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1724 | II Série A - Número 052 | 28 de Abril de 2001

 

e, consequentemente, não discriminatória, em matéria religiosa;
- Sendo importante ter em conta que fontes de direito internacional e fontes de direito interno exprimem esferas diferentes da ordem jurídica e que, se em caso de desconformidade de normas ordinárias de direito interno com normas de direito internacional são estas que prevalecem - na condição de não serem inconstitucionais -, o que se impõe ao legislador ordinário é o respeito devido às orientações da Constituição e, de entre estas, como tarefa fundamental do Estado, "os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático" - o que implica uma ordem jurídica interna sem espaços vazios de regulação, à mercê de serem preenchidos por fontes aleatórias de direito.
Por tudo isto, importa compreender que a tese de, com fundamento na Concordata, isentar a Igreja Católica da aplicabilidade das normas universais da lei da liberdade religiosa, por mais aliciante que seja na lógica do pragmatismo, é uma tese sem legitimidade. Tal atitude só seria admissível se a Concordata fosse - como na Constituição de 33 - fonte obrigatória de regulação das relações entre o Estado e a Igreja.
Para que tudo se compreenda melhor, a prevalência de um direito supra estadual com dispensa de direito interno verifica-se, em planos e com objectivos diferentes, no domínio do direito da União Europeia (no caso dos regulamentos) ou, amanhã, no caso do Tribunal Penal Internacional. Acontece é que, para ser assim, tem de haver previsão constitucional expressa. Esse, hoje, não é o caso da Concordata entre o Estado português e a Santa Sé, que, podendo regular relações na base de um vínculo internacional entre partes, todavia não pode substituir-se à necessidade constitucionalmente exigível de um regime não discriminatório em matéria de liberdade religiosa.
Não deixa de admitir-se como fundado o juízo de oportunidade sobre a importância de há muito se ter procedido à revisão e actualização do obsoleto regime concordatário vigente, o que - como em Itália ou em Espanha - teria podido favorecer tanto o bom clima dialogal com a Igreja Católica como a aprovação de uma lei geral da liberdade religiosa num quadro jurídico globalmente harmonioso. Mas esse é, em qualquer caso, um juízo de natureza política e não jurídica.
Persiste, pois, acima dos pontos de vista políticos, a seguinte questão incontornável: se o legislador voluntariamente se vinculou a legislar no domínio da liberdade religiosa; se o regime concordatário já não é exigência constitucional específica quanto ao modo de regulação das relações entre o Estado e a Igreja Católica; se a Concordata, como instrumento de direito internacional tem primado sobre o direito interno ordinário mas não é fonte de direito interno; se a Constituição não permite discriminações com fundamento na religião - com que justificação pode o legislador, no direito interno, pretender reconhecer direitos e estabelecer formas de relacionamento entre o Estado e as confissões religiosas com discriminação do âmbito de aplicação subjectiva e objectiva de normas de natureza universal?
A resposta só pode ser uma: se o legislador optar por tal caminho ofende o princípio constitucional da igualdade e da não discriminação.
2 - Visando contrariar tal ilação, têm alguns referido que o princípio constitucional da igualdade se concretiza tratando o igual igualmente e o desigual desigualmente, sendo que, no caso concreto, o peso histórico, social e cultural da Igreja Católica seria pressuposto fáctico bastante para justificar as diferenças de tratamento.
Nunca se contestou que a natureza e o significado social e cultural da IC, em Portugal, possa justificar uma relação especial com natureza de direito internacional, sem embargo de se constatar que muitos países de evidente tradição católica dispensaram relações de tal tipo.
Só que uma coisa são os processos especiais de formalização de urna certa relação estabilizada na ordem jurídica e outra, obviamente diferente, são as soluções materiais vigentes nessa ordem jurídica inerentes à realização de um princípio comum de justiça. No domínio das liberdades, o que a Constituição faz prevalecer é o respeito pela autonomia da personalidade como consequência do reconhecimento da dignidade da pessoa. As diferenças que devem ser respeitadas advêm do exercício dessa autonomia e do modo como se exprime, não do impulso de lei discriminatória: Assim, aonde se verifique tratamento diferenciado - as chamadas discriminações positivas - tal só pode ocorrer por razões de promoção da igualdade de oportunidades e nunca para estratificar ou consolidar desigualdades de situação.
Aliás, é a má compreensão do chamado direito à igualdade e à diferença que tem servido, infelizmente, em muitos tempos e lugares, para legitimar situações de homens livres em face de homens sem liberdade, inclusões e exclusões rácicas, religiosas, doutrinárias, económicas ou políticas.
Assentemos, pois, no rigor dos conceitos: a expressão e a realização das diferenças é inteiramente legítima mas na condição de ser suportada numa ordem pública democrática de garantia e de promoção jurídicas da igualdade de tratamento e de oportunidades, particularmente ao nível do exercício dos direitos fundamentais que integram o estatuto das liberdades. É legítimo regular estas com critérios distintos? Obviamente que não. O que é legítimo é regulá-las por forma a que do seu exercício em condições de igualdade efectiva venham a emergir, sem exclusões ou favorecimentos, as naturais diferenças - de crença, de fé, de convicção, sejam lá as que forem que, ditadas pela liberdade de consciência, se integrem na civilização da tolerância que é suposto querermos continuar a desenvolver.
3 - O âmbito de aplicação do artigo 58.° levanta ainda outro problema de grande melindre.
Ao aprovar disposições jurídicas em matéria de liberdade religiosa, que se integram no regime dos direitos, liberdades e garantias, a Assembleia da República exerce uma competência do seu domínio de reserva legislativa. Todavia, ao declarar que a lei geral da República será desaplicada não apenas face ao primado da Concordata ou dos regimes especiais dela derivados mas, também, nas relações com a IC, a benefício de quaisquer normas do direito pretérito e avulso, não necessariamente aprovado sob o regime dos direitos, liberdades e garantias, o que a Assembleia da República faz é retirar eficácia relativa a normas suas, aprovadas com inteira validade, não em benefício de um direito de valor hierarquicamente superior mas de outro susceptível até de ter sido aprovado sem cumprimento das próprias regras orgânicas de competência e com violação da separação de poderes.
Se o princípio geral de direito é o de que lei nova derroga lei velha, o que aqui temos, em contraste absoluto, é o de que lei velha derroga lei nova. Lei do regime dos direitos, liberdades e garantias! Lei geral da República!

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