O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0032 | II Série A - Número 004 | 09 de Maio de 2002

 

PROJECTO DE LEI N.º 1/IX
INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ

I - Introdução

Portugal continua a ter uma das mais atrasadas legislações penais da Europa em matéria de interrupção voluntária da gravidez. A lei penal portuguesa continua a tratar como criminosas as mulheres que recorrem à IVG.
Nos tempos mais recentes o debate em torno da despenalização da interrupção voluntária da gravidez ficou marcada pela realização em 1998 de um referendo nacional, acordado entre as lideranças do PS e do PSD, que incidiu sobre matéria constante num projecto de lei já aprovado, na generalidade, na Assembleia da República.
O referendo de 28 de Junho de 1998, em que votaram apenas 31,9% dos eleitores inscritos, não foi vinculativo, não existindo, portanto, qualquer limitação legal à capacidade de a Assembleia da República legislar neste campo. A Assembleia da República tem toda a legitimidade jurídica e também política para tratar esta questão. Não é aceitável que se invoque um referendo que foi imposto após uma votação na generalidade, impedindo a continuação do processo legislativo em curso, para negar legitimidade política à Assembleia da República para intervir nesta matéria.
Passados quase quatro anos comprova-se que a manutenção da criminalização do recurso à interrupção não tem qualquer eficácia no combate ao aborto clandestino. Estimam-se entre 20 a 40 000 os abortos clandestinos efectuados em Portugal em cada ano; nos últimos seis anos cerca de 9000 mulheres portuguesas deslocaram-se a Espanha aportar em clínicas privada espanholas; nas jovens entre os 15 e os 19 anos uma em cada 200 já abortou; nas jovens adultas de 19 anos essa proporção aumenta para uma em cada cinquenta (5%).
Em 1998 e 1999 foram registados e investigados pelas autoridades policiais 49 casos e em 2000 23 casos. Para além disso, registaram-se em 1998 e 1999 11 processos, com 13 arguidos, tendo sido condenadas oito pessoas.
Assumiu especial destaque, pela sua projecção mediática e pela onda de solidariedade nacional e internacional que gerou, o julgamento de 17 mulheres no tribunal da Maia, de que resultou, aliás, a condenação de uma delas. Caíram por terra os hipócritas argumentos de que da penalização inscrita na lei não resultaria julgamento e condenação efectiva. Entre outros assumiu também importância o recente julgamento de Setúbal, onde a ausência de perícias médicas e legais que provassem ter existido gravidez levou a que o processo fosse declarado nulo.
O PCP tem intervindo desde 1982 na Assembleia da República em matéria de alteração da lei penal, tendo na anterior legislatura apresentado igualmente um projecto de lei de despenalização da IVG que não chegou a ser discutido, mercê da dissolução da Assembleia da República.
Lutámos de forma empenhada em todos os momentos pela despenalização da IVG, ao mesmo tempo que nos empenhámos na consagração de medidas visando reduzir a sua prática. Propusemos e vimos consagradas medidas relativas à defesa da educação sexual, ao reforço das garantias do direito à saúde reprodutiva ou ao reconhecimento e protecção da função social da maternidade e paternidade, áreas em que continuaremos a lutar por mais direitos.
Foi, aliás, por iniciativa do PCP que se aprovaram já na VIII Legislatura a Lei n.º 9/2001, de 21 de Maio, que «Reforça os mecanismos de fiscalização e punição de práticas laborais discriminatórias em função do sexo», e a Lei n.º 90/2001, de 20 de Agosto, de «Medidas de apoio social às mães e pais estudantes».
Mas o reforço nos meios preventivos do aborto não elimina o problema do aborto clandestino, ainda que o atenue.
Por isso continua a ser essencial a despenalização, porque os graves problemas sociais das mulheres portuguesas continuam a empurrá-las para o aborto clandestino, realizado no estrangeiro ou, como é mais habitual, através do recurso à rede de prestação clandestina destes serviços ou utilizando bárbaros métodos caseiros ao dispor das menos afortunadas.
Todas estas mulheres são vítimas de uma lei penal geradora de mais danos do que aqueles que visa prevenir, sejam do foro físico ou psíquico. Por vezes perdem a própria vida.
Portugal não pode, pois, continuar a situar-se entre os países que negam à mulher a liberdade de decidir em matéria de direitos sexuais e reprodutivos, componente fundamental do direito à igualdade.

II - Síntese do projecto de lei

O projecto de lei que apresentamos corresponde no essencial aos projectos apresentados na anterior legislatura.
Propomos:
- A exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez quando realizada nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher para garantir o direito à maternidade consciente e responsável;
- Nos casos de mãe toxicodependente o alargamento do período atrás referido para as 16 semanas;
- A especificação de que, havendo risco de o nascituro vir a ser afectado pelo síndroma de imunodeficiência adquirida, o aborto (eugénico) poderá ser feito até às 24 semanas (situação que já está compreendida na actual lei, mas que convirá explicitar dadas algumas resistências ainda existentes relativamente à aplicação da lei);
- O alargamento de 12 para 16 semanas do prazo dentro do qual a IVG pode ser praticada sem punição, nos casos em que a mesma se mostre indicada para evitar perigo de morte ou de grave lesão para o corpo ou saúde física ou psíquica da mulher grávida. Na verdade, a vida demonstrou, nomeadamente nas doentes submetidas a tratamentos antidepressivos, a necessidade de alargamento do prazo;
- O alargamento para 24 semanas no caso de vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual quando menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica;
- A obrigação de organização dos serviços hospitalares, nomeadamente dos distritais, por forma a que respondam às solicitações de prática da IVG;

Páginas Relacionadas