O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0348 | II Série A - Número 018 | 09 de Dezembro de 2000

 

6 - Vários estados europeus têm avançado com legislação sobre a matéria.
A iniciativa pioneira coube aos Estados escandinavos - a Suécia, a Finlândia e a Noruega - ao consagrarem na suas leis laborais garantias de protecção dos direitos dos trabalhadores, tanto à saúde física como à saúde mental. Na Alemanha e na Itália discutem-se actualmente iniciativas legislativas sobre esta matéria.
7 - Refira-se ainda que o assédio moral não está estritamente ligado à organização hierárquica, antes podendo ser exercido por colegas de trabalho - a expressão americana para esta realidade (ganging up on someone) é suficientemente elucidativa. Em qualquer caso, sempre pressupõe uma situação de abuso de poder, tenha ela suporte legal ou meramente fáctico, funde-se ela na relação hierárquica ou na tolerância das ou cumplicidade das chefias com o agressor.

III - As soluções propostas

8 - O projecto de lei divide-se em quatro artigos que se ocupam, sucessivamente, do objecto do diploma, da anulabilidade dos actos discriminatórios, do regime sancionatório e da remissão para ulterior regulamentação.
9 - No artigo 1.º pretende-se definir o objecto do diploma, que será o de estabelecer as medidas gerais de protecção dos trabalhadores contra o terrorismo psicológico ou assédio moral.
10 - Para além de aspectos atinentes à construção do preceito, aquilo que salta à vista, desde logo, é que a sua formulação não pode ser considerada suficientemente exacta para poder constituir um tipo legal de crime. Com efeito, o artigo 3.º vem, segundo julgamos, declarar punível com pena de prisão de um a três anos os autores dos actos de terrorismo psicológico ou assédio moral, tal qual definidos no artigo 1.º.
11 - Ou seja, a indefinição do articulado proposto não permite distinguir o que é elemento objectivo do tipo (a ilicitude propriamente dita) do que é culpabilidade ou elemento subjectivo. De facto, a conduta tipicamente ilícita tanto pode consistir em "considerações, insinuações ou ameaças verbais", como pode ser o "fornecimento de informações erradas sobre as (...) funções e ou as (...) categorias profissionais" como podem ser "desconsiderações e insinuações prejudiciais à (...) carreira e bom nome profissional". Quanto ao elemento subjectivo, as alusões a uma conduta deliberada de degradação "das condições físicas e psíquicas dos assalariados", à "finalidade persecutória e de isolamento" e ao fim de "provocarem o despedimento, a demissão forçada, o prejuízo das expectativas de progressão na carreira, o retirar injustificado de tarefas anteriormente atribuídas, a penalização do tratamento retributivo, o constrangimento ao exercício de funções ou tarefas desqualificantes para a categoria profissional do assalariado, a exclusão da comunicação de informações relevantes para a actividade do trabalhador, a desqualificação dos resultados obtidos" apontam no sentido da necessidade de previsão de uma forma de dolo específico.
12 - Contudo, a técnica legislativa que consiste em amalgamar o método utilizado (comportamento vexatório sistemático/persecutório por parte da entidade patronal e pessoas referidas no n.º 2 do artigo 1.º), os instrumentos/forma do comportamento (em suma, a degradação das condições de trabalho) e a finalidade visada (cessação da relação de trabalho ou modificação in pejus do estatuto do trabalhador) não nos parece ser a mais adequada. Assim sendo, se o artigo 1.º pretende constituir o tipo legal punível com as penas previstas no artigo 3.º, carece de uma profunda reformulação. Cumpre ainda referir que a utilização da expressão "assalariados" parece apontar no sentido de a conduta criminosa provir apenas da entidade patronal, o que contraria a possibilidade, também ali prevista, de a conduta poder ser imputável a outros trabalhadores. Por outro lado, expressões como "degradação deliberada", "poder de facto", "desqualificação dos resultados", "desqualificação externa (para fora do local de trabalho)", "desconsiderações e insinuações" constituem conceitos vagos e indeterminados, cuja utilização deve ser evitada na medida do possível.
13 - Isto se a intenção dos subscritores do projecto for a de criar um novo tipo legal de crime. De facto, essa intenção não é líquida, na medida em que se prevê, em alternativa à condenação em pena de prisão, a condenação no pagamento de uma coima. Ora, à pena de prisão e à condenação no pagamento de uma coima correspondem dois tipos de ilícito diferentes - o crime e a contra-ordenação, respectivamente - cuja aplicação é da responsabilidade no primeiro caso, dos tribunais e, no segundo caso, de uma entidade administrativa. Trata-se, pois, de uma impossibilidade jurídica, que viola claramente o princípio da legalidade.
14 - É certo que a previsão da responsabilidade solidária da entidade patronal parece indiciar que a vontade dos autores do projecto era a de criarem um ilícito contra-ordenacional, por só fazer sentido quando estiverem em causa sanções pecuniárias. Ou, no limite, seria a de preverem dois tipos diferentes de ilícito, conforme o desvalor jurídico das condutas em causa - o que, só por si, justificaria a completa reformulação do artigo 1.º.
15 - Cabe referir, em último lugar, que a remissão para posterior regulamentação, por parte do Governo, de um diploma que estabelece sanções de carácter incriminatório pode ser entendida como violadora do princípio da legalidade consagrado no artigo 29.º n.º 3 da Constituição.
16 - E, contudo, de considerar que as dúvidas suscitadas poderão ser devidamente dilucidadas em sede de apreciação na especialidade.

IV - Parecer

Nestes termos, os Deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias são de parecer que o projecto de lei n.º 252/VIII está em condições de ser discutido na generalidade em Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.

Palácio de São Bento, 6 de Dezembro de 2000. - O Deputado Relator, Narana Coissoró - O Presidente, Jorge Lacão.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, CDS-PP e PCP).