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Quinta-feira, 28 de Novembro de 2002 II Série-A - Número 47

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2003)

S U M Á R I O

Projectos de lei (n.os 21, 22, 53, 160, 162, 166 e 167/IX):
N.º 21/IX (Medidas para a protecção da vítima de tráfico de seres humanos):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 22/IX (Altera o artigo 169.º do Código Penal e adita novo artigo nas matérias referentes ao tráfico de pessoas):
- Vide projecto de lei n.º 21/IX.
N.º 53/IX (Aprova o regime penal especial para jovens entre 16 e 21 anos):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 160/IX (Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde):
- Idem.
N.º 162/IX (Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência):
- Vide projecto de lei n.º 160/IX.
N.º 166/IX (Define medidas de prevenção e combate à discriminação com base na deficiência):
- Vide projecto de lei n.º 160/IX.
N.º 167/IX (Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência):
- Vide projecto de lei n.º 160/IX.

Proposta de lei n.º 29/IX (Aprova o Código do Trabalho):
- Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre os recursos de admissão apresentados pelos Grupos Parlamentares do PCP e BE.

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PROJECTO DE LEI N.º 21/IX
(MEDIDAS PARA A PROTECÇÃO DA VÍTIMA DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS)

PROJECTO DE LEI N.º 22/IX
(ALTERA O ARTIGO 169.º DO CÓDIGO PENAL E ADITA NOVO ARTIGO NAS MATÉRIAS REFERENTES AO TRÁFICO DE PESSOAS)

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Nota preliminar

Os Deputados do Bloco de Esquerda tomaram a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 21/IX, que adopta "Medidas para a protecção de vítimas de tráfico de seres humanos", e o projecto de lei n.º 22/IX, que "Altera o artigo 169.º do Código Penal e adita novo artigo nas matérias referentes ao tráfico de pessoas".
Estas apresentações foram efectuadas nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, de 9 de Maio de 2002, ambas as iniciativas desceram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para emissão do respectivo relatório/parecer.

II - Do objecto e motivação das iniciativas

2.1 - Do projecto de lei n.º 21/IX:
O projecto de lei sub judice tem por desiderato adoptar medidas de protecção às vítimas de crime de tráfico de seres humanos, as quais consistem, por um lado, na definição dos direitos e garantias da vítima e, por outro, na adopção de diversas medidas institucionais.
No quadro da definição dos direitos e garantias da vítima de tráfico de seres humanos a iniciativa vertente consagra, nomeadamente, o seguinte:
- Direito à assistência judiciária;
- Direitos inerentes às vítimas de crimes, nomeadamente o direito de se constituir assistente e parte cível em processo judicial, o direito de indemnização e reparação pela lesão dos direitos económicos, físicos e psicológicos;
- Direito a tradutor competente e qualificado durante todo o processo judicial;
- Direito a permanecer no país durante todas as diligências que se relacionem com o facto de ter sido vítima de tráfico ou, se for essa a sua vontade, ter possibilidade de acesso à autorização de residência;
- Direito de acesso à assistência social e económica suficiente para poder reconstituir a sua vida ou voltar ao seu país;
- Direito à confidencialidade absoluta.
Segundo os Deputados do BE, a fixação de tais direitos justifica-se face ao vazio legal existente nesta matéria, pois consideram necessário que as vítimas de tráfico de seres sejam encaradas como tal e não como infractores que violam as leis de estrangeiros, que devem ser expulsos sem a mínima protecção.
No plano institucional, o projecto de lei apresentado, partindo do princípio segundo o qual quanto menos direitos e menos alternativas tiver a vítima mais vulnerável fica às redes de tráfico, consagra a adopção das seguintes medidas:
- Criação de gabinetes de apoio à vítima de tráfico de pessoas, com linhas SOS, que forneçam informação jurídica e façam o encaminhamento necessário;
- Realização de acções de formação sobre tráfico de seres humanos, situação da vítima, formas de atendimento e mecanismos de encaminhamento e protecção, dirigidas a técnicos de saúde, agentes policiais, inspectores de trabalho e técnicos de segurança social;
- Divulgação, no âmbito da administração pública, de brochuras informativas sobre o tráfico de pessoas;
- Criação de uma bolsa nacional de tradutores a serem disponibilizados sempre que necessário, para prestar apoio em hospitais, centros de segurança social, esquadras de polícia e postos de atendimento do SEF.
2.2 - Do projecto de lei n.º 22/IX:
O projecto de lei vertente tem por escopo, por um lado, proceder ao alargamento da tipificação do crime de tráfico de pessoas, actualmente restrito à exploração sexual, aos casos de exploração do trabalho dos imigrantes e, por outro, adaptar o tráfico de pessoas com vista à sua exploração sexual às novas formas que esse mesmo tráfico assume.
A presente iniciativa nasce da constatação, por parte dos Deputados do BE, de que, em Portugal, as redes de tráfico de imigração clandestina oriunda de países de leste têm apostado, a par da exploração sexual das mulheres, na exploração de mão-de-obra masculina para a construção civil, pelo que o tráfico de pessoas com vista à sua exploração afecta, assim, quer homens quer mulheres imigrantes.
Atendendo a que o Código Penal Português confina o crime de tráfico de pessoas às actividades associadas à exploração sexual e que o crime de "auxílio à imigração ilegal" apenas criminaliza o acto de "favorecer ou facilitar (…) a entrada irregular de cidadão estrangeiro no território nacional" (cfr. artigo 134.º do Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro), adoptando essencialmente o ponto de vista do controlo das fronteiras, consideram os Deputados do BE que o quadro legislativo português se revela desadequado à realidade actual do tráfico de seres humanos.
Assim sendo, os Deputados do BE propõem a clarificação das tipologias legais, distinguindo tráfico de pessoas com vista à sua exploração sexual, com características e gravidade particulares, sem deixar de definir o crime de tráfico de pessoas, mais genérico do que a definição actualmente contida no Código Penal e mais gravoso do que o crime de "auxílio à imigração ilegal".
Neste enquadramento a presente iniciativa legislativa propõe o seguinte:
- Alteração da redacção do artigo 169.º do Código Penal, confinando-o expressamente, nomeadamente através da redefinição da respectiva epígrafe, ao tráfico de pessoas para a exploração sexual e consagrando novas formas para a prática deste crime,

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designadamente através de apreensão de documentos ou da utilização da servidão por dívidas;
- Aditamento do artigo 160.º-A, que define, em termos mais genéricos, o crime de tráfico de pessoas, o qual é encarado do ponto de vista da exploração do trabalho; e,
- Alteração da alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º do Código Penal, mediante a introdução do crime previsto no proposto artigo 160.º-A.

III - Do quadro legal aplicável

3.1 - Dos antecedentes legislativos e parlamentares:
Ambas as iniciativas constituem a retoma do projecto de lei n.º 514/VIII, apresentado pelos Deputados do BE em 31 de Outubro de 2001 (DAR I Série n.º 19, de 2 de Novembro, página 670), que, tendo descido, à 1ª Comissão, caducou com o termo da anterior legislatura, sem que tivesse tido qualquer desenvolvimento.
O projecto de lei n.º 514/VIII continha, numa primeira parte, medidas de protecção às vítimas de tráfico de seres humanos e, numa segunda parte, a tipificação dos crimes de tráfico de pessoas e tráfico de pessoas para a exploração sexual.
Apesar de a proposta de adopção de medidas de protecção às vítimas de tráfico constituir uma inovação, por, até ao momento, esta matéria não ter sido objecto de qualquer tratamento específico, já o mesmo não se poderá dizer relativamente ao crime de tráfico de pessoas que tem conhecido importantes alterações.
O Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, na sua versão originária (artigo 217.º), tipificava o crime de tráfico de pessoas da seguinte forma:
"Quem realizar tráfico de pessoas, aliciando, seduzindo ou desviando alguma, mesmo com o seu consentimento, para a prática, em outro país, de prostituição ou de actos contrários ao pudor e à moralidade sexual (…)"
Em 1995, através do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, foi alterada a tipificação deste crime (artigo 169.º do Código Penal), o qual passou a ter a seguinte redacção:
"Quem, por meio de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, levar outra pessoa à prática em país estrangeiro da prostituição ou de actos sexuais de relevo, explorando a sua situação de abandono ou de necessidade (…)"
Com a revisão de 1998, operada pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, reduziu-se os requisitos para o crime de tráfico de pessoas, porquanto deixou de fazer parte do tipo legal de crime a exploração de situação de abandono ou de necessidade.
Mais recentemente, a Lei n.º 99/2001, de 25 de Agosto, reformulou o artigo 169.º do Código Penal, fazendo constar na sua previsão situações que anteriormente não se incluíam no tráfico de pessoas.
A redacção do referido preceito passou, então, a ser a seguinte:
"Quem, por meio de violência, ameaça grave, ardil, manobra fraudulenta, abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou aproveitando qualquer situação de especial vulnerabilidade, aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de pessoa, ou propiciar as condições para a prática por essa pessoa, em país estrangeiro, de prostituição ou de actos sexuais de relevo (…)."
A actual redacção do artigo 169.º do Código Penal teve como antecedente o projecto de lei n.º 369/VIII, apresentado pelo PCP, o qual foi aprovado, em votação final global ocorrida em 17 de Julho de 2001, por unanimidade (DAR I Série n.º 1205, de 18 de Julho de 2001, página 4118).
Na presente legislatura o XV Governo Constitucional apresentou na Assembleia da República, em 11 de Junho de 2002, a proposta de lei n.º 10/IX, que consubstancia um pedido de autorização legislativa para alterar o regime que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, previsto no Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, a qual foi aprovada, em votação final global, com os votos a favor do PSD e CDS-PP, contra do PCP, BE e Os Verdes e a abstenção do PS.
Esta proposta de autorização legislativa prevê, no seu artigo 2.º, o seguinte:
"o) Aperfeiçoar o regime sancionatório das infracções criminais associadas ao fenómeno da imigração ilegal, criando novos tipos criminais e agravando as medidas das penas aplicáveis;
(…)
q) Tipificar as medidas acessórias aplicáveis quer no caso das infracções criminais quer no caso das infracções contra-ordenacionais;
r) Criar e alargar mecanismos de responsabilização das pessoas colectivas e equiparadas, individual e solidariamente, com os agentes responsáveis pela prática de infracções associadas ao fenómeno da imigração clandestina;"
Em concretização de tais prerrogativas, o Governo elaborou um projecto de alteração do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, cujo Capítulo X, sob a epígrafe "Disposições penais", prevê, entre outras disposições, a responsabilidade penal e civil das pessoas colectivas e equiparadas (artigo 134.º), o auxílio à imigração ilegal (artigo 134.º-A), a associação de auxílio à imigração ilegal (artigo 135.º), entrada, permanência e trânsito ilegais (artigo 136.º), a violação da medida de interdição de entrada (artigo 136.º-A) e o auxílio à investigação (artigo 137.º-B).
3.2 - Da legislação aplicável:
Não obstante a matéria de protecção das vítimas de tráfico de seres humanos não ter sido, até ao momento, objecto de disciplina jurídica própria, há, no entanto, que ter em conta, nesta sede, a seguinte legislação:
- Decreto-Lei n.º 4/2001, de 4 de Janeiro (Altera o Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, que aprova as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), cujo artigo 87.º, n.º 1, alínea f), prevê a dispensa de visto de residência aos estrangeiros "que colaborarem com a justiça na investigação de actividades ilícitas passíveis de procedimento criminal, nomeadamente ao nível da criminalidade organizada";
- Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, que regula a aplicação de medidas para a protecção de testemunhas em processo penal;
- Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, que prevê o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos, disciplinando a concessão de indemnização, por parte do Estado, a essas vítimas;
- Código Civil, designadamente o artigo 483.º e seguintes, que consagram o regime da responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos;

