d) seja composto de três ou mais elementos, um dos quais seja portador de anomalia psíquica ou física, de carácter permanente e cuja gravidade justifique o direito ao cartão da família e, ainda, quando no agregado familiar residam pessoas objecto de acolhimento familiar, nos termos da legislação aplicável. O direito ao cartão da família pode, nos termos do projecto de diploma em apreço, ser restringido em função do rendimento familiar, por diploma próprio do Governo (artigo 2.º).
Os benefícios económicos e sociais conferidos pelo cartão da família inserem-se, nomeadamente, nos domínios da prestação de cuidados de saúde, seguros de vida e saúde, transportes, bens essenciais, estabelecimentos de ensino, museus, piscinas, estabelecimentos de comércio, recintos públicos de espectáculos e lazer e turismo (artigo 4.º).
O cartão da família é emitido a título gratuito pelos serviços competentes da Administração Pública e confere aos seus titulares os benefícios económicas e sociais referidos, mediante a sua apresentação que deve ser acompanhada por documento comprovativo da identidade do titular (artigos 5.º e 6.º).
O projecto de lei em análise estabelece, ainda, que os titulares devem fazer prova anual da manutenção do direito ao cartão da família e, por último, comete ao Governo o dever de divulgar junto da opinião pública o cartão família e os benefícios económicas que lhe estão associados bem como de proceder a regulamentação do cartão família (artigos 7.º, 8.º e 9.º).

III - Dos antecedentes parlamentares

Já em legislaturas anteriores esta matéria foi objecto de iniciativas legislativas no sentido de assegurar medidas que garantam às famílias portuguesas um mais fácil acesso a determinados benefícios económicos e sociais.
Com efeito, na IV Legislatura, o CDS-PP apresentou o projecto de lei n.º 420/IV (Lei de bases da política familiar) que consagrava benefícios económicos e sociais para as famílias, que nunca chegaria a subir a Plenário para discussão na generalidade.
Na V Legislatura, o CDS-PP apresentou o projecto de lei n.º 66/V, com o mesmo objecto, composto por um capítulo alusivo à protecção da comunidade familiar, regulando também a cooperação da família na educação e estabelecendo, ainda, as bases sobre a promoção económica, social e cultural da família.
Ainda na V Legislatura o Grupo Parlamentar do PSD apresentou o projecto de lei n.º 246/V, sobre a Lei de Bases da Política Familiar, que enunciava os princípios decorrentes da essência da instituição familiar; os objectivos da política familiar; a promoção da política familiar e o fortalecimento do associativismo familiar como incumbências do Estado e os aspectos das políticas sectoriais com incidência familiar.
O projecto de lei n.º 66/V do Grupo Parlamentar do CDS-PP e o projecto de lei n.º 246/V do Grupo Parlamentar do PSD foram discutidos conjuntamente na generalidade, tendo ambos sido aprovados com a seguinte votação: O projecto de lei n.º 66/V foi aprovado com os votos a favor do CDS e do PSD, votos contra do PCP, de Os Verdes, da ID e de uma Deputada do PRD e as abstenções do PS e do PRD. O projecto de lei n.º 246/V, foi aprovado com os votos a favor do PSD e do CDS, votos contra de Os Verdes e de um Deputado do PRD e abstenções do PS, do PCP, do PRD e da ID. Apesar de aprovados na generalidade, estes projectos de lei não chegariam a dar lugar a lei.
Na VII Legislatura o Grupo Parlamentar do PSD, apresentou o projecto de lei n.º 157/VII, sobre apoio à maternidade em famílias carenciadas, que foi discutido e aprovado na generalidade com a abstenção do PS e os votos favoráveis dos restantes partidos com assento parlamentar.

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Também na VII Legislatura, o Grupo Parlamentar do CDS-PP apresentou o projecto de lei n.º 290/VII, sobre Bases da Família, que foi discutido conjuntamente na generalidade com o projecto de lei n.º 295/VII do Grupo Parlamentar do PSD, sobre Lei de Bases da Política de Família, tendo sido ambos rejeitados com os votos contra do PS, PCP e Os Verdes, os votos favoráveis do CDS-PP, PSD e dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e Maria do Rosário Carneiro.
Ainda, na VII Legislatura, foi aprovado os projecto de resolução, o n.º 23/VII do Grupo Parlamentar do PS, sobre a instituição do cartão de família que deu origem à Resolução n.º 23/96, de 11 de Julho, através do qual a Assembleia da República recomendou ao Governo a instituição de um cartão da família que habilite os seus titulares a um mais fácil acesso a determinados bens e regalias, definindo o âmbito pessoal e material do cartão e respectivas fontes de financiamento e precisando o conteúdo dos acordos e protocolos a celebrar com as entidades aderentes ao sistema e propondo o modelo de gestão a adoptar e demais medidas.
Igualmente na VII Legislatura, foi aprovado o projecto de resolução n.º 24/VII do Grupo Parlamentar do CDS-PP sobre política geral de família, que deu origem à Resolução n.º 25/96, de 15 de Julho, através da qual a Assembleia da República recomendou ao Governo a adopção de medidas no domínio da fiscalidade.
Por último, ainda na VII Legislatura, foram apresentados os projectos de lei n.os 440/VII do CDS-PP sobre a Lei de Bases da Família, e 447/VII do PSD sobre a Lei de Bases da Política Familiar, que não chegaram a ser discutidos.

IV - Do enquadramento constitucional e legal

O artigo 67.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa estabelece que a família "como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectividade de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seu membros".
De acordo com a douta opinião dos constitucionalistas Vital Moreira e Gomes Canotilho, na Constituição da República Portuguesa "não existe apenas o direito da família à protecção da sociedade e do Estado (...) existe também o direito das famílias às condições que propiciem a realização pessoal dos seus membros".
Por seu turno, o n.º 2 do citado artigo da Constituição, estabelece as incumbências do Estado no domínio da protecção da família, cabendo-lhe, designadamente: promover a independência social e económica das famílias; a criação de uma rede nacional de assistência materno-infantil, de creches e infra-estruturas de apoio à família, assim como uma política de terceira idade; cooperar com os pais na educação dos seus filhos; promover a divulgação dos métodos de planeamento familiar e organizar os meios e estruturas adequadas ao exercício de uma paternidade consciente; regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares e definir, ouvidas as associações representativas das famílias, e executar uma política de família global e integrada.
Embora seja no artigo 67.º que a Constituição da República reconhece a família como titular de um direito fundamental, a tutela constitucional da família não se esgota naquele preceito, encontrando-se espalhada noutros artigos da Constituição como sejam o artigo 9.º, alínea d), promoção do bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos -, artigo 36.º - família, casamento e filiação -, artigo 63.º - segurança social e solidariedade -, artigo 65.º - habitação e urbanismo -, artigo 68.º - paternidade e maternidade -, artigo 69.º - infância e artigo 70.º, n.º 3 - juventude - .
Os artigos 1576.º e seguintes do Código Civil regulam o Direito da Família, considerando como fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção.
Da saúde à fiscalidade, passando por vários outros sectores de intervenção há um conjunto significativo de diplomas que regulam os direitos, benefícios e regalias que foram concebidos tendo em atenção a inserção de cada cidadão numa família ou que constituem a resposta a problemas decorrentes da vida familiar diária.

V - A perspectiva internacional

Nos termos do artigo 16.º, n.º 3, da Declaração Universal dos Direitos do Homem a família é considerada como o elemento fundamental da sociedade e tem direito à protecção desta e do Estado.
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, por força do seu artigo 23.º, n.º 1, confere à família grande ênfase ao considerá-la o elemento natural e fundamental da sociedade que beneficia do direito à protecção da sociedade e do Estado. Estipula-se ainda no n.º 4 deste artigo que os Estados-signatários no presente Pacto tomarão as medidas adequadas para assegurar a igualdade de direitos e de responsabilidades de ambos os cônjuges quanto ao casamento, durante o casamento e em caso de dissolução.
A protecção da família ficou, ainda, salvaguardada no artigo 10.º do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, no qual se exige aos Estados signatários que reconheçam os seguintes direitos e garantias à família:
Deve conceder-se à família, elemento natural e fundamental da sociedade, a mais ampla protecção e assistência possíveis, especialmente para a sua constituição e enquanto responsável pelos cuidados e a educação dos filhos a seu cargo;
Deve conceder-se especial protecção às mães durante um período de tempo razoável antes e depois do parto. Durante o referido período, às mães que trabalham deve ser-lhes concedida licença com remuneração ou com prestações adequadas da segurança social;
Devem adoptar-se medidas especiais de protecção e assistência a favor de todas as crianças e adolescentes, sem qualquer discriminação por razões de filiação ou qualquer outra condição. Devem proteger-se as crianças e adolescentes contra a exploração económica e social. O emprego em trabalhos nocivos para a sua moral e saúde, ou nos quais corra perigo para a sua vida ou o risco de prejudicar o seu desenvolvimento normal, será punido pela lei. Os Estados devem estabelecer também limites de idade abaixo dos quais seja proibido e sujeito a sanções da lei o emprego remunerado de mão-de-obra infantil.
Por último, a Carta Social Europeia também reconhece na sua Parte I (n.º 16), um relevante papel à família erigindo-a célula fundamental da sociedade, a qual tem direito a uma protecção social, jurídica e económica apropriada para assegurar o seu pleno desenvolvimento.

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VI - Parecer

A Comissão de Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família, é do seguinte parecer:

a) O projecto de lei n.º 263/VIII preenche os requisitos constitucionais e legais para subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições para o Plenário da Assembleia da República.

Assembleia da República, 25 de Setembro de 2000.- A Deputada Relatora, Maria do Rosário Carneiro - A Presidente da Comissão, Margarida Botelho.

