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0002 | II Série A - Número 061S | 26 de Maio de 2001

 

MOÇÃO DE CENSURA N.º 3/VIII
AO XIV GOVERNO CONSTITUCIONAL

O País vive uma crise real. Trata-se de uma crise do modelo de desenvolvimento em que tem assentado a economia portuguesa, de uma crise de expectativas sociais e de uma crise de governação por esgotamento.
O Bloco de Esquerda tem apresentado uma análise crítica desta crise em evolução e tem defendido alternativas viáveis para a resolver. Nesse sentido, convoca o debate nacional. São precisas respostas imediatas e urgentes. A Assembleia da República tem a responsabilidade de contribuir para a clarificação política do País.

1 - Nos primeiros quatro meses do ano, a inflação acumulada já ultrapassou a que o Governo projectava para todo o ano, e que foi imposta como base para a negociação colectiva. Deste modo, o poder de compra dos trabalhadores e pensionistas está a ser degradado, e a recusa governamental em proceder a um aumento intercalar consagra uma política de desvalorização dos rendimentos de trabalho. Ao mesmo tempo que anuncia um programa de redução de despesas públicas que deixa antever um pacote de austeridade com inevitáveis reflexos negativos nos salários de 2002.
Esta política é tanto mais grave quanto assenta numa estratégia de desenvolvimento que, fazendo depender a vantagem competitiva das empresas dos baixos salários e qualificações e ainda da fraude fiscal generalizada, torna a economia incapaz de responder a choques externos e à concorrência, criando o perigo e já a realidade do crescimento de um desemprego latente e disfarçado. A abertura do mercado europeu dos têxteis, prevista para breve e com a consequente possível queda das exportações portuguesas de um sector intensivo em mão-de-obra, exige uma resposta preparada e que promova um novo modelo de desenvolvimento que garanta direitos e aumente a qualificação do trabalho e a inovação tecnológica, informacional e organizacional.
2 - O endividamento externo atinge níveis inéditos, comprometendo grande parte do produto nacional. O agravamento permanente do deficit comercial, a diminuição das remessas dos emigrantes e o encerramento do período dos fundos estruturais, são três factores que contribuem decisivamente para acentuar a dependência externa.
Portugal viveu a crédito nos últimos anos: a banca foi pedindo emprestado para emprestar aos seus clientes, e a União foi financiando projectos infra-estruturais e outros. Não se gerou a capacidade de crescimento sustentado em convergência real. Sem os fundos e o endividamento, Portugal teria entrado em rota de divergência real desde há largos anos, e agora tem a dívida por pagar.
Criou-se assim uma situação insustentável, particularmente agravada pela inexistência de margens de manobra para políticas monetárias, cambiais e orçamentais autónomas, tal como foi determinado pelo Tratado de Maastricht. Um país em que as taxas de juro não respondem à inflação e em que a taxa de câmbio não responde à competitividade é extremamente vulnerável e, por isso, Portugal corre o risco da periferização no processo de integração europeia.
3 - A política de privatizações, disse-se, teve como um objectivo reduzir a dívida pública de acordo com os critérios europeus, mas não acautelou a criação de centros de decisão em sectores estratégicos como os transportes, o sistema financeiro, as comunicações, a energia. Neste contexto, as privatizações têm dado origem a dúvidas, escândalos e erros clamorosos de gestão, como são os casos do acordo entre a TAP e a Swissair ou da privatização agora anulada judicialmente do Banco do Fomento Exterior.
Mais ainda, a política facilitista em relação aos negócios à margem da regulamentação ou das obrigações de verdade e transparência fiscal tem provocado sucessivas dificuldades. O exemplo do processo da União Europeia contra as regras do offshore da Madeira é conclusivo a este respeito. No mesmo sentido, a discriminação que representa o perdão fiscal aos clubes de futebol demonstra a incapacidade do Governo em enfrentar poderes estabelecidos e em fazer cumprir regras uniformizadoras e moralizadoras.
4 - Ora, em vez de procurar resolver estas dificuldades, mobilizando forças sociais para reformas fundamentais e para uma nova estratégia de crescimento, o Governo do Partido Socialista, no seu segundo mandato e ao fim de seis anos, enreda-se numa crise que evoca a dos últimos anos do governo de Cavaco Silva. O Governo torna-se incapaz de responder aos problemas, remodela-se frequentemente e sem consequências, multiplica os incidentes políticos na sua própria área de apoio, não cumpre as suas promessas eleitorais e mergulha num situacionismo sem projectos nem ideias.
A multiplicação de institutos públicos como forma normal de gestão exprime do mesmo modo a vontade de escapar à responsabilidade de uma reforma da administração, tornando-a mais eficiente e transparente, uma das promessas eleitorais do PS que tem vindo a ser abandonada. O caso da Fundação para a Prevenção e Segurança evidenciou que, mesmo a partir de um gabinete ministerial, se criavam funções e empregos externos cujas tarefas competiriam normalmente ao próprio gabinete.
Essas escolhas exprimem-se nos sucessivos Orçamentos do Estado, que foram viabilizados pelos grupos parlamentares da direita ou por um dos seus Deputados.
5 - Mas o erro mais grave da governação é a promoção da degradação dos serviços públicos, cuja qualidade é uma das condições da democracia, seja no sistema educativo seja na promoção dos cuidados de saúde.
A privatização acelerada do sistema de saúde, nomeadamente sob a forma da entrega de hospitais públicos à gestão privada, da ausência de uma política de medicamentos, do abandono da legislação em vigor e dos instrumentos nela previstos para a contratualização, para criação dos sistemas locais de saúde, para o desenvolvimento dos centros de saúde da terceira geração, para a definição de programas e de objectivos, testemunham ainda da determinação deste Governo em desrespeitar os seus compromissos para com o País.
6 - Em resposta a estas dificuldades, o Governo opta por grandes investimentos públicos ostentatórios e derivados de erradas prioridades nacionais.
A Lei da Programação Militar prevê uma despesa de centenas de milhões de contos ao longo dos próximos anos para a compra de material que não constitui prioridade para o País, em nome de um conceito de defesa que é desconhecido.
Os grandes projectos, como é o caso do TGV, são decididos ou anunciados sem consideração das alternativas e sem prévios estudos de viabilidade técnica e económica ou de impacto ambiental. O projecto do novo aeroporto da OTA é decidido em tais condições que a Comissão Europeia pede a suspensão do concurso do consultor técnico. O Euro'2004 é lançado com uma infracção consentida às regras de concurso público dos projectos de arquitectura dos estádios, e sofre um deslize orçamental ainda antes de começarem as suas obras. O mesmo já se passou anteriormente com a Expo'98, com o resultado de um deficit milionário, desmentindo promessas repetidas de equilíbrio financeiro.