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- Código do Processo Penal, nomeadamente os artigos 68.º e 74.º, que consagram, respectivamente, o direito de constituição de assistente e a legitimidade para deduzir pedido de indemnização civil;
- Estatutos da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, publicados no DR, III Série n.º 159, de 12 de Julho de 1990.
Quanto aos tipos criminais associados à imigração, há que atender não só ao crime de tráfico de pessoas consagrado no artigo 169.º do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 99/2001, de 25 de Agosto, e ao crime de auxílio à imigração ilegal, previsto no artigo 134.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, como também a outras disposições penais, nomeadamente as que consagram os seguintes crimes:
- De ameaça (artigo 153.º do Código Penal);
- De coacção (artigo 154.º do CP);
- De coacção grave (artigo 155.º do CP);
- De sequestro (artigo 158.º do CP);
- De escravidão (artigo 159.º do CP);
- De rapto (artigo 160.º do CP);
- De burla (artigo 217.º do CP);
- De associação criminosa (299.º do CP).
Registe-se ainda, neste domínio, a Resolução da Assembleia da República n.º 5/2001, de 27 de Janeiro, que aprova, para adesão, o Protocolo de Emenda à Convenção para a Supressão do Tráfico de Mulheres e Crianças e à Convenção para Supressão do Tráfico de Mulheres Maiores, o qual foi ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 6/2001, de 27 de Janeiro.
3.3 - Do direito comparado:
Muito próximo da legislação portuguesa encontra-se o direito alemão, cujas secções 180-b e 181, do Código Penal (Strafgesetzbucht, StGB), concebem o crime de tráfico de seres humanos (simples e qualificado, respectivamente) com vista à exploração sexual. A penalidade varia entre pena de prisão até cinco anos, entre seis meses a 10 anos, entre um e 10 anos ou entre seis meses e cinco anos.
Bem menos avançado está o direito espanhol, cujo Código Penal, aprovado pela Ley Orgânica n.º 10/1995, de 23 de Noviembre, nem sequer tipifica o crime de tráfico de seres humanos.
Por sua vez, o direito belga, muito embora não preveja o tráfico de seres humanos com vista à sua exploração sexual, consagra, todavia, o tráfico de imigrantes, através da Loi contenant dês dispositions en vue de la eépression de la traite dês êtres humanis et de la pornographie enfantine, de 13 de Abril de 1995, com uma penalidade de um a cinco anos de prisão e uma pena de multa de € 76,22 a € 3.811,23.
No contexto europeu, não se encontra legislação nacional que proteja as vítimas de tráfico de seres humanos.

IV - Do tráfico e exploração de migrantes

O tráfico de imigrantes constitui uma das modalidades e corresponde a uma manifestação do tráfico de seres humanos, sendo um fenómeno em franco crescimento.
A este propósito a Organização Internacional para as Migrações (OIM) explica que o tráfico ocorre quando:

Um (a) migrante é ilegalmente envolvido (recrutado, raptado, vendido, etc.) e deslocado, tanto dentro das suas fronteiras nacionais, como para fora delas;
b) Intermediários (traficantes) obtêm lucros, económicos ou outros, por meio de fraude, coacção ou outras formas de exploração que violem os direitos fundamentais dos migrantes.
De acordo com estimativas da OIM, quatro milhões de pessoas caem anualmente nas redes da criminalidade organizada ao comprarem documentos falsos, vistos de entrada em países, etc. (cfr. European Parliament, Working Paper, Trafficking in women, Cível Liberties Séries, Libe 109 EN, March 2000, p. 3).
Mais recentemente, o relatório anual americano, do Departamento de Estado para combater o tráfico de pessoas, tornado público no dia 5 de Junho de 2002, refere que entre 700 mil e quatro milhões de pessoas foram vítimas do comércio de seres humanos, durante o ano passado, tendo por destino a prostituição forçada, a escravatura ou o ingresso de crianças nas forças armadas.
Trata-se de um fenómeno que também assola Portugal, embora os números oficiais não sejam muito expressivos. Segundo a Polícia Judiciária, em 1999, foram nove os casos de inquérito por tráfico de pessoas, tendo em 2000 sido de apenas quatro.
Refere o Relatório de Segurança Interna de 2001 que, no ano de 2001, se verificou um "aumento da criminalidade organizada associada à imigração, que se traduz na (… ) falsificação de documentos, subtracção de documentos, burla relativa ao trabalho e ao emprego, lenocínio, tráfico de pessoas, extorsão e roubo, sequestro, rapto, coacção, ofensas à integridade física graves e mesmo o próprio homicídio".
Ao nível da União Europeia, importa referir que o Tratado de Amsterdão e o Plano de Acção de Viena de 1998 proporcionam uma base sólida para as acções contra o tráfico de seres humanos.
Já em 1997, o Conselho tinha, no entanto, adoptado uma acção comum contra o tráfico de seres humanos e exploração sexual de crianças - a Acção Comum n.º 97/154/JAI, de 24 de Fevereiro de 1997.
De acordo com o parecer do Comité Económico Social Europeu, sobre a política da Comunidade em matéria de imigração, aprovado na reunião plenária de 11 e 12 de Julho de 2001, "é necessário … lutar contra as organizações de tráfico de seres humanos".
De sublinhar que as Conclusões da Presidência, adoptadas no Conselho Europeu de Sevilha, de 21 e 22 de Junho de 2002, foram no sentido de prosseguir a luta contra o tráfico de seres humanos.
Nesse Conselho Europeu recomenda-se que "as medidas tomadas a curto e médio prazo para a gestão conjunta dos fluxos migratórios devem respeitar um bom equilíbrio entre, por um lado, uma política de integração dos imigrantes legalmente estabelecidos e uma política de asilo que respeite as convenções internacionais, principalmente a Convenção de Genebra de 1951, e, por outro lado, uma luta determinada contra a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos".
Mais, no âmbito do Plano Global de Luta contra a Imigração Ilegal, o Conselho Europeu de Sevilha lançou um apelo ao Conselho e à Comissão para que conferissem "absoluta prioridade" às medidas previstas nesse Plano, entre as quais se inclui a aprovação formal, no próximo Conselho (Justiça e Assuntos Internos), da Decisão-Quadro relativa à luta contra o tráfico de seres humanos.

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Na referida decisão-quadro o tráfico de seres humanos é encarado como um crime contra a pessoa humana, que tem por objecto a exploração da própria pessoa humana, abordando-se dois aspectos diferentes deste tráfico: a exploração sexual e a exploração de mão-de-obra.
Ao nível global existem uma série de mecanismos e convenções internacionais que se ocupam de toda esta problemática, dos quais se destaca a Convenção Relativa à Abolição do Tráfico de Pessoas e à Exploração da Prostituição de Outrem, de 2 de Dezembro de 1949.
Relativamente à protecção dos cidadãos vítimas de crime, é de referir que, em 29 de Novembro de 1985, a Assembleia Geral da ONU adoptou, por unanimidade, a Resolução n.º 40/34 e anexos: a Declaração dos Princípios Fundamentais de Justiça relativos às Vítimas de Crimes e de Abuso de Poder. Seguiram-se as Resoluções n.º 1989/57 e 1990/22, do Conselho Económico e Social, relativas à sua aplicação.
O Conselho da Europa tem adoptado várias recomendações, nomeadamente as Recomendações n.º R (85) 11 e R (87) 21, e produzido diversos documentos sobre o estatuto da vítima de crime.
Os direitos das vítimas de crime foram incluídos no já referido Plano de Acção sobre Liberdade, Segurança e Justiça da Comissão Europeia e Conselho de Ministros da União Europeia, em Viena, em Dezembro de 1998, na sequência do qual a Comissão Europeia adoptou, em 14 de Julho de 1999, uma Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social sobre Vítimas de Crime na União Europeia, com vista ao estabelecimento de acções e padrões de actuação e reflexão.
Em Portugal, com vista a colmatar a inexistência de qualquer estrutura de apoio às vítimas de crime, foi criada, em 25 de Junho de 1990, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (www.apav.pt), de cujas finalidades e actividades se destacam as seguintes:
- A promoção e defesa dos direitos e interesses das vítimas de crime e suas famílias;
- A prestação de serviços, gratuitos, confidenciais, personalizados e adequados de aconselhamento e apoio emocional, jurídico, psicológico e social aos cidadãos vítimas de crime;
- O atendimento personalizado e encaminhamento adequado aos cidadãos utentes não vítimas de crime;
- A promoção e manutenção da rede nacional de voluntariado social;
- A cooperação internacional e interinstitucional com entidades públicas e privadas, e nomeadamente com as polícias, tribunais, segurança social, centros de saúde e hospitais, instituições particulares de solidariedade social e outras entidades da administração da justiça, da saúde e da segurança social no apoio à vítima de crime e suas famílias;
- A investigação e estudo sobre os problemas das vítimas;
- A divulgação, informação e sensibilização da opinião pública sobre os direitos das vítimas;
- A contribuição para a adopção de medidas legislativas e administrativas de defesa dos direitos e interesses das vítimas de crime e seus familiares;
- A sensibilização e formação de técnicos institucionais, estudantes, forças policiais e outros grupos sócio-profissionais na área da vitimologia e do apoio à vítima de crime.

V - Da insustentabilidade orçamental de certas medidas propostas

Dispõe o n.º 2 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que "os Deputados, grupos parlamentares (...) não podem apresentar projectos de lei (...) que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento do Estado".
Segundo os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, Coimbra Editora, página 687), tal disposição constitucional, acolhida integralmente pelo artigo 133.º do Regimento da Assembleia da República, "limita a capacidade de iniciativa dos deputados, grupos parlamentares (...) em matéria financeira ou de incidência financeiras, vedando-lhes a apresentação de projectos que implique aumento das despesas ou diminuição das receitas prevista na lei do orçamento. Só o Governo pode tomar iniciativas dessas."
Ora, algumas das medidas preconizadas no projecto de lei n.º 21/IX, do BE, implicam, seguramente, um aumento das despesas no ano económico em curso, a saber:
- A garantia, conferida à vítima de tráfico de seres humanos, ao direito de acesso à assistência social e económica suficiente para poder reconstruir a sua vida ou voltar ao seu país - artigo 3.º, n.º 1, alínea g);
- A criação de um programa de protecção às vítimas de tráfico de seres humanos - artigo 4.º;
- O desenvolvimento de campanhas de informação e de formação - artigo 5.º;
- A realização de estudos - artigo 6.º;
- A criação de Gabinetes de Apoio à Vítima de Tráfico de Pessoas - artigo 8.º;
- A criação de uma bolsa nacional de tradutores - artigo 13.º.
Assim sendo, independentemente do seu mérito, as medidas supra elencadas não podiam ter sido, como foram, apresentadas, pois implicam um aumento das despesas para o ano económico em curso, o que contradiz a lei travão, muito embora a sanção aplicável à lei que eventualmente seja aprovada com base numa iniciativa violadora desta disposição referida seja a da mera ineficácia.
Na verdade, respondendo à questão de saber "o que é que sucede à lei que tenha origem numa iniciativa legislativa violadora desta proibição", os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem, na senda do douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 297/86, que "a solução mais razoável parece ser a de que a lei apenas permanece ineficaz durante a vigência do ano económico em curso, visto que nada haveria de irregular se ela expressamente contivesse essa cláusula temporal - Idem página 688.
Considerando esta situação, os proponentes informam a Comissão de que apresentarão correcção ao projecto de lei, na especialidade, determinando que a lei só entrará em vigor com o Orçamento do Estado seguinte à sua aprovação.