Nota. - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

PROJECTO DE LEI N.º 265/VIII
(REFORÇA AS MEDIDAS DE PROTECÇÃO EM MATÉRIA DE MATERNIDADE E PATERNIDADE)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

Relatório

I - Enquadramento

1 - O projecto de lei n.º 265/VIII, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD, foi apresentado ao abrigo do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 130.º e 137.º do Regimento da Assembleia da República.
Baixou às Comissões de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família por despacho de S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República, para emissão de relatório e parecer.
2 - O referido projecto de lei pretende estabelecer, no âmbito da legislação já existente sobre protecção da maternidade e paternidade, um novo regime jurídico de redução de horário de trabalho para apoio a descendentes portadores de deficiência. Por outro lado, altera-se o regime em vigor, no sentido de determinar que a opção pelo horário reduzido não deverá determinar a perda de quaisquer direitos, sendo considerada, para todos os efeitos legais, salvo quanto a retribuição, como prestação efectiva de serviço.
3 - De acordo com os autores do projecto de lei, a medida prevista reveste-se de largo alcance social, constituindo um estímulo para as famílias.

II - Objectivos do regime jurídico a estabelecer

4 - Nos termos do disposto no artigo 1.º, estabelece-se a possibilidade de redução de horário de trabalho, de cinco horas semanais, para a mãe ou o pai trabalhadores de crianças portadoras de deficiência, até estas perfazerem três anos de idade.
5 - De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 1.º, os trabalhadores com filhos menores de 12 anos têm direito a trabalhar em tempo parcial, em condições a regulamentar. Em alternativa ao trabalho a tempo parcial, os pais trabalhadores podem requerer a concessão de horário de trabalho reduzido, que depende de parecer prévio da junta médica competente e consistirá numa redução do horário de até 15 horas semanais (vide n.os 3, 4 e 6 do artigo 1.º).
6 - Por outro lado, tanto a concessão de horário de trabalho reduzido como a prestação de trabalho em regime de tempo parcial, de jornada continua ou de horário flexível, apenas podem ser recusadas com base em ponderosas razões de interesse público.
7 - No artigo 2.º estabelece-se que a prestação de trabalho em regime de horário reduzido não determina a perda de quaisquer direitos, sendo considerada, para todos os efeitos legais, salvo quanto a retribuição, como prestação efectiva de serviço. E no n.º 2 do mesmo artigo prevê-se uma compensação pecuniária, a conceder pela ADSE ou pelo orçamento da segurança social, respectivamente, aos beneficiários da ADSE ou do regime geral da segurança social, de montante equivalente ao da redução da retribuição base a que o trabalhador tem direito no exercício de funções em tempo completo.

III - Discussão pública

O presente projecto de lei esteve em discussão pública entre 18 de Agosto e 16 de Setembro, tendo sido recebidos dois pareceres, um da CIP e outro da UGT, que ficam em anexo a este relatório.
Ambos manifestam algumas reservas em relação ao projecto de lei, fazendo propostas concretas para alteração do mesmo. Designadamente, a CIP considera inaceitável que no âmbito do projecto apenas se incluam a Administração Pública e as empresas públicas, a menos que se considere que as necessidades de funcionamento de uma empresa privada também poderão revestir inquestionável interesse público.
Por seu lado, a UGT considera, nomeadamente, uma restrição inaceitável a limitação do direito a trabalhar em horário de trabalho reduzido às situações de existência de filhos ou equiparados deficientes. Também discorda da formulação estabelecida para atribuir um subsídio que compense a perda de retribuição decorrente da redução do horário de trabalho.

III - Parecer

A Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social é do seguinte parecer:

a) O projecto de lei n.º 265/VIII preenche os requisitos constitucionais e legais para subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições para o Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 25 de Setembro de 2000. O Deputado Relator, Artur Penedos.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

Relatório e parecer da Comissão da Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família

Relatório

I - Nota preliminar

Por despacho do Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República de 10 de Julho de 2000, baixou à Comissão da Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família o projecto de lei n.º 265/VIII, oriundo do Grupo Parlamentar do Partido

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Social Democrata, o qual se encontra, nos termos do artigo 146.º do Regimento, em apreciação.
Esta apreciação é efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento, reunindo ainda os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.

II - Objecto

A exposição dos motivos da iniciativa ora em análise visa colmatar algumas lacunas que, na perspectiva do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata e apesar da legislação portuguesa no que toca à protecção da maternidade e paternidade ter um carácter acentuadamente progressivo, subsistem.
Apesar desta matéria ter sido objecto, no nosso ordenamento jurídico, de um quadro legislativo global que culminou com a aprovação da Lei n.º 4/84, de 5 de Abril (tendo este diploma sido sucessivamente alterado por vários diplomas legais) e com a republicação do regime legal no Decreto-Lei n.º 70/2000, de 4 de Maio de 2000, considera este Grupo Parlamentar que permanecem algumas lacunas, as quais devem ser urgentemente colmatadas.
Assim, o projecto de lei é composto por quatro artigos, onde se prevê:
- No n.º 1 do artigo 1.º a alteração do artigo 12.º da Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, republicada pelo Decreto-Lei n.º 70/2000, de 4 de Maio, passando, pois, a verificar-se a situação "Se o recém-nascido for portador de uma deficiência, congénita ou adquirida, a mãe ou o pai trabalhadores têm o direito a uma redução do horário de trabalho de cinco horas semanais, até a criança perfazer três anos de idade."
- No n.º 2 do mesmo preceito pretende-se a alteração do artigo 19.º da Lei da Maternidade e Paternidade, alargando-se a situação de redução ou flexibilização do horário de trabalho para a possibilidade do trabalho a tempo parcial. Esta situação seria de aplicar independentemente "do tempo de serviço prestado pelo trabalhador e da idade dos seus dependentes, em caso de filhos ou adaptados do trabalhador ou do seu cônjuge, que com ele resida e que, em qualquer caso, sejam portadores de deficiência e se encontrem em alguma das situações previstas no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 170/180, de 29 de Maio, nas alíneas 1), n) e o) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 54/92, de 11 de Abril, ou na alínea p) do mesmo artigo, dada pela redacção do Decreto-Lei n.º 287/95, de 30 de Outubro"
Mas este novo preceito tem um alcance ainda mais vasto, pois pretende também, e quando tal se justifique, a adopção de um regime especial de horário de trabalho reduzido para os trabalhadores atrás referidos.
A concessão de horário de trabalho reduzido depende de parecer prévio da junta médica competente, tendo em consideração a situação em concreto, nomeadamente no que toca "... às exigências de cuidados especiais e de acompanhamento directo que o trabalhador tenha de prestar" às pessoas a seu cuidado" "em face da gravidade ou características do estado específico destas, uma redução do horário de trabalho até 15 horas semanais".
No que toca a este preceito, e por último, prevê-se que para os casos de prestação de trabalho em regime de tempo parcial, de jornada contínua ou de horário flexível esta apenas possa ser recusada nos casos especificados se ponderosas razões de interesse público, devidamente fundamentadas, imperiosamente justificarem a sua não concessão. Para os casos de prestação de trabalho em regime de horário reduzido apenas se prevê a recusa total ou parcial se essa mesmas razões justificarem, respectivamente, a sua não concessão ou redução inferior do horário de trabalho.
- No seu artigo 2.º a iniciativa ora em apreço salvaguarda todos os direitos adquiridos, excepto no que toca à retribuição como prestação efectiva de serviço.
Os trabalhadores abrangidos por esta iniciativa que prestem trabalho em regime de horário reduzido e que sejam beneficiários da ADSE ou do regime geral da segurança social têm direito a uma prestação devida pela ADSE ou pelo orçamento da segurança social, de montante equivalente ao do da redução da retribuição base a que teria direito no exercício de funções em tempo completo. Contudo, estipula-se que este montante não possa, em caso algum, ser superior à percentagem, aplicada sobre o salário mínimo nacional, que a redução de horas de trabalho autorizadas apresenta em relação ao horário de trabalho semanal do trabalhador.
- No seu artigo 3.º o diploma prevê que o Governo aprove no prazo de 180 dias a contar da sua entrada em vigor a regulamentação necessária para a execução do seu conteúdo.
- Por último, a presente iniciativa prevê a produção dos seus efeitos a partir da entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2001.

III - Antecedentes parlamentares

A matéria atinente ao regime jurídico da protecção da maternidade paternidade tem, desde a V Legislatura, sido objecto de várias iniciativas, por parte dos diferentes grupos parlamentares e governos.
Na V Legislatura:
- O PRD apresentou o projecto de lei n.º 709/V, que visava introduzir alterações à Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, designadamente consagrando o direito do pai à dispensa do trabalho até cinco dias após o parto e, ainda, no interesse e com o acordo da mãe, ao gozo até um terço da licença de maternidade. Previa, ainda, o referido projecto de lei um período complementar e facultativo de dispensa do trabalho até ao máximo de dois meses, podendo ser gozado contínua ou interpoladamente pelo pai ou pela mãe.
- Também na V Legislatura o PS apresentou o projecto de lei n.º 774/V, cujas principais alterações à Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, eram as seguintes: a proibição dos empregadores nas entrevistas de acesso a um posto de trabalho questionarem as candidatas sobre se estão ou não grávidas ou se pretendem vir ou não a ter filhos; o direito da mulher, sempre que o pretendesse, para além da licença de maternidade, a uma licença sem retribuição com a duração de um mês; o direito do pai à dispensa do trabalho até oito dias, podendo utilizar metade desse período nos dias anteriores àquele em que ocorreu o parto; o direito do pai, sempre que o pretendesse, a uma licença sem retribuição pelo período de um mês e, previa, ainda, alterações ao regime das faltas, licenças e dispensas e ao subsídio de maternidade ou paternidade.
Na VI Legislatura:
- O PS voltou a apresentar o propósito de alterar a lei da maternidade e paternidade, através do projecto de lei n.º 101/VI, que correspondia, no essencial, a uma retoma do projecto de lei n.º 774/V, apresentando, contudo, algumas inovações, como seja o alargamento da licença de maternidade para 120 dias. Este projecto de lei foi discutido na generalidade, tendo baixado à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família sem votação, não tendo sido discutido de novo.

