O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 157

Sábado, 25 de Maio de 2002 II Série-A - Número 8

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

S U M Á R I O

Decreto n.º 1/IX:
Autoriza o Governo a alterar o Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, revendo o regime jurídico das mais-valias estabelecido pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, bem como a alterar o Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, revendo o regime aplicável aos rendimentos dos fundos de investimento.

Resolução:
Utilização de amianto em edifícios públicos.

Projectos de lei (n.os 25 a 28/IX):
N.º 25/IX - Designação da freguesia de Lamas de Podence (apresentado pelo Deputado do PS Mota Andrade).
N.º 26/IX - Designação da freguesia de Grijó de Vale Benfeito (apresentado pelo Deputado do PS Mota Andrade).
N.º 27/IX - Regime jurídico das terapêuticas não convencionais (apresentado pelo BE).
N.º 28/IX - Informação genética pessoal e informação de saúde (apresentado pelo BE).

Propostas de lei (n.os 99 e 112/VIII e n.os 3 e 4/IX):
N.º 99/VIII (Altera o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, relativo ao regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico):
- Relatório e parecer da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente.
N.º 112/VIII (Estabelece o limite mínimo de redução no valor das pensões de invalidez nas situações de acumulação destas prestações de segurança social com rendimentos do trabalho):
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e Assuntos Sociais.
N.º 3/IX [Altera a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro (Lei das Finanças das Regiões Autónomas)]:
- Relatório e parecer da Comissão de Economia e Finanças.
- Parecer do Governo Regional da Madeira.
- Parecer da Comissão de Planeamento e Finanças da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
- Parecer do Governo Regional dos Açores.
- Parecer da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
N.º 4/IX (Altera a Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho):
- Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
- Parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Página 158

0158 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

DECRETO N.º 1/IX
AUTORIZA O GOVERNO A ALTERAR O CÓDIGO DO IRS, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 442-A/88, DE 30 DE NOVEMBRO, REVENDO O REGIME JURÍDICO DAS MAIS-VALIAS ESTABELECIDO PELA LEI N.º 30-G/2000, DE 29 DE DEZEMBRO, BEM COMO A ALTERAR O ESTATUTO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 215/89, DE 1 DE JULHO, REVENDO O REGIME APLICÁVEL AOS RENDIMENTOS DOS FUNDOS DE INVESTIMENTO

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea d) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.º
Objecto

Fica o Governo autorizado a rever o regime de tributação das mais-valias previsto, designadamente, nos artigos 10.º, 43.º e 72.º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, e pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, e a rever o regime aplicável aos rendimentos dos fundos de investimento, previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, e pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro.

Artigo 2.º
Sentido e extensão

O sentido e a extensão da legislação a aprovar pelo Governo, nos termos do artigo anterior, são os seguintes:

a) Excluir de tributação as mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, bem como obrigações e outros títulos de dívida;
b) Obrigar a declarar a alienação onerosa das acções, ainda que detidas durante mais de 12 meses, bem como as datas das respectivas aquisições;
c) Aplicar uma taxa especial de 10% ao saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultante das operações previstas nas alíneas b), e) e f) do artigo 10.º do Código do IRS;
d) Prever a possibilidade de opção pelo englobamento nos casos previstos na alínea anterior, bem como do reporte do resultado negativo apurado num determinado ano, para os dois anos seguintes, aos rendimentos com a mesma natureza previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRS;
e) Sujeitar a tributação autónoma o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultante dos fundos de investimento, apurado em determinado ano, à taxa de 10%, quer aquelas sejam ou não obtidas em território português, nas mesmas condições em que se verificaria se desses rendimentos fossem titulares pessoas singulares residentes em território português.

Artigo 3.º
Duração

A presente autorização legislativa tem a duração de 90 dias.

Aprovado em 9 de Maio de 2002. O Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral.
RESOLUÇÃO
UTILIZAÇÃO DE AMIANTO EM EDIFÍCIOS PÚBLICOS

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo:

1 - Proceda, no prazo máximo de um ano, à inventariação de todos os edifícios públicos que contenham na sua construção placas de fibrocimento.
2 - Elabore uma listagem desses edifícios, fixe um plano de acção hierarquizado e calendarizado com vista à remoção dessas placas e à sua substituição por outros materiais, sempre que o estado destes materiais ou o risco para a saúde o justifiquem.
3 - Assegure a remoção de acordo com os procedimentos de segurança ambiental recomendados internacionalmente, concretamente no que respeita aos equipamentos, ao isolamento da área, à protecção dos trabalhadores, à correcta remoção, acondicionamento, transporte, armazenagem e deposição dos materiais de fibrocimento retirados.
4 - Proceda à análise da área libertada pela remoção de placas de fibrocimento, com vista a garantir a eliminação total de poeiras nas estruturas e no local.
5 - Submeta os trabalhadores e utilizadores com carácter frequente dos edifícios em causa a vigilância epidemiológica activa.
6 - Sem prejuízo da Directiva n.º 1999/77/CE, de 26 de Julho, se proíba desde já totalmente o uso de fibrocimento na construção de edifícios públicos, designadamente em construções escolares, em equipamentos de saúde e desportivos.

Aprovada em 16 de Maio de 2002. O Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral.
PROJECTO DE LEI N.º 25/IX
DESIGNAÇÃO DA FREGUESIA DE LAMAS DE PODENCE

A freguesia de Lamas de Podence, do concelho de Macedo de Cavaleiros e distrito de Bragança, dista cerca de 7 km de Macedo de Cavaleiros, encontrando-se na parte norte do concelho. Foi uma abadia da apresentação da mitra. Pertenceu até 1853 ao concelho de Cortiços e, depois disso, ao de Macedo de Cavaleiros.
Com cerca de 600 habitantes, tem como principais actividades económicas a agricultura, pecuária, construção civil, pequeno comércio e artesanato.
Destaca-se, do património da freguesia, a Igreja Paroquial e as Capelas de Nossa Senhora do Campo e de São Sebastião. A Igreja Paroquial, seiscentista, apresenta a fachada

Página 159

0159 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

rematada por um campanário. A capela-mor está pintada com cenas da vida de Cristo. Tem uma só nave e seis altares em talha dourada.
Nos últimos anos tem sido motivo de alguma perturbação a fixação da sua grafia «Lamas de Podence», porquanto existe uma outra freguesia vizinha, também integrada no concelho de Macedo de Cavaleiros, com a designação de Podence.
Tal situação tem provocado confusões diversas, nomeadamente no que diz respeito à distribuição da correspondência, com todas as consequências desagradáveis e bem prejudiciais que isso acarreta.
É vontade dos órgãos autárquicos representativos, no caso a assembleia de freguesia, a alteração do nome da freguesia de Lamas de Podence para freguesia de Lamas, não existindo mais nenhuma freguesia no concelho de Macedo de Cavaleiros com tal designação.
Nestes termos, e nos da Lei n.° 11/82, de 2 Junho, o Deputado do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo único

A freguesia de Lamas de Podence, no município de Macedo de Cavaleiros, fica a designar-se como freguesia de Lamas.

Palácio de São Bento, 14 de Maio de 2002. O Deputado do PS, Mota Andrade.
PROJECTO DE LEI N.º 26/IX
DESIGNAÇÃO DA FREGUESIA DE GRIJÓ DE VALE BENFEITO

A freguesia de Grijó de Vale Benfeito, do concelho de Macedo de Cavaleiros e distrito de Bragança, situa-se nas faldas da Serra de Bornes. Com cerca de 650 habitantes, Grijó de Vale Benfeito encontra-se hoje ligada à cidade de Macedo de Cavaleiros.
Grijó, topónimo usual no norte do País, é um nome de origem latina. Provém de ecclesiola, ou seja, pequena igreja. Deve referir-se a um templo de reduzidas dimensões que aí existiu em tempos remotos da sua história.
A população de Grijó de Vale Benfeito dedica-se essencialmente ao pequeno comércio, à agricultura, à pecuária, à carpintaria e fabricação de móveis.
A freguesia já é citada nas Inquirições de 1258. Segundo o documento ordenado por D. Afonso III em todas as paróquias do País, o pároco local recusou-se a dar qualquer informação sobre o padroado da Igreja e sobre qual o proprietário das terras da paróquia, não existindo, por isso, grandes informações sobre este período.
Grijó de Vale Benfeito pertenceu até 31 de Dezembro de 1853 ao concelho dos Cortiços. Quando este foi extinto, transitou para o de Macedo de Cavaleiros.
A fisionomia da freguesia de Grijó é marcada, naturalmente, pela Serra de Bornes. Dali podem observar-se paisagens de grande beleza. No Guia de Portugal, da Fundação Gulbenkian, Sant'Anna Dionísio referiu: «Horizontes alongados, mas não muito longínquos. Surge, à direita, a montanha de Bornes, harmoniosa e maciça. Os montados, relativamente monótonos, cedem lugar a uma nova paisagem, plana e simples, desafogada e aprazível. É a extensa concha verde e fecunda de Macedo de Cavaleiros».
A Igreja Paroquial, com toda a frontaria de alvenaria, é decerto um dos maiores motivos de interesse numa visita à freguesia. Seiscentista, foi construída por Martinho Afonso em 1680.
Ora, nos últimos anos tem sido motivo de alguma perturbação a fixação da sua grafia «Grijó de Vale Benfeito», porquanto existe uma outra freguesia vizinha, também integrada no concelho de Macedo de Cavaleiros, com a designação de Vale Benfeito. Tal situação tem provocado confusões diversas, nomeadamente no que diz respeito à distribuição da correspondência, com todas as consequências desagradáveis e bem prejudiciais que isso acarreta.
É vontade dos órgãos autárquicos representativos, no caso a assembleia de freguesia, a alteração do nome da freguesia de Grijó de Vale Benfeito para freguesia de Grijó, não existindo mais nenhuma freguesia no concelho de Macedo de Cavaleiros com tal designação.
Nestes ternos, e nos da Lei n.° 11/82, de 2 de Junho, o Deputado do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo único

A freguesia de Grijó de Vale Benfeito, no, município de Macedo de Cavaleiros, fica a designar-se como freguesia de Grijó.

Palácio de São Bento, 14 de Maio de 2002. O Deputado do PS, Mota Andrade.
PROJECTO DE LEI N.º 27/IX
REGIME JURÍDICO DAS TERAPÊUTICAS NÃO CONVENCIONAIS

Exposição de motivos

Nos países europeus para os quais existem estatísticas disponíveis as medicinas não convencionais são utilizadas por 25% a 60% da população. Nos últimos 30 anos aumentou significativamente o recurso às medicinas não convencionais, nomeadamente a naturopatia e homeopatia, a osteopatia e a acupunctura, a quiropraxia e a fitoterapia. Três em cada quatro europeus conhecem este tipo de medicinas e, de entre estes, 29% utilizam-nas nos respectivos cuidados de saúde. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), no seu comunicado de 16 de Maio de 2002, 75% da população de França usou medicinas complementares pelo menos uma vez, enquanto que no Canadá esta percentagem é de 60%, nos Estados Unidos de 42% e na Austrália de 48%, segundo o mesmo relatório da OMS de Maio de 2002 - Policy Perspectives on Medicine - Traditional Medicine, Growing Needs and Potencial, e na Alemanha grande parte da clínicas utiliza acunpunctura. Os medicamentos homeopáticos representam hoje mais de 1% das vendas brutas da indústria farmacêutica europeia. Em Inglaterra a despesas com medicinas alternativas e complementares atinge pelo menos 2300 milhões de libras por ano, segundo o mesmo texto da OMS.
Em Portugal existe um interesse crescente das populações por estas medicinas e terapêuticas, pelo que não se pode continuar a ignorar a sua existência. Até porque é importante assegurar aos doentes a maior liberdade possível de escolha de método terapêutico, garantindo-lhes o mais elevado nível de segurança e a mais correcta informação sobre a qualidade e eficácia das diversas disciplinas

Página 160

0160 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

e especialidades da naturologia. Começa também a generalizar-se, no seio do corpo médico convencional, a opinião de que diferentes métodos de tratamento, ou mesmo diferentes modos de encarar a saúde e a doença, não se excluem mas podem, pelo contrário, ser utilizados em alguns casos alternativa ou complementarmente. Aliás, segundo afirma a mesma comunicação da OMS, 25% dos produtos da medicina moderna são descendentes de plantas inicialmente utilizadas na medicina tradicional.
Existe um vasto leque de disciplinas naturológicas, algumas delas já reconhecidas nalguns países europeus, em especial a homeopatia, a quiropraxia, a naturopatia, a osteopatia, a fitoterapia, a medicina tradicional chinesa (incluindo a acupunctura), a shiatsu, a medicina antroposófica, entre outras. Em França a acupunctura é reconhecida pela Academia de Medicina desde 1950, podendo ser praticada por licenciados em medicina, e os medicamentos homeopáticos são reembolsados pela segurança social. A OMS considera que «a eficácia da acumpunctura no alívio da dor e da náusea está bem estabelecida (OMS, comunicado de 16 de Maio de 2002). Na Alemanha requere-se aos profissionais de medicinas não convencionais um exame de conhecimentos médicos de base, bem como uma inscrição no registo de profissão e todos os medicamentos homeopáticos ou antroposóficos estão incluídos na farmacopeia alemã. Existe uma comissão específica criada em 1978, onde estão representadas as diversas disciplinas desta área da medicina. No Reino Unido e Irlanda existem vários hospitais homeopáticos e os profissionais sem formação médica podem praticar uma terapia, desde que não pretendam fazê-lo enquanto licenciados em medicina. Em 1993 foi instituído o Osteopaths Act que regulamenta a profissão de osteopata. Em 1994 foi também aprovado o Chiropractors Act que legaliza a quiropraxia. Nos Estados Unidos, Canadá, Noruega, Suécia e Austrália existem leis que regulam a quiropraxia. Nos Países Baixos foi aprovada, em 1993, uma lei relativa às profissões do sector dos cuidados de saúde individual, que autoriza à prática da medicina, reservando, no entanto, alguns actos para profissionais autorizados, e a lei institui também sanções para quem prejudicar a saúde das pessoas. Na Dinamarca e Suécia os não médicos e os paramédicos podem exercer as medicinas não convencionais dentro de certos limites estabelecidos na lei; e a quiropraxia é legalmente reconhecida como «profissão de cuidados». Nos Estados Unidos o Congresso decidiu criar, em 1992, o Office for Alternative Medicine no âmbito do National Institute of Health, e ampliou o seu mandato em 1999, dotando-o de um orçamento de 68 milhões de dólares. Em 2000 a Presidência criou o White House Commission on Alternative Medicine.
É neste entendimento que a Organização Mundial de Saúde, no seu relatório de Maio de 2002 - Policy Perspectives on Medicine - Traditional Medicine, Growing Needs and Potential -, fixa quatro objectivos para a estratégia da organização para 2002-2005:

1) Objectivo de política: «integrar as medicinas tradicionais e alternativas nos sistemas nacionais de saúde, como for apropriado, através do desenvolvimento e implementação de políticas e programas sobre medicinas tradicionais e alternativas»;
2) Objectivo de segurança, eficácia e qualidade: «promover a segurança, eficácia e qualidade das medicinas tradicionais e alternativas pela via da expansão da base de conhecimento sobre as medicinas tradicionais e alternativas, e pela disponibilização de orientações sobre os padrões de regulação e de assistência»;
3) Objectivo de acesso: «melhorar a disponibilidade e acessibilidade às medicinas tradicionais e alternativas, como for apropriado, com ênfase para o acesso das populações pobres»;
4) Objectivo de uso racional: «promover o uso terapeuticamente correcto das medicinas tradicionais e alternativas apropriadas, pelos consumidores e pelos fornecedores».

Outro relatório da OMS - Traditional Medicine Strategy 2002-2005 - desenvolve estes mesmos pontos programáticos essenciais.
Ao nível da União Europeia, o Conselho adoptou, em 1992, as Directivas n.º 92/73 e n.º 92/74 relativas aos medicamentos homeopáticos, de forma a criar um enquadramento legal que permitisse o acesso dos doentes aos medicamentos por eles escolhidos, desde que fossem tomadas todas as precauções para assegurar a qualidade e segurança dos referidos produtos; a informação muito clara junto dos utilizadores do carácter homeopático dos medicamentos; e a harmonização de regras relativas ao fabrico, controlo e inspecção. No relatório sobre o Estatuto das Medicinas não Convencionais, elaborado, em 1997, pela Comissão do Meio Ambiente, Saúde Pública e da Defesa do Consumidor, do Parlamento Europeu, consta a referência da não aplicação da Directiva n.º 92/74, que se refere a medicamentos homeopáticos veterinários, por parte de países como França, Inglaterra, Bélgica e Portugal.
Em relação à Directiva n.º 92/73, registou-se a transposição para Portugal através do Decreto-Lei n.º 94/95, de 8 de Maio. Apesar deste avanço, onde se regulamenta a introdução no mercado de produtos homeopáticos, continua a existir uma lacuna legislativa sobre medicinas não convencionais, que urge suprimir, integrando-as no sistema de saúde, de harmonia com a lei de bases da saúde. Torna-se indispensável legalizar o estatuto dos profissionais destas medicinas e fixar as condições de formação e certificação. Considera-se ainda de fundamental importância prever a comparticipação dos cuidados e medicamentos por parte do Serviço Nacional de Saúde. Terá alcance limitado legislar sobre o estatuto das medicinas não convencionais se, posteriormente, não for dada a possibilidade aos seus utilizadores de aceder a produtos e cuidados terapêuticos que considerem indispensáveis. E se existir discriminação ao nível da comparticipação essa liberdade de escolha não se concretiza - e tal decisão deve naturalmente ser o passo seguinte da modernização legislativa em Portugal, uma vez estabilizada a regulamentação da prática das medicinas alternativas, tal como prevê este projecto de lei.
O presente projecto de lei procura, perante o vazio legislativo existente em Portugal nestas matérias, lançar as primeiras bases de uma regulamentação das medicinas não convencionais. Retoma os termos do texto de substituição aprovado na Comissão de Saúde da Assembleia da República nos finais da legislatura anterior, estabelecido após audições e discussão suscitadas pelo projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda e aprovado na generalidade. No entanto, acrescenta à definição das medicinas e terapêuticas não convencionais aquelas que são reconhecidas na restante legislação europeia.

Página 161

0161 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

Assim, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei nos termos constitucionais e regimentais:

Capítulo I
Objecto e princípios

Artigo 1.º
(Objecto)

A presente lei estabelece o enquadramento da actividade e do exercício dos profissionais que aplicam as medicinas não convencionais, tal como são definidas pela Organização Mundial de Saúde.

Artigo 2.º
(Âmbito de aplicação)

A presente lei aplica-se a todos os profissionais que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais reconhecidas no presente diploma.

Artigo 3.º
(Conceitos)

1 - Consideram-se terapêuticas não convencionais aquelas que partem de uma base filosófica diferente da medicina convencional e aplicam processos específicos de diagnóstico e terapêuticas próprias.
2 - Para efeitos de aplicação da presente lei são reconhecidas como terapêuticas não convencionais as praticadas pela acupunctura e medicina tradicional chinesa, a homeopatia, a osteopatia, a naturopatia, a fitoterapia e a quiropraxia.

Artigo 4.º
(Princípios)

São princípios orientadores das terapêuticas não convencionais:

1 - O direito individual de opção pelo método terapêutico, baseado numa escolha informada sobre a inocuidade, qualidade, eficácia e eventuais riscos.
2 - A defesa da saúde pública, no respeito do direito individual de protecção de saúde.
3 - A defesa dos utentes, que exige que as terapêuticas não convencionais sejam exercidas com um elevado grau de responsabilidade, diligência e competência, assentando na qualificação profissional de quem as exerce e na respectiva certificação.
4 - A defesa do bem estar do utente, que inclui a complementaridade com outras profissões de saúde.
5 - A promoção da investigação científica nas diferentes áreas das terapêuticas não convencionais, visando alcançar elevados padrões de qualidade, eficácia e efectividade.
6 - A autonomia técnica e deontológica com que devem ser exercidas as terapêuticas não convencionais, respeitando a ética e boas práticas da profissão.

Capítulo II
Qualificação e estatuto profissional

Artigo 5.º
(Autonomia técnica e deontológica)

É reconhecida autonomia técnica e deontológica no exercício profissional da prática das terapêuticas não convencionais.

Artigo 6.º
(Tutela e credenciação profissional)

A prática de terapêuticas não convencionais será devidamente credenciada e tutelada pelo Ministério da Saúde.

Artigo 7.º
(Formação e certificação de habilitações)

A definição das condições de formação e de certificação de habilitações para o exercício de terapêuticas não convencionais cabe ao Ministério da Educação.

Artigo 8.º
(Comissão técnica)

1 - É criada no âmbito dos Ministérios da Saúde e da Educação uma comissão técnica, órgão consultivo, adiante designada por Comissão, com o objectivo de estudar e propor os parâmetros gerais de regulamentação das terapêuticas não convencionais.
2 - A Comissão poderá reunir em secções especializadas criadas para cada uma das terapêuticas não convencionais com vista à definição dos parâmetros específicos de credenciação, formação e certificação dos respectivos profissionais.
3 - A Comissão cessará as suas funções logo que implementado o processo de credenciação, formação e certificação dos profissionais das terapêuticas não convencionais, que deverá estar concluído até ao final do ano de 2003.

Artigo 9.º
(Funcionamento e composição)

1 - Compete ao Governo regulamentar o funcionamento e a composição da Comissão e das secções especializadas, que deverão integrar, designadamente, representantes dos Ministérios da Saúde e da Educação e de cada uma das terapêuticas não convencionais e, caso necessário, peritos de reconhecido mérito na área da saúde.
2 - Cada secção especializada deverá integrar representantes dos Ministérios da Saúde e da Educação, da área das terapêuticas não convencionais a regulamentar e, caso necessário, peritos de reconhecido mérito nessas áreas.

Artigo 10.º
(Competências)

Compete à Comissão:

1 - Elaborar o seu regulamento interno;
2 - Proceder à recolha de documentação sobre a regulamentação e os conteúdos dos cursos reconhecidos

Página 162

0162 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

na União Europeia, ou fora dela, caso esse facto seja relevante para a prossecução dos objectivos a atingir;
3 - Proceder à recolha de estudos actualizados sobre a evolução da investigação e avaliação da segurança, qualidade e eficácia das terapêuticas não convencionais;
4 - Divulgar os dados relevantes junto dos profissionais e do público em geral;
5 - Propor os critérios de credenciação, formação e certificação dos profissionais das terapêuticas não convencionais;
6 - Acompanhar junto dos Ministérios da Saúde e da Educação o processo de certificação dos profissionais e o processo de legalização das entidades de ensino e formação das terapêuticas não convencionais.

Artigo 11.º
(Do exercício da actividade)

1 - A prática de terapêuticas não convencionais só pode ser exercida, nos termos deste diploma, pelos profissionais detentores das habilitações legalmente exigidas e devidamente credenciados para o seu exercício.
2 - Os profissionais que exercem as terapêuticas não convencionais estão obrigados a manter um registo individualizado de cada utente.
3 - O registo previsto no número anterior deve ser organizado e mantido de forma a respeitar nos termos da lei as normas relativas à protecção dos dados pessoais dos utentes.
4 - Os profissionais das terapêuticas não convencionais devem obedecer ao princípio da responsabilidade no âmbito da sua competência e, considerando a sua autonomia na capacidade de diagnóstico e instituição da respectiva terapêutica, ficam obrigados a informar, sempre que as circunstâncias o justifiquem, acerca do prognóstico e duração do tratamento, sendo por isso responsáveis e passíveis de escrutinação.
5 - Será elaborado um código deontológico e de boas práticas pelas associações representativas dos profissionais abrangidos pela presente lei.

Artigo 12.º
(Locais de prestação de cuidados de saúde)

1 - Os consultórios e outros locais onde sejam prestados cuidados de saúde na área das terapêuticas não convencionais só podem funcionar sob a responsabilidade de profissionais devidamente certificados.
2 - Nestes locais será afixada a informação onde conste a identificação dos profissionais que neles exerçam actividade.
3 - As condições de funcionamento e licenciamento dos locais onde se exercem as terapêuticas não convencionais regem-se de acordo com o estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 13/93, de 15 de Janeiro, que define o licenciamento das unidades privadas de saúde, com as devidas adaptações.

Capítulo III
Dos utentes

Artigo 13.º
(Direito de opção e de informação e consentimento)

1 - Os cidadãos, ao beneficiarem dos cuidados de saúde, têm direito a escolher livremente as terapêuticas que entenderem.
2 - Os profissionais das terapêuticas não convencionais, no respeito pelo princípio da liberdade de escolha do utente, devem abster-se de praticar actos sem o consentimento informado do utente.

Artigo 14.º
(Confidencialidade)

O processo de cada utente, em posse dos profissionais que exercem terapêuticas não convencionais, é confidencial e só pode ser utilizado ou cedido mediante autorização expressa do próprio utente.

Artigo 15.º
(Direito de queixa)

Os utentes das práticas de terapêuticas não convencionais, para salvaguarda dos seus interesses, podem participar as ofensas resultantes do exercício de terapêuticas não convencionais aos organismos com competências de fiscalização do Ministério da Saúde.

Artigo 16.º
(Publicidade)

Sem prejuízo das normas especialmente previstas em legislação especial, a publicidade de terapêuticas não convencionais rege-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 6/95, de 17 de Janeiro.

Capítulo IV
Fiscalização e infracções

Artigo 17.º
(Fiscalização e sanções)

A fiscalização do disposto na presente lei e a definição do respectivo quadro sancionatório serão objecto de regulamentação por parte do Governo.

Artigo 18.º
(Infracções)

Os profissionais abrangidos por este diploma que lesem a saúde dos utentes ou realizem intervenções sem o consentimento do paciente são abrangidos pelos artigos 150.º, 156.º e 157.º do Código Penal, em igualdade de circunstâncias com os demais profissionais de saúde.

Página 163

0163 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

Capítulo V
Disposições finais

Artigo 19.º
(Regulamentação)

O presente diploma será regulamentado no prazo de 180 dias após a sua entrada em vigor.

Artigo 20.º
(Entrada em vigor)

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 23 de Maio de 2002. Os Deputados do BE: João Teixeira Lopes - Francisco Louçã.
PROJECTO DE LEI N.º 28/IX
INFORMAÇÃO GENÉTICA PESSOAL E INFORMAÇÃO DE SAÚDE

Exposição de motivos

A investigação sobre o mapa genético e os cuidados de saúde:
Com a apresentação da sequenciação do genoma humano a 12 de Fevereiro de 2001 deu-se um passo fundamental para o conhecimento em biologia e medicina. A investigação genética constitui uma das promessas mais importantes para o avanço científico, para a resposta a problemas graves da vida humana e para a procura de novos procedimentos, técnicas e terapêuticas, aumentando a capacidade de diagnóstico de várias doenças.
A possibilidade de utilização da biologia molecular como meio complementar de diagnóstico, acessível à utilização pelos profissionais de saúde, é por isso simultaneamente uma oportunidade de progresso dos cuidados de saúde e uma responsabilidade para o sistema de saúde.
A regulação do uso da técnica dos testes genéticos é tanto mais importante quanto esta permite o estudo de pessoas saudáveis, na sequência de aconselhamento genético em famílias em risco ou de rastreios genéticos na população.
Os resultados de um teste genético podem oferecer informação que era desconhecida para o próprio, podem fornecer informação cujo significado não seja suficientemente claro e possa ser mal interpretado, pode fornecer informação sobre outros familiares ou modificar o seu risco para certas doenças, e pode conduzir a uma classificação definitiva das categorias de risco que permitam ou promovam a sua discriminação.
Considerando que se torna hoje possível, nomeadamente:

a) A detecção pré-sintomática de portadores para doenças autossómicas dominantes;
b) A detecção do estado de heterozigotia para doenças autossómicas recessivas e ligadas ao sexo;
c) A detecção de genes de susceptibilidades para doenças comuns com hereditariedade complexa (predisposições herdadas);

é imperativo definir o quadro legal em que se podem realizar estes testes.
Ora, a aplicação destes testes em pessoas saudáveis é adequada desde que tal seja a vontade expressa dessas pessoas, e se os testes de susceptibilidades e pré-sintomáticos estiverem indicados por razões médicas e forem precedidos e seguidos de aconselhamento genético. Mas, do mesmo modo, é indispensável estabelecer condições de acompanhamento psicológico e social no caso particular das doenças com início na vida adulta e ainda sem cura ou tratamento disponível, dado que podem ser geradas graves perturbações emocionais, familiares e sociais, se tais cuidados não acompanharem o processo de teste.
Neste contexto, organismos internacionais, bem como diversos Estados nacionais, têm vindo a definir os princípios que devem regular a utilização da informação genética. Em particular, têm sido impostas severas restrições à possibilidade de utilização dessa informação para outros fins que não os da prestação dos melhores cuidados de saúde e, sobretudo, têm sido tomadas medidas legislativas e outras no sentido de impedir que o conhecimento de informação genética possa permitir a introdução de qualquer forma de discriminação entre os cidadãos.
Uma dessas formas potenciais de discriminação seria o estabelecimento de restrições ou diferenças de preço no acesso a contrato de seguros. As condições dos seguros de vida (necessários na maioria das circunstâncias para a obtenção de crédito à aquisição de habitação própria), ou dos seguros de saúde (em complementaridade aos serviços de saúde públicos) não devem ser determinadas pelo acesso à informação genética. As seguradoras contabilizam já de qualquer modo os seus próprios riscos, no montante dos prémios que estabelecem e que se baseiam em riscos populacionais médios. Por isso mesmo, não pode ser aceite que a realização de testes genéticos seja imposta como condicionante do estabelecimento dos contratos de seguros, tanto mais que os testes pré-sintomáticos, os únicos que permitem uma alta fiabilidade, se aplicam apenas no caso de doenças monogénicas, as quais são muito raras. Os testes de genes de susceptibilidades para as doenças comuns (de etiologia complexa) não têm, na esmagadora maioria das situações, um valor predictivo que permita afirmar ou excluir um risco significativamente aumentado que seja relevante para cada caso individual.
Pelas mesmas razões, os testes genéticos não podem ser considerados para efeitos de contratos de trabalho. Torna-se necessário, por isso, regulamentar o acesso a informação e a testes genéticos no trabalho, em nome do direito ao emprego e da solidariedade social, tanto mais que o consentimento informado adquire um valor muito relativo em situações de vulnerabilidade social, como são as do emprego e consequente estabilidade económica.
Mais ainda: a possibilidade de detectar indivíduos saudáveis que, no futuro, poderão vir a ser afectados com uma doença grave suscita questões relevantes de ordem ética, atendendo à possibilidade de discriminação social ou económica. Diversas empresas, em particular companhias de seguros, empregadores e agências de adopção, podem procurar obter acesso privilegiado a essa informação para minorarem os seus riscos ou determinarem procedimentos economicamente mais rentáveis. O mesmo risco existe quando profissionais de saúde ou outros que tenham conhecimento dos resultados de testes genéticos facilitem essa informação às empresas com as quais têm vínculo laboral, quando essa informação é, por definição, propriedade do indivíduo testado e não pode ser divulgada sem a sua autorização explícita.

Página 164

0164 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

Em particular, deve ser evitado por todas as formas que considerações relativas a seguros de vida e de saúde, incluindo os respectivos critérios de selecção, influenciem negativamente as decisões de pessoas em risco de procurar e obter a realização de testes genéticos. Mas, se é certo que no caso das doenças comuns existe quase sempre uma pequena percentagem de famílias com transmissão autossómica dominante, com risco bastante mais elevado, na grande maioria dos casos os genes envolvidos são múltiplos e em combinações variadas.
Assim sendo, pode ser complexa a interacção entre estes genes e entre eles e os factores ambientais, fazendo com que o valor predictivo destes testes seja muito pequeno, tornando-os muito incertos ou mesmo inúteis na maioria das situações, podendo mesmo ser prejudiciais, particularmente quando se trate de doenças sem cura conhecida ou em estudo, ou quando efectuados sem aconselhamento genético que permita obter informação sobre o significado real dos seus resultados. É por essa razão que, não sendo em muitos casos possível separar claramente as situações de risco um pouco aumentado ou um pouco diminuído, relativamente à população em geral, o uso de testes genéticos deve obedecer a estritas normas de acompanhamento que evitem criar situações de perturbação emocional, de mal estar e de receio, ou de atitudes sociais contra pessoas, nomeadamente no emprego e no acesso a garantias e direitos fundamentais.
O presente projecto de lei, por isso, propõe medidas para incentivar a investigação genética, para estabelecer a sua credibilidade científica e para desenvolver um sistema de saúde atento a esta área da ciência fundamental, e define regras para precaver, evitar e punir eventuais abusos. De facto, além da investigação laboratorial propriamente dita, a promoção do conhecimento do genoma humano impõe igualmente a regulação do uso desse conhecimento.
É do entendimento do Bloco de Esquerda que o projecto de lei vai ao encontro de um amplo consenso entre a comunidade científica e entre os legisladores acerca da importância da protecção destes direitos fundamentais da pessoa humana. Em particular, o projecto de lei vai ao encontro das considerações e recomendações que estão incluídas no parecer sobre as implicações éticas da genómica, publicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (40/CNECV/01), cujas conclusões indicam que:

«1 - Considerando que:

a) As investigações sobre o genoma e suas aplicações têm elevado interesse científico e social;
b) Os resultados já obtidos têm importantes consequências para o conhecimento e a imagem que o ser humano vai formando de si próprio, nomeadamente no que se refere à sua origem, à sua necessária solidariedade com o resto da biosfera, à sua margem de liberdade em relação à acção dos genes e à não-discriminação racial;
c) A protecção dos direitos e da dignidade dos seres humanos face a aplicações das novas tecnologias genéticas foi assegurada pela Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos do Homem, assim como pela Convenção dos Direitos do Homem e a Biomedicina, e que esta última foi ratificada pelo Estado português, tendo este Conselho previamente manifestado a sua concordância com os princípios éticos que lhe estão subjacentes;
d) A quebra de confidencialidade no respeitante a dados genéticos pode causar graves problemas de discriminação e estigmatização social;
e) Testes genéticos pré-sintomáticos, quando realizados fora do contexto de um acompanhamento psicossocial adequado podem causar graves perturbações psicológicas do próprio e discriminação social;
f) A selecção de características físicas dos filhos representa uma discriminação que limita, à partida, a sua liberdade;
g) O enquadramento jurídico das novas tecnologias é altamente desejável, bem como o esclarecimento das condições de patenteabilidade de sequências de DNA;
h) As possibilidades das aplicações médicas do conhecimento do genoma à saúde são importantes, mas apresentam limitações técnicas de eficácia, que não são geralmente conhecidas do público;

2 - O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida é de parecer que:

a) As investigações sobre o genoma e suas aplicações devem ser incentivadas,
b) As consequências dessas investigações para o conhecimento e a imagem que o ser humano vai formando de si próprio devem ser amplamente divulgadas e constituir objecto de ensino, nomeadamente no que se refere à origem evolutiva da nossa espécie, à solidariedade com as outras espécies, à margem de liberdade humana face à acção dos genes, assim como à luta contra o racismo;
c) Seja amplamente promovido o correcto conhecimento das opções éticas subjacentes às disposições da Convenção dos Direitos do Homem e a Biomedicina, assim como da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos do Homem e accionados os mecanismos conducentes à sua implementação;
d) Se revejam os mecanismos que asseguram a protecção da confidencialidade dos dados genéticos;
e) Testes genéticos pré-sintomáticos só devem ser realizados, com consentimento do próprio, por indicação de médico geneticista, na sequência de adequada consulta de acompanhamento psicossocial que, posteriormente, lhe continue a dar apoio;
f) A selecção das características físicas dos nascituros é eticamente inaceitável;
g) Sejam completadas as disposições jurídicas que protegem as pessoas de aplicações inapropriadas do conhecimento do genoma humano;
h) As possibilidades e as limitações técnicas das aplicações médicas do conhecimento do genoma devem ser correcta e amplamente divulgadas e discutidas, tanto na sociedade portuguesa em geral como, em especial, ao nível do ensino.»

O enquadramento constitucional e legislativo:
O presente projecto de lei entende-se como uma forma de desenvolver o preceito constitucional incluído no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, que define o direito à identidade genética. Este artigo estabelece, no seu n.º 3, que «A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade

Página 165

0165 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica».
A lei que venha a regular a informação genética pessoal deve ainda considerar os instrumentos internacionais que definem direitos essenciais da pessoa humana, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pelas Nações Unidas em 1948, a Convenção para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 1950, que consagra direitos humanos essenciais, a Carta Social Europeia, de 1961, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 1966, a Convenção para a Protecção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal, de 1981, que estabelece o direito à vida privada face ao tratamento de informação de carácter pessoal, entre outros tratados.
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no n.º 2 do seu artigo 3.º, defende a integridade do ser humano e consagra a proibição de clonagem para efeitos reprodutivos, bem como de comercialização do corpo humano ou de práticas eugénicas de selecção, e estabelece o princípio do consentimento livre e esclarecido da pessoa para a realização de testes.
Mas foi com a Convenção de Oviedo, estabelecida a 4 de Abril de 1997 e ratificada a 3 de Janeiro (Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina: Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina), que o direito internacional passou a dispor de uma regulação bem definida, que orienta as escolhas fundamentais neste domínio.
O artigo 1.° desta Convenção determina que «As partes na presente Convenção protegem o ser humano na sua dignidade e na sua identidade e garantem a toda a pessoa, sem discriminação, o respeito pela sua integridade e pelos seus outros direitos e liberdades fundamentais face às aplicações da biologia e da medicina» e o artigo 2.º estabelece o «rimado do ser humano» nomeadamente que « interesse e o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre o interesse único da sociedade ou da ciência»
Entre outras matérias, esta Convenção define o direito à informação do paciente, a proibição de discriminação na base do património genético, incluindo por isso a proibição de testes predictivos de doenças genéticas ou que permitam a identificação da pessoa como portadora de um gene responsável por uma doença, salvo para fins médicos ou de investigação científica e sem prejuízo de aconselhamento apropriado. Proíbe a criação de embriões com finalidade de investigação. Delimita as intervenções sobre o genoma humano apenas às que se justificam para efeitos predictivos e preventivos, de diagnóstico ou terapêuticas, desde que não tenham por objectivo modificar o genoma de descendência. No seu Protocolo Adicional a Convenção proíbe a clonagem de seres humanos, a criação de um ser humano geneticamente idêntico a outro ser humano vivo ou morto.
A Convenção de Oviedo e resoluções do Conselho da Europa, bem como diversas recomendações das Comunidades Europeias, da OCDE, da UNESCO, da OMS e da European Society of Human Genetics têm vindo a apresentar recomendações para responder aos riscos acrescidos de utilização indevida da informação genética, procurando igualmente garantir a confidencialidade e evitar a discriminação em função do património genético. A prática clínica e de aconselhamento genético em Portugal deve seguir essas orientações.
Para esse efeito, a presente iniciativa legislativa segue os passos dados pela Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001, que aprovou, para ratificação, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina, e ainda o Protocolo Adicional que Proíbe a Clonagem de Seres Humanos, aberto à assinatura a 12 de Janeiro de 1998 (Convenção de Oviedo). Essa Convenção e o Protocolo Adicional representam um instrumento importante de definição dos contornos necessários e, ética e deontologicamente, adequados para a investigação genética e para a utilização das suas consequências na prática dos cuidados de saúde.
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida emitiu um parecer sobre esta Convenção (Parecer n.º NECV/2000),em que, nomeadamente, alertava já então para «algumas lacunas existentes na legislação portuguesa que carecem de definição legal - tal é o caso de disposições relativas à reprodução medicamente assistida e protecção do embrião, de protecção de incapazes, utilização de partes do corpo humano, ou disposições relativas ao genoma humano». Aliás, a Assembleia aprovou legislação sobre essa a reprodução medicamente assistida, mas o Presidente da República vetou-a politicamente por razões que foram divulgadas, e esta lacuna jurídica continua a prolongar-se.
Debate sobre o projecto de lei:
Este projecto de lei resulta de uma iniciativa legislativa que foi apresentada durante a VIII Legislatura, e que foi aprovada pela Assembleia da República (projecto de lei n.º 455/VIII), mas cujo trabalho de especialidade não foi concluído devido à dissolução do Parlamento antes de terminar o seu mandato, nas circunstâncias que são conhecidas.
Durante o período do debate na generalidade diversas entidades pronunciaram-se sobre as questões suscitadas por esse projecto de lei, e a iniciativa agora presente à Assembleia corresponde a uma nova redacção que considera todos esses comentários, críticas e sugestões.
Uma das entidades que foi ouvida foi a direcção do Colégio da Especialidade de Genética Médica da Ordem dos Médicos, que contribuiu com sugestões e recomendações que foram adoptadas na elaboração deste projecto de lei.
A Comissão Nacional de Protecção de Dados apresentou igualmente um parecer muito detalhado, tendo sido aceites e retomadas as suas propostas de alteração ao articulado deste projecto de lei.
Do mesmo modo, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida publicou um parecer que analisa a anterior iniciativa legislativa, declarando, nomeadamente que «O projecto de lei ocupa-se de uma importante matéria, não suficientemente tratada na legislação existente e de crescente significado individual, familiar, social e sanitário, graças aos progressos registados, a ritmo acelerado, na ciência genética. Ao preocupar-se, fundamentalmente, com a defesa dos direitos das pessoas, doentes e sãs, com a confidencialidade e reserva da sua intimidade, o projecto de lei em apreço merece, indubitavelmente, ser considerado como útil e louvável iniciativa legislativa».
Assim, o Conselho apresentou um amplo conjunto de sugestões «para o aperfeiçoamento de um texto que a muitos títulos é de louvar, mormente quando propõe dispositivos legais para a regulação do recurso da testes genéticos,

Página 166

0166 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

proíbe a realização de testes predizentes sem consentimento informado ou sem condições de aconselhamento e acompanhamento, ou ainda quando proscreve a comercialização de testes sem indicação médica. O impedimento do recurso a testes genéticos por parte das seguradoras e das empregadoras, com fins discriminatórios, é igualmente de realçar, como toda a ênfase posta na garantia dos princípios de não discriminação, de confidencialidade e de protecção adequada dos sujeitos». Essas sugestões foram consideradas na preparação deste projecto de lei.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Liberdades, Direitos e Garantias da Assembleia da República aprovou um relatório detalhado sobre essa iniciativa da VIII Legislatura, chamando a atenção, entre outros, para um conjunto de legislação que serve de referência ao actual debate, nomeadamente a Lei n.º 3/84, de 24 de Março, sobre educação sexual e planeamento familiar, que se refere ao estudo e tratamento de situações de esterilidade, estudo e prevenção de doenças de transmissão hereditária, ao Decreto-Lei n.º 319/86, de 25 de Setembro, que garante a idoneidade de práticas de procriação assistida, à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde -, que reafirma o direito dos pacientes de decidir receber ou recusar a prestação de cuidados que é proposta, salvo disposição legal em contrário, à Lei n.º 12/93, de 22 de Abril, que regula a colheita e transplante de órgãos e tecidos de origem humana, ao Decreto-Lei n.º 97/94, de 9 de Abril, que define normas para ensaios clínicos a realizar em seres humanos, à Lei n.º 36/98, de 24 de Julho, que define o direito à informação do utente dos serviços de saúde mental e o direito de decidir participar ou não em ensaios clínicos. É no quadro desta legislação, entre outra, que se deve definir a regulação da informação genética pessoal.
Ainda durante o debate na generalidade tanto o PS quanto o PSD submeteram à Assembleia projectos de resolução, que vieram a ser aprovados com ampla maioria, acerca da mesma matéria. O projecto do PS, que tinha como primeiros subscritores Maria de Belém Roseira, Vera Jardim e Jorge Lacão, previa a organização de um amplo debate sobre a regulação da informação genética e sobre a reprodução medicamente assistida, debate que urge desenvolver para que o Parlamento possa fundamentar a lei num conhecimento detalhado das opções éticas e científicas que estão em causa. Defendia esta resolução a adopção dos seguintes princípios fundamentais:
«A Assembleia da República pronuncia-se pelos seguintes princípios fundamentais para a defesa e salvaguarda da dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano, que submete a debate público:

a) Primado do ser humano, com prevalência do seu bem estar sobre o interesse exclusivo da sociedade e da ciência;
b) Proibição de todas as formas de discriminação contra uma pessoa em virtude do seu património genético;
c) Consagração da liberdade do exercício da investigação científica no domínio da biomedicina, no respeito pela protecção do ser humano;
d) Garantia de que nenhuma intervenção que tenha por objecto modificar o genoma humano pode ser levada a efeito salvo por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas e somente se não tiver por finalidade introduzir uma modificação no genoma da descendência;
e) Garantia de que as intervenções admissíveis no domínio genético dependem sempre do consentimento livre e esclarecido da pessoa, assegurando-se protecção e adequada representação a quem careça de capacidade para o prestar;
f) Proibição de testes predictivos de doenças genéticas ou que permitam quer a identificação do indivíduo como portador de um gene responsável por uma doença quer a detecção de uma predisposição ou de uma susceptibilidade genética a uma doença, salvo para fins médicos ou de investigação médica e sem prejuízo de um aconselhamento genético apropriado;
g) Proibição de utilização de qualquer informação genética por parte de quaisquer entidades públicas, privadas ou do sector social para efeitos de selecção adversa no que respeita ao exercício do direito ao trabalho, do direito de acesso a prestações sociais e do direito de celebração de contratos de seguro;
h) Respeito rigoroso pelo sigilo dos dados pessoais no domínio genético, revelados pelo próprio ou apurados através de testes, garantindo-se aos mesmos protecção reforçada em termos de acesso, segurança e confidencialidade, bem como separação lógica em relação à restante informação pessoal;
i) Garantia aos cidadãos de um acesso equitativo aos cuidados de saúde de qualidade apropriada em matéria de saúde, incluindo a aplicação, em Portugal ou no estrangeiro, das técnicas de biologia molecular, designadamente nos diagnósticos clínico, do estado de heterozigotia, pré-sintomático e pré-natal, tendo em conta as necessidade de saúde e os recursos disponíveis.»

O projecto do PSD, que tinha como primeiros subscritores os então Deputados Manuela Ferreira Leite e Pedro Roseta (projecto de resolução n.º 139/VIII), intitulado «Defesa e salvaguarda da informação genética pessoal», sugeria, nomeadamente, as seguintes medidas que ficam consagradas em grande medida com o presente projecto de lei:
«I - Regulamentação urgente da aplicação de testes genéticos, diagnósticos ou predictivos nos cuidados de saúde nacionais, observando regras específicas e estritas de consentimento informado e de fins médicos ou de investigação médica;
II - Garantia de confidencialidade, de direito à informação total e de respeito pela vida privada no que toca a informações obtidas pelos testes genéticos individuais;
III - Reforço do aconselhamento genético especializado junto da população portuguesa, designadamente através de novos esquemas de formação específicos sobre genética humana para a classe médica portuguesa;
IV - Interdição do uso da informação genética pessoal para negar, limitar ou cancelar apólices de seguro ou, bem assim, estabelecer taxas diferenciadas e pagamento de prémios com base nessa informação, por parte das empresas seguradoras;
V - Proibição expressa do requerimento ou feitura de quaisquer testes genéticos como condição ou quesito para admissão, contratação ou concessão de benefícios por parte de todas as entidades empregadoras públicas ou privadas, das instituições de ensino, das forças armadas e outras a considerar;

Página 167

0167 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

VI - Proibição a todas as entidades empregadoras públicas ou privadas de uso de informação genética pessoal com qualquer fim não expressamente consentido pelo próprio detentor, e, designadamente, para discriminar, limitar, segregar ou classificar os seus trabalhadores;
VII - Aprofundamento do debate nacional sobre a defesa e salvaguarda da informação genética pessoal, com constante apreciação das implicações sociais, científicas, jurídicas e éticas, no sentido de maior consciencialização colectiva e melhor resposta às questões emergentes do desenvolvimento da ciência genética humana.»

O presente projecto de lei é coerente com os princípios e critérios essenciais apresentados pelas duas resoluções submetidas pelo PS e pelo PSD na legislatura anterior, e beneficia da discussão desse conjunto de resoluções e pareceres, procurando estabelecer as bases para um consenso expressivo que permita superar as insuficiências da legislação portuguesa nestas matérias.
O presente projecto de lei:
No sentido de proceder a um definição legal mais abrangente procede-se, nesta lei, a precisar como se protegem os interesses das pessoas que são objecto de testes genéticos para efeitos diagnósticos, predictivos, preventivos, terapêuticos ou outros. Atendendo a que diversos laboratórios efectuam testes genéticos e entregam directamente aos doentes os respectivos resultados, sem a intervenção de médicos que procedam ao aconselhamento genético a doentes e familiares, e a que há o risco da sua venda livre ao público, entendem os proponentes que se deve definir quer a decisão de pedir a um laboratório tal teste quer a entrega do seu resultado como um acto médico. Salvaguarda-se, assim, a intervenção do médico nos aspectos especificamente médicos do aconselhamento genético ao doente e à sua família.
O projecto de lei, ao tratar da informação médica e de saúde, inclui igualmente medidas que acautelam os direitos do cidadão em relação ao processamento de dados pessoais, particularmente no que respeita a dados sensíveis, aplicando a lei geral no que diz respeito à protecção desse direito.
Do mesmo modo, adopta-se a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo a qual o controlo do DNA deve ser não só individual mas também familiar, e que estabelece que familiares directos possam ter acesso, em circunstâncias bem precisas, a amostras armazenadas.
Em resumo, o presente projecto de lei:
- Define os conceitos de informação em saúde e de informação médica;
- Define as regras da separação entre informação médica e informação genética, predictiva ou pré-sintomática;
- Define a propriedade de toda a informação em saúde como sendo da pessoa em causa, atribuindo ao sistema de saúde o papel de depositário desta informação, que circula em condições definidas e sob autorização expressa do seu titular;
- Reafirma o princípio da não discriminação em consequência do património genético;
- Define as regras para os pedidos de informação genética por parte de seguradoras, empregadores, estabelecimentos de ensino, agências de adopção ou outros;
- Define a confidencialidade da informação genética aplicando a regra do sigilo a todos os profissionais de saúde, incluindo os que trabalhem para companhias de seguros ou para outras entidades, incluindo os médicos de trabalho em empresas, que não podem transmitir às empresas e entidades qualquer informação que seja propriedade da pessoa;
- Define as regras para registo de informação genética não-médica em processos clínicos hospitalares e outros;
- Define as regras para utilização e conservação de material biológico resultante de exames médicos e laboratoriais;
- Estimula a investigação científica sobre o genoma humano;
- Define regras para a colheita e conservação de amostras biológicas;
- Estabelece procedimentos para a constituição e manutenção de bancos de produtos biológicos (DNA e outros) usados para testes e para investigação;
- Define os princípios da construção e manutenção das bases de dados genéticos;
- Adopta medidas para a formação de médicos geneticistas e reforça as capacidades de intervenção médica no aconselhamento genético;
- Reconhece, a exemplo do que acontece noutros países europeus e outros, a necessidade de formação em aconselhamento genético de profissionais de saúde não-médicos, de modo a colmatar as necessidades existentes;
- Não reconhece o patenteamento de conhecimento do código genético humano;
Assim, e nos termos constitucionais e regimentais, os Deputados do Bloco de Esquerda propõem o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
(Objecto)

A presente lei define o conceito de informação genética e as regras para a investigação, a circulação de informação e a intervenção sobre o genoma humano no sistema de saúde.

Artigo 2.º
(Informação de saúde)

A informação de saúde abrange todo o tipo de informação pessoal, directa ou indirectamente ligada à saúde presente ou futura de um indivíduo, quer se encontre em vida ou tenha falecido, e a sua história clínica e familiar.

Artigo 3.º
(Propriedade da informação de saúde)

1 - A informação de saúde, incluindo os dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos, é propriedade do utente, sendo as unidades do sistema de saúde os depositários da informação, que não pode ser utilizada para outros fins que não os da prestação de cuidados e a investigação em saúde e outros estabelecidos pela lei.

Página 168

0168 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

2 - O titular da informação de saúde tem o direito, querendo, de tomar conhecimento de todo o processo clínico que lhe diga respeito, salvo circunstâncias excepcionais devidamente justificadas e em que seja inequivocamente demonstrado que isso lhe possa ser prejudicial, ou de o fazer comunicar a quem seja por si indicado.
3 - O acesso à informação de saúde por parte do seu titular, ou de terceiros com o seu consentimento, é feita através de médico pelo titular da informação.

Artigo 4.º
(Tratamento da informação de saúde)

1 - Os responsáveis pelo tratamento da informação de saúde devem tomar as providências adequadas à protecção da sua confidencialidade, garantindo a segurança das instalações e equipamentos, o controlo no acesso à informação, bem como o reforço do dever de sigilo e da educação deontológica de todos os profissionais.
2 - As unidades do sistema de saúde que sejam depositárias de informação de saúde devem impedir o acesso indevido de terceiros aos processos clínicos e aos sistemas informáticos que a contenham, incluindo as respectivas cópias de segurança, nomeadamente através do uso de cartões destinados ao controlo de acesso aos sistemas de informação de saúde, assegurando os níveis de segurança apropriados e cumprindo as exigências estabelecidas pela Lei n.º 67/98, nomeadamente para evitar a sua destruição, acidental ou ilícita, a alteração, difusão ou acesso não autorizado ou qualquer outra forma de tratamento ilícito da informação.
3 - A informação de saúde só pode ser utilizada no sistema de saúde em condições expressas em autorização escrita do seu titular ou de quem o represente.
4 - O acesso a informação de saúde poderá ser facultado, sendo anonimizada, para fins de investigação, se se provar que isso não infringe os direitos e interesses das pessoas a quem a informação pertence ou afecta, devendo as condições desse tratamento de informação ser definidas por lei.
5 - A gestão dos sistemas que organizam a informação de saúde devem garantir a separação entre a informação de saúde e genética, e a restante informação pessoal, incluindo através de diversos níveis de acesso.
6 - A gestão dos sistemas de informação deve garantir o processamento regular e frequente de cópias de segurança da informação de saúde, salvaguardadas as garantias de confidencialidade estabelecidas por esta lei.

Artigo 5.º
(Informação médica)

1 - A informação médica é a informação de saúde destinada a ser utilizada em prestações de cuidados ou tratamentos de saúde.
2 - Entende-se por processo clínico qualquer registo, informatizado ou não, que contenha informação de saúde sobre doentes ou seus familiares, afectados ou não.
3- A informação médica consta do processo clínico do utente, que deve conter toda a informação médica disponível que lhe diga respeito, ressalvada a restrição imposta pelo artigo seguinte.
4 - A informação médica é inscrita no processo clínico do utente pelo médico que o assistiu ou, sob a sua supervisão, informatizada por outro profissional igualmente sujeito ao dever de sigilo, no âmbito das competências específicas de cada profissão e dentro do respeito pelas respectivas normas deontológicas.
5 - O processo clínico só pode ser consultado por médico incumbido da realização de prestações de saúde a favor do utente a que respeita ou, sob a supervisão daquele, por outro profissional de saúde obrigado a sigilo e na medida do estritamente necessário à realização das mesmas, ressalvando-se o que fica definido no articulado no artigo 16.º.

Artigo 6.º
(Informação genética)

1 - A informação genética é a informação de saúde que verse as características hereditárias de uma ou de várias pessoas, aparentadas entre si ou com características comuns daquele tipo, excluindo-se desta definição a informação derivada de testes de paternidade ou estudos de zigotia em gémeos, bem como do estudo das mutações genéticas somáticas no cancro.
2 - A informação genética pode ser resultado da realização de testes genéticos por meios de biologia molecular (análise de DNA), mas também de testes bioquímicos, fisiológicos ou imagiológicos, ou da simples recolha de informação familiar, registada sob a forma de uma árvore familiar ou outra, cada um dos quais pode, por si só, denunciar o estatuto genético de um indivíduo e seus familiares.
3 - A informação genética é de natureza médica apenas quando se destina a ser utilizada nas prestações de cuidados ou tratamentos de saúde, no contexto da confirmação ou exclusão de um diagnóstico clínico, no contexto de diagnóstico pré-natal ou no da farmacogenética, excluindo-se, pois, a informação de testes predictivos e pré-sintomáticos.
4 - Será definido por lei o tratamento da informação médica sobre pessoas afectadas por doenças genéticas, obtida a partir de testes genéticos diagnósticos ou outros meios complementares de diagnóstico, ou os próprios registos clínicos, para efeitos de informação concreta sobre os riscos dos seus familiares.
5 - A informação genética que não tenha implicações imediatas para o estado de saúde actual, tal como a resultante de testes de paternidade, de estudos de zigotia em gémeos, e a de testes predictivos, exceptuando testes para reacções adversas a medicamentos, de heterozigotia, pré-sintomáticos, ou pré-natais, não pode ser incluída no processo clínico, salvo no caso de consultas ou serviços de genética médica com arquivos próprios e separados.
6 - Os processos clínicos de consultas ou serviços de genética médica não podem ser acedidos, facultados ou consultados por médicos, outros profissionais de saúde ou funcionários de outros serviços da mesma instituição ou outras instituições do sistema de saúde, no caso de conterem informação genética sobre pessoas saudáveis.
7 - A informação genética deve ser objecto de medidas legislativas e administrativas de protecção reforçada em termos de acesso, segurança e confidencialidade.
8 - A utilização de informação genética é um acto entre o médico e o seu titular, que é sujeito às regras deontológicas de sigilo profissional dos médicos e dos restantes profissionais de saúde.

Página 169

0169 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

9 - A informação genética não pode ser comunicada a terceiros, incluindo companhias de seguros, entidades patronais ou outras, mesmo quando exista um vínculo laboral entre o médico ou outro profissional de saúde e essas companhias ou entidades.
10 - Os cidadãos têm o direito de saber se um processo clínico, ficheiro ou registo médico ou de investigação, contem informação sobre eles próprios e a sua família, e conhecer as finalidades e usos dessa informação, a forma como é armazenada e os prazos da sua conservação.

Artigo 7.º
(Bases de dados genéticos)

1 - Entende-se por base de dados genéticos qualquer registo, informatizado ou não, que contenha informação genética sobre um conjunto de indivíduos e famílias.
2 - As regras de criação, manutenção, gestão e segurança das bases de dados genéticos para prestação de cuidados de saúde e relativas à investigação em saúde serão definidas por lei.
3 - As bases de dados genéticos que contenham informação familiar e os registos genéticos que permitam a identificação de familiares deverão ser, sempre que possível, mantidas e supervisionadas por um médico geneticista.
4 - Qualquer pessoa pode pedir e ter acesso à informação sobre si própria contida em ficheiros com dados pessoais.

Artigo 8.º
(Terapia génica)

A intervenção médica que tenha como objecto modificar o genoma humano só pode ser levada a cabo, verificadas as condições estabelecidas nesta lei, por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas e não é permitida a alteração da linha germinativa de um indivíduo.

Artigo 9.º
(Testes genéticos)

1 - A realização de testes genéticos diagnósticos obedece aos princípios que regem a prestação de qualquer cuidado de saúde.
2 - A detecção do estado de heterozigotia para doenças recessivas, o diagnóstico pré-sintomático de doenças dominantes de início tardio e os testes de susceptibilidades genéticas em pessoas saudáveis só podem ser executados com autorização do próprio, a pedido de um médico com a especialidade de Genética Médica e na sequência da realização de consulta de aconselhamento genético.
3 - A comunicação dos resultados de testes genéticos deve ser feita exclusivamente ao próprio, ou, e apenas no caso de testes diagnósticos, a quem legalmente o represente ou seja indicado pelo próprio, e em consulta médica apropriada.
4 - No caso de testes de estado de heterozigotia, pré-sintomáticos e predictivos, os resultados deverão ser comunicados exclusivamente aos próprios.
5 - No caso de testes pré-natais os resultados deverão ser comunicados exclusivamente à progenitora ou aos progenitores.
6 - Não deverão ser realizados testes de estado de heterozigotia, pré-sintomáticos, predictivos e pré-natais no caso de o interessado ser considerado, nos termos da lei, como incapaz.
7 - A informação resultante dos testes de heterozigotia, pré-sintomáticos, e predictivos não poderá nunca ser comunicada a terceiros sem a sua autorização expressa por escrito, incluindo a médicos ou outros profissionais de saúde de outros serviços ou instituições, ou da mesma consulta ou serviço mas não envolvidos no processo de teste desse indivíduo ou da sua família.
8 - Em situações de risco para doenças de início na vida adulta e sem cura nem tratamento comprovadamente eficaz, a realização do teste pré-sintomático ou predictivo terá ainda como condição uma avaliação psicológica e social prévia e o seu seguimento após a entrega dos resultados do teste.
9 - A frequência das consultas de aconselhamento genético e a forma do seguimento psicológico e social serão determinados considerando a gravidade da doença, a idade mais habitual de manifestação dos primeiros sintomas e a existência ou não de tratamento comprovado.
10 - Para as avaliações iniciais e o acompanhamento das pessoas testadas, após a comunicação dos resultados, as consultas ou serviços de genética devem possuir equipas multidisciplinares, incluindo psicólogos clínicos, enfermeiros e assistentes sociais, e dispor do apoio de psiquiatria e de um centro de diagnóstico pré-natal.
11 - Compete ao Ministério da Saúde promover a formação de médicos geneticistas e de consultas e serviços de genética de acordo com as necessidades do País, e promover a formação dos médicos em geral nos novos conhecimentos da genética e reforçar as suas capacidades para a condução do aconselhamento genético.
12 - Deverá ser considerada a formação nos princípios e nas técnicas do aconselhamento genético de outros profissionais de saúde não-médicos, de forma a que possam vir a integrar também essas equipas, de acordo com as necessidades do país, desde que os aspectos especificamente médicos do aconselhamento genético, nomeadamente o diagnóstico clínico e molecular, sejam salvaguardados.

Artigo 10.º
(Testes do estado de heterozigotia, pré-sintomáticos, predictivos e pré-natais)

1 - Para efeitos do artigo anterior consideram-se testes para detecção do estado de heterozigotia os que permitam a detecção de pessoas saudáveis portadoras (heterozigóticas) para doenças recessivas.
2 - Consideram-se testes pré-sintomáticos os que permitam a identificação do sujeito como portador, ainda assintomático, do gene inequivocamente responsável por uma dada doença autossómica dominante de início tardio.
3 - Consideram-se testes genéticos predictivos os que permitam a detecção de genes de susceptibilidade, entendida como uma predisposição genética para uma dada doença com hereditariedade complexa e com início habitual na vida adulta.
4 - Consideram-se testes pré-natais todos aqueles executados durante uma gravidez, com a finalidade de obtenção de informação genética sobre o embrião ou o feto, considerando-se ainda como caso particular o diagnóstico pré-implantatório.
5 - Todo o cidadão tem direito a recusar-se a efectuar um teste genético do estado de heterozigotia, pré-sintomático, predictivo ou pré-natal.

Página 170

0170 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

6 - Todo o cidadão tem direito a receber aconselhamento genético e, se indicado, acompanhamento psico-social, antes e depois da realização de testes de heterozigotia, pré-sintomáticos, predictivos e pré-natais.

Artigo 11.º
(Princípio da não discriminação)

1 - Ninguém pode ser prejudicado, sob qualquer forma, em função da presença de doença genética ou em função do seu património genético.
2 - Ninguém pode ser discriminado, sob qualquer forma, em função dos resultados de um teste genético diagnóstico, de heterozigotia, pré-sintomático ou predictivo, incluindo para efeitos de obtenção ou manutenção de emprego, obtenção de seguros de vida e de saúde, acesso ao ensino e para efeitos de adopção.
3 - Ninguém pode ser discriminado sob qualquer forma, incluindo o seu direito a seguimento médico, psico-social e a aconselhamento genético, por se recusar efectuar um teste genético.
4 - É garantido o acesso equitativo de toda a população ao aconselhamento genético e aos testes genéticos, salvaguardando-se devidamente as necessidades das populações mais fortemente atingidas por uma dada doença ou doenças genéticas.

Artigo 12.º
(Testes genéticos e seguros)

1 - As companhias de seguros não podem pedir nem utilizar qualquer tipo de informação genética para recusar um seguro de vida ou estabelecer prémios mais elevados.
2 - As companhias de seguros não podem pedir a realização de testes genéticos aos seus potenciais segurados para efeitos de seguros de vida ou de saúde ou para outros efeitos.
3 - As companhias de seguros não podem utilizar a informação genética obtida de testes genéticos previamente realizados nos seus clientes actuais ou potenciais, para efeitos de seguros de vida e de saúde ou para outros efeitos.
4 - As seguradoras não podem exigir nem podem utilizar a informação genética resultante da colheita e registo dos antecedentes familiares, para recusar um seguro ou estabelecer prémios aumentados ou para outros efeitos.

Artigo 13.º
(Testes genéticos no emprego)

1 - A contratação de novos trabalhadores não pode depender de selecção assente no pedido, realização ou resultados prévios de testes genéticos.
2 - Às empresas e outras entidades patronais não é permitido exigir aos seus trabalhadores, mesmo que com o seu consentimento, a realização de testes genéticos ou a divulgação de resultados previamente obtidos.
3 - Nos casos em que o ambiente de trabalho possa colocar riscos específicos para um trabalhador com uma dada doença ou susceptibilidade, ou afectar a sua capacidade de desempenhar com segurança uma dada tarefa, poderá ser usada a informação genética relevante para benefício do trabalhador e nunca em seu prejuízo, desde que tenha em vista a protecção da saúde da pessoa, a sua segurança e a dos restantes trabalhadores, desde que o teste genético seja feito com carácter voluntário, efectuado após consentimento informado e no seguimento do aconselhamento genético apropriado, e os resultados sejam entregues exclusivamente ao próprio, e ainda desde que não seja nunca posta em causa a sua situação laboral.
4 - As situações particulares que impliquem risco para a segurança pública podem constituir uma excepção ao anteriormente estipulado, observando-se no entanto a restrição imposta pelo parágrafo seguinte.
5 - Nas situações previstas nos números anteriores os testes genéticos, dirigidos apenas a riscos muito graves, deverão ser seleccionados, oferecidos e supervisionados por uma agência ou entidade independente e não pelo empregador.
6 - Em caso algum deverá ser permitido que sejam acometidos ao Serviço Nacional de Saúde os custos da realização de testes genéticos a pedido ou por interesse directo de entidades patronais.

Artigo 14.º
(Testes genéticos e adopção)

1 - Não podem ser pedidos testes genéticos, nem usada informação genética já disponível, para efeitos de adopção.
2 - As agências de adopção ou os pais prospectivos não podem pedir testes genéticos ou usar informação de testes anteriores nas crianças dadas para adopção.
3 - As agências de adopção não podem exigir aos pais prospectivos a realização de testes genéticos, nem usar informação já disponível sobre os mesmos.

Artigo 15.º
(Laboratórios que procedem ou que oferecem testes genéticos)

1 - Compete ao Ministério da Saúde regulamentar as condições da oferta e da realização de testes genéticos do estado de heterozigotia, pré-sintomáticos, predictivos ou pré-natais, de modo a evitar, nomeadamente, a sua realização por laboratórios, nacionais ou estrangeiros, sem a equipa médica e multidisciplinar necessária, assim como a eventual venda livre dos mesmos.
2 - O Ministério da Saúde e a Ordem dos Médicos devem promover medidas de acreditação e de certificação da qualidade dos laboratórios públicos ou privados que realizem testes genéticos, verificado o respeito pela legislação e pelas recomendações éticas dos organismos reguladores nacionais e internacionais.
3 - Compete ao Ministério da Saúde e à Ordem dos Médicos promover a existência e fazer a certificação de laboratórios de referência para testes genéticos.

Artigo 16.º
(Investigação médica)

1 - Investigação médica significa, nos termos desta lei, toda a investigação que envolva a colheita, uso e processamento de amostras biológicas humanas, com a finalidade de aumentar o conhecimento sobre as causas, sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças, ou sobre a natureza da doença em geral, respeitando os direitos consagrados por lei.

Página 171

0171 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

2 - A investigação médica só pode ser conduzida sob a responsabilidade de um médico com as qualificações profissionais e científicas adequadas.
3 - A investigação médica está sujeita à aprovação pelos comités de ética da instituição hospitalar, universitária ou de investigação.
4 - A investigação médica em pessoas não pode ser realizada sem o consentimento informado dessa pessoas, expresso por escrito, após a explicação dos seus direitos, da natureza e finalidades da investigação, dos procedimentos utilizados e dos riscos potenciais envolvidos para si próprios e para terceiros.
5 - As situações em que o consentimento informado não possa ser obtido, devido à urgência da intervenção ou ao estado de saúde do sujeito, e em que dessa intervenção for esperado um benefício imediato para a saúde da própria pessoa, podem constituir excepção ao número anterior.

Artigo 17.º
(Investigação sobre o genoma humano)

1 - A investigação sobre o genoma humano segue as regras gerais da investigação científica no campo da saúde, estando obrigada a confidencialidade reforçada sobre a identidade e as características das pessoas individualmente estudadas.
2 - Compete ao Ministério da Saúde, em colaboração com o Ministério da Ciência e do Ensino Superior, promover e desenvolver os programas de apoio à investigação científica na área dos estudos genéticos e, em particular, do genoma humano.

Artigo 18.º
(Dever de protecção)

Compete ao sistema de saúde e ao Estado a protecção dos interesses em cuidados de saúde dos cidadãos com necessidades especiais, como os que são portadores de deficiências ou doenças crónicas, incluindo os doentes com patologias genéticas e seus familiares.

Artigo 19.º
(Obtenção e conservação de material biológico)

1 - A colheita de sangue e outros produtos biológicos e a obtenção de amostras de DNA para testes genéticos deverão ser objecto de consentimento informado separado para efeitos de testes assistenciais e para fins de investigação em saúde, em que conste a finalidade da colheita e o tempo de conservação das amostras e produtos deles derivados.
2 - O material armazenado é propriedade das pessoas em quem foi obtido e dos seus familiares biológicos directos.
3 - O consentimento pode ser retirado a qualquer altura pela pessoa ou família a quem o material biológico pertence, devendo nesse caso as amostras biológicas e derivados armazenados serem definitivamente destruídos.
4 - Não deverão ser utilizadas, para efeitos assistenciais ou de investigação, amostras biológicas cuja obtenção se destinou a uma finalidade diferente, a não ser com nova autorização por parte da pessoa a quem pertence ou dos seus familiares, ou após a sua anonimização.
5 - Amostras colhidas para um propósito médico ou científico específico não poderão ser utilizadas, a não ser com a autorização das pessoas envolvidas ou seus representantes legais, de qualquer modo que lhes possa vir a ser prejudicial.
6 - Em circunstâncias especiais, em que a informação possa ter relevância para o tratamento ou a prevenção da recorrência de uma doença na família, essa informação poderá ser processada e utilizada no contexto de aconselhamento genético, mesmo que já não seja possível obter o consentimento informado da pessoa a quem pertence.
7 - Todos os familiares biológicos directos podem ter acesso a uma amostra armazenada, desde que necessário para conhecer melhor o seu próprio estatuto genético, mas não para conhecer o estatuto da pessoa a quem a amostra pertence.
8 - É proibida a utilização comercial, o patenteamento ou qualquer ganho financeiro de amostras biológicas enquanto tais.

Artigo 20.º
(Bancos de DNA e outros produtos biológicos)

1 - Entende-se por banco de produtos biológicos qualquer repositório de amostras biológicas ou seus derivados, com ou sem tempo delimitado de armazenamento, quer utilize colheita prospectiva ou material previamente colhido, quer tenha sido obtido como componente da prestação de cuidados de saúde de rotina, quer em programas de rastreio, quer para investigação, e que inclua amostras que sejam identificadas, identificáveis, anonimizadas ou anónimas.
2 - Ninguém poderá colher ou usar amostras biológicas humanas já colhidas ou seus derivados, com vista à constituição de um banco de produtos biológicos, se não tiver obtido autorização prévia de entidade credenciada pelo Ministério da Saúde, assim como da Comissão Nacional de Protecção de Dados se o banco estiver associado a informação pessoal.
3 - Os bancos de produtos biológicos deverão ser constituídos apenas com a finalidade da prestação de cuidados de saúde, incluindo o diagnóstico e a prevenção de doenças, ou de investigação básica ou aplicada à saúde.
4 - Um banco de produtos biológicos só deverá aceitar amostras em resposta a pedidos de profissionais da saúde e não das próprias pessoas ou seus familiares.
5 - O consentimento informado escrito é necessário para a obtenção e utilização de material para um banco de produtos biológicos, devendo o termo de consentimento incluir informação sobre as finalidades do banco, os tipos de investigação a desenvolver, seus riscos e benefícios potenciais, as condições e duração do armazenamento, as medidas tomadas para garantir a privacidade e confidencialidade das pessoas participantes e sobre a previsão quanto à possibilidade de comunicação ou não de resultados obtidos com esse material.
6 - No caso de uso retrospectivo de amostras ou em situações especiais em que o consentimento das pessoas envolvidas não possa ser obtido devido à quantidade de dados ou de sujeitos, à sua idade ou outra razão comparável, o material e os dados podem ser processados, mas apenas para fins de investigação científica ou obtenção de dados epidemiológicos ou estatísticos.
7 - A conservação de amostras de sangue seco em papel obtidas em rastreios neonatais deve ser considerada

Página 172

0172 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

à luz dos potenciais benefícios e perigos para os indivíduos e a sociedade, podendo, no entanto, essas colecções ser utilizadas para estudos genéticos desde que previamente anonimizadas.
8 - Deverá ser sempre garantida a privacidade e a confidencialidade, evitando-se o armazenamento de material identificado, controlando-se o acesso às colecções de material biológico, limitando-se o número de pessoas autorizadas a fazê-lo e garantindo-se a sua segurança quanto a perdas, alteração ou destruição.
9 - Sempre que possível, devem ser usadas amostras anónimas ou irreversivelmente anonimizadas, devendo as amostras identificadas ou identificáveis ficar limitadas a estudos que não possam ser feitos de outro modo.
10 - Não é permitido o armazenamento de material biológico humano não anonimizado por parte de entidades com fins comerciais.
11 - Havendo absoluta necessidade de se usarem amostras identificadas ou identificáveis, estas deverão ser codificadas, ficando os códigos armazenados separadamente, mas sempre em instituições públicas.
12 - Se o banco envolver amostras identificadas ou identificáveis, e estiver prevista a possibilidade de comunicação de resultados dos estudos efectuados, deverá ser envolvido nesse processo um médico geneticista.
13 - O material biológico armazenado é considerado propriedade da pessoa de quem foi obtido e dos seus familiares biológicos directos, devendo ser armazenado enquanto for de comprovada utilidade para os familiares actuais e futuros.
14 - Os investigadores responsáveis por estudos em amostras armazenadas em bancos de produtos biológicos devem sempre verificar que os direitos e os interesses das pessoas a quem o material biológico pertence são devidamente protegidos, incluindo a sua privacidade e confidencialidade, mas também no que respeita à preservação das amostras, que podem mais tarde vir a ser necessárias para diagnóstico de doença familiar, no contexto de testes genéticos nessas pessoas ou seus familiares.
15 - Compete aos investigadores responsáveis pela colecção e manutenção de bancos de produtos biológicos zelar pela sua conservação e integridade, e informar as pessoas de quem foi obtido consentimento de qualquer perda, alteração, ou destruição, assim como da sua decisão de abandonar um tipo de investigação ou de fechar o banco.
16 - Compete ao Ministério da Saúde e à Ordem dos Médicos fazer a certificação e promover processos de garantia de qualidade dos bancos de produtos biológicos e, bem como autorizar a partilha dessas colecções com outras organizações nacionais ou internacionais.

Artigo 21.º
(Patenteamento do património genético humano)

Não é reconhecido qualquer direito ao patenteamento do património genético humano.

Artigo 22.º
(Alteração ao Código Penal)

É introduzido o seguinte artigo 195.º-A no Código Penal:

«Artigo 195.º-A

1 - Quem, sem consentimento e fora do estrito exercício do acto médico, solicite ou divulgue sem a devida autorização dados referentes à identidade genética alheia é punido com pena de prisão de três a 10 anos.
2 - Quem financie, delibere, pratique ou colabore em intervenções tendo em vista a clonagem humana para fins reprodutivos é punido com pena de prisão até 10 anos.
3 - Quem ofereça, realize ou comunique resultados de testes genéticos sem dispor da certificação legítima para o fazer é punido com pena de prisão até cinco anos».

Artigo 23.º
(Regulamentação)

Compete ao Governo a regulamentação desta lei no prazo de 90 dias.

Artigo 24.º
(Entrada em vigor)

Esta lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Artigo 25.º
(Relatório sobre a aplicação da lei)

1 - Compete ao Governo a nomeação de uma Comissão Permanente de Genética Médica que proponha a revisão periódica da legislação actual sobre esta área, no que não tenha sido previsto por esta lei, e que em função dos avanços tecnológicos, como das recomendações éticas fixadas internacionalmente, proponha novas medidas de promoção da investigação e de protecção da identidade genética pessoal.
2 - O Governo deverá apresentar à Assembleia da República, no prazo de cinco anos após a entrada em vigor desta lei, e a cada cinco anos subsequentes, um relatório que inventarie as condições e as consequências da sua aplicação e que, face à evolução da discussão pública acerca dos seus fundamentos éticos e face aos progressos científicos entretanto obtidos, permita aperfeiçoar a legislação acerca da informação genética pessoal.

Palácio de São Bento, 23 de Maio de 2002. Os Deputados do BE: João Teixeira Lopes - Francisco Louçã.
PROPOSTA DE LEI N.º 99/VIII
(ALTERA O DECRETO-LEI N.º 468/71, DE 5 DE NOVEMBRO, RELATIVO AO REGIME JURÍDICO DOS TERRENOS DO DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO)

Relatório e parecer da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente

Relatório

1 - Por despacho do Sr: Presidente da Assembleia da República de 1 de Agosto de 2001, foi ordenada a baixa à 4.ª Comissão da proposta de lei n.º 99/VIII, da Assembleia Legislativa Regional da Madeira (ALRM), que se encontra em apreciação nos termos do artigo 146.º do Regimento.

Objecto e análise do diploma

2 - Com a proposta de lei n.º 99/VIII pretende-se:

a) Com a salvaguarda do interesse público, encurtar a profundidade do instituto jurídico «margem»,

Página 173

0173 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

previsto e definido no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Fevereiro - com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 53/74, de 15 de Fevereiro, n.º 89/87, de 26 de Fevereiro, n.º 201/92, de 29 de Setembro, n.º 46/94, de 22 de Fevereiro, e n.º 108/94, de 23 de Abril -, sempre que esta, de acordo com a extensão territorial que lhe está genericamente traçada, atingir uma via rodoviária pública, regional ou municipal;
b) Com a salvaguarda do interesse público, encurtar a extensão do instituto jurídico «zona adjacente», previsto e definido no artigo 4.º daquele diploma legal, desde que verificadas idênticas condições;
c) Constituir objecto de propriedade privada, nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, os terrenos tradicionalmente ocupados junto à crista das arribas alcantiladas das respectivas ilhas;
d) Admitir a possibilidade da classificação como «zona ameaçada pelo mar» (definição e regime constante do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 468/71) das áreas contíguas ao «leito», medidas, sendo caso disso, até a uma via rodoviária pública, regional ou municipal;
e) Clarificar que, relativamente às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, os poderes conferidos pelo Decreto-Lei n.º 468/71 ao Estado competem aos respectivos órgãos de governo próprio, bem como, sendo caso disso, aos respectivos departamentos, organismos ou serviços das correspondentes administrações regionais autónomas.

Motivação

3 - A Assembleia Legislativa Regional da Madeira pretende contribuir com esta proposta de lei:

a) Para uma adaptação dos institutos jurídicos regulados pelo Decreto-Lei n.º 468/71 às novas condições da Região Autónoma da Madeira, onde, hoje em dia, o conceito de «margem», tal como se encontra definido, constitui uma extensão muito significativa das áreas com capacidade de uso urbano das suas ilhas, abrangendo, sem qualquer efeito útil, faixas da costa separadas do mar por uma via rodoviária pública;
b) Para a garantia de um fácil acesso às águas enquadradas no âmbito da margem do mar para defesa da utilidade pública dessas mesmas águas, atendendo às especificidades orográficas e ao desenvolvimento actual da Região;
c) Para um redimensionamento das margens - verificados que estejam certos pressupostos da garantia do interesse público -, com vista a obstar ao formalismo ainda actual dos procedimentos administrativos inerentes ao reconhecimento da propriedade privada sobre prédios integrados na margem do mar, se bem que com direitos documentalmente titulados.

Da discussão em Comissão

4 - O Grupo Parlamentar do Partido Socialista suscitou uma eventual inconstitucionalidade material do diploma em apreciação quanto à reserva de competência da Assembleia da República relativamente à definição dos bens do domínio público.

Parecer

5 - Nos termos do disposto nos artigos 150.º e 151.º do Regimento da Assembleia da República, por a presente proposta de lei versar sobre matéria respeitante, também, à Região Autónoma dos Açores e das autarquias, deverá ser assegurada a sua apreciação pelos respectivos órgãos de governo próprios, bem como da ANAFRE e da ANMP.
6 - Independentemente de um juízo sobre o mérito das motivações e consequências da presente iniciativa, relativamente às quais os grupos parlamentares poderão expressar-se no debate na generalidade e na especialidade, a Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente é de parecer que a proposta de lei n.º 99/VIII, apresentada pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira, preencherá, desde que observado o referido no número anterior, todos os requisitos formais de natureza regimental e constitucional, pelo que estará em condições de subir a Plenário da Assembleia da República para apreciação na generalidade.

Palácio de São Bento, 22 de Maio de 2002. O Deputado Relator, Luís Montenegro - O Presidente da Comissão, Jorge Coelho.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.
PROPOSTA DE LEI N.º 112/VIII
(ESTABELECE O LIMITE MÍNIMO DE REDUÇÃO NO VALOR DAS PENSÕES DE INVALIDEZ NAS SITUAÇÕES DE ACUMULAÇÃO DESTAS PRESTAÇÕES DE SEGURANÇA SOCIAL COM RENDIMENTOS DO TRABALHO)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e Assuntos Sociais

Relatório

Por despacho de 6 de Março de 2002, do então Presidente da Assembleia da República, baixou à Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, como Comissão que, na presente Legislatura, absorveu as competências então atribuídas à Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, um requerimento de declaração de urgência na apreciação da proposta de lei n.º 112/VIII, constante da Resolução da Assembleia Legislativa Regional da Madeira aprovada em Sessão Plenária de 19 de Fevereiro de 2002.
Iniciada a IX Legislatura e instalada a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, cumpre, no prazo de 48 horas, nos termos do n.º 2 do artigo 286.º do Regimento, elaborar parecer fundamentado sobre o pedido de urgência.

I - Enquadramento

A proposta de lei estabelece um limite mínimo de redução do montante das pensões de invalidez atribuídas pelo sistema público de solidariedade e segurança social nas situações em que se verifique a superveniência de rendimentos do trabalho, determinando que a redução do montante da pensão só ocorra quando da acumulação dos rendimentos do trabalho com aquela resulte um valor que ultrapasse o equivalente a uma vez e meia o salário mínimo nacional estabelecido para a generalidade dos trabalhadores

Página 174

0174 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

por conta de outrem, sem prejuízo da aplicação de regimes legais mais favoráveis. Tal valor passaria assim a constituir o valor máximo a auferir nos casos de acumulação dos dois montantes.
Pretende-se assim que os titulares de pensões de invalidez de montantes muito reduzidos, em geral portadores de deficiência física ou mental, que apresentam uma carreira contributiva para a segurança social muito curta, ou não preenchem sequer o período de garantia para terem acesso a pensões de invalidez do subsistema previdencial, possam passar a auferir uma prestação substitutiva do rendimento perdido ou não detido que seja suficiente para a satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado familiar.
O proposto limite de redução do montante da pensão de invalidez visa assim, com fundamento nos princípios da igualdade, solidariedade e inserção social vertidos na Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, que aprovou as bases do sistema de solidariedade e de segurança social, garantir condições económicas de subsistência a um grupo de cidadãos duplamente penalizados, quer do ponto de vista social - em razão da deficiência de que são portadores - quer do ponto de vista económico - por lhes ser imposta uma redução do já baixo valor da pensão de que são titulares, em virtude de auferirem rendimentos do trabalho, para cuja execução são, ademais, obrigados a maiores encargos do que os trabalhadores detentores de plena capacidade física e mental.

II - Apreciação da urgência

Não se verifica uma invocação expressa das razões justificativas da solicitação, pela Assembleia proponente, da adopção do processo de urgência na apreciação desta iniciativa legislativa, apenas se formulando o pedido de apreciação urgente, ao abrigo da norma constitucional aplicável, sem que nesse pedido ou no texto de justificação da proposta se consigam discernir essas razões.
Cumpre, porém, apreciar esse pedido, podendo, desde logo, referir-se que já anteriormente foram apreciadas outras iniciativas legislativas sobre matérias relativas à segurança social, visando a aprovação de outras prestações sociais, sem que tivesse sido solicitada a sua apreciação urgente.
Do mesmo passo que, relativamente a outras propostas de lei da Assembleia Legislativa Regional proponente, versando questões relativas à política de segurança social em termos similares aos vertidos na presente proposta e cuja apreciação urgente foi também requerida (designadamente as propostas de lei n.º 90/VIII, 98/VIII e 108/VIII), a então Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social se pronunciou pela inexistência de fundamento para a adopção do processo de urgência.
Por outro lado, no despacho do então Presidente da Assembleia da República, de 6 de Março de 2002, que determinou que a proposta de lei em epígrafe baixasse a esta Comissão, ficaram vertidas algumas dúvidas sobre a constitucionalidade do diploma, por não se encontrar justificada, nem invocada, qualquer especificidade substantiva da matéria que fundamentasse a iniciativa legislativa própria da Assembleia proponente.
Não visando o presente parecer o esclarecimento dessas dúvidas, uma vez que não é esta a sede própria para o fazer, poder-se-á, contudo, alegar que o facto de a proposta ter suscitado reservas jurídico-constitucionais quanto a saber se os normativos dela constantes cabem no poder de iniciativa legislativa da Assembleia proponente, designadamente por ser duvidoso que esteja preenchido o requisito do interesse específico para a Região Autónoma, constante do artigo 40.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e enunciado no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição, na expressão «no respeitante às regiões autónomas», não poderá deixar de relevar no sentido de parecer exigir uma análise cuidada do diploma que poderia ficar prejudicada pelo processo de urgência.
Acresce que o preceituado no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, em redacção que coincide com o previsto no artigo 133.º do Regimento, impõe que o diploma só possa entrar em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2003, o que não se compadece com a necessidade invocada de adopção de um processo de urgência na apreciação da proposta.
Finalmente, e de acordo com o disposto na alínea d) do n.º 5 do artigo 54.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição, as organizações de trabalhadores têm o direito de participar na elaboração da legislação de trabalho.
De acordo com jurisprudência do Tribunal Constitucional, a legislação do trabalho engloba, para esses efeitos, todas as matérias que tenham a ver com os direitos constitucionalmente reconhecidos aos trabalhadores, como é o caso dos direitos sociais, de que a segurança social, direito consagrado no artigo 63.º da Constituição, é um exemplo, em consequência fazendo parte das matérias que, nesses termos, devem ser objecto de discussão pública.
Nesse sentido, por forma a assegurar a identidade decisória e a garantir a constitucionalidade do processo de apreciação, a presente proposta de lei deve ser objecto de discussão pública, a qual poderia também ficar prejudicada pelo processo de urgência.

Parecer

A Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 286.º do Regimento da Assembleia da República, considera assim não existir fundamento para a adopção do processo de urgência da proposta de lei n.º 112/VIII, nos termos acima expostos.
Mais se propõe a remessa do presente parecer a Plenário para que o mesmo se pronuncie sobre a urgência, de acordo com o disposto no n.º 3 do citado artigo 286.º.

Palácio de São Bento, 8 de Maio de 2002. O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.
PROPOSTA DE LEI N.º 3/IX
[ALTERA A LEI N.º 13/98, DE 24 DE FEVEREIRO (LEI DAS FINANÇAS DAS REGIÕES AUTÓNOMAS)]

Relatório e parecer da Comissão de Economia e Finanças

Relatório

Por despacho do Presidente da Assembleia da República de 14 de Maio de 2002 baixou à Comissão de Economia

Página 175

0175 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

e Finanças a proposta de lei n.º 3/XI, que procede à revisão do artigo 47.º de Lei n.º 13/98, e que se encontra agora em apreciação nos termos do artigo 146.º do Regimento.
Saliente-se ainda que, no próprio despacho do Presidente da Assembleia da República, foram solicitados pareceres aos órgãos próprios das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Razões da proposta de lei

Conforme a exposição de motivos, esta proposta de lei destina-se a dar seguimento à matéria constante do Decreto da Assembleia da República n.º 185/VIII, que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional no seu Acórdão n.º 36/2002, por violação do n.º 6 do artigo 167.º da Constituição, que determina que as propostas de lei caducam com a demissão do Governo.
No entanto, para o XV Governo mantém-se a necessidade de prosseguir o objectivo da redução das dívidas públicas regionais, pelo que se tornou necessário apresentar à Assembleia da República uma nova proposta de lei que aprove a alteração à Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro.

Antecedentes da proposta de lei

Dando cumprimento ao disposto no artigo 46.º da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro, que previa a revisão do diploma até final de 2001, o XIV Governo Constitucional aprovou, em 9 de Novembro de 2001, um projecto de proposta de lei de alteração à Lei das Finanças das Regiões Autónomas. A Assembleia discutia então o Orçamento do Estado para 2002, e logo depois interrompeu os seus trabalhos na primeira quinzena de Dezembro por causa das eleições autárquicas.
A proposta de lei só veio a ser aprovada no final de VIII Legislatura e apenas na parte respeitante ao artigo 47.º da lei em questão, com os votos a favor do PS, PPD/PSD, PCP, CDS-PP e Os Verdes e os votos contra do BE.
Tratava-se de fazer face à necessidade urgente de reduzir a dívida pública das regiões autónomas, pelo que, embora esta Comissão tenha aprovado o parecer favorável à subida a Plenário a proposta de lei n.º 109/VIII, ficou limitada à alteração do artigo 47.º proposta pelo Deputado Medeiros Ferreira.
Conforme já se assinalou no ponto anterior, o Tribunal Constitucional, accionado pelo Presidente da República, pronunciou-se pela inconstitucionalidade do diploma por violação do preceito que determina que as propostas de lei caducam com a demissão do governo que as apresentou. E assim houve que esperar pela nova legislatura saída das eleições antecipadas de 16 de Março p.p..

Análise ao conteúdo da proposta de lei

A presente proposta de lei contem um artigo único que altera o artigo 47.º da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro. A redacção apresentada corresponde ipsis verbis à proposta de alteração apresentada pelo Deputado Medeiros Ferreira na sessão plenária de 20 de Dezembro de 2001 e que foi aprovada apenas com os votos contra dos Deputados do BE.
Trata-se de permitir ao Governo da República que, directamente ou através dos seus serviços ou empresas em que seja accionista, comparticipe num programa especial de redução das dívidas públicas regionais, assegurando, de acordo com programação a acordar com cada região, a amortização ou assunção da dívida pública garantida, ou, na sua falta, de dívida não garantida, das duas regiões autónomas, nos montantes máximos de 32 421 863 euros para a Região Autónoma dos Açores e de 32 421 863 euros para a Região Autónoma da Madeira.
A presente proposta de lei inscreve-se no contexto das obrigações contraídas por Portugal enquanto Estado-membro da União Europeia de manter a estabilidade das suas finanças públicas e de reduzir a percentagem da dívida pública, além de, eventualmente, representar um elemento de flexibilidade para os encargos regionais em termos de serviço da dívida decorrentes de recurso a empréstimos.
O recurso a empréstimos por parte dos órgãos de governo próprio da regiões autónomas já foi tema do relatório apresentado nesta Comissão na anterior legislatura nos seguintes termos:
«A redefinição de critérios objectivos e flexíveis para o endividamento, que permita compaginar rigor das finanças públicas, compromissos estabelecidos entre a República Portuguesa e a União Europeia, e a autonomia financeira das regiões é um objectivo estrutural de qualquer Lei das Finanças das Regiões Autónomas.»

Conclusão

Esta proposta de lei é, assim, uma resposta circunstancial a uma questão estrutural das relações entre a República e as regiões autónomas.
Mas louva-se a rápida retoma da proposta de Dezembro p.p. parte do Governo nesta emergência.
Fica-se, no entanto, à espera da apresentação da proposta de lei sobre a revisão geral da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, até por esta ser uma obrigação constitucional conforme decorre do artigo 229.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

Parecer

A Comissão de Economia e Finanças é de parecer que a proposta de lei n.º 3/IX, procedente do Governo da República, está em condições de subir a Plenário para apreciação e votação na generalidade, guardando os grupos parlamentares a sua posição para a referida apreciação.

Assembleia da República, 21 de Maio de 2002. O Deputado Relator, Medeiros Ferreira - O Presidente da Comissão, João Cravinho.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP e BE.

Parecer do Governo Regional da Madeira

Em resposta ao vosso ofício n.º 1959, datado de 15 de Maio de 2002; sobre o assunto acima referido, encarrega-me S. Ex.ª o Sr. Secretário Regional de comunicar a V. Ex.ª que nada temos a opor à proposta de lei acima referida, já que a mesma apenas vem «repescar» um diploma já aprovado pela Assembleia da República para assunção de dívida das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores até ao montante de 32 421 863 euros, o qual foi declarado inconstitucional pelo Tribuna Constitucional.

Funchal, 16 de Maio de 2002. A Chefe do Gabinete, Sílvia Maria Silva Freitas.

Página 176

0176 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

Parecer da Comissão de Planeamento e Finanças da Assembleia Legislativa Regional da Madeira

Aos 23 dias do mês de Maio de 2002, pelas 11 horas, reuniu a 2.ª Comissão Especializada Permanente de Planeamento e Finanças afim de analisar a proposta de lei que altera a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro (Lei das Finanças das Regiões Autónomas).
Analisado o documento, esta Comissão deliberou nada ter a opor, uma vez que a mesma apenas vem «repescar» um diploma já aprovado.

Funchal, 23 de Maio de 2002. O Deputado Relator, Mário Silva.

Nota: - O parecer foi aprovado por unanimidade.

Parecer do Governo Regional dos Açores

Relativamente ao vosso ofício de 14 de Maio de 2002, encarrega-me S. Ex.ª o Presidente do Governo Regional dos Açores de transmitir a S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República o parecer do Governo Regional dos Açores sobre a proposta de lei em epígrafe.
1 - A proposta de lei em causa retoma uma iniciativa legislativa do anterior Governo da República que chegou, inclusivamente, a ser aprovada por Decreto da Assembleia da República n.º 185/VIII mas que não foi promulgada pelo Presidente da República dado o acórdão entretanto produzido pelo Tribunal Constitucional no sentido da sua inconstitucionalidade formal.
2 - Esta proposta de lei agora em apreciação, tal como, aliás, a anterior que não chegou a ser promulgada, tem apenas como objectivo a aprovação de um programa especial de redução da dívida pública de cada uma das regiões autónomas até ao montante máximo de 32 421 863 euros.
3 - Esta proposta de lei não substitui, assim, a revisão mais profunda prevista no artigo 46.º da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro, cujo processo de revisão também já havia sido iniciado pelo anterior Governo da República mas que não foi concluído porque, entretanto, os Governos Regionais dos Açores e da Madeira colocaram algumas objecções quanto ao texto final da proposta de lei apresentada pelo Governo da República.
4 - Com este entendimento, o Governo Regional dos Açores dá o seu parecer favorável à proposta de lei n.º 3/IX, do Governo, que altera a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro (Lei de Finanças das Regiões Autónomas).

Ponta Delgada, 16 de Maio de 2002. O Chefe do Gabinete, Luís Jorge de Araújo Soares.

Parecer da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa Regional dos Açores

A Comissão de Economia, reunida nos termos regimentais que lhe permitem representar a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, discutiu e analisou a proposta de lei n.º 3/IX, do Governo - Altera a Lei n.° 13/98, de 24 de Fevereiro (Lei das Finanças das Regiões Autónomas), na sequência da solicitação do Gabinete de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República em cumprimento do seu despacho para que se procedesse à audição das regiões autónomas sobre aquela proposta.
A Comissão emitiu o seguinte parecer em nome da Assembleia Legislativa Regional dos Açores:

Capítulo I
Enquadramento jurídico

A apreciação da presente proposta de lei enquadra-se no disposto no n.º 2 do artigo 229.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea i) do artigo 30.º do Estatuto da Região Autónoma dos Açores - Lei n.º 61/98, de 27 de Agosto.

Capítulo II
Apreciação na generalidade e na especialidade

1 - A proposta de lei em apreço visa alterar o artigo 47.º da Lei n.° 13/98, de 24 de Fevereiro - Lei das Finanças das Regiões Autónomas.
2 - Cumpre, em primeira instância, referir que a alteração deste artigo já havia sido proposta pelo anterior Governo da República e aprovada pelo Parlamento nacional, tendo, porém, sido considerada inconstitucional uma vez que a sua aprovação, em 20 de Dezembro de 2001, ocorreu quando o então Governo da República já se encontrava demitido.
3 - Torna-se, assim, relevante referir que a presente proposta de lei consiste na alteração apenas a um dos artigos da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, não se tratando da revisão que a própria lei previa para 2001, como, erradamente, podia deduzir-se da alusão que a este respeito é feita na nota justificativa do diploma.
4 - Em conclusão, a proposta de lei em apreciação pretende garantir a redução da dívida pública das regiões autónomas nó montante de 32 421 863 euros, mediante a sua assunção ou amortização pelo Governo da República.
5 - A Comissão de Economia nada tem a opor à presente proposta legislativa, dada a relevância que esta alteração pontual da Lei das Finanças das Regiões Autónomas se reveste para a Região Autónoma dos Açores,

Horta, 16 de Maio de 2002. A Deputada Relatora, Andreia Cardoso da Costa - O Presidente da Comissão, Dionísio de Sousa.
PROPOSTA DE LEI N.º 4/IX
(ALTERA A LEI N.º 31-A/98, DE 14 DE JULHO)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na reunião de 22 de Maio de 2002, analisou a proposta de lei n.º 4/IX, do Governo, que altera o artigo 48.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho (Lei da Televisão), tendo aprovado, com os votos a favor do PSD, PS, CDS-PP e PCP e a abstenção do BE, o seguinte parecer:
Pode a proposta de lei n.º 4/IX subir a Plenário, devendo aí ser dirimidas todas as implicações decorrentes do contexto da sua aprovação bem como do seu conteúdo.

Página 177

0177 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

Junto se remete o voto de vencido subscrito pelo Grupo Parlamentar do PS. (Anexo)

Palácio de São Bento, 23 de Maio de 2002. A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Anexo

Preâmbulo

O Governo apresentou à Assembleia da República, em 17 de Maio p.p., a proposta de lei n.º 4/IX, que altera a Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho - Lei da Televisão.
Pelo inscrito na referida proposta de lei resulta tratar-se de uma iniciativa vista e aprovada em Conselho de Ministros em 16 de Maio de 2002. Do comunicado final da respectiva reunião não consta, todavia, qualquer referência ao facto daquela aprovação.
Foi, nos termos e para os efeitos do artigo 60.º do Regimento da Assembleia da República, solicitada prioridade de agendamento, o qual resultou concedido em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, com a inevitável contracção do prazo de apreciação em Comissão, que o Sr. Presidente da Assembleia da República assinou ser até ao dia 22 de Maio. A previsão do acto vem regulado no n.º 1 do artigo 146.º do Regimento, resultando ter sido de 24 horas um prazo regularmente cominado em 30 dias.
Postos os termos em que decorreu a apresentação da proposta de lei n.º 4/IX, cumpre apreciar em sede de relatório.
1 - Dirige-se a proposta de lei sub judicio a alterar pontualmente a Lei n.º 31-A/98, Lei da Televisão, quanto à alínea a) do n.º 2 do seu artigo 48.º e que se refere à competência reconhecida ao Conselho de Opinião, aí previsto, para «emitir parecer prévio vinculativo (...) sobre a composição do órgão de administração da empresa concessionária, a eleger ou a destituir na respectiva assembleia geral».
2 -Justifica o Governo a necessidade de fazer abolir tal disposição no facto de ao seu abrigo ter ocorrido emissão desfavorável de parecer à proposta governamental de nomeação de novo Conselho de Administração para a RTP por parte do respectivo Conselho de Opinião - e por tal parecer negativo relevar «do facto do Conselho de Opinião ter exorbitado claramente dos seus poderes e, nesse sentido, ter tomado uma decisão ilegal». Por os seus poderes serem de natureza «consultiva», por a decisão ser «politicamente ilegítima» por ser «ao Governo que a Assembleia da República cometeu o dever de executar o Programa por ela expressamente aprovado« (in exposição de motivos da proposta de lei).
3 -Cumpre esclarecer tais asserções.
Em primeiro lugar, no sentido de deixar claro, em sede de CACDLG que, em rigoroso sentido técnico constitucional, o que a Assembleia da República aprovou foi uma moção de confiança apresentada pelo Governo (não podendo no domínio das deliberações positivas relativas à confiança aprovar acto de valor diverso) e não, propriamente, o Programa. Sendo que a distinção não é irrelevante porque dela decorre toda uma consequência de valor constitucional: se, em sentido próprio, os programas do Governo pudessem ser objecto de aprovação (já a rejeição não levanta a mesma aporia), tornava-se o seu conteúdo juridicamente vinculante (que ele é vinculante para os membros do Governo no domínio da responsabilidade política é outra questão), o que, além de constituir aberração insanável no domínio da forma dos actos (acto juridicamente vinculante sem estrutura normativa, eficácia externa, sanção presidencial, sindicabilidade constitucional ...), ilegitimava todo e qualquer Deputado ou grupo parlamentar na apresentação de iniciativa desconforme.
Teríamos, então, importado para a prática do sistema político o regime da ilicitude própria do direito civil. E em situação de ilicitude estaria desde logo toda a oposição e, com ela, o conjunto das instituições que agindo embora em conformidade às leis pudessem eventualmente agir em desconformidade ao Programa do Governo.
Ocorre que se a construção parece um delírio, ele é o que resulta da justificação de motivos da proposta de lei n.º 4/IX: «não pode um órgão de natureza consultiva, por mais respeitável que seja, tentar obstruir ou inviabilizar o Programa do Governo aprovado no Parlamento...» - ainda que esse órgão, como se demonstra, tenha actuado no exercício de uma competência legal e sem qualquer desvio de poder.
Em segundo lugar, e por errónea derivação do ponto supra referido, seria desde logo ao próprio Governo assacável a «ilicitude» de uma proposta que pelo seu confessado alcance - a responsabilidade reivindicada pelo Governo de «designar, em nome do Estado, os administradores das empresas públicas ou sociedades de capitais públicos» - se mostra ela mesma em pontual contradição com o declarado no Programa do XV Governo Constitucional: «No que concerne ao actual sector público da comunicação social, o objectivo é, desde logo, desgovernamentalizar os órgãos de comunicação social do Estado» (in ponto 5, relativo à comunicação social). É que não se vê como seja possível desgovernamentalizar ... governamentalizando.
Em terceiro lugar, importa salientar que, ao contrário da qualificação dada pelo Governo ao Conselho de Opinião como tratando-se de um «órgão consultivo», o direito positivo (Lei da Televisão, artigo 48.º) confere ao Conselho de Opinião poderes com natureza vinculativa, que este exerceu. Pode, assim, legitimamente, concordar-se ou discordar-se da orientação constante do parecer em causa. O que não pode é convolar-se por uma via interpretativa a meramente consultivos poderes que a lei diz serem vinculativos.
4 - Além do mais, a história do preceito em apreço (a referida alínea a) do n.º 2 do artigo 48.º da Lei da Televisão) evidencia ter sido, precisamente, competência vinculativa e não consultiva a que o legislador pretendeu consignar ao Conselho de Opinião da RTP em matéria de nomeação de administradores.
Tal como resulta do debate parlamentar da proposta de lei n.º 170/VII (DAR, I Série, n.º 64, de 30 de Abril de 1998), a proposta que veio a dar lugar à actual Lei da Televisão, enquanto o Governo justificava os seus dispositivos em nome das garantias de independência e pluralismo devidos à RTP, a oposição criticava o Governo, designadamente pelo aspecto tardio e mesmo insuficiente da iniciativa lembrando, então, o Sr. Deputado Guilherme Silva: «Foi o PSD que apresentou na Assembleia da República um projecto de lei com vista

Página 178

0178 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

a alterar o Estatuto da RTP, impondo-se que a escolha da maioria dos seus gestores seja feita pelo Conselho de Opinião». A alusão era referida ao projecto de lei n.º 138/VII que não viria a ser aprovado.
5 - Resulta já do exposto a natureza da solução desejada e efectivamente vertida para o direito positivo - uma solução que traduzisse a especificidade dos meios públicos de comunicação social e, nessa medida, desse satisfação à norma garantística da Constituição que, com sede no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, proclama que «A estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião» (n.º 6 do artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa). Norma-garantia tanto mais relevante quanto na mesma sede se assinala que «O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão» (n.º5).
6 - Com retorno à proposta de lei n.º 4/IX, resulta, isso sim, cabalmente do seu articulado a intenção de reduzir os poderes do Conselho de Opinião da RTP, na modalidade proposta de uma competência para «Emitir parecer prévio, público e fundamentado, no prazo máximo de 10 dias, sobre a nomeação e destituição dos directores que tenham a seu cargo as áreas de programação e informação da empresa concessionária do serviço público».
7 - Resulta do teor da referida proposta e do seu enquadramento normativo no quadro da Lei da Televisão que, em caso de aprovação e entrada em vigor, dela resultará que nenhum poder de organismo independente se interporá no exercício pelo Governo, tanto do poder discricionário de designação como no de destituição dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização da RTP, ficando o respectivo regime, enquanto pessoa de direito privado e mão pública, integrado de pleno no regime regulado pelo Decreto-Lei n.º 558/99 (sector empresarial do Estado e empresas públicas), designadamente para efeitos de superintendência e orientação estratégica.
A ser assim, é de toda a evidência que o conteúdo preceptivo do n.º 6 do artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa - independência perante o Governo - corre sérios riscos de passar à categoria das normas semânticas.
8 - Por outro lado, verifica-se que o teor da norma proposta segue literalmente uma outra que já confere idêntica competência de pronúncia, sem natureza vinculativa, à Alta Autoridade para a Comunicação Social (alínea e) do artigo 4.º da Lei n.º 43/98, de 6 de Agosto).
Daí que seja inevitável enfatizar a situação paradoxal de dois organismos independentes serem cumulativamente chamados ao exercício redundante de competências. Se, nesse exercício, ambos corroborarem uma mesma posição negativa e o Governo a não seguir, tal só pode resultar no descrédito das instituições. Se vierem a emitir posições contraditórias o descrédito não será menor, na exacta medida em que uma teleologia normativa que visa garantir independência perante poderes de nomeação termina por colocar estes na confortável situação de poderem escolher... a independência que preferirem.
9 - Incumbe ainda, no quadro da presente declaração de voto, inquirir se, tudo ponderado, e face à intenção legítima do Governo de actuar na reestruturação do serviço público de televisão, seguindo-se os termos compreensivos da presente declaração, lhe estariam vedadas normais possibilidades de actuação.
Já se salientou que a matéria do serviço público de rádio e televisão se inscreve no regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias, recaindo, como tal, no campo de reserva de competência da Assembleia da República (alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa).
De onde naturalmente se segue que não poderia, com legitimidade, esperar-se de um órgão de defesa do serviço público de televisão que actuasse de modo a cooperar na diminuição do âmbito desse mesmo serviço enquanto o mesmo, com sede legal no regime de concessão tal como de atribuição de frequências, se mantiver definido como de dois canais emissores e não apenas de um.
Se procedesse de modo diverso do que procedeu, cooperando para a nomeação de um Conselho de Administração incumbido pelo Governo (mas não pela lei definidora do âmbito do serviço público, da competência da Assembleia da República) de diminuir a prazo de seis meses o âmbito das emissões televisivas de serviço público, então, sim, é que o Conselho de Opinião da RTP seria susceptível de ser atacado por agir com desvio do fim para que foi criado. Então e só então teria comprometido o princípio da legalidade, designadamente por não defender os requisitos institucionais de realização de um dos imperativos do serviço público de televisão - emissão obrigatória de dois programas de cobertura geral -, consignado na alínea i) do n.º 3 do artigo 4.º do Estatuto da RTP (ele próprio objecto da Lei n.º 21/92, de 14 de Agosto).
10 - Em conclusão, no respeito pelo princípio da separação e da interdependência de poderes, o caminho a seguir no repensar do serviço público de televisão só pode ser o da prévia clarificação legal do âmbito e do domínio do serviço público de televisão.
É que, como se demonstrou, não estamos perante matérias do âmbito da competência concorrencial Governo-Parlamento. Menos ainda no âmbito de uma reserva de administração sem subordinação tanto ao princípio da prevalência como ao da precedência de lei. A demonstrá-lo está, aliás, toda a história legislativa do serviço público de televisão de que, designadamente, resultam os seguintes aspectos:

a) A existência de duas frequências para a emissão dos dois canais da RTP resulta de um instrumento de concessão da rede de cobertura por acto legal da Assembleia da República - operado pelo artigo 5.º da Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro;
b) A manutenção da concessão legal (por 15 anos) da exploração do serviço público de televisão (nos termos consolidados pela lei supra referida) resulta renovado à RTP por outro instrumento de lei formal - a vigente Lei da Televisão.

De onde resulta que alterar o âmbito e o domínio do serviço público de televisão, bem como a identidade dos entes titulares da exploração, ou ainda a reversão para o domínio público disponível de uma frequência da rede, tudo carece do recurso aos mesmos instrumentos da lei formal.
Caso contrário seriam drásticas as consequências: violação do domínio legislativo reservado da Assembleia da República no campo de aplicação dos direitos, liberdades e garantias; e, se, com deslegalização integral (como resulta

Página 179

0179 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

das decisões anunciadas pelo Conselho de Ministros sobre os procedimentos a haver, os quais, designadamente quanto ao encerramento de um canal e à criação de uma nova empresa concessionária do serviço público de televisão, são cometidos... ao futuro Conselho de Administração da RTP), captura do próprio poder de promulgação e veto por parte do Presidente da República.
Terminar por fazer passar à frente da decisão da lei as orientações de superintendência governativa no mero plano das relações Administração-empresas públicas (como se se estivesse no âmbito de qualquer actividade económica comum e não no âmbito especial de um serviço subordinado ao regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias) constituiria puro decisionismo e representaria comprometer a hierarquia valorativa e os princípios estruturantes do Estado de direito. Sucede que, no domínio da legalidade democrática, não há boas soluções sem boas regras.

Assembleia da República, 22 de Maio de 2002. Pelos Deputados do PS, Jorge Lacão.

Parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social

1 - O Governo solicitou à Alta Autoridade para a Comunicação Social que este órgão de Estado emita parecer acerca da proposta da alteração do n.º 2 do artigo 48.º da Lei da Televisão que já entregara na Assembleia da República
2 - O actual n.º 2 do artigo 48.º da Lei da Televisão diz o seguinte:

«2 - Compete ao Conselho de Opinião:

a) Emitir parecer prévio vinculativo, no prazo máximo de 10 dias, sobre a composição do órgão de administração da empresa concessionária, a eleger ou a destituir na respectiva assembleia geral;»
(...)

Se a proposta for aprovada a mencionada norma passará a prescrever o seguinte:

«Compete ao Conselho de Opinião:

A alínea a) do n.º 2 do artigo 48.º da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, passa a ter a seguinte redacção:

a) Emitir parecer prévio, público e fundamentado, no prazo máximo de 10 dias, sobre a nomeação e destituição dos directores que tenham a seu cargo as áreas de programação e informação da empresa concessionária do serviço público.»

3 - Na exposição de motivos com os quais fundamenta a proposta o Governo aduz três tipos de razões:

- O Governo tem que executar as políticas para que foi mandatado pelo eleitorado, pelo que seria obrigado a afastar obstáculos ilegítimos que se oponham a esse dever;
- O Conselho de Opinião teria exorbitado dos seus poderes e tomado uma decisão ilegal ao pronunciar-se desfavoravelmente sobre o indigitado Conselho de Administração da RTP;
- A decisão do Conselho de Opinião seria politicamente ilegítima.

4 - Não se avalia se o Conselho de Opinião deveria, em tese, manter intocáveis as suas competências actuais. Seja como for, considera-se que o poder de nomear as administrações dos operadores públicos dos média não deverá caber apenas ao Governo, sem a intervenção de consequência vinculativa do Conselho de Opinião da RTP, com a actual ou outra composição, ou de outro órgão isento e competente. Esta questão é decisiva, sendo que a AACS a considera fundamental no âmbito das suas atribuições, nomeadamente daquela que lhe confere a obrigação legal de zelar pela independência dos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado face ao poder político (alínea e) do artigo 3.º da Lei n.º 43/98, de 6 de Agosto). Mas a proposta merece ainda outro tipo de reservas.
5 - Com efeito, a proposta governamental aparece numa altura em que, pela primeira vez, o Conselho de Opinião da RTP profere um parecer desfavorável sobre os elementos indigitados pelo Governo para constituírem um novo conselho de administração. Assumidamente, a proposta do Governo destina-se a resolver uma dificuldade pontual, ultrapassando um requisito que, no momento, impede ou dificulta uma determinada política do Executivo, o que poderá fragilizar a sua pertinência legal.
6 - A proposta, além de retirar o parecer vinculativo do Conselho de Opinião no que concerne à constituição do Conselho de Administração da RTP, concede ao Conselho de Opinião a competência para emitir parecer sobre a nomeação e destituição dos directores do operador público das áreas da informação e da programação. Ora, aqui pretende-se conceder uma competência ao Conselho de Opinião que já pertence constitucionalmente à AACS.
7 - Logo, em conclusão, tendo recebido do Governo um pedido de parecer acerca da proposta governamental que pretende alterar o n.º 2 do artigo 48.º da Lei da Televisão, Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, no âmbito da competência que lhe é reconhecida pela alínea l) do artigo 4.º da Lei n.º 43/98, de 6 de Agosto, delibera dar parecer desfavorável àquela proposta, pelos seguintes motivos:

a) Porque a proposta põe em causa o princípio constitucional da independência do sector público da comunicação social perante o poder político;
b) Porque a proposta, não acompanhada de alternativas, deixa o sistema de nomeação e de destituição das administrações da RTP, designadamente, à margem de um parecer vinculativo por parte de qualquer órgão independente;
c) Porque a proposta se afasta do carácter geral e abstracto que todo o acto de criação legal deve assumir;
d) Porque a proposta, ainda no que respeita à nomeação e destituição dos directores de informação e programação do operador público de televisão, introduz duplicação com a actual competência da AACS, que tem origem constitucional.

Este parecer foi aprovado por maioria, com votos a favor de Sebastião Lima Rego (Relator), José Garibaldi (Vice-Presidente), Artur Portela, Jorge Pegado Liz, Carlos Veiga Pereira e José Manuel Mendes e, ainda, com votos de Armando Torres Paulo (Presidente) a favor da alínea c), contra as alíneas b) e d) e abstenção na alínea a) (com

Página 180

0180 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002

 

declaração de voto), Joel Frederico da Silveira a favor da alínea c), contra a alínea d) e abstenção nas alíneas a) e b) e Maria de Lurdes Monteiro a favor da alínea c), contra a alínea d) e abstenção nas alíneas a) e b) e contra de Amândio de Oliveira em todas as alíneas. Maria de Lurdes Monteiro apenas votou as conclusões.

Alta Autoridade para a Comunicação Social, 20 de Maio de 2002. O Presidente, Juiz Conselheiro Armando Torres Paulo.

Anexo

Declaração de voto apresentada pelo Presidente da Alta Autoridade para a Comunicação Social, Juiz Conselheiro Armando Torres Paulo

1 - Nada juridicamente obstaculiza a que a Assembleia da República aprecie a proposta de lei do Governo.
O Governo tem plena legitimidade na formulação da proposta tal como a apresentou, dado que a RTP, concessionária do serviço público, tem a natureza de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
A nomeação e destituição das administrações da RTP deveria ser precedida de parecer, não vinculativo, de organismo independente.
2 - O Conselho de Opinião é composto por 37 membros representativos da Assembleia da República, do Governo das Regiões Autónomas, dos trabalhadores, da Igreja, dos parceiros sociais, de diversas associações, das universidades e personalidades de relevante mérito.
Ou seja, trata-se de um órgão necessariamente heterogéneo, disperso em diversas sensibilidades que, fortalecendo-o, paradoxalmente o podem fragilizar.
Poder-se-á dizer que é sustentável que o Conselho de Opinião emitiu um veto sem apoio jurídico, ao não ter posto em causa a qualificação das pessoas que viessem a compor o conselho de administração.
Ter-se-ia fundamentado, antes, na sua discórdia relativa ao plano do Governo para solucionar a real crise na RTP, rejeitando-a na composição daquele conselho.
Mas há que convir que tal plano fora anteriormente aprovado por quem de direito.
Em reflexo daquele assinalado paradoxo, é difícil harmonizar o seu poder vinculativo, assinalado no n.º 2 do artigo 48.º dentro da hermenêutica do sistema jurídico.
Com efeito, é sabido que tal poder vinculativo é nitidamente excepcional atenta à unidade do sistema, sendo difícil encontrar justificação para tanto em face da composição do Conselho de Opinião.
Repare-se no valor não vinculante dos pareceres de órgãos compostos por especialistas qualificados: na maioria esmagadora de pareceres da Procuradoria-Geral da República e da própria Alta Autoridade para a Comunicação Social, não obstante natureza constitucional estruturante desta.
3 - Falece-me completa legitimidade para me pronunciar sobre o alcance, oportunidade e consequências políticas da proposta, nem como em qualificar o veto como político.
Por isso não o faço, nem nunca o farei, dada a independência que caracteriza e estrutura as funções em que estou investido.
Mas entendo, sob o aspecto jurídico, que a proposta, neste momento da sua apresentação, se afasta do carácter geral e abstracto que todo o acto de criação legal deve assumir.
4 - Contudo, ela não colide com a competência da AACS para a nomeação e exoneração dos directores de informação e programação do operador de televisão, pois é sempre possível juridicamente haver pareceres de vários órgãos sobre o mesmo assunto.

Lisboa, 20 de Maio de 2002. O Presidente, Juiz Conselheiro Armando Torres Paulo.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

Páginas Relacionadas
Página 0159:
0159 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002   rematada por um campaná
Página 0160:
0160 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002   e especialidades da nat
Página 0161:
0161 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002   Assim, os Deputados do
Página 0162:
0162 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002   na União Europeia, ou f
Página 0163:
0163 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002   Capítulo V Disposiç

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×