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Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de:

Parecer

Que os projectos de lei n.os 21/IX e 22/IX, do Bloco de Esquerda, podem subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Palácio de São Bento, 20 de Novembro de 2002. O Deputado Relator, Fernando Negrão - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP e Os Verdes.

PROJECTO DE LEI N.º 53/IX
(APROVA O REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS ENTRE 16 E 21 ANOS)

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Nota preliminar

Seis Deputados pertencentes ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista tomaram a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 53/IX, que "Aprova o regime penal especial para jovens entre 16 e 21 anos".
Esta apresentação foi efectuada nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, de 5 de Junho de 2002, a iniciativa vertente desceu à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para emissão do respectivo relatório/parecer.

II - Do objecto e motivação da iniciativa

O projecto de lei sub judice tem por desiderato instituir, em concretização do disposto no artigo 9.º do Código Penal, um regime penal específico para jovens de idade compreendida entre os 16 e os 21 anos.
Os Deputados signatários da presente iniciativa consideram que deve continuar a existir um regime penal diferenciado para os jovens adultos, atendendo a que a criminalidade juvenil corresponde a uma fase de latência social, associada a um determinado ciclo da vida, efémero e transitório - o acesso à idade adulta.
O projecto de lei vertente assenta em duas ideias fundamentais:
- A de que os cidadãos maiores de 16 anos, sendo imputáveis, estão sujeitos às normas penais; e,
- A de que é de evitar, na medida do possível, a aplicação de penas de prisão a jovens adultos.
Para concretizar a primeira ideia a presente iniciativa rompe, em definitivo, com a tradição instituída pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, que permite a aplicação de medidas tutelares educativas aos jovens delinquentes, separando-se, assim, o sistema penal do sistema tutelar educativo, realidades que, por assentarem em critérios próprios e diferenciados, não se devem misturar.
A segunda ideia encontra-se patenteada no projecto de lei em apreço a diversos níveis, a saber:
- Permite-se a atenuação especial da pena quando o tribunal considerar que a idade, no momento da prática do facto, por si ou associada a outras circunstâncias, anteriores ou posteriores ao crime ou contemporâneas dele, diminui por forma acentuada a ilicitude, a culpa do agente ou a necessidade da pena - cfr. artigo 4.º;
- Reduzem-se os limiares de cumprimento da pena previstos no Código Penal, facultando-se a liberdade condicional mais cedo - cfr. artigo 13.º;
- Privilegia-se a aplicação de penas de substituição da pena de prisão:

a) Alarga-se o âmbito de aplicação das penas de multa, de prestação de trabalho a favor da comunidade e de admoestação - cfr. artigos 6.º, 10.º, 11.º;
b) Cria-se três "novas" penas de substituição: a colocação por dias livres em centros de detenção, a colocação em centros de detenção em regime de semi-internato e o internamento em centros de detenção - cfr. artigos 7.º, 8.º e 9.º.

Prevê-se que, quando aplicada a jovens adultos, a pena de prisão seja, em qualquer caso, executada em estabelecimentos especificamente destinados a jovens ou em secções de estabelecimentos prisionais comuns afectas a esse fim - cfr. artigo 15.º.
São estas, em suma, as alterações propostas pelos Deputados do PS.

III - Do quadro legal aplicável

3.1 - Dos antecedentes parlamentares:
A presente iniciativa constitui a retoma das propostas de lei n.os 275/VII e 45/VIII, apresentadas pelo governo socialista nos anos de 1999 e 2000, que, tendo descido à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, caducaram com o termo das respectivas legislaturas, sem que tivessem tido qualquer desenvolvimento.
3.2 - Da legislação aplicável:
Satisfazendo a injunção do artigo 9.º do Código Penal, o Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, veio instituir o regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos.
O Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, assenta na ideia de que o jovem delinquente é merecedor de um tratamento penal especializado, o que vai, aliás, não só ao encontro das mais recentes pesquisas no domínio das ciências humanas e da política criminal, como também entronca na constatação de que a capacidade de ressocialização do homem mais facilmente se obtém quando se encontra no limiar da sua maturidade.
O regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, concebe o direito penal dos jovens imputáveis como um direito mais reeducador do que sancionatório.

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E é dentro do princípio de que o direito penal dos jovens deve, tanto quanto possível, aproximar-se do direito reeducador de menores que o Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, privilegia a aplicação de medidas correctivas, a saber: admoestação, imposição de determinadas obrigações, multa e internamento em centros de detenção.
A pena de prisão é, assim, estabelecida como última ratio, prevendo-se que seja especialmente atenuada quando houver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
O Decreto-Lei n.º 90/83, de 16 de Fevereiro, dando execução à medida correctiva de internamento de curta duração, prevista no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, cria os centros de detenção para jovens entre os 16 e os 21 anos.
Os centros de detenção são constituídos como um espaço intermédio de reacção social, o que, por um lado, diminui o risco de desadaptação causado por um período longo de privação da liberdade e, por outro, reduz o estigma e o perigo de contaminação do internamento em meio prisional.
O Decreto-Lei n.º 90/83, de 16 de Fevereiro, admitindo graduações de intensidade na supervisão dos jovens, prevê o internamento em regime de internato, em regime de semi-internato e em regime de detenção ao fim-de-semana.
Nesta sede há ainda que ter em linha de conta o Decreto-Lei n.º 204-A/2001, de 26 de Julho, que aprova a Lei Orgânica do Instituto de Reinserção Social, que é o organismo responsável pelas políticas de prevenção criminal e de reinserção social, designadamente nos domínios da delinquência juvenil, das medidas tutelares educativas e da promoção de medidas alternativas à prisão.
3.3 - Do direito comparado:
Desde 1995 que a nossa vizinha Espanha optou por um sistema de imputabilidade simples, em que coincidem a maioridade cívica (18 anos) e a imputabilidade penal.
De facto, a Ley Orgânica 10/95, de 23 de Noviembre, fixa a maioridade penal nos 18 anos, determinando, no entanto, que seja fixado em lei especial a responsabilidade penal dos menores de 18 anos.
Concretizando esta prerrogativa, vertida no artigo 19.º do Código Penal Espanhol, a Ley Orgânica 5/2000, de 12 de Enero, veio regular a responsabilidade penal dos menores, estabelecendo dois tipos de regime: um para os maiores de 14 anos e menores de 18, e outro para os maiores de 18 e menores de 21 anos.
Para aqueles (maiores de 14 anos e menores de 18) há sempre lugar à aplicação do regime penal especial, enquanto que para estes (maiores de 18 e menores de 21 anos) o tratamento penal especial só se aplica quando, atendendo às circunstâncias pessoais do agente, à natureza e gravidade do crime, assim o determinar o juiz de menores, com base nos relatórios elaborados por uma equipa técnica especializada.
Aos menores de 14 anos não é, assim, exigida qualquer responsabilidade penal.
À semelhança do que acontece em Portugal, a legislação espanhola privilegia a aplicação de medidas correctivas, como a admoestação, prestações a favor da comunidade, medidas de internamento (internamento em regime fechado, semi-aberto e aberto, internamento terapêutico, tratamento ambulatório, assistência a um centro de dia, permanência de fim-de-semana) e a realização de tarefas sócio-educativas, em detrimento de penas de prisão, sendo que, no caso de estas se aplicarem, serão cumpridas não em prisões comuns mas em centros específicos para jovens delinquentes.
Já em França a inimputabilidade penal fixa-se nos 13 anos de idade, sendo que o tratamento penal especial, previsto na Ordenance n.º 45-174 du 2 Févier 1945, com as suas sucessivas alterações, se aplica aos maiores de 13 e menores de 18 anos.
Os menores imputáveis não são julgados na jurisdição penal comum, mas pelos tribunais de menores, que aplicarão preferencialmente as medidas de protecção, de vigilância e de educação adequadas ao caso.
A pena de prisão só é aplicada em casos extremos, tendo, neste caso, o tribunal de menores o especial dever de fundamentar a escolha pela sanção privativa da liberdade.
À semelhança de Espanha, a Bélgica adoptou, tendencialmente, um sistema de inimputabilidade simples, em que a maioridade cívica (18 anos) coincide com a inimputabilidade penal.
Mas se assim é em princípio, a verdade é que a Loi relative à la protection de la jeuness, de 8 de Abril de 1965, na redacção dada pelas suas sucessivas alterações, consagra um regime penal especial para os jovens entre os 16 e os 18 anos, prevendo que o tribunal de menores lhes aplique medidas de protecção, de vigilância ou de educação.
Caso as medidas correctivas se mostrarem insuficientes, finda a menoridade penal do jovem delinquente, o tribunal de menores pode submetê-lo ao direito penal comum, podendo-lhe ser aplicada, nesse caso, uma pena de prisão num estabelecimento prisional normal.
3.4 - Outras fontes:
Importa ainda referir a Resolução das Nações Unidas n.º 45/112, de 14 de Dezembro de 1990, que define os princípios orientadores para a prevenção da delinquência juvenil.
No respectivo Capítulo VI, referente a Legislação e Administração de Justiça de Menores, determina a referida Resolução que "os Governos devem adoptar e aplicar leis e processos específicos para promover e proteger os direitos e o bem-estar dos jovens", sendo que, "com vista a prevenir uma futura estigmatização, vitimização e criminalização dos jovens, deve ser adoptada legislação que assegure que qualquer conduta não seja considerada ou penalizada como crime, se cometida por um adulto, não seja penalizada se cometida por um jovem".

IV - Da delinquência juvenil: análise estatística e sociológica

O problema da delinquência juvenil afecta o mundo inteiro. Vários são, aliás, os casos relatados pela comunicação social que nos dão exacta conta disso: nos Estados Unidos um jovem de 14 anos entrou numa escola e despejou a arma sobre um grupo de colegas; na Grã-Bretanha dois rapazes de 10 anos raptaram o bebé James Bulger e, numa linha de comboio, espancaram-lhe o corpo com barras de ferro, esmagaram-lhe a cabeça com tijolos e esperaram pacatamente que a locomotiva o fizesse em dois.
Enfim, os casos de delinquência juvenil multiplicam-se, deixando o mundo aterrorizado com os seus jovens.
E Portugal não escapa à regra.
Os crimes cometidos em Portugal por menores de 16 anos têm registado um agravamento não apenas estatístico, mas também nos níveis de violência, chegando o ex-Presidente do Instituto de Reinserção Social, Dr. João Figueiredo, a admitir que "verifica-se um aumento da gravidade da delinquência juvenil, com menores cada vez

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mais envolvidos em gangs, nos correios da droga e em roubos com violência".
De facto, a delinquência juvenil no nosso país começa a caracterizar-se por um tipo de organização própria - os chamados gangs.
No estudo intitulado De casa-rua à escola-casa: revolta e divertimento, J. Barra da Costa, Professor de Ciências Humanas, chama-se à atenção para o facto de Portugal ter cerca de 8600 jovens organizados em gangs, os quais vivem essencialmente nas periferias e em "territórios" onde a polícia não entra.
Sublinha este autor que, em 2000, esses bandos de jovens delinquentes foram responsáveis por 2757 casos registados pelas autoridades. Só em Lisboa 6536 elementos organizaram-se em gangs (76% do total nacional) e foi precisamente na capital que ocorreram, em 2000, 2116 actos praticados por estes grupos, o que corresponde a 77% do total nacional.
Reportando-se aos comportamentos dos gangs, o Professor J. Barra da Costa avança no sentido de que "deixam perceber uma certa privatização da violência, com a consequente formação de correntes ligadas à justiça popular e o alargamento dos conflitos étnicos e raciais", concluindo que a questão dos gangs está relacionada com "a formação dos grupos mais jovens de delinquentes e a agregação de fenómenos de agressividade gratuita".
Interessante é também a visão do sociólogo José Machado Pais, que considera que "são as más companhias" que levam à iniciação da delinquência. Este estudioso não vê que comportamentos marginais dos jovens organizados em grupos como os graffiters, ravers ou "noctívagos" tenham sempre uma ligação à criminalidade. É que, segundo o autor, "o desvio nem sempre se associa à delinquência", sendo que, aliás, "existem algumas condutas juvenis que, entre alguns adultos, podem ser consideradas "desviantes" e entre jovens adquirem o estatuto de normalidade".
De acordo com a investigação levada a cabo pelo Professor J. Barra da Costa, numa escola degradada da margem sul do Tejo, que teve como objectivo "identificar a eventual influência que a degradação existente neste tipo de escolas exerce, em termos de agressividade e de para-delinquência, nos alunos, eles próprios provenientes, em grande maioria, de um ambiente social precário", constatou-se que, da amostra do estudo, composta por 40 alunos, 65% já se tinha envolvido em acções violentas ou agressivas no interior da escola e que 52% disse assim se manifestar devido à "revolta" que sente dentro de si em função da sua condição de inferioridade, na família e na sociedade, concluindo, assim, que se está "perante um barril de pólvora que pode consubstanciar-se numa enorme explosão".
E a verdade é que a criminalidade no interior das escolas urbanas tem registado um aumento significativo: em 2000 foram apreendidas 15 armas de fogo (contra 12 em 1999), 88 armas brancas (contra 51) e houve 103 vítimas que tiveram de receber tratamento hospitalar (60 no ano anterior). Por outro lado, vulgarizaram-se os incidentes protagonizados por grupos - 343 (quase um por dia), contra 210 em 1999.
Como há tempos dizia uma jornalista, "os putos juntaram-se em gangs, trocaram os livros aos quadradinhos por pistolas e navalhas, roubam ou matam velhos, violam os colegas de escola. Os criminosos são cada vez mais novos e as vítimas também. O motivo, como é próprio da idade, é a aventura e uma boa gargalhada".
Utilizando os dados fornecidos pela Polícia de Segurança Pública, o Relatório de Segurança Interna do ano 2001 analisou o fenómeno da delinquência juvenil da seguinte forma:
"Este tipo de delinquência não pode ser dissociado do fenómeno grupal (…) isto devido a que frequentemente os jovens agrupam-se em gangs, os quais já pressupõem uma certa organização, protegendo-se entre eles. O número destes grupos de jovens pode oscilar entre os 10 e os 20 elementos, ou apenas entre quatro ou cinco elementos. Utilizam com alguma frequência armas brancas, e praticam os delitos preferencialmente de noite.
A noção de que são criminalmente inimputáveis em virtude de serem menores tem levado a um crescendo deste tipo de delinquência, aliado ao facto de serem aproveitados por criminosos mais velhos para cometerem certo tipo de delitos, tais como, por exemplo, o pequeno tráfico e o pequeno furto.
Este fenómeno é tipicamente urbano, tendo, entre outros factores, origem no desenraizamento social e cultural; na escassez de recursos económicos; no abandono escolar prematuro; na falta de acompanhamento familiar; numa identificação com a delinquência juvenil existente em outros países, divulgada pelos media e frequentemente vista nos filmes exibidos pelo cinema e televisão; e insuficiência de instituições sociais para integração e acompanhamento dos jovens.
Este tipo de delinquência é, talvez, hoje em dia, um dos factores que mais contribui para o sentimento de insegurança existente na sociedade. É uma delinquência assente na gratuitidade dos actos praticados, exteriorizando recalcamentos ou revoltas internas com diversas causas.
O tipo de crimes mais praticados estão ligados ao património. Do quadro geral das participações, destacam-se as ameaças, injúrias, vandalismo, agressões físicas e roubos, sendo praticados, maioritariamente, nos centros urbanos e nas suas periferias."
Em termos estatísticos, o Relatório de Segurança de 2001 refere que:
"No ano de 2001 registou-se um decréscimo de 6% no número de jovens delinquentes identificados, em comparação com o ano 2000. Lisboa regista uma diminuição de 30,6%, sendo o distrito que maior número de ocorrências deste tipo regista, seguido do Porto, o qual apresenta um acréscimo de 58%, estando o distrito de Setúbal em terceiro lugar em números de registo e apresentando um acréscimo de 16,2%."
Inúmeras são, de facto, as causas que estão na origem da delinquência juvenil: desde a escassa disponibilidade dos pais na educação e acompanhamento dos seus filhos, à baixa qualidade de vida nas periferias urbanas, passando pela globalização da violência através dos media e pela total ausência de valores, até às dificuldades em arranjar o primeiro emprego e ao insucesso escolar.
Destacando-se aqui a inexistência de uma formação cívica sólida que adeque o jovem no sentido do controlo de si mesmo, da perseverança e da distinção entre o "bem" e o "mal", transformando-os em seres frágeis quando entram na idade adulta.
Num artigo intitulado Investigação orientada para a prática com jovens delinquentes que cometeram crimes graves, Gwyneth Boswell constata que, quer os maus tratos quer a perda na infância, pode ser um factor importantíssimo na história de delinquentes violentos. Com efeito, parece haver pouca dúvida de que os maus tratos infantis e as experiências de perda na infância, quando não é providenciada à criança uma oportunidade efectiva para lidar com estas experiências, constituem traumas por resolver que provavelmente se virão a manifestar de alguma maneira posteriormente. O estudo fundamenta esta progressão com exemplos de casos de crianças que sofreram maus tratos físicos, sexuais, que foram fechadas em caves escuras, torturadas e humilhadas.

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Aliás, já Max Heindel, em O Véu do Destino, havia dito que "de meninos se fazem os homens", para sublinhar que o período infantil é substantivo, único, a verdadeira chave para se compreender os períodos subsequentes. O problema da violência juvenil tem, pois, como fulcro, a criança. Não basta defendê-la e protegê-la: é preciso conhecê-la, orientá-la, dirigi-la e corrigi-la nas suas realidades espirituais e sociais.
Quanto ao modo de reacção à delinquência juvenil, importa reter o entendimento do sociólogo José Machado Pais, coordenador de um estudo sobre juventudes desviantes, publicado no livro Traços e Riscos de Vida, segundo o qual "a repressão visa menos a salvação dos "desencaminhados" do que o reforço da consciência comum da sociedade "respeitável" e "virtuosa". Mais que desencorajar aqueles que se "desviam", a repressão parece justificar aqueles que se conformam".
Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de:

Parecer

Que o projecto de lei n.º 53/IX, do Partido Socialista, se encontra em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Palácio de São Bento, 12 de Novembro de 2002. O Deputado Relator, Fernando Negrão - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes.

PROJECTO DE LEI N.º 160/IX
(PROÍBE AS DISCRIMINAÇÕES NO EXERCÍCIO DE DIREITOS POR MOTIVOS BASEADOS NA DEFICIÊNCIA OU NA EXISTÊNCIA DE RISCO AGRAVADO DE SAÚDE)

PROJECTO DE LEI N.º 162/IX
(PROÍBE AS DISCRIMINAÇÕES NO EXERCÍCIO DE DIREITOS POR MOTIVOS BASEADOS NA DEFICIÊNCIA)

PROJECTO DE LEI N.º 166/IX
(DEFINE MEDIDAS DE PREVENÇÃO E COMBATE À DISCRIMINAÇÃO COM BASE NA DEFICIÊNCIA)

PROJECTO DE LEI N.º 167/IX
(PROÍBE AS DISCRIMINAÇÕES NO EXERCÍCIO DE DIREITOS POR MOTIVOS BASEADOS NA DEFICIÊNCIA)

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Nota preliminar

O Grupo Parlamentar de Os Verdes, do BE, do PCP e do CDS-PP tomaram a iniciativa de apresentar à Assembleia da República os seguintes projectos de lei:
- Projecto de lei n.º 160/IX, de Os Verdes - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde;
- Projecto de lei n.º 162/IX, do BE - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência;
- Projecto de lei n.º 166/IX, do PCP - Define medidas de prevenção e combate à discriminação com base na deficiência;
- Projecto de lei n.º 167/IX (CDS-PP) - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência
Estas apresentações foram efectuadas nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento, reunindo ainda os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
Admitidas e numeradas, as iniciativas vertentes baixaram, em 12, 14 e 21 de Novembro de 2002, respectivamente, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para emissão do respectivo relatório/parecer.
A discussão conjunta, na generalidade, destas iniciativas está agendada para a reunião plenária de 27 de Novembro de 2002.

II - Do objecto, conteúdo e motivação das iniciativas

2.1 - Do projecto de lei n.º 160/IX, de Os Verdes:
A presente iniciativa tem por objecto a prevenção e a proibição da discriminação, directa ou indirecta, em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde e a sanção da prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, em razão de uma qualquer deficiência ou de risco agravado de saúde.
Referem as proponentes que a igualdade dos cidadãos é um direito fundamental que continua, porém, em múltiplas esferas da vida quotidiana longe de ser respeitado, persistindo factos e comportamentos graves em relação a muitos cidadãos, que traduzem violações do direito e discriminações intoleráveis.
Existem "discriminações no emprego, na escola, na limitação de acesso a bens e serviços públicos, nos transportes, na mobilidade, na garantia do direito à habitação, nos comportamentos estigmatizantes".
Consideram as proponentes que todos estes factos representam atentados aos direitos humanos, responsabilizam a sociedade e impõem o dever de procurar respostas para lhes pôr termo, respostas estas que passam por uma diferente atitude cultural, mas não dispensam medidas políticas e legislativas que favoreçam a integração plena destes cidadãos.
De acordo com as proponentes, este projecto de lei acolhe, no essencial, as propostas apresentadas pela Associação Portuguesa de Deficientes. Integra 17 artigos e considera, entre outros, os seguintes pontos:
- Definição do que se entende por discriminação directa", "discriminação indirecta" e "risco agravado de saúde" - artigo 2.º;
- A aplicação do diploma a todas as pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas - artigo 3.º;
- "Entende-se por discriminação em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência em razão

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de deficiência ou de risco agravado de saúde, que tenha por objectivo ou produza como resultado a anulação ou restrição do reconhecimento, fruição ou exercício, em condições de igualdade, de direitos, liberdades e garantias ou de direitos económicos, sociais e culturais" - n.º 1 artigo 4.º;
- A proibição do exercício de atitudes discriminatórias no acesso à saúde, habitação, emprego e educação - artigo 5.º;
- Atribuição do ónus da prova à parte requerida - artigo 6.º;
- Criação de uma Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação das Pessoas com Deficiência e Risco Agravado de Saúde - artigo 7.º e seguintes.
- O estabelecimento de um regime sancionatório em face de quaisquer violações dos princípios consagrados no aludido artigo 5.º e a fixação de uma pena acessória - artigo 11.º e 12.º.
2.2 - Do projecto de lei n.º 162/IX, do BE:
O projecto de lei sub judice visa prevenir e proibir a discriminação em razão da deficiência, sob todas as suas formas, e a sanção da prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, em razão de uma qualquer deficiência.
Consideram os autores do projecto de lei que, no plano legislativo, o combate à discriminação dos cidadãos com deficiência poderá ser feito através de iniciativas que estabeleçam medidas, programas e políticas de apoio à pessoa com deficiência e através de legislação que proíba a violação dos direitos das pessoas com deficiência (legislação anti-discriminação).
Segundo os autores do projecto de lei, verifica-se actualmente um vazio legislativo quanto a medidas que previnam e proíbam actos discriminatórios em relação à pessoa deficiente, ao contrário do verificado noutros países.
Esta iniciativa do BE pretende responder ao que tem sido uma legítima reivindicação das organizações de defesa dos direitos das pessoas deficientes e retoma uma proposta de projecto de lei anti-discriminatória, apresentada pela Associação Portuguesa de Deficientes, desenvolvendo-a em alguns pontos.
Neste enquadramento a presente iniciativa legislativa propõe, entre outros aspectos, o seguinte:
- Uma definição de discriminação em contexto laboral que tem em conta a necessidade de adaptação funcional da actividade às características da deficiência, e de que os encargos daí decorrentes podem ser compensados por medidas de integração profissional para pessoas portadoras de deficiência, promovidas pelo Estado;
- A introdução de um mecanismo em que a decisão da entidade empregadora relativa à recusa de contratação ou à cessação de contrato de trabalho carece de parecer prévio da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação das Pessoas com Deficiência, criada no âmbito do presente diploma;
- Um regime sancionatório igual ao estabelecido para discriminação em razão da raça, cor, nacionalidade e origem étnica;
- Atribuição do ónus da prova à parte requerida.
2.3 - Do projecto de lei n.º 166/IX, do PCP:
A iniciativa vertente consagra medidas de efectivação dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência através da prevenção e proibição de actos que se traduzam na violação de direitos em razão da deficiência, sob todas as suas formas.
Os Deputados do PCP consideram que as pessoas com deficiência são as mais afectadas pelo desemprego, com mais dificuldades de acesso à formação e ao emprego, as que mais sofrem as consequências da repressão sobre os trabalhadores e aquelas que no seu dia-a-dia mais obstáculos encontram.
Também os Deputados do PCP aceitaram o repto lançado pela Associação Portuguesa de Deficientes, elaborando o presente projecto de lei que define medidas de prevenção e combate à discriminação com base na deficiência.
Neste enquadramento a presente iniciativa propõe o seguinte:
- A proibição do exercício de atitudes discriminatórias no acesso à saúde, habitação, emprego e educação - artigo 3.º;
- Criação da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação das Pessoas com Deficiência - artigo 4.º e seguintes;
- O estabelecimento de um regime sancionatório em face de quaisquer violações dos princípios consagrados no artigo 3.º - artigo 17.º;
- Comunicação à Comissão e registo de todas as decisões comprovativas de prática discriminatória - artigo 18.º.
2.4 - Do projecto de lei n.º 167/IX, do CDS-PP:
A presente iniciativa visa prevenir e proibir a discriminação com base na deficiência, sob todas as suas formas, e sancionar a prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, por quaisquer pessoas, em razão de uma qualquer deficiência.
Segundo os autores do projecto de lei, "a existência em Portugal de uma taxa de 9,16% de cidadãos portadores de deficiência constitui uma realidade que não é possível ignorar, situação tanto mais preocupante quanto a distribuição, a diversidade e heterogeneidade das deficiências/incapacidades (visão, audição, fala, locomoção e muitas outras) assim o demonstram".
Através da presente iniciativa legislativa o CDS-PP pretende dar um contributo para o início da revisão da Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, lei esta que conta já com 13 anos e um défice de efectividade assinalável.
Na elaboração da presente iniciativa os Deputados do CDS-PP tiveram por base a Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto ("Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica").
A iniciativa vertente desdobra-se em 12 artigos que consagram e desenvolvem, entre outros, os seguintes aspectos:
- A aplicação do diploma a quaisquer entidades públicas ou privadas - artigo 2.º;
- "Entende-se por discriminação em razão da deficiência qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência em razão da deficiência, que tenha por

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objectivo ou produza como resultado a anulação ou restrição do reconhecimento, fruição ou exercício, em condições de igualdade, de direitos, liberdades e garantias ou de direitos económicos, sociais e culturais" - n.º 1 artigo 3.º;
- A proibição do exercício de atitudes discriminatórias no acesso à saúde, habitação, emprego e educação - artigo 4.º;
- Extensão de competências do Observatório para a Integração de Pessoas Portadoras de Deficiência - artigo 5.º;
- O estabelecimento de um regime sancionatório em face de quaisquer violações dos princípios consagrados no artigo 4.º e a fixação de uma pena acessória - artigos 6.º e 7.º.

III - Antecedentes parlamentares do projecto de lei n.º 160/IX, de Os Verdes, do projecto de lei n.º 162/IX, do BE, do projecto de lei n.º 166/IX, do PCP, e do projecto de lei n.º 167/IX, do CDS-PP

Na VIII Legislatura o BE apresentou o projecto de lei n.º 534/VIII - "Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência" -, mas essa iniciativa caducou com o fim prematuro da legislatura.
Nessa legislatura também o PS e o PCP apresentaram iniciativas similares. O PS através do projecto de lei n.º 537/VIII - "Previne e proíbe a discriminação com base deficiência" - e o PCP com o projecto de lei n.º 533/VIII - "Define medidas de prevenção e combate à discriminação com base na deficiência" -, tendo estas iniciativas também caducado com o fim antecipado da VIII Legislatura.
Já no âmbito da IX Legislatura o PS apresentou o projecto de lei n.º 48/IX - "Previne e proíbe a discriminação com base na deficiência" -, que irá ser discutido na generalidade conjuntamente com os projectos de lei n.os 160/IX, 162/IX, 166/IX e 167/IX, na sessão plenária do dia 27 de Novembro de 2002.

IV - Do enquadramento constitucional

A tutela constitucional da protecção das pessoas portadoras de deficiência encontra-se consagrada, em termos latos, no artigo 13.º da CRP, com incidência específica no artigo 71.º, onde se estipula que os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados.

V - Da legislação aplicável

Com relevância para a matéria em discussão permitimo-nos ainda salientar:
- Lei n.º 9/89, de 2 de Maio, Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, que tem como objectivo promover e garantir o exercício dos direitos que a Constituição da República Portuguesa consagra nos domínios da prevenção da deficiência, do tratamento, da reabilitação e da equiparação de oportunidades da pessoa com deficiência;
- Decreto-Lei n.º 247/89, de 5 de Agosto, que define o regime de concessão pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional de apoio técnico e financeiro aos promotores dos programas relativos à reabilitação profissional das pessoas deficientes;
- Decreto-Lei n.º 54/92, de 11 de Abril, concretamente a alínea p) do n.º 1 do artigo 2.º, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 287/95, de 30 de Outubro, isenta do pagamento de taxas moderadoras os portadores de doenças crónicas;
- Portaria n.º 349/96, de 8 de Agosto, aprova a lista de doenças crónicas;
- Lei n.º 109/97, de 16 de Setembro, que prevê o direito de acompanhamento familiar ao deficiente hospitalizado;
- Decreto-Lei n.º 123/97, de 22 de Maio, que aprova normas técnicas destinadas a permitir a acessibilidade das pessoas com mobilidade condicionada, nomeadamente através da supressão das barreiras urbanísticas e arquitectónicas nos edifícios públicos, equipamentos colectivos e via pública;
- Lei n.º 30/98, de 13 de Julho, que cria o Observatório para a Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência;
- Decreto-Lei n.º 8/98, de 15 de Janeiro, visa definir, perante os regimes de segurança social, a situação dos formandos, ainda que portadores de deficiência, de acções de formação profissional e dos trabalhadores deficientes em regime de emprego protegido;
- Decreto-Lei n.º 347/98, de 9 de Novembro, que define e regulamenta a protecção social nas situações de gravidez, maternidade, paternidade, adopção, assistência na doença a descendentes menores e deficientes, bem como nas de licença especial para acompanhamento de filho, adoptado ou filho de cônjuge de beneficiário do regime geral de segurança social, que seja deficiente profundo ou doente crónico;
- Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto, que proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica;
- Lei n.º 127/99, de 20 de Agosto, que define os direitos de participação e de intervenção das associações de pessoas portadoras de deficiência junto da Administração Central, regional e local, tendo por finalidade a eliminação de todas as formas de discriminação e a promoção da igualdade entre pessoas portadoras de deficiência e os restantes cidadãos;
- Decreto-Lei n.º 118/99, de 14 de Abril, que estabelece o direito de acessibilidade dos deficientes visuais acompanhados de cães-guias a locais, transportes e estabelecimentos de acesso público;
- Resolução do Conselho de Ministros n.º 96/99, de 26 de Agosto, que cria a Iniciativa Nacional para os Cidadãos com Necessidades Especiais na Sociedade de Informação e aprovação do respectivo documento orientador;
- Lei n.º 61/99, de 30 Junho, que regulamenta a dispensa de horários de trabalho com adaptabilidade dos portadores de deficiência;
- Decreto-Lei n.º 111/2000, de 4 de Julho, que regulamenta a Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto;
- Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de Fevereiro, que estabelece o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade

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igual ou superior a 60%, nos serviços e organismos da Administração Central e local, bem como nos institutos públicos.

VI - Do enquadramento comunitário e internacional

- Tratado de Amsterdão, que consagra, no seu artigo 13.º, que a União pode tomar as medidas necessárias para combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual;
- Directiva (2000/78/CE), de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro legal de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, bem como um programa de acção comunitário de combate à discriminação;
- Carta Social Europeia Revista (aprovada para ratificação pela Resolução da AR n.º 64-A/2001, de 17 de Outubro), que proclama o princípio de que "todas as pessoas com deficiência têm direito à autonomia, à integração social e à participação na vida da comunidade", prevendo especificamente obrigações para os Estados-membros em matéria de orientação, educação e formação profissional, emprego de pessoas deficientes, integração e participação plena na vida social através de medidas "que visem ultrapassar os obstáculos à comunicação e mobilidade e permitir-lhes o acesso aos transportes, à habitação, às actividades culturais e aos tempos livres";
- Declaração de Direitos das Pessoas Deficientes, adoptada em 9 de Dezembro de 1975 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que consagra, nomeadamente, o seguinte:
1 - As pessoas deficientes têm o direito inerente de respeito pela sua dignidade humana. As pessoas deficientes, qualquer que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que os seus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar de uma vida decente, tão normal e plena quanto possível;
2 - As pessoas deficientes têm os mesmos direitos civis e políticos que outros seres humanos;
3 - As pessoas deficientes têm direito a medidas que visem capacitá-las a tornarem-se tão auto-confiantes quanto possível;
4 - As pessoas deficientes têm direito à segurança económica e social e a um nível de vida decente e, de acordo com as suas capacidades, a obter e manter um emprego ou desenvolver actividades úteis, produtivas e remuneradas e a participar dos sindicatos;
5 - As pessoas deficientes deverão ser protegidas contra toda a exploração, todos os regulamentos e tratamentos de natureza discriminatória, abusiva ou degradante.
- Convenção sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes, adoptada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em 20 de Junho de 1983, sendo as suas proposições aplicáveis a todas as categorias de pessoas deficientes. Entre as várias proposições da presente Convenção sublinhamos as seguintes:
- Todo o país membro deverá considerar que a finalidade de reabilitação profissional é a de permitir que a pessoa deficiente obtenha e conserve um emprego e progrida no mesmo, e que se promova, assim, a integração ou a reintegração dessa pessoa na sociedade;
- Cada país membro formulará, aplicará e periodicamente revisará a política nacional sobre reabilitação profissional e emprego de pessoas deficientes;
- Essa política deverá ter por finalidade assegurar que existam medidas adequadas de reabilitação profissional ao alcance de todas as categorias de pessoas deficientes e promover oportunidades de emprego para as pessoas deficientes no mercado regular de trabalho;
- Deverá ter como base o princípio de igualdade de oportunidades entre os trabalhadores deficientes e dos trabalhadores em geral;
- Adoptar-se-ão medidas para promover o estabelecimento e desenvolvimento de serviços de reabilitação profissional e de emprego para pessoas deficientes na zona rural e nas comunidades distantes.
- Declaração de compromisso sobre o VIH/SIDA, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na Sessão Extraordinária, realizada de 25 a 27 de Junho de 2001, em que a comunidade internacional estabeleceu objectivos comuns para reduzir a propagação do VHI/SIDA e atenuar os seus efeitos.

VII - Do direito comparado

Analisando outros ordenamentos jurídicos, verificamos a existência de medidas legislativas que previnem e proíbem actos discriminatórios em relação à pessoa deficiente.
É o que acontece no Reino Unido, onde a lei Disability Discrimination Act, de 1995, aplica-se à discriminação no emprego, à disposição e gestão das instalações e ao fornecimento de bens, equipamentos e serviços.
Na Irlanda a lei The equal status act, de aplicação mais vasta, refere-se à educação, à habitação, transportes e ao fornecimento de bens, serviços e actividades de lazer.
Nos Estados Unidos da América a lei Americans with disabilities Act, de 1990, abrangendo áreas como o emprego e o acesso aos serviços públicos, aos transportes, aos edifícios públicos e às telecomunicações, permitiu melhorias em muitos aspectos, como sejam o aumento de crianças com deficiência que frequentam o ensino convencional e uma maior acessibilidade aos transportes públicos.

VIII - Censos 2001 - Análise de População com Deficiência (os resultados que são objecto da presente análise estão disponíveis em www.ine.pt, Infoline, sob a forma dos quadros P9 e P10)
(Resultados provisórios)

6.1 - População com deficiência: taxa de incidência:
O número de pessoas com deficiência recenseadas em 12 de Março de 2001 cifrou-se em 634 406, das quais 333 911 eram homens e 300 497 eram mulheres, representando 6,1% da população residente (6,7% da população masculina e 5,6% da feminina).
6.2 - Tipos de deficiência:
Desagregando por tipos de deficiência, pode verificar-se que a taxa de incidência da deficiência visual era a mais elevada, representando 1,6% do total de população, com a mesma proporção entre homens e mulheres.

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Os indivíduos com deficiência auditiva registavam uma percentagem mais baixa (0,8%), também com valores relativos muito semelhantes entre os dois sexos.
A deficiência motora registou valores mais diferenciados entre os dois sexos, pois, enquanto que nas mulheres esta proporção foi de 1,3%, nos homens elevou-se a 1,8%; no conjunto da população a proporção de indivíduos com alguma deficiência deste tipo cifrou-se em 1,5%.
A população com deficiência mental situou-se nos 0,7%, representando 0,8% na população masculina e 0,6% na população feminina.
A paralisia cerebral foi o tipo de deficiência com a menor incidência na população recenseada, ligeiramente superior entre a população masculina.
O conjunto das outras deficiências, que inclui as não consideradas em qualquer dos outros tipos, cifrou-se em 1,4% de total de indivíduos, 1,6% nos homens e 1,2% nas mulheres.
6.3 - Distribuição territorial:
O centro detinha a taxa de incidência mais elevada (6,7%), seguindo-se Lisboa e Vale do Tejo (6,3%), Alentejo (6,1%), Algarve (6.0%), Norte (5,9%), Madeira (4,9%) e Açores (4,3%).
O predomínio da população masculina é bem evidente em quase todos os tipos de deficiência, sobretudo entre as pessoas com deficiência motora (131,7 homens por 100 mulheres em Portugal), facto que não se verifica, no entanto, entre a população com deficiência visual, cuja relação é de 90,7 em Portugal.
6.4 - Grupos etários:
A análise segundo a estrutura etária permite evidenciar que a taxa de incidência se agrava com a idade. A deficiência visual, auditiva, motora e as classificadas como "outras" são as principais responsáveis pelo aumento da taxa de incidência nas idades mais elevadas.
A distribuição percentual do total de pessoas com deficiência segundo o tipo por idades revela que a importância relativa da paralisia cerebral é bastante superior entre a população jovem, perdendo importância nas idades mais elevadas.
Na população até aos 64 anos a maior proporção de pessoas com deficiência pertencia ao sexo masculino. No entanto, entre a população idosa, a maior percentagem de pessoas com deficiência passa a pertencer ao sexo feminino. Este facto é resultante da própria estrutura etária da população residente, ou seja, entre a população idosa o número de mulheres é bastante superior ao de homens
As taxas mais elevadas no grupo etário dos zero aos 15 anos respeitavam à deficiência visual e ao grupo "outra deficiência".
No grupo etário dos 16 aos 24 anos a taxa de incidência de deficiência visual assume também o valor mais elevado em todas as regiões, seguida da deficiência mental e das "outras deficiências".
No conjunto da população com 25-54 anos a taxa de incidência da deficiência motora atingiu cerca de um por cento da população. Nestas idades a população com deficiência visual e com outro tipo de deficiência observavam valores idênticos.
No grupo dos 55-64 anos a população com outra deficiência registava a taxa de incidência mais elevada, logo seguida da deficiência motora. A deficiência visual registava igualmente taxas de incidência significativas.
É entre a população idosa que incidem as maiores taxas de deficiência, como já foi anteriormente apontado. Nesta população a deficiência motora assume a taxa mais elevada e a deficiência visual, auditiva e "outras deficiências" registam também taxas muito elevadas.
Entre a população com deficiência o índice de envelhecimento é cerca de 5,5 vezes superior ao da população total. Enquanto que a relação entre idosos e jovens na população total é de 95 indivíduos, na população com deficiência é de 547. É nas regiões mais envelhecidas que se registam os índices de envelhecimento da população com deficiência mais elevados: Alentejo (981 idosos deficientes por 100 jovens deficientes), Algarve (792) e Centro (697).
6.5 - Grau de incapacidade:
Em Portugal mais de metade da população com deficiência não possuía qualquer grau de incapacidade atribuído (apenas foi considerado o grau de incapacidade atribuído por uma autoridade de saúde constituída para esse efeito) (53,5%). A proporção da população com deficiência com um grau de incapacidade superior a 80% era de 11,6%.

IX - 2003 Ano Europeu das Pessoas com Deficiência

Por decisão do Conselho, de 3 de Dezembro de 2001, o ano de 2003 é designado "Ano Europeu das Pessoas com Deficiência".
Entre os objectivos do Ano Europeu das Pessoas com Deficiência destacamos os seguintes:
- Sensibilizar para os direitos das pessoas com deficiência à protecção contra a discriminação e ao exercício pleno e equitativo dos seus direitos;
- Incentivar a reflexão e o debate sobre as medidas necessárias à promoção da igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência na Europa;
- Melhorar a comunicação a respeito da deficiência e promover uma representação positiva das pessoas com deficiência;
- Dar especial atenção à sensibilização para o direito das crianças e dos jovens com deficiência à igualdade no ensino, de modo a favorecer e apoiar a sua plena integração na sociedade e o desenvolvimento de uma cooperação europeia entre os profissionais do ensino de crianças e jovens com deficiência, a fim de melhorar a integração dos estudantes com necessidades específicas nos estabelecimentos de ensino normais ou especializados, bem como nos programas de intercâmbio nacionais e europeus.
Face ao exposto a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte:

Parecer

Que os projectos de lei n.os 160/IX, 162/IX, 166/IX e 167/IX, respectivamente, de Os Verdes, BE, PCP e CDS-PP, reúnem os requisitos constitucionais e regimentais para subirem a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Assembleia da República, 26 de Novembro de 2002. A Deputada Relatora, Adriana Aguiar Branco - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE.

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PROPOSTA DE LEI N.º 29/IX
(APROVA O CÓDIGO DO TRABALHO)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre os recursos de admissão apresentados pelos Grupos Parlamentares do PCP e BE

A - Introdução

I - Um conjunto de Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, adiante designados por recorrentes, nos termos do artigo 139.º do Regimento da Assembleia da República, veio interpor recurso do despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República que admitiu a proposta de lei n.º 29/IX, porquanto essa proposta de lei, violando o artigo 132.º, n.º 1, alínea a) do Regimento, infringe a Constituição da República, pelo menos nos artigos 427.º e 592.º.
II - Um conjunto de Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, adiante designados por recorrentes, nos termos do artigo 139.º do Regimento da Assembleia da República, veio interpor recurso do despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República que admitiu a proposta de lei n.º 29/IX, porquanto a proposta de lei, violando o artigo 132.º, n.º 1, do Regimento, em muito dos seus artigos, infringe a Constituição da República, conforme fundamentação aduzida no respectivo requerimento de recurso.
II - Cumpre, desde já, referir que o exercício da competência por parte do Sr. Presidente da Assembleia da República ocorreu em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1, do artigo 17.º do Regimento, isto é, "verificada a sua regularidade regimental".
Vale isto por dizer que não incumbe ao Sr. Presidente da Assembleia da República uma apreciação definitiva e minuciosa da conformidade constitucional da iniciativa. Ou, de outro modo, apenas em situações de notória e grosseira violação da Lei Fundamental, o que manifestamente não é o caso, é que seria exigível a rejeição da proposta.
Mas é igualmente importante dizer-se que mesmo que se tivessem suscitado dúvidas ao Sr. Presidente da Assembleia da República, aquando da admissão, isso não devia conduzir de forma inelutável a uma rejeição no momento da admissibilidade.
Recorde-se a esse propósito o douto procedimento que variadas vezes adoptou o anterior Presidente da Assembleia da República, Dr. António de Almeida Santos, que deparado com dúvidas de conformidade constitucional de inúmeras iniciativas legislativas sempre as admitiu, ainda que expressando essas reservas (cfr. a título meramente exemplificativo despachos de admissibilidade n.os 114/VIII, 107/VIII, 85/VIII ou 52/VIII).
Tal procedimento, aliás, encontra fundamento na possibilidade do processo legislativo prever, mormente na discussão e apreciação na especialidade, a introdução de correcções ou melhorias aos textos, capazes de esclarecer ou eliminar dúvidas de constitucionalidade.
IV - Cabe, então, apreciar a respectiva fundamentação e procedência da argumentação invocada pelos recorrentes no presente recurso.
Para isso é necessário, desde logo, trazer à colação o princípio da interpretação conforme a Constituição, uma vez que se trata de um valor delimitativo da fixação de qualquer fonte infra-constitucional.
Depois, analisaremos cada uma das matérias em causa.

B - Princípio da interpretação conforme a Constituição

I - A interpretação de qualquer norma infra-constitucional tem, desde logo, por imposição da hierarquia das fontes, de ser feita de acordo com o princípio da interpretação conforme a Constituição. De acordo com a doutrina (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.ª Edição, Coimbra Editora, página 315), este é um princípio fundamentalmente de controlo que visa assegurar a constitucionalidade da interpretação e que ganha importância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco entre os vários significados da norma. No caso de normas polissémicas ou plurisignificativas deve dar-se prevalência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição.
II - Esta norma comporta várias dimensões:

a) Princípio da prevalência da Constituição (de entre as várias possibilidades de interpretação só deve escolher-se aquela que não seja contrária à CRP);
b) Princípio da conservação de normas (a norma não deve ser declarada inconstitucional quando observados os fins da norma, ela pode ser interpretada conforme a CRP);
c) Princípio da exclusão da interpretação conforme a Constituição mas contra legem (o aplicador não deve contrariar a letra e o sentido da norma através de uma interpretação conforme a Constituição, mesmo que através dessa interpretação seja possível uma concordância entre a norma infraconstitucional e a norma constitucional).
Este princípio sempre orientará o intérprete no futuro como válvula de segurança em ordem ao princípio da constitucionalidade.

C - Questões suscitadas

Das inconstitucionalidades no âmbito dos direitos, liberdades e garantias:
C.1. Artigo 14.º da proposta de lei, sob a epígrafe "Liberdade de expressão e opinião" e ainda do artigo 455.º, n.º 3, sob a epígrafe "Direitos das comissões e subcomissões de trabalhadores"
I - Os recorrentes suscitam a inconstitucionalidade do artigo 14.º da proposta na parte em que harmoniza o reconhecimento da liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e da opinião com o normal funcionamento da empresa. Invocam a violação dos artigos 18.º, 37.º, 45.º e 55.º, todos da Constituição, afirmando ter sido criada a "possibilidade de o exercício de um direito fundamental ficar sujeito a autorização por parte da entidade patronal", o que consubstanciaria "um mecanismo de censura prévia".
Do segmento normativo sob apreciação não decorre uma qualquer afectação constitucionalmente inadmissível da liberdade de expressão e de opinião. Com efeito, é preciso desde logo ter presente que o artigo 14.º utiliza a locução "e", o que revela a cumulação, ou seja, a liberdade de expressão tem não só de respeitar os direitos de personalidade do trabalhador e do empregador, bem como o normal funcionamento da empresa.
Por outro lado, a referência ao "normal funcionamento da empresa" apenas explicita o que decorre já do regime

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jus-laboral e que se traduz na circunstância de a empresa não ter de ser palco de todo e qualquer exercício da liberdade de expressão e de opinião. O exercício da actividade laboral contratada implica, naturalmente, uma concentração por parte do trabalhador que o impede, nesse período, de exercer determinados direitos, sem que essa circunstância possa ser considerada uma violação intolerável desses mesmos direitos.
II - Acresce que o normal funcionamento da empresa interessa, evidentemente, ao empregador, mas interessa também aos trabalhadores, na medida em que o sucesso da empresa reflecte-se nas suas condições profissionais. Existem, pois, interesses e valores relevantes que impõem regras de funcionamento eficazes. Ora, a empresa tem uma função específica: laborar. É para isso que os trabalhadores são contratados. Não podem, portanto, invocar a liberdade de expressão e de opinião para exercer actividades dentro da empresa que, no extremo, nenhuma conexão têm com a actividade profissional. E essa impossibilidade não pode ser vista como restrição inconstitucional da mencionada liberdade, uma vez que ela decorre de um desenvolvimento normal, razoável e eficaz das relações laborais, decorre, em última instância, do bom-senso.
III - Por último, e como é manifesto, a liberdade sindical não é, de modo algum, afectada. Esta liberdade, cujo exercício se encontra regulado em outra parte da proposta de lei, não tem qualquer relação com o preceito em causa e a regulamentação do seu exercício pressupõe outras ponderações que evidentemente não são pertinentes na análise do preceito em questão.
IV - Como os próprios recorrentes reconhecem, o exercício de direitos tem de respeitar os limites imanentes de outros direitos. É o que resulta do preceito em apreciação, pois entendimento oposto aniquilaria a liberdade de iniciativa económica e o direito de propriedade privada (respectivamente, artigos 61.º, n.º 1, e 62.º, n.º 1, da Lei Fundamental).
Não se verifica, pois, qualquer violação dos artigos 18.º, 37.º, 45.º e 55.º da Constituição.
V - O que se deixa dito a propósito do artigo 14.º da proposta de lei é, mutatis mutandis, aplicável a propósito do artigo 455º, n.º 3, da proposta de lei.
C.2. Inconstitucionalidade do artigo 15.º da proposta de lei, sob a epígrafe "Reserva da intimidade da vida privada"
I - Os recorrentes invocam a inconstitucionalidade do artigo 15º da proposta de lei, na parte em que remete para os termos indicados no número anterior. Afirmam que "de acordo com este artigo (...) o direito à reserva da vida privada fica sujeito ao respeito do normal funcionamento da empresa". Invocam a violação do artigo 26.º da Constituição.
II - Ora, desde logo, a referência ao número anterior contida no segmento normativo em apreciação abrange também, naturalmente, o respeito pelos direitos de personalidade. Recorde-se que, no artigo 14.º, está em causa uma situação cumulativa e não alternativa.
Ao invés do que afirmam os recorrentes, trata-se de extensão de protecção e não de uma redução.
Por outro lado, a remissão tem ainda em vista assegurar - se dúvidas existissem - que os representantes do empregador, ou seja, as pessoas singulares que o representam usufruem da protecção plasmada no artigo 15.º.
Em face do exposto, não se verifica, pois, qualquer violação do artigo 26.º da Constituição.
C.3. Inconstitucionalidade do artigo 16.º da proposta de lei, sob a epígrafe "Protecção de dados pessoais"
I - É suscitada a inconstitucionalidade do artigo 16.º da proposta de lei, na parte em que permite a prestação de informações quando estritamente necessárias e relevantes para avaliar a aptidão do trabalhador ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem. Invocam os recorrentes a violação dos artigos 26.º, 35.º, n.os 3 e 7, e 58.º n.os 1 e 2, alínea b), todos da Constituição.
II - Como resulta claro do texto dos preceitos impugnados (n.os 1 e 2 do mencionado artigo 16.º), o acesso às informações em causa não pode ser considerado generalizado (ao contrário do que parecem supor os recorrentes). Não se trata da consagração do critério do empregador. Na verdade, trata-se antes de um critério objectivo, precisamente limitado e até garantístico para o próprio trabalhador e para terceiros. Com efeito, o exercício de certas actividades envolve riscos, para o próprio trabalhador e/ou para terceiros, que poderão ser subavaliados pelo candidato ao emprego ou pelo trabalhador (subavaliação decorrente da necessidade do emprego, no caso de candidato, ou mesmo da ignorância relativa ao trabalho em questão), envolvendo uma potenciação da possibilidade de ocorrerem eventos perigosos ou lesivos com consequências nefastas.
Esta possibilidade de acesso a determinadas informações de cariz pessoal, para além de fortemente restringida e limitada (como resulta do texto da proposta de lei), decorre, portanto, da necessidade de proteger valores fundamentais, do candidato ao emprego, do trabalhador e de terceiros, afigurando-se, ao invés do que pretendem os recorrentes, profundamente perigosa a supressão da solução consagrada na proposta de lei.
III - Neste contexto, é de todo incompreensível a referência à "completa devassa da vida privada do trabalhador". Com resulta claro, não se admite qualquer devassa, encontrando-se os casos em que as informações são prestadas bastante restringidas e devidamente justificadas pela protecção de valores fundamentais.
Esta é, aliás, uma das situações que a interpretação conforme a Constituição é pura e simplesmente ignorada.
IV - Quanto à questão suscitada das falsas declarações da mulher relativas ao seu estado de gravidez, saber se haverá lugar a um processo disciplinar é questão que não cabe agora apreciar. No entanto, sempre se dirá que se o trabalho prestado implicar riscos graves para a mulher grávida, o desempenho dessas funções deverá cessar de imediato, supondo que ninguém - com um critério mínimo de razoabilidade - sustentará o contrário.
Não se verifica, pois, qualquer violação dos artigos 26.º, 35.º e 58.º da Constituição.
C.4. Inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 18.º da proposta de lei, sob a epígrafe "Testes e exames médicos"
I - Os recorrentes suscitam a inconstitucionalidade do artigo 18.º da proposta de lei, na parte em que permite a exigência de testes médicos quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem. Afirmam que o critério consagrado é o do empregador e invocam a violação dos artigos 18.º, 26.º e 35.º, todos da Constituição.
II - Não é, evidentemente, o critério do empregador que se encontra consagrado, é antes o critério das particulares exigências inerentes à actividade, o que é manifestamente diferente.

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O que se deixa dito na resposta à questão anterior é, mutatis mutandis, invocável a propósito do n.º 1 do artigo 18.º da proposta de lei.
III - Apenas se acrescentará que o que poderá também agora estar em causa é a própria eficácia e, portanto, utilidade da própria actividade a desempenhar. De resto, o pedido de realização de exames médicos terá de ser devida e circunstanciadamente fundamentado, tendo sido consagrado, no n.º 3 do artigo 18.º, o dever de sigilo do médico, que só informará da aptidão ou inaptidão do examinado para o exercício da actividade (e não dos resultados dos exames realizados).
Não se verifica, portanto, qualquer violação dos artigos 18.º, 26.º e 35.º da Constituição.
C.5. Inconstitucionalidade do artigo 34.º, n.º 5, da proposta de lei, sob a epígrafe "Licença por maternidade"
I - Os recorrentes suscitam a inconstitucionalidade do artigo 34.º, n.º 5, da proposta de lei, na parte em que exclui a possibilidade de licença de maternidade nos casos de aborto fora das situações previstas no artigo 142.º do Código Penal. Invocam a violação dos artigos 13.º e 64.º, ambos da Constituição.
II - O que está em causa na solução consagrada neste segmento normativo é a concessão ou não de licença de maternidade. Nos casos de interrupção da gravidez que a lei qualifica como crime seria um contra-senso conceder licença de maternidade, maternidade que se pretende.
Contudo, esta solução não implica que a trabalhadora não possa beneficiar da chamada "baixa" se o seu estado de saúde o justificar (como acontece nos exemplos invocados pelos recorrentes). Existem, portanto, mecanismos que acautelam o direito à saúde da trabalhadora, verificando-se "diferença" de tratamento explicável pelas diferenças existentes entre as situações.
Não se verifica, pois, qualquer violação dos artigos 13.º e 64.º da Constituição.
- Das inconstitucionalidades no âmbito dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores:
C.6. Inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 125.º, sob a epígrafe "Admissibilidade do contrato", e do artigo 135.º, sob a epígrafe "Duração", da proposta de lei
I - Invocam os recorrentes a violação constitucional dos artigos supra citados por ofensa aos princípios constitucionais do direito à segurança no emprego previsto pelo artigo 53.º da Lei Fundamental. Segundo o requerente, "o alargamento do prazo máximo de contratos a termo certo, de três para seis anos, precariza ainda mais as já precárias relações de trabalho existentes em Portugal", e que a única finalidade desse alargamento se rege pela intenção de iludir a disposição constitucional nos despedimentos sem justa causa.
II - Antes de mais, cumpre referir que a contratação a termo no âmbito da proposta de lei apresentada não desvirtua as grandes linhas orientadoras actualmente em vigor. Muito pelo contrário: mantém-nas.
As alterações são, maioritariamente, de sistematização, de redacção e de linguística.
III - É certo que o citado artigo da Lei Fundamental visa abranger todas as situações que se traduzam em precaridade da relação de trabalho.
Assim, e tendo em conta que o trabalho a termo é, por natureza, precário (o que é contrário à segurança no emprego), tona-se mister que sejam determinadas regras objectivas que permitam concretizar os motivos para essa contratação. Como escrevem Vital Moreira e Gomes Canotilho, "o direito à segurança no emprego pressupõe assim que, em princípio, a relação de trabalho é temporalmente indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver razões que o exijam, designadamente para ocorrer as necessidades temporárias de trabalho ou a aumentos anormais e conjunturalmente determinados das necessidades da empresa - Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1993, página 289.
IV - Da proposta de lei apresentada à Assembleia da República resulta claro que o trabalhador só poderá ser contratado a termo desde que se mostrem operantes as razões justificativas da temporalidade. Citando o n.º 1 do artigo 125.º, "o contrato de trabalho a termo só poderá ser celebrado para satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades".
V - Com a alteração proposta, os aplicadores do direito beneficiarão de um texto mais claro e acessível, assim se solucionando de forma expressa, as dificuldades interpretativas resultantes do actual texto da lei.
Não se alarga a precaridade, que apenas pode ocorrer dentro dos apertados limites do artigo 125.º, n.º 1.
VI - Quanto ao n.º 3 do artigo 125.º, invocam os recorrentes que a contratação a termo especialmente no que concerne aos trabalhadores à procura do primeiro emprego e aos desempregados de longa duração a proposta de lei não tem em conta o artigo 53.º da Constituição, segundo o qual os vínculos contratuais precários têm de caracterizar-se pela excepcionalidade, para que o regime não conflitue com o direito à segurança no emprego.
Ora, as situações dos trabalhadores à procura do primeiro emprego e dos desempregados de longa duração constituem as situações mais problemáticas das nossas taxas de desemprego, razão pela qual se justifica a implementação de regras que permitam a estes trabalhadores encontrar trabalho.
A norma em apreço permitirá absorver mão-de-obra que, de outra forma, ficaria no desemprego. Trata-se de uma medida social que visa a resolução de um grave problema que respeita ao mercado de emprego.
VII - A segurança no emprego é um valor a defender em concorrência com outros - direito ao trabalho -, do mesmo modo constitucionalmente tutelados, não sendo por isso um valor absoluto. A razão social e constitucional subjacente à contratação de trabalhadores à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração é suficiente para admitir a contratação algo precária dos mesmos e assim justificar a excepção à regra, sem violação do preceito constitucional.
A previsão de regras que imponham uma justificação objectiva para a aposição de termos e que estabeleçam regras de renovação e de duração, não permite que se sufrague a inconstitucionalidade.
VIII - As novas soluções propostas (que se reflectem no alargamento do condicionalismo justificativo e um alongamento dos prazos) permitem, pelo contrário, que os trabalhadores que poderiam ser contratados sem termo, venham a ser contratados nesses termos; que os trabalhadores desempregados venham a ser contratados ainda que a termo; e que as tarefas perdidas venham a ser executadas por trabalhadores contratados a termo.
IX - A valoração destes termos, no sentido de saber se, no conjunto, a nova solução se torna socialmente mais

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justa e preferível é matéria a resolver pelo legislador ordinário, uma vez que a Constituição nada refere.
Não se vislumbram, pois, quaisquer fundamentos para a invocação da inconstitucionalidade alegada pelos recorrentes.
C.7. Inconstitucionalidade do artigo 385.º, n.º 3, da proposta de lei, sob a epígrafe "Justa causa de despedimento".
I - Neste preceito existem, essencialmente, duas diferenças face ao regime actual:

a) A expressa referência à "declaração médica com intuito fraudulento", que se traduz numa concretização do comportamento já existente de "falsas declarações relativas à justificação de faltas" (alínea f) do n.º 3 do artigo 385.º);
b) Abaixamento de cinco e 10 faltas seguidas ou interpoladas, respectivamente, para quatro e oito, como justas causas de despedimento (alínea g) do preceito acima citado).
Ora, como resulta das diferenças referidas, nenhuma das alterações são verdadeiras novidades, pois trata-se de intervir em áreas já expressamente legisladas e nos termos existentes, podendo dizer-se que se tratam de meras actualizações do preceito, como, aliás, aconteceu também com a supressão da causa prevista na actual alínea f) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89.
II - Relativamente ao vocábulo "nomeadamente" - que os recorrentes invocam como causador de inconstitucionalidade - convém referir que o mesmo consta da actual legislação - artigo 9.º, n.º 2 - e que nunca levantou qualquer dúvida sobre a sua compatibilidade com a Lei Fundamental. Aliás, também nesta matéria o requerimento apresentado limita-se a uma sucessão de citações de arestos do Tribunal Constitucional que tornam ininteligível a argumentação. Escreve-se, curiosamente, no requerimento em análise que "a Constituição recusou sempre a ideia dos despedimentos não apenas com justa causa, mas também por outros "motivos atendíveis"". Não se concretiza quais os motivos atendíveis que estão em causa, mas serão certamente aqueles a que se refere o Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, onde se pode ler: "considera-se motivo atendível o facto, situação ou circunstância objectiva, ligado à pessoa do trabalhador ou à empresa, que, dentro dos condicionalismos da economia da empresa, torne contrária aos interesses desta e aos interesses globais da economia a manutenção da relação de trabalho" (artigo 14.º, n.º 2).
Tal facto não obsta, no entanto, que expliquemos a ratio do preceito, incluindo o número do artigo em apreciação, recorrendo ao ensino de Jorge Leite, segundo o qual: "A justa causa é, assim, definida através de uma cláusula geral, método cujas vantagens e cujos riscos são conhecidos. Por este meio o legislador transfere para o aplicador do direito a tarefa de concretização daquela norma em cada momento da sua aplicação estipulando, desse modo, a prática de uma justiça individualizante, ele dispõe de uma mais ampla liberdade de apreciação do que aquela de que dispõe na aplicação de normas de conteúdo determinado ou de jus strictum.
Isto não significa, porém, que a própria lei não forneça quaisquer parâmetros delimitadores do respectivo campo de apreciação; significa apenas que este é menos restrito porque é mais aberto à consideração da especificidade de cada caso. Por outro lado, uma cláusula geral do tipo da que nos ocupamos não pode desligar-se da natureza dos factos ou situações que procura abranger, isto é, da natureza do material que o julgador não pode ignorar na sua tarefa concretizadora".
A seguir escreve o autor: "As normas das alíneas do n.º 2 do artigo 9.º não são, contudo, normas tipificadoras da justa causa, mas tão somente normas tipificadoras de um dos elementos da justa causa - o do comportamento do trabalhador. Elas não são, neste sentido, proposições jurídicas completas. Pode dizer-se que cada uma daquelas normas contém uma referência implícita à norma do n.º 1 em termos de os comportamentos descritos só se considerarem justa causa quando se verificarem os restantes elementos deste. Assim, e para exemplificar, a norma da alínea a) só seria uma proposição jurídica completa, enquanto norma tipificadora da justa causa, se a sua redacção fosse a seguinte: desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Quer dizer, as normas do n.º 2 não são, relativamente à norma do n.º 1, normas especiais e muito menos normas excepcionais.
Além disso, saliente-se que a enumeração constante do n.º 2 do artigo 9.º não é taxativa, mas meramente exemplificativa (constituirão, nomeadamente, ...), podendo, pois, verificar-se outros comportamentos susceptíveis de constituir justa causa de despedimento. É o que sucede, por exemplo, com o furto ou com a burla, comportamento que, pela torpeza que revelam, constituirão, em regra, justa causa. Diferentemente do que ocorrerá com os comportamentos que participam ou se inserem na conflitualidade característica da relação de trabalho, os chamados comportamentos torpes só em circunstâncias excepcionais não constituirão justa causa de despedimento - Jorge Leite, Direito do Trabalho, volume II, Serviço de Textos, policopiado, Coimbra, 1999, pp. 224-225 e 227-228.
III - Resulta, então, do exposto que não tem qualquer apoio a afirmação infundamentada de que "esta proposta apresenta (...) novos conceitos de justa causa, ampliando a sua concepção de modo a englobar situações que a Constituição recusou".
C.8. Inconstitucionalidade do artigo 427.º, n.º 2, da proposta de lei, sob a epígrafe "Reintegração", por violação do artigo 53.º da Constituição da República
Neste ponto a inconstitucionalidade é suscitada pelos recorrentes de ambos os grupos parlamentares.
Em abono da inconstitucionalidade o requerimento apresentado invoca o Aresto n.º 107/88 afirmando que a norma analisada é "idêntica à supra citada".
Antes de mais é preciso salientar que a reintegração se mantém como regra (artigo 427.º, n.º 1).
Por outro lado, só aparentemente se trata de uma norma idêntica, porquanto a fórmula anteriormente apreciada pelo Tribunal Constitucional rezava o seguinte: "Admissão de substituição judicial da reintegração do trabalhador, em caso de despedimento declarado ilícito, por indemnização quando, após pedido da entidade empregadora, o tribunal crie a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho".
Como é fácil constatar a diferença é relevante, e fundamental, pois na redacção da proposta de lei:
1.º) Limita-se a previsão às microempresas e aos trabalhadores que ocupem cargos de administração ou de direcção;

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2.º) Há necessidade de "o regresso do trabalhador (ser) gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial".
Acresce que a proposta de lei expressamente afasta qualquer possibilidade de oposição do empregador à reintegração se o despedimento se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso.
III - Com efeito, o facto de a previsão ser delimitada pelos elementos acima referidos tornam insusceptível de comparação as duas fórmulas (recorde-se que no contrato de trabalho doméstico não há reintegração, salvo se as partes estiverem de acordo - artigo 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de Outubro).
Note-se que tanto a referência às microempresas como aos trabalhadores que ocupam cargos de administração ou direcção têm um traço comum: a prejudicialidade e a perturbação para a prossecução da actividade empresarial.
Noutros termos trata-se de harmonizar diversos direitos fundamentais, que são, desde logo, o artigo 53.º, o 61.º, n.º 1 e 62.º, n.º 1, da Lei Fundamental. Relativamente a qualquer deles não há dúvida que estamos perante direitos, liberdades e garantias - no segundo e terceiro caso de natureza análoga - o direito de iniciativa económica e o direito de propriedade privada é considerado pela doutrina como um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (neste sentido, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, Coimbra, 1987, p. 211, Gomes Canotilho - Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 326 (I); Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional - Direitos Fundamentais, Tomo IV, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1993, pp. 141 e 454; Afonso Vaz, Direito Económico - A Ordem Económica Portuguesa, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1998, p. 150). Na jurisprudência constitucional, vide, por exemplo, Aresto n.º 76/85, de 6 de Maio, Boletim do Ministério da Justiça n.º 360 (Novembro), suplemento, 1986, pp. 296 e ss -, - pelo que se torna necessário realizar a respectiva harmonização dos direitos em causa, nos termos previstos no artigo 18.º.
É o que se faz ao manter a regra da reintegração e ao permitir que excepcionalmente, apenas quando estão em causa valores também com dignidade constitucional, esta seja substituída, por decisão do juiz, por uma indemnização majorada (artigo 428.º).
IV - Cabe ainda trazer à colação o ensino de António Menezes Cordeiro, em parecer sobre o anteprojecto, para quem é "totalmente sustentável que a proibição de despedimento sem justa causa se mantenha efectiva quando, à sua ausência, a lei associe sanções (adequadas à seriedade da ocorrência) diversas da reintegração. Além disso - continua o Professor -, as cominações constitucionais devem sempre ser articuladas com os diversos valores que a própria Constituição assegura. Assim, in concreto, pode acontecer que uma determinada reintegração possa contundir com princípios constitucionais irrecusáveis. Pense-se em microempresas, nas quais a presença de algum trabalhador possa atentar contra a intimidade da vida privada de outras pessoas, ou em lugares de direcção, que não se entende possam ser preenchidos iure imperii.
A solução do anteprojecto, no fundo, já se imporia mercê do direito em vigor. A novidade reside na regulação processual para a apreciação do articular dos diversos vectores constitucionais - António Menezes Cordeiro, Inovações e Aspectos Constitucionais, policopiado, Lisboa, 2002, pp. 112-113.
C.9. Inconstitucionalidade do artigo 592.º da proposta de lei, sob a epígrafe "Contratação colectiva"
Neste ponto, também a inconstitucionalidade é suscitada em ambos os requerimentos de recurso.
I - O direito à greve é um direito fundamental, mas não é um direito absoluto; tal como acontece com quaisquer direitos carