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2195 | II Série A - Número 069 | 20 de Junho de 2001

 

se apura com referência às funções atribuídas às forças armadas pela Constituição: garantir a independência nacional, a integridade do território, a liberdade e a segurança das populações contra agressões ou ameaças externas, bem como satisfazer os compromissos internacionais do Estado português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte.
Já dizia Figueiredo Dias que "o direito penal militar só pode ser um direito de tutela dos bens jurídicos militares, isto é, daquele conjunto de interesses socialmente valiosos que se ligam à função militar específica: a defesa da Pátria, e sem cuja tutela as condições de livre desenvolvimento da comunidade seriam pesadamente postas em questão". É assim também que a jurisprudência constitucional mais recente afirma que "entre o direito penal geral e o direito penal cujo objecto está associado à actividade militar há, seguramente, uma relação de especialidade, no sentido de este último se referir à tutela de bens jurídicos especiais, inerentes às funções públicas ao serviço do Estado de direito democrático cometidas às forças armadas" (Ac. n.º 432/99, de 3 de Dezembro de 1999).
Daí que o novo Código considere crime estritamente militar "o facto lesivo dos interesses militares da defesa nacional e dos demais que a Constituição comete às forças armadas e como tal qualificado por lei".
Os crimes estritamente militares definem-se, assim, por conexão estreita com os valores da instituição militar constitucionalmente afirmados, os que se recortam na estrutura e funcionalidade dessa instituição em ordem àqueles valores.
Ora, na estrutura da instituição militar sobrelevam as características essenciais da hierarquia e disciplina. São elas que vão justificar - sempre em conjugação com a sua relevância constitucional directa - uma maior intensidade, em geral, da punição, com relação ao direito penal comum. Isto é assim quando neste lugar da hierarquia e disciplina se gera uma situação de incapacidade ou falta de prontidão para a realização das funções que às forças armadas são cometidas pela Constituição.
A essencialidade das características da hierarquia e disciplina leva, em certos casos, a um problema de delimitação dos tipos penais estritamente militares. São os casos em que no facto penalmente relevante a intensidade dessas características concorre com valorações próprias do direito penal comum. Isso torna inevitável a construção de tipos penais complexos, onde emerge uma natural dificuldade de arrumação sistemática, é dizer mesmo, uma dificuldade de repartição de tipos entre o CJM e o CP.
Pois se o carácter de estritamente militar se define pela unicidade ou prevalência do bem militar protegido pela incriminação, não é menos verdade que a qualidade de estritamente militar reconhecida a uma certa factualidade em que concorrem elementos materiais de direito penal comum justifica-se, em certos casos, na intensidade com que as circunstâncias de guerra se impõem à valoração do legislador, de tal modo que existe uma necessária consumpção da identidade destes na emergência de valores constitucionais militares ínsitos àquelas circunstâncias.
Para mais, factos penalmente relevantes capazes de subentrar no conceito constitucional de crime estritamente militar têm já concretização no Código Penal. É o caso dos artigos 236.º (Incitamento à guerra), 237.º (Aliciamento de forças armadas), 308.º (Traição à pátria), 309.º (Serviço militar em forças armadas inimigas), 310.º (Inteligências com o estrangeiro para provocar guerra), 311.º (Prática de actos adequados a provocar guerra), 312.º (Inteligências com o estrangeiro para constranger o Estado português), 313.º (Ajuda a forças armadas inimigas), 314.º (Campanha contra o esforço de guerra), 315.º (Sabotagem contra a defesa nacional), 316.º (Violação de segredo de Estado) e 321.º (Mutilação para isenção de serviço militar).
O novo Código ordena-se ao imperativo constitucional de uma horizontalização da justiça penal, ou seja, da inclusão possível do direito penal militar no direito penal comum. Perante o CP e o CPP - em regra aplicáveis - o CJM tem carácter de excepção. Ali onde se não convoca a Parte Geral do Código Penal ou o CPP é porque existe uma justificação constitucional.
O resultado da nova política legislativa, que em tais pressupostos assenta, é a notável redução do CJM em vigor. Sublinhe-se a enorme extensão do actual Código (cerca de 400 artigos) que, como se sabe, inclui normas substantivas e de processo, normas de administração e organização judiciárias, tipos penais de "textura" ampla que já não correspondem ao desafio do conceito constitucional de crime estritamente militar.
O novo Código reformula, em toda a linha, a velha ordem do direito penal militar. Aproximando a "cidadela militar" da "cidade civil", segundo a filosofia constitucional de modernização das forças armadas num Estado de direito democrático, ele refunde a normação em vigor: elimina e simplifica tipos, chama a regulação geral do direito penal e processual penal comuns e só subsiste autónomo em homenagem a um princípio de arrumação e economia de sistema, a servir de apoio à interpretação e à aplicação. O que está no novo Código são as normas que especializam princípios gerais de direito penal e processual penal, que tipificam crimes estritamente militares, que definem a organização judiciária militar em tempo de guerra.
Como se deixou afirmado, a arrumação sistemática dessas normas em diploma próprio mostra-se mais adequada porque facilitadora da acção dos operadores jurídicos, já que constitui um método simples e obvia a alterações avulsas em códigos como o CP e o CPP. Ao que acresce que o direito comparado mostra que na maioria dos países de cultura política europeia a normação do direito militar está codificada em lei própria, que é, afinal, de sua vez, revelação do carácter especial desse direito.
II - No sentido de realizar o desiderato constitucional de integração do sistema penal militar no sistema penal comum, a Parte Geral do CJM é, a título principal e não subsidiário, a Parte Geral do CP. Somente a necessidade de especializar momentos normativos da lei penal comum ou regular matérias por ela ignoradas leva à enunciação de uma Parte Geral do CJM. Tal opção harmoniza-se com o disposto no artigo 8.º CP, o qual determina que as suas disposições são aplicáveis aos factos puníveis pelo direito penal militar.
Suprimiu-se a referência à pena de prisão militar - que se designa agora de pena de prisão - por se entender que se trata da mesma realidade já prevista no CP. Contudo, mantém-se a forma diferenciada de execução da pena de prisão imposta a militares que não tenham perdido essa qualidade, que é o seu cumprimento em estabelecimento prisional militar com sujeição à disciplina militar. Esta forma de execução da pena de prisão, tão própria da instituição militar, facilitará a reintegração social do indivíduo na vida militar, após o cumprimento da pena.
Em matéria de penas, prevêem-se, como pena acessória, a expulsão das forças armadas e, como pena substitutiva, a multa.