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- Também neste período o Deputado Independente Mário Tomé apresentou o projecto de lei n.º 104/VII, que visava introduzir alterações pontuais à Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, designadamente consagrando a obrigatoriedade da entidade patronal renovar o contrato de trabalho, sempre que o seu termo coincidisse com a gravidez da trabalhadora ou com o período da licença da maternidade e se mantivesse o posto de trabalho na empresa; o direito do pai poder vir a assumir, nos últimos 30 ou 60 dias, a licença de maternidade; a redução do horário de trabalho em uma hora, a partir dos cinco meses de gravidez; e, ainda, o direito dos trabalhadores faltarem ao trabalho até 15 dias por ano para assistência inadiável e imprescindível ao agregado familiar.
- Foi também na VI Legislatura que o PCP apresentou o projecto de lei n.º 166/VI, composto de um artigo único, que previa o direito do pai e da mãe a uma redução do horário de trabalho em 10 horas semanais, nos casos em que o recém- nascido for portador de uma deficiência congénita ou adquirida, até a criança perfazer um ano de idade.
Ainda, na VI Legislatura, o Governo apresentou a proposta de lei n.º 114/VI, através da qual propunha alterar a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril. Através desta proposta de lei visava o Governo proceder à transposição para o direito interno da Directiva Comunitária n.º 92/85/CEE, de 19 de Outubro de 1992. A referida proposta de lei previa, entre outros aspectos, um aumento do período de licença de maternidade para 98 dias consecutivos; uma licença para a mulher com a duração mínima de 14 dias e máxima de 30 dias, no caso de aborto; a possibilidade do pai faltar ao trabalho até dois dias úteis por ocasião do nascimento do filho; o alargamento das disposições relativas ao trabalho em tempo parcial e horário flexível às situações em que existam filhos deficientes; a dispensa de trabalho nocturno durante um período de 112 dias antes e depois do parto; e a proibição do despedimento das trabalhadoras grávidas.
Na VII Legislatura:
- O projecto de lei n.º 171/VII, apresentado pelo CDS-PP, visava introduzir uma alteração pontual à Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, propondo, designadamente, a criação de uma licença especial para assistência a deficientes e doentes crónicos.

IV - Enquadramento constitucional

A Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 67.º, sob a epígrafe dos "Direitos e deveres sociais", que "a família como elemento fundamental da sociedade tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros". No n.º 2 estipula uma série de incumbências ao Estado para protecção da família.
Todavia, é no artigo 68.º da Constituição da República Portuguesa que a protecção da paternidade e maternidade se encontra expressamente consagrada, estabelecendo o seu n.º 1 que "os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do País". Por seu lado, o n.º 2 dispõe que "a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes", estatuindo o n.º 3 do citado artigo que "as mulheres trabalhadoras têm especial protecção durante a gravidez e após o parto, incluindo a dispensa por período adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias". Verifica-se, pois, que a Constituição veio reconhecer a maternidade e a paternidade como valores sociais elevados, conferindo-lhes especial protecção do Estado e da sociedade.

V - Enquadramento legal

Durante muito tempo a ideia de protecção da maternidade esteve ligada fundamentalmente à protecção da trabalhadora no mundo do trabalho, passando depois progressivamente a entender-se a necessidade da protecção da maternidade e da paternidade como valores sociais eminentes, sobretudo no interesse da criança.
No ordenamento jurídico português a protecção da maternidade e da paternidade teve consagração legal pela primeira vez através do Decreto-Lei n.º 47 032, de 27 de Maio de 1966, que estabeleceu o regime jurídico do contrato individual de trabalho, revisto posteriormente pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969. O artigo 118.º do citado diploma legal, sob a epígrafe de "Direitos especiais", consagrava às mulheres o direito a não desempenhar até ao parto e durante os três meses seguintes ao mesmo, tarefas desaconselháveis ao seu estado; não ser despedida, salvo com justa causa, durante a gravidez e até um ano após o parto; faltar até 60 dias na altura do parto, sem redução do período de férias nem prejuízo da antiguidade; interromper o trabalho diariamente em dois períodos de meia hora para aleitação dos filhos.
Este quadro jurídico manteve-se inalterado até 1976, data em que foi publicado o Decreto-Lei n.º 112/76, de 7 de Fevereiro, disciplinado das faltas dadas por parto. Previa-se, assim, o direito das trabalhadoras a uma licença de maternidade com a duração de 90 dias consecutivos, dos quais 60 deveriam ser gozados necessariamente após o parto.
Em 1980 é publicado o Decreto-Lei n.º 170/80, de 29 de Maio, que institucionalizou a protecção à infância, à juventude e à família, através da concessão de prestações pecuniárias; estipulava também o âmbito de aplicação quanto às pessoas a as condições de atribuição dessas mesmas prestações.
Todavia, foi a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, com as alterações introduzidas pelas Leis n.o 17/95, de 9 de Junho, n.º 102/97, de 13 de Setembro e n.º 18/98, de 28 de Abril, regulamentada pelos Decretos-Lei n.os 136/85, de 3 de Maio, e 154/88, de 20 de Abril, alterados, respectivamente, pelos Decretos-Lei n.os 332/95, de 23 de dezembro, e 333/95, de 23 de Dezembro, e 70/2000, de 4 de Maio, que "republicou" o diploma de 1984, que viria, de forma sistemática e mais abrangente, consagrar a protecção da maternidade e da paternidade no nosso ordenamento jurídico.

VI - Parecer

Face ao exposto, a Comissão de Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família é do seguinte parecer:
O projecto de lei n.º 265/VIII, do PSD, reúne os requisitos constitucionais e legais para subir a Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação na generalidade, independentemente de os grupos parlamentares reservarem a expressão das suas posições para o debate na generalidade e na especialidade.

Assembleia da República, 26 de Setembro de 2000. O Deputado Relator, Sónia Fertuzinhos - A Presidente da Comissão, Margarida Botelho.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

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PROJECTO DE LEI N.º 272/VIII
(LEI DO ENQUADRAMENTO ORÇAMENTAL)

Parecer da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa Regional dos Açores

A Comissão de Economia, discutiu e analisou projecto de lei n.º 272/VIII - "Lei do Enquadramento Orçamental", na sequência do solicitado por S. Ex.ª o Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores e, sobre o mesmo, emite o seguinte parecer:

Capítulo I
Enquadramento jurídico

A apreciação do presente projecto de lei enquadrasse no disposto no n.º 2 do artigo 229.º da Constituição da República Portuguesa e nos termos da Lei n.º 40/96, de 31 de Agosto, e estatutariamente na alínea i) do artigo 30.º do Estatuto da Região Autónoma dos Açores - Lei n.º 61/98, de 27 de Agosto.

Capítulo II
Apreciação na generalidade e especialidade

O presente diploma visa estabelecer:

a) As regras relativas à organização, elaboração, apresentação, discussão, votação, alteração e execução do Orçamento do Estado, incluindo o da segurança social e à correspondente fiscalização e responsabilidade orçamental;
b) As regras relativas à organização, elaboração, apresentação, discussão e votação da Conta do Estado, incluindo a da segurança social.
Aplica-se ao Orçamento do Estado, que inclui os orçamentos dos serviços que não dispõem de autonomia administrativa e financeira, dos serviços e fundos autónomos e da segurança social, bem como às correspondentes contas.
Os serviços do Estado que não disponham de autonomia administrativa e financeira são designados, para efeitos do presente diploma, por serviços integrados.
São serviços e fundos autónomos os que satisfaça, cumulativamente, os seguintes requisitos.
a) Não tenham natureza e forma de empresa, fundação ou associação públicas, mesmo se submetidos ao regime de qualquer destas por outro diploma;
b) Tenham autonomia administrativa e financeira;
c) Disponham de receitas próprias para cobertura das suas despesas, nos termos da lei.
Segundo o diploma, entende-se por sistema de segurança social o conjunto das modalidades de protecção social definidas na respectiva Lei de Bases, as respectivas fontes de financiamento e os organismos responsáveis pela sua gestão.
Relativamente à lei em vigor, verifica-se que o presente diploma retirou do seu âmbito os orçamentos e contas das Regiões Autónomas.
A Comissão de Economia nada tem a opor ao presente projecto de lei.

Ponta Delgada, 6 de Setembro de 2000. - O Deputado Relator, José Élio Valadão Ventura - O Presidente da Comissão, Augusto António Rua Elavai.

Nota. - O presente parecer foi aprovado por unanimidade.

PROJECTO DE LEI N.º 301/VIII
ALIENAÇÃO DO PATRIMÓNIO DO ESTADO

Exposição de motivos

A alienação de património do Estado é uma prática que nada tem em si de condenável, podendo até ser um acto saudável de gestão, desde que acauteladas as circunstâncias e as condições em que é efectuada.
Desde sempre o Orçamento tem previsto como uma das receitas do Estado a que resulta da venda do seu património. No entanto, dada a natureza de tal receita, esta rubrica apresentou sempre, ao longo dos anos, um valor simbólico, que tem rondado os 30 000 contos.
Sucede que o Orçamento para o ano 2000 estimou uma receita nesta rubrica superior a 30 milhões de contos, o que perspectiva uma política de alienação que não pode deixar de ser regulamentada de modo a que sejam acautelados os interesses do Estado.
Em primeiro lugar, é necessário ponderar a oportunidade para efectuar essas operações e, nesse contexto, não parece que a altura escolhida para as iniciar seja a mais ajustada.
Com efeito, numa época em que o crédito à habitação está em declínio devido ao aumento das taxas de juro, e, como tal, se vislumbra alguma crise na construção e no negócio imobiliário por excesso de oferta, é o próprio Estado que lança no mercado mais imóveis, o que só pode agravar a situação.
Também por este motivo não é por certo o momento mais aconselhável para obter o melhor preço por parte de quem vende.
Ao fazê-lo agora significa que o Estado não se preocupa com o momento mais adequado para o negócio, mas antes com a receita que lhe rende, uma vez que precisa urgentemente de dinheiro.
Estão, portanto, reunidas todas as condições para vender o nosso património ao desbarato.
Com efeito, a alienação de património transformou-se no mais recente expediente do Governo para obter receitas adicionais necessárias ao financiamento do despesismo que caracteriza o estado actual das finanças públicas.
No entanto, a natureza absolutamente excepcional das referidas receitas, aliada ao seu carácter de ocasionalidade, impõem ao Grupo Parlamentar do PSD, em nome do princípio das finanças públicas sãs, a adopção de medidas legislativas que regulem a sua utilização, tendo em vista impedir, nomeadamente, que as mesmas sirvam para pagamento de despesas correntes do sector público administrativo do Estado.
Mas a maior preocupação é o destino que vai ser dado à receita que se obtém destas vendas. Não se pode aceitar que se venda património, mesmo que essa opção seja correcta sob todos os pontos de vista, se a receita que daí advém se destinar a pagar despesas correntes. Se o Governo o fizesse seria de uma enorme irresponsabilidade, porque saberia que estava a obter receita que não mais se repetirá para poder fazer despesas que se repetirão todos os anos.
Por isso, o PSD apresenta um projecto de lei que enquadra o destino específico que deve ser dado às receitas resultantes da venda do património. Com efeito, tal como não foi possível iniciar-se o processo de privatizações sem que houvesse uma lei-quadro que estabelecesse as regras a que elas deviam estar sujeitas, também não parece possível que isto aconteça com as receitas da venda do património. Mais: não pode a venda do património do Estado estar a ser alvo

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de acusações e insinuações sobre toda a espécie de violação de regras legais, tais como anúncios de terrenos para construção em áreas impróprias e proibidas pelos planos directores municipais.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PSD, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º

As receitas do Estado provenientes da alienação de património imobiliário serão utilizadas para a amortização da dívida pública no mínimo de 80% das receitas totais.

Artigo 2.º

O Governo apresentará, anualmente, um relatório à Assembleia da República sobre a venda do património com a relação dos imóveis, o valor da sua venda e a identificação dos respectivos adquirentes.

Palácio de São Bento, 22 de Setembro de 2000. Os Deputados do PSD. Manuela Ferreira Leite - Luís Marques Guedes - David Justino.

PROJECTO DE LEI N.º 302/VIII
ESTABELECE AS BASES GERAIS DA COORDENAÇÃO, EQUIPAMENTO, REORGANIZAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO DAS FORÇAS DE SEGURANÇA

Exposição de motivos

1. - As estatísticas provam que a evolução da criminalidade em Portugal tem uma densidade muito preocupante, para a qual a capacidade de resposta das Forças de Segurança está longe de ser aproveitada na plenitude.
Na verdade, a mera consulta dos relatórios de Segurança Interna aponta para uma curva de crescimento da criminalidade que, olhada numa perspectiva histórica, é já estruturante e independente de fenómenos conjunturais.
2. - É, aliás, do ponto de vista qualitativo que o problema se coloca com maior nitidez. A criminalidade que está em desenvolvimento é, essencial mas não exclusivamente, a das cidades e a das periferias urbanas, sobretudo nas Áreas Metropolitanas de Lisboa, Porto e Setúbal. A maior incidência do aumento de criminalidade leva-nos a concluir que é a chamada "criminalidade comum", a que neste momento mais põe em crise a segurança psicológica dos cidadãos e das famílias, originando o sentimento de medo que cada vez mais acentuadamente transparece nos relatórios e estudos científicos. Essa criminalidade, vulgarizada nos múltiplos tipos de crimes de roubos, furto, agressão e ofensas corporais, e ainda os relacionados com a toxicodependência, está a desafiar a capacidade estratégica das Forças de Segurança que a procuram debelar, ao mesmo tempo que se vêem a braços com novas formas de criminalidade emergentes, de cariz tecnológico e de perfil altamente sofisticado.
3. - Registe-se ainda, um tipo de criminalidade nova, relacionado com a delinquência juvenil, cujos níveis de agressividade e perigosidade são crescentes, adquirindo forte visibilidade junto da opinião pública. A crise dos diversos sistemas de autoridade - a família e a escola, nomeadamente - bem como a fragilidade das políticas sociais integradoras, por exemplo em matérias como a qualidade de vida e a imigração, e ainda o efeito devastador dos mecanismos banalizadores da violência - entre outros, a televisão - estão certamente na origem deste fenómeno. Porém, na consequência, nota-se a dificuldade das Forças de Segurança em prever, prevenir, combater e deter a delinquência juvenil.
4. - É nosso entendimento que, existindo um programa de Governo, não existe, porém, uma estratégia nacional de combate à criminalidade. Não parecem definidos objectivos prioritários; não se avança o necessário nas reformas modernizadoras das Forças de Segurança; não se progride o suficiente no reforço de efectivos; não há uma verdadeira coordenação entre as Forças de Segurança. É aqui que começa, a nosso ver, a solução daquele que é, hoje, um dos principais problemas nacionais.
5. - A sucessão de conflitos públicos entre a Polícia Judiciária, a Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana tornam, por demais, evidente a descoordenação vigente. Conflitos de nível institucional, sobretudo nos casos mais mediatizados. Conflitos de natureza estratégica, de que destacamos a insuficiente troca de informações. Conflitos de dimensão corporativa, onde avultam as diferenças entre as forças, do ponto de vista do estatuto e do estímulo à acção. Conflitos, até, de carácter territorial, dada a excessiva rigidez das fronteiras legais sobre a intervenção das mesmas forças.
Numa palavra, a opinião pública apercebeu-se, e com isso justamente se preocupa, do "factor descoordenação" como vértice da ineficácia na resposta do Estado ao aumento de criminalidade, factor que já vinha sendo denunciado pelos especialistas.
A verdade é que, no domínio da Segurança Interna, não há unidade estratégica, nem comando político e institucionalmente unificado. O poder está dividido entre os Ministérios da Administração Interna e Justiça, e até, em certos domínios, pelos Ministérios da Agricultura e da Defesa. Os conflitos são inevitáveis, a ineficiência é o resultado. A descoordenação não é conjuntural: é o resultado de uma certa lógica, legal e institucional. Uma lógica "departamental" que, a nosso ver, está profundamente errada, sendo a política de segurança essencial, como é, e um domínio cada vez mais integrado, como terá de ser.
6. - Do mesmo modo, as Forças de Segurança continuam a ter sérios problemas na gestão dos seus recursos humanos. Entre esses problemas, destacam-se a fraca taxa de renovação de efectivos face à média das aposentações; o não preenchimento da totalidade dos quadros previstos ou considerados como minimamente funcionais; o sistemático recrutamento dos efectivos das Forças de Segurança para serviço dos tribunais; a arcaica utilização de efectivos necessários ao policiamento de rua ou ao patrulhamento de proximidade em tarefas tipicamente administrativas ou de manutenção, dentro das esquadras ou dos quartéis.
Este e outros problemas indicam, com toda a clareza, que o investimento público, e o esforço do contribuinte para dotar o país de Forças de Segurança eficazes, se perde, em boa medida, por falta de vontade política, ausência de coordenação, numa sucessão de inércias que se distribui por vários departamentos do Estado.
Este tipo de inércias, característico de modelos de organização policial ultrapassados, completa-se igualmente pela ausência de uma motivadora política de avaliação do mérito nas Forças de Segurança, e por uma exígua resposta pública, no que diz respeito ao reconhecimento da coragem e do empenhamento das mesmas no desempenho da sua missão.

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7. - A concepção de uma nova estratégia face à criminalidade é uma tarefa prioritária do Estado. Devem hoje ser tomadas medidas que, a prazo, possam produzir resultados. É, ainda, o caso de uma definição dos equipamentos necessários, sujeita que deve estar a uma verdadeira lei de programação, cuja estabilidade e funcionalidade permitam maximizar eficiências, sendo consequente com os objectivos de política, democraticamente traçados.
É para dar resposta a estas prioridades - coordenação, equipamento, reestruturação e reorganização das Forças de Segurança - que os Deputados do CDS-PP, em harmonia com os seus compromissos junto do eleitorado, apresentam esta iniciativa legislativa.
Nestes termos, os Deputados do CDS-PP apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Objecto e âmbito

Artigo 1.º
(Objecto)

A presente lei estabelece as bases gerais da coordenação, equipamento, reorganização e reestruturação das forças e serviços de segurança, como tal definidas na Lei n.º 20/87, de 12 de Junho.

Artigo 2.º
(Âmbito)

As disposições da presente lei passam a integrar o conjunto de princípios, orientações e medidas que constituem a política de segurança interna, nos termos do disposto no artigo 3.º da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho.

Capítulo II
Disposições de base

Secção I
Coordenação da actividade das forças de segurança

Artigo 3.º
(Definição)

1. - Por coordenação das forças e serviços de segurança entende-se a direcção estratégica, operacional e de informações, com vista à articulação do seu funcionamento e ao aperfeiçoamento do seu dispositivo, sem prejuízo da especificidade das missões estatutárias de cada uma.
2. - A coordenação da actividade das forças e serviços de segurança tem por objectivo potenciar a eficácia das medidas de polícia cujo emprego em cada caso se justifique e utilizar os meios materiais e humanos segundo critérios de racionalidade e eficácia, nomeadamente através da criação de unidades de intervenção conjunta.

Artigo 4.º
(Princípio geral)

No desempenho das funções que legalmente lhes estão confiadas, as forças e serviços de segurança cooperam obrigatoriamente entre si e com os órgãos aos quais incumbe a definição dos princípios, orientações e medidas de política de segurança interna, sendo sua especial obrigação cumprir as directivas que forem determinadas pela Direcção Nacional das Forças de Segurança.

Artigo 5.º
(Órgão de coordenação e atribuições)

1. - A Direcção Nacional das Forças de Segurança é o órgão especializado de coordenação das forças e serviços de segurança e funciona na directa dependência do Ministro da Administração Interna.
2. - São atribuições da Direcção Nacional das Forças de Segurança, designadamente:

a) O planeamento e a coordenação estratégica, de informações e operacional das forças e serviços de segurança;
b) Assegurar a ligação permanente, em matéria de coordenação, entre as forças e serviços de segurança e o Ministro da Administração Interna;
c) Promover a informatização dos meios operacionais das várias forças e serviços de segurança;
d) Promover a harmonização dos meios e instrumentos de telecomunicações das várias forças de segurança entre si, e destas com as entidades responsáveis pela protecção civil;
e) Gerir a base de dados central de informações policiais.

3. - A Direcção Nacional das Forças de Segurança exerce a sua acção em todo o território nacional.

Artigo 6.º
(Competências)

1. - São competências da Direcção Nacional das Forças de Segurança, nomeadamente:

a) Submeter à apreciação do Ministro da Administração Interna a proposta de plano estratégico nacional de combate à criminalidade;
b) Submeter à apreciação do Ministro da Administração Interna propostas de acções a empreender no domínio dos objectivos fundamentais da coordenação das forças de segurança;
c) Emitir parecer sobre os projectos de diploma que contenham providências de carácter geral respeitantes às atribuições e competências das forças e serviços de segurança;
d) Emitir parecer sobre as grandes linhas de orientação a que deve obedecer a formação, especialização, actualização e aperfeiçoamento do pessoal das forças e serviços de segurança;
e) Facultar o necessário apoio técnico às entidades responsáveis a nível regional e distrital, pela coordenação das forças de segurança;
f) Emitir directivas específicas, destinadas a uma ou várias forças de segurança, em matérias compreendidas nas suas atribuições;
g) Decidir a criação de unidades de intervenção conjunta para combate a formas específicas de criminalidade;
h) Exercer as demais competências que lhe forem conferidas por lei.

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Artigo 7.º
(Órgãos centrais)

1. - O planeamento e coordenação estratégica e de informações ficarão a cargo dos órgãos centrais da Direcção Nacional das Forças de Segurança.
2. - São órgãos centrais da Direcção Nacional das Forças de Segurança:

a) O Director Nacional das Forças de Segurança;
b) O Conselho de Planeamento e Coordenação.

Artigo 8.º
(Director Nacional das Forças de Segurança)

1. - O Director Nacional das Forças de Segurança é nomeado pelo Primeiro-Ministro, precedendo proposta do Ministro da Administração Interna, de entre personalidades com reconhecida idoneidade moral e competência profissional nas matérias relacionadas com a segurança interna.
2. - O Director Nacional das Forças de Segurança tem estatuto protocolar equivalente ao de secretário de estado.

Artigo 9.º
(Conselho de Planeamento e Coordenação)

1. - O Conselho de Planeamento e Coordenação é composto pelas seguintes entidades:

a) O Director Nacional das Forças de Segurança, que preside;
b) O Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, o Director Nacional da Polícia de Segurança Pública, o Director-Geral da Polícia Judiciária, o Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e o Director do Serviço de Informações de Segurança;
c) Os responsáveis pelos sistemas de autoridade marítima e aeronáutica;
d) Um secretário-geral, a designar pelo Ministro da Administração Interna.

2. - Incumbe ao Conselho de Planeamento e Coordenação elaborar e aprovar as suas normas de funcionamento.
3. - O Conselho de Planeamento e Coordenação considera-se em sessão permanente, devendo as respectivas reuniões ser convocadas pelo meio mais expedito possível.

Artigo 10.º
(Órgãos locais)

1. - A coordenação operacional ficará a cargo dos órgãos regionais e distritais da Direcção Nacional das Forças de Segurança.
2. - São órgãos regionais da Direcção Nacional das Forças de Segurança as Direcções Regionais das Forças de Segurança dos Açores e da Madeira, que exercerão a sua acção no território de cada uma das regiões autónomas.
3. - São órgãos distritais da Direcção Nacional das Forças de Segurança as Direcções Distritais das Forças de Segurança, que exercerão a sua acção no território de cada um dos distritos.

Artigo 11.º
(Provimento dos órgãos locais)

1. - A nomeação dos titulares dos cargos de direcção dos órgãos regionais e distritais da Direcção Nacional das Forças de Segurança competirá ao Ministro da Administração Interna, precedendo proposta do Director Nacional das Forças de Segurança.
2. - Os cargos de direcção das Direcções Regionais e Distritais das Forças de Segurança serão providos de acordo com os seguintes critérios:

a) Por elementos oriundos da Polícia Judiciária, nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira;
b) Por elementos oriundos da Polícia Judiciária, nos distritos onde existam Directorias da Polícia Judiciária;
c) Por elementos oriundos da Guarda Nacional Republicana, da Polícia de Segurança Pública ou do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nos restantes distritos.

3. - Os critérios previstos no número anterior poderão não ser observados quando razões de natureza estratégica ou relacionadas com a necessidade de prevenção e combate a formas de criminalidade específica o desaconselhem.

Artigo 12.º
(Base de dados central)

1. - Lei especial regulará o processo de transição das bases de dados de informações policiais das várias forças e serviços de segurança actualmente existentes para a alçada da Direcção Nacional das Forças de Segurança.
2. - A lei prevista no número anterior estabelecerá igualmente o regime legal de gestão da Base de Dados Central de Informações Policiais, a criar no âmbito da Direcção Nacional das Forças de Segurança, nomeadamente no que respeita ao controlo da utilização de dados e ao acesso às informações policiais por parte de cada uma das forças e serviços de segurança.

Secção II
Equipamento das forças de segurança

Artigo 13.º
(Lei de programação)

A aplicação de programas de investimento público de médio prazo das forças de segurança relativos a forças, equipamento, armamento e infra-estruturas será incorporada e desenvolvida em lei de programação dos investimentos das forças de segurança.

Artigo 14.º
(Lei-quadro das leis de programação)

1. - Lei especial regulará o quadro jurídico da elaboração e execução das leis de programação de investimentos das forças de segurança.
2. - A lei prevista no número anterior disporá, designadamente, sobre:

a) A obrigação de adequação dos investimentos programados à concretização do plano estratégico nacional de combate à criminalidade;
b) A programação dos investimentos por períodos de 6 anos, com obrigatoriedade de revisão da lei de programação nos anos pares;

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c) A possibilidade de inclusão, na programação dos investimentos, de programas de desactivação de equipamentos, armamento, munições;
d) A obrigatoriedade de reanálise dos programas de investimento que se tenham afastado significativamente do planeado e de reavaliação dos programas de investimento que não tenham sido concluídos dentro do prazo previsto;
e) A possibilidade de trânsito para o ano seguinte dos saldos verificados nos programas no fim de cada ano económico, até à sua completa execução.

Secção III
Reorganização das forças de segurança

Artigo 15.º
(Objectivos)

No domínio da política de segurança interna, privilegiar-se-á a modernização sustentada das forças e serviços de segurança, com o intuito nomeadamente de assegurar que cada força e serviço de segurança esteja dotado, em cada momento, do número de efectivos necessário à manutenção de um dispositivo suficiente para a prossecução das funções que a lei lhes confere, e que os seus elementos exerçam as suas funções em condições estatutárias, remuneratórias e sociais dignas.

Artigo 16.º
(Medidas legislativas)

Para o cumprimento do objectivo previsto no artigo anterior, serão tomadas as medidas legislativas adequadas a garantir:

a) A possibilidade de as forças e serviços de segurança contratarem o fornecimento dos bens e serviços necessários à administração corrente das unidades e à manutenção das instalações e equipamentos;
b) A contratação de seguros destinados a cobrir os riscos de acidente em serviço ou doença contraída ou agravada em serviço por parte dos elementos das forças e serviços de segurança;
c) A contratação, pelas forças e serviços de segurança, de seguros de responsabilidade automóvel para as viaturas utilizadas no exercício das suas funções;
d) O estabelecimento de um horário de trabalho adequado às características específicas das funções desempenhadas pelos elementos das forças e serviços de segurança;
e) A valorização das carreiras dos elementos das forças e serviços de segurança, bem como a avaliação das necessidades de efectivos e correspondente redimensionamento dos quadros;
f) A progressiva uniformização dos requisitos de ingresso nas forças e serviços de segurança, sem prejuízo da diferenciação de requisitos em razão da especificidade funcional das diferentes carreiras;
g) A preferência, no preenchimento dos cargos e postos superiores das várias forças de segurança, a elementos oriundos dos respectivos quadros.

Artigo 17.º
(Carreiras, louvores e condecorações)

No âmbito da reorganização das forças e serviços de segurança, e sem prejuízo da especificidade estatutária de cada uma, promover-se-á igualmente:

a) A implementação de um sistema de progressão na carreira que combine a antiguidade com a avaliação do mérito no desempenho das funções;
b) A revisão dos diplomas que regulamentam a atribuição de louvores e condecorações aos elementos das várias forças e serviços de segurança, com o intuito de criar um novo regime legal que adequadamente transmita o reconhecimento público pelos actos excepcionais por aqueles praticados.

Secção IV
Reestruturação das forças de segurança

Artigo 18.º
(Objectivos)

No âmbito da reestruturação do dispositivo global das forças e serviços de segurança, promover-se-á a absorção progressiva do efectivo dos corpos especiais com funções de polícia de áreas territoriais ou de actividades específicas pela força ou serviço de segurança que estatutariamente se mostre mais adequada.

Artigo 19.º
(Guardas-florestais)

1. - Em cumprimento do objectivo previsto no artigo anterior, promover-se-á designadamente a integração dos efectivos da carreira de guarda-florestal, criada pela Lei n.º 33/96, de 17 de Agosto, em brigada autónoma da Guarda Nacional Republicana.
2. - Independentemente da integração prevista no número anterior, a formação policial dos efectivos da guarda florestal ficará a cargo da Guarda Nacional Republicana a partir da data da entrada em vigor da presente lei.

Capítulo III
Disposições finais e transitórias

Artigo 20.º
(Norma revogatória)

1. - São revogadas as Secções II e III do Capítulo II da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, bem como toda a legislação relacionada com as matérias ali previstas, nomeadamente os Decretos-Lei n.º 61/88, de 27 de Fevereiro, e n.º 51/96, de 16 de Maio.
2. - Considera-se revogada toda a legislação que contrarie o disposto na presente lei.

Artigo 21.º
(Avaliação de execução)

1. - No relatório previsto no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 8/91, de 1 de Abril, o Governo elencará as

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medidas legislativas ou regulamentares adoptadas em execução da presente lei no período temporal a que o mesmo se reporta, bem como o calendário para a execução das restantes medidas.
2. - O Governo está dispensado de cumprir o disposto na primeira parte do número anterior quanto ao relatório que deverá apresentar à Assembleia da República até 31 de Março de 2001.

Artigo 22.º
(Remissão)

1. - A partir da entrada em vigor da lei do Orçamento do Estado para 2002, todos os investimentos públicos em forças, equipamento, armamento e infra-estruturas das forças de segurança só são permitidos desde que previstos em adequada lei de programação dos investimentos das forças de segurança.
2. - Enquanto não for publicada a legislação prevista no artigo 14.º, a elaboração das leis de programação de investimentos das forças de segurança reger-se-á pelo disposto na Lei n.º 46/98, de 7 de Agosto, com as necessárias adaptações.

Artigo 23.º
(Regulamentação)

O Governo regulamentará a presente lei no prazo de 180 dias a contar da entrada em vigor.

Artigo 24.º
(Entrada em vigor)

A presente entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de S. Bento, 26 de Setembro de 2000. - Os Deputados do CDS-PP: Paulo Portas - Herculano Gonçalves - Miguel Anacoreta Correia - Pedro Mota Soares.

PROJECTO DE LEI N.º 303/VIII
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE/MATERNIDADE (ALTERAÇÃO DE PRAZOS)

Exposição de motivos

O direito à identidade pessoal é um direito que a nossa Constituição consagra como direito fundamental e cujo sentido se traduz na garantia da identificação de cada pessoa como indivíduo singular e irredutível e que abrange, para além do direito ao nome, um direito à "historicidade pessoal".
Por sua vez, o direito à historicidade pessoal designa o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores, podendo fundamentar, por exemplo, um direito à investigação da paternidade ou maternidade.
O conhecimento da ascendência verdadeira é um aspecto relevante da personalidade individual, que, para além de representar uma verdadeira condição de gozo pleno do direito à identidade pessoal e do direito ao nome, assume ele próprio a natureza de direito fundamental com dignidade constitucional, conforme refere o Tribunal Constitucional: "Existe um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da paternidade - a qual constitui uma "referência" essencial da pessoa -, direito que se extrai seja do direito à integridade pessoal, e em particular à integridade "moral", seja do direito à "identidade pessoal", reconhecidos nos artigos 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da Constituição" (Acórdão n.º 99/88, de 28 de Abril).
Por imperativo constitucional a lei só pode restringir os direitos nos casos expressamente previstos na Constituição. Contudo, o curtíssimo prazo estabelecido no artigo 1817.º, n.º 4, do Código Civil, configura uma verdadeira restrição ao exercício do direito à historicidade pessoal.
Por outro lado, o facto do investigante, quando através da acção de investigação da paternidade/maternidade apenas pretenda daí obter efeitos meramente pessoais, não poder a todo o tempo propor a respectiva acção de investigação configura também, a nosso ver, uma verdadeira restrição ao exercício do direito à historicidade pessoal.
As restrições ao exercício do direito à identidade pessoal e à historicidade pessoal, e, consequentemente, ao pleno gozo do direito ao nome, atingem, pois, universos diferentes, surgindo também a dois níveis distintos.
No caso do investigante ser tratado como filho pelo pretenso pai/mãe e no caso do investigante não pretender com a acção de investigação quaisquer outros efeitos que não sejam os efeitos pessoais.
Relativamente à primeira situação, se o investigante é tratado como filho pelo pretenso pai durante um determinado tempo e de repente cessar esse tratamento é legítimo e compreensível que o mesmo investigante mantenha durante um período de tempo, que até poderá ser longo, a legítima esperança de ver reatado o anterior relacionamento.
Como se sabe, em muitos casos, a cessação do tratamento é provocada por "ligeiras zangas" ou motivos que, no domínio das relações familiares, tendem normalmente a resolver-se com o tempo.
Neste contexto, é obvio que a instauração da acção de investigação impede que o investigador volte a ter com o investigante o tipo de relação que com ele mantivera, já que a situação de litigância não favorece, de forma alguma, esse reatamento.
Não nos parece, pois, aceitável exigir ao investigante que, no curto prazo de um ano a contar da cessação do tratamento como filho pelo pretenso pai, venha aquele a intentar uma acção judicial contra este para ver reconhecida a sua paternidade. Força-se desta forma o investigante a obter através de um litígio o que muito provavelmente procuraria obter através de um acto voluntário, até porque já anteriormente beneficiou do tratamento de filho por parte do pretenso pai.
Conforme refere a este propósito o Conselheiro Luís Nunes de Almeida, no seu voto de vencido no referido Acórdão 99/88, "... sendo vivo o investigado, o prazo de um ano, a contar da data da cessação do tratamento como filho, para propor a acção de investigação, vem restringir efectivamente o direito à identidade pessoal, na medida em que afecta, de forma sensível, a possibilidade de ver reconhecida a paternidade biológica. Mais: essa restrição configura-se como excessiva, por ultrapassar os limites impostos pelos princípios de adequação e da proporcionalidade, tendo em vista o preceituado nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da Lei Fundamental.".
Esta matéria foi também objecto de análise pelo Supremo Tribunal de Justiça, que, através do acórdão de 15 de Novembro de 1989, entendeu que "a norma do artigo 1817.º, n.º 4, é inconstitucional, por violar o disposto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, que consagra o direito à identidade pessoal, conjugado com o artigo 25.º, n.º 1, da Lei Fundamental, referente à garantia da integridade moral, na medida em que não exceptua da sua previsão a cessação do tratamento por parte do investigado quando este ainda está vivo, durante mais de uma ano a partir daquele evento".

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A questão dos prazos de propositura das acções de investigação da paternidade/maternidade conheceu durante a história profundas alterações.
Na verdade, as Ordenações estabeleciam um prazo de 30 anos para as acções de investigação de paternidade. Porém, o Código de 1966 viria a encurtar o prazo de proposição da acção, aparentemente "como forma de combater a investigação como puro instrumento de caça à herança paterna".
Enquanto países como a Itália, Espanha ou Áustria optaram pela imprescritibilidade relativamente às acções de investigação de paternidade, por considerarem que a procura do vínculo omisso do ascendente biológico é um valor que prevalece sobre quaisquer outros relativos ao pretenso progenitor, em Portugal, e na sequência da redacção dada ao n.º 4 do artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa, que aboliu a distinção legal entre filhos legítimos e ilegítimos, o Código Civil foi reformulado em 1977. Porém, essa revisão não alterou os prazos estabelecidos para as acções de investigação da paternidade.
Ora, afirmando a Constituição que os filhos nascidos do casamento e os fora dele se encontram em idêntica situação, é manifesto que o regime legal consagrado no artigo 1817.º, n.º 4, do Código Civil, constitui uma restrição ao exercício daquele direito fundamental, e uma discriminação relativamente às pessoas em tais condições.
Quanto às situações em que o investigante apenas pretenda obter, através da acção, efeitos pessoais, refira-se que o motivo que aparentemente originou a limitação do prazo para a instauração das acções de investigação de paternidade foi seguramente o "combate à acção da determinação legal do pai, como puro instrumento de caça à herança paterna, quando o pai fosse rico". Porém, como refere o Sr. Provedor de Justiça na Recomendação n.º 36/B/99 - e, a nosso ver, bem -, "a verdade é que o decurso do prazo cala a revelação da progenitura e a relevância jurídica do parentesco, ainda que nenhuma herança exista ou se pretenda".
Por outro lado, e não havendo dúvidas sobre a legitimidade da tutela do interesse patrimonial do investigante subjacente à acção de investigação da paternidade, já que não se vislumbra por que é que os seus direitos nesta matéria devam ser distintos de quaisquer outros herdeiros, também é verdade que nem todos os filhos de pais incógnitos visam a obtenção de uma herança.
A este propósito lê-se ainda na referida recomendação, citando o Prof. Moitinho de Almeida: "Continuam a existir filhos de pai incógnito, porque não se ousou permitir que os filhos que, mercê das circunstâncias várias, entre as quais avulta a ignorância, já deixaram passar o prazo para investigarem a sua paternidade, pudessem ainda fazê-lo, embora sem efeitos sucessórios. O que sobretudo lhes interessa não é qualquer herança, na maior parte dos casos inexistente, mas, sim, a atribuição de um pai conhecido para se poderem apresentar perante as repartições públicas, onde têm de declinar a sua filiação, sem exibirem o ferrete da sua inferioridade de filhos de pai incógnito".
O presente projecto visa, assim, não só permitir que, no caso do investigante ter sido tratado como filho pela pretensa mãe, a acção possa ser proposta em vida desta ou dentro de um ano posterior à sua morte, como também permitir que a qualquer altura possa ser proposta a acção de investigação de paternidade/maternidade quando se pretendam apenas produzir efeitos de natureza meramente pessoal, excluindo-se, portanto, para não afectar eventuais relações jurídicas patrimoniais de terceiros, quaisquer direitos ou vantagens de natureza patrimonial.
Tendo presente a Recomendação n.º 36/B/99, do Sr. Provedor de Justiça, e considerando que o direito à historicidade pessoal representa uma verdadeira condição de gozo pleno do direito à identidade pessoal e do direito ao nome, Os Verdes, através do presente projecto de lei, pretendem, pois, remover obstáculos, condicionalismos ou restrições à liberdade de investigar a paternidade.
Assim, as Deputadas abaixo assinados, do Grupo Parlamentar Os Verdes, apresentam, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º

O artigo 1817.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 1817.º

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - Se o investigante for tratado como filho pela pretensa mãe, a acção pode ser proposta em vida da pretensa mãe ou dentro do ano posterior à sua morte.
5 - Desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal, a acção de investigação da maternidade pode ser proposta a todo o tempo."

Artigo 2.º

O presente diploma entra imediatamente em vigor.

Palácio de São Bento, 26 de Setembro de 2000. As Deputadas de Os Verdes: Isabel Castro - Heloísa Apolónia.

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 38/VIII
(APROVA, PARA ADESÃO, O PROTOCOLO DE EMENDA À CONVENÇÃO PARA SUPRESSÃO DO TRÁFEGO DE MULHERES E CRIANÇAS E À CONVENÇÃO PARA A SUPRESSÃO DO TRÁFEGO DE MULHERES MAIORES, ABERTO À ASSINATURA EM NOVA IORQUE, EM 12 DE NOVEMBRO DE 1974)

Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação

I - Relatório

Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 210.º do Regimento da Assembleia da República, o Governo apresenta à Assembleia da República, para adesão o Protocolo de Emenda à Convenção para supressão do tráfico de mulheres e crianças e à Convenção para a supressão do tráfico de mulheres maiores, aberto à assinatura em Nova Iorque, em 12 de Novembro de 1947.

1) Nota Prévia

A proposta de resolução n.º 38/VIII trata, fundamentalmente, de alterações resultantes do fim da Sociedade das Nações e da institucionalização da organização das Nações Unidas.
Houve, então, necessidade de adaptar as duas convenções ratificados pela República Portuguesa e por outros Estados - a Convenção para a Supressão do Tráfico de Mulheres e Crianças de 30 de Setembro de 1921 e a Convenção para a

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Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores de 11 de Outubro de 1933 - à nova realidade das instituições internacionais surgidas no pós Guerra.
O Protocolo em apreço, sendo de natureza meramente formal, está associado a um fenómeno da maior relevância para a actual conjuntura internacional.
Neste sentido, entendemos aprofundar ligeiramente a temática do tráfico de Mulheres e Crianças, porque julgamos fundamental o debate, na sociedade portuguesa, de questões que, infelizmente, são frequentemente remetidas para o lumpen da agenda política nacional.

2) do Tráfico de Mulheres e Crianças

O final da guerra fria e o acentuar dos fenómenos da interdependência e da globalização têm produzido alterações contraditórias no seio do sistema internacional.
Processos antitéticos como a integração económica e a fragmentação política; a expansão dos ideais da paz e da democracia e o aumento dos conflitos localizados em diversas áreas do mundo; a prosperidade económica do Norte e a pobreza crescente do Sul; o aumento dos meios de comunicação social e de informação, como a Internet, e, o ainda reduzido acesso aos mesmos, têm produzido consequências gravosas para a definição de uma Nova Ordem Mundial, mais justa e equilibrada.
Alguns daqueles processos e suas consequências são causa directa dos fenómenos que hoje aqui nos prendem: tráfico e exploração de mulheres e crianças.

2.2) das definições

A compreensão desta temática obriga a uma aclaração de conceitos. Importa, então, tentar definir aquilo que entendemos por tráfico de seres humanos. De acordo com um relatório apresentado à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (Cfr. Parliamentary Assembly of the Council of Europe, "Report on Traffic in women and forced prostitution in Council of Europe member states" (Rapporteur: Mrs. Wohlwend, Liechtenstein, Group of the European People's Party), Doc. 7785, 26 March 1977, pp.5-7).têm sido apresentadas, por vários organismos, diversas definições.
Um perito do Conselho da Europa afirma que existe tráfico de mulheres quando uma mulher é explorada, por e para beneficio financeiro de outra pessoa, num país que não o seu, consistindo o tráfico na organização da estadia ou da emigração, legal ou ilegal, de uma mulher, mesmo com o seu consentimento, do seu país para outro, levando-a, seja através de que meios for, a prostituir-se ou a enveredar por qualquer forma de exploração sexual (Id., ibid. - tradução livre).
Por seu lado, a Organização Internacional para as Migrações explica que o tráfico ocorre quando: a) um/a migrante é ilegalmente envolvido (recrutado, raptado, vendido, etc.) e deslocado, tanto dentro das suas fronteiras nacionais como para fora delas; b) intermediários (traficantes) obtêm lucros, económicos ou outros, por meio de fraude, coacção e outras formas de exploração que violam os direitos fundamentais dos migrantes (Cfr. Http://www.iom.int (tradução livre). Para uma definição mais pormenorizada apresentada pela OIM - Cfr. Parliamentary Assembly of the Council of Europe, "Report on Traffic in women and forced prostitution in Council of Europe member states" (Rapporteur: Mrs. Wohlwend, Liechtenstein, Group of the European People's Party), Doc. 7785, 26 March 1977, p.6).
Outra definição possível é ainda aquela que explica que o tráfico de mulheres significa todo o transporte legal ou ilegal de mulheres ou o seu comércio, com ou sem consentimento inicial, para fins económicos, com o objectivo subsequente de prostituição forçada, casamento forçado ou outras formas impostas de exploração sexual (idem, p.7. - tradução livre).
Por último, e segundo Maria Eduarda Azevedo, "Na sua essência, o tráfico de mulheres constitui uma das modalidades e corresponde a uma manifestação do tráfico de seres humanos, em si o mais aviltante desrespeito dos direitos fundamentais, cuja consagração jurídico-formal e garantia de exercício efectivo devem constituir os eixos nucleares da acção política em qualquer Estado de Direito Democrático" (Actas Provisórias da Conferência sobre "Prostituição e Tráfico de Mulheres", Sala do Senado, 18 de Março de 1997, p. 7).
Neste ponto é fundamental abordar, também, a temática do tráfico de crianças. A primeira ideia que interessa reforçar é que o tráfico de crianças é, igualmente, uma clara violação dos seus direitos, expressos em vários instrumentos internacionais como a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
O tráfico de crianças serve uma série de "mercados" entre os quais: a venda para adopção em países industrializados; o tráfico de órgãos; e o comércio e a exploração sexual que está em franco crescimento, uma vez que a progressão de doenças infecto-contagiosas, como a SIDA, têm contribuído para uma acentuada procura de prostitutas cada vez mais novas (Cfr. IOM, "Trafficking in Children: Exploitation Across Borders", in "Trafficking in Migrants", Quarterly Bulletin, N.º 10 - March, 1996, p.1).

2.3) da situação internacional actual

O tráfico de mulheres e crianças é na actualidade um fenómeno em franco crescimento. De acordo com um Working Paper (Cfr. European Parliament, Working Paper, "Trafficking in Women", Civil Liberties Series, Libe 109 EN, March 2000, 1-79) apresentado pelo Parlamento Europeu, em Março deste ano, as causas do tráfico de mulheres oriundo da Europa Central e Oriental (Apesar deste Working Paper se debruçar sobre esta problemática no campo estritamente europeu, convém referir que as causas nele apresentadas foram referidas na maioria dos estudos e documentos a que tivemos acesso) prendem-se principalmente com:
- A feminização da pobreza, estimando-se que o número de mulheres a viverem abaixo do limiar da pobreza seja de 1,3 biliões (Este número é avançado pela Deputada Odete Santos. Cfr. Diário da Assembleia da República, I Série - Número 23, VIII Legislatura, 1.ª Sessão Legislativa (1999-2000), sexta-feira, 7 de Janeiro de 2000);
- Os avultados lucros provenientes desta actividade que se prevêem ser de US7 Biliões anualmente (Lucros provenientes do tráfico de mulheres para exploração sexual) e com tendência para crescer;
- A proximidade entre países;
- O relaxamento na necessidade de vistos, principalmente na Europa;
- Aparência física semelhante, principalmente, entre mulheres europeias do ocidente e oriente, diminuindo a suspeita de imigração ilegal;
- Legislação permissiva, ou seja/a moldura penal deste tipo de crimes varia de país para país e por outro lado é menos gravosa do que aquela que recai, por exemplo, sobre o tráfico de estupefacientes;
Convém destacar que a razão principal de todo este fenómeno é a pobreza e a feminização da mesma. O subdesenvolvimento patológico dos países do grupo ACP; a transição

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para a democracia dos países da Europa central e oriental; a erupção de conflitos civis armados, que obriga à deslocação de populações e, principalmente, de mulheres e crianças; os insuficientes mecanismos de protecção social, laboral e de maternidade conferidos às mulheres; os novos tipos de famílias, etc., são promotores de situações de vulnerabilidade e de pobreza, neste caso de pobreza no feminino.
Directamente ligado às causas acima referidas está o crescimento do crime organizado que se dedica a esta e a outras actividades. Aliás, os lucros avultados e a legislação permissiva são dois ingredientes que muito seduzem todas as redes criminosas de tráfico de mulheres que têm proliferado pelo mundo fora.
Sobre este assunto Maria Eduarda Azevedo lembra que "(...) numa perspectiva estritamente "comercial", permitam-me as aspas, o tráfico de mulheres anda quase sempre associado a outras manifestações também altamente lucrativas do grande crime organizado. Na verdade, é habitual encontrar o tráfico de mulheres em ligação com o tráfico de droga, a contrafacção de moeda, o tráfico de armas e o jogo ilícito, podendo por isso mesmo dizer-se que, além de corresponder à diversificação da "carteira de negócios" - uma vez mais, aspas de uma certa apologia de crimes, o tráfico de mulheres acaba ainda por se afirmar como um dos seus principais instrumentos operativos e uma das suas fontes preferenciais de financiamento" (Actas Provisórias da Conferência sobre "Prostituição e Tráfico de Mulheres", Sala do Senado, 18 de Março de 1997, p. 8).
De acordo com boletim Trafficking in Migrants da Organização Internacional para as Migrações(OIM), as Tríades chinesas e vietnamitas, as Yakusas japonesas, os cartéis sul americanos e as máfias russas e italianas poderão estar a desenvolver alianças estratégicas intercontinentais. Segundo o boletim, este "cosmopolitismo criminoso", onde grupos nacionais e étnicos interagem, facilita a obtenção de transporte, casa seguras, contactos locais e documentação (Cfr. IOM, "Organized Crime Moves Into Migrant Trafficking", in "Trafficking in Migrants", Quarterly Bulletin, N.º 11 - Junho, 1996, p.2).
O quadro global deste problema não fica completo sem a referência aos números de seres humanos traficados anualmente. De acordo com estimativas da OIM 4 milhões de pessoas caem anualmente nas redes da criminalidade organizada ao comprarem documentos falsos, vistos de entrada em países, etc.".(Cfr. European Parliament, Working Paper, "Trafficking in Women", Civil Liberties Series, Libe 109 EN, March 2000, p.3). No que toca ao número de mulheres e crianças traficados anualmente, segundo a OIM, a cifra atinge os 700.000 casos. (Cfr. Http://www.iom.int ). Importa notar que sendo o tráfico de mulheres e crianças uma actividade clandestina não é possível ter dados fidedignos sobre a situação. Teme-se, no entanto, que aquele número seja só uma pequena fracção da realidade.
Devemos referir, por último, a Internet como eventual potenciadora do tráfico e da exploração sexual de mulheres e crianças. Este novo meio de comunicação que permite a circulação rápida de informação e de conteúdos pornográficos, acessíveis a qualquer pessoa com o mínimo de instrução informática, pode promover o consumo e a procura de bens que estão directamente ligados ao tráfico de seres humanos.
Se por um lado a Internet pode ter um papel pernicioso na promoção deste tipo de criminalidade, também é verdade que, o facto de todas as Organizações Não Governamentais, as Organizações Intergovernamentais e as associações de apoio às mulheres e às crianças terem hoje páginas online, permite um combate e uma consciencialização mais profunda e mais acessível sobre os problemas do tráfico e exploração sexual de mulheres e crianças.

3) da situação em Portugal

A questão do tráfico de mulheres e crianças também afecta o nosso país. Apesar de não haver muita informação sobre o assunto, foi possível recolher alguns dados que ilustram a situação vivida no país.
De acordo com um questionário aos parlamentares portugueses com assento na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (Cfr. Parliamentary Assembly of the Council of Europe, "Report on Traffic in women and forced prostitution in Council of Europe member states" (Rapporteur: Mrs. Wohlwend, Liechtenstein, Group of the European People's Party), Doc. 7785, 26 March 1977, p.20-21) Portugal é país de origem, de passagem e de destino do tráfico de mulheres. Segundo a mesma fonte as mulheres que entram em Portugal vêm de África, da Europa de leste e da América latina, principalmente do Brasil.
São também conhecidos os relatos e as notícias veiculadas pela nossa comunicação social que tem investigado casos de tráfico de mulheres portuguesas para Espanha, onde terão alegadamente sido alvo de exploração sexual e até servidão.
No que toca aos casos de Tráfico de Pessoas, Lenocínio e Lenocínio e Tráfico de Menores, segundo a Polícia Judiciária, o movimento de inquéritos entrados entre Janeiro e Agosto de 2000 foi o seguinte:
- Tráfico de pessoas 4 (em 1999 tinham sido 9 no período homologo);
- Lenocínio 22 (em 1999 também foram 22 no período homólogo);
- Lenocínio e Tráfico de Menores 2 (em 1999 os números referentes a este tipo de crime estavam incluídos no Lenocínio).
Sobre a temática do tráfico de mulheres e crianças é de referir que estão em vigor em Portugal alguns instrumentos internacionais dos quais se destacam:
a) A Convenção Relativa à Abolição do Tráfico de Pessoas e à Exploração da Prostituição de Outrem, de 2 de Dezembro de 1949.

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b) A Convenção sobre os Direitos da Criança adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 20 de Novembro de 1989.
A Assembleia da República tem procurado debater estas questões. É, portanto, obrigatório referir a já citada Conferência sobre "Prostituição e Tráfico de Mulheres" que reuniu na Sala do Senado, em 18 de Março de 1997, um conjunto de pessoas que faz do seu dia-a-dia o combate a todas as formas de tráfico e exploração de mulheres e crianças.
Apesar de haver alguma mobilização e consciencialização sobre estas questões na nossa sociedade, talvez fosse importante fomentar cada vez mais, o debate sobre estes e outros temas que de alguma forma nos dizem respeito a todos.

4) dos instrumentos internacionais para o combate ao tráfico de mulheres e crianças

Ao nível global existem uma série de mecanismos e convenções internacionais que se ocupam de toda esta problemática. Destacamos as seguintes:
- O Acordo Internacional para a supressão do Tráfico de Escravas Brancas, assinado em Paris a 18 de Maio de 1904;
- A Convenção Relativa à abolição do Tráfico de Pessoas e à Exploração da Prostituição de Outrem, de 2 de Dezembro de 1949.
- Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 10 de Dezembro de 1979.
- A Convenção sobre os Direitos da Criança adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 20 de Novembro de 1989.
É ainda de referir a Quarta Conferência mundial das Mulheres, que decorreu em Pequim em Setembro de 1995. Deste encontro resultou a Plataforma de Acção de Pequim que foi recentemente avaliada, em Nova Iorque, numa Conferência de Follow Up, designada por Pequim+5.
Ao nível da União Europeia, para além do já mencionado Working Paper do Parlamento Europeu sobre tráfico de mulheres, destacamos, na actualidade, a elaboração do primeiro relatório anual da União Europeia sobre os Direitos Humanos, que também se debruça sobre esta temática. É ainda obrigatório referir a futura Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que aborda e dispões sobre os direitos das mulheres e crianças.
No âmbito europeu importa referir também a Conferência Europeia Sobre Tráfico de Mulheres que decorreu em Viena a 10 e 11 de Junho de 1996. Desta Conferência resultaram uma série de recomendações aos Estados participantes com o objectivo de combater o flagelo do tráfico e exploração de mulheres. De mencionar ainda todos os relatórios e comunicações das várias instituições da União Europeia que se têm ocupado desta temática.
É importante, por último, referir o papel desempenhado pelo Conselho da Europa, pela Organização de Segurança e Cooperação Europeia e por tantas outras Organizações Internacionais, Governamentais e não Governamentais, em prol da promoção dos direitos das mulheres e das crianças.

5) das medidas de combate ao tráfico de mulheres e crianças

Para além das medidas de carácter multilateral internacional acima mencionadas o combate deve assentar em alguns aspectos chave dos quais destacamos:
- adopção de legislação nacional que puna todos os crimes associados ao trafico e à exploração de mulheres e crianças;
- celebração de uma Convenção internacional que defina o tráfico de seres humanos como violação dos Direitos Humanos;
- implementação de políticas preventivas e de protecção às vítimas de tráfico e exploração;
- promover a reabilitação e a reintegração, tanto nos países de origem como de destino, das vítimas que pretendam iniciar uma vida nova;
- Combate efectivo a todas as formas de exclusão social e de pobreza;

6) da Proposta de Resolução N.º 38/VIII

Neste último ponto tratamos da proposta de resolução n.º 38/VIII em concreto.
O Protocolo sob análise vem trazer meras alterações de forma e actualizações à Convenção para a Supressão do Tráfico de Mulheres e Crianças e à Convenção para a Supressão do Tráfico de Mulheres Maiores. Estas alterações decorrem da criação da Organização das Nações Unidas após a entrada em vigor destes dois instrumentos jurídicos e da necessária transferência de competências que se teve de operar entre a Sociedade das Nações e a ONU.
Por tudo aquilo que aqui ficou expresso, é inteiramente oportuna a aprovação, para adesão, do Protocolo em apreço.

II - Parecer

Nos termos da alínea i) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, a presente proposta de resolução preenche os requisitos necessários para ser apreciada pelo Plenário da Assembleia da República.

Lisboa e Palácio de São Bento, 26 de Setembro de 2000. - A Deputada Relatora, Teresa Patrício Gouveia - O Presidente da Comissão, Luís Marques Mendes.

Nota. - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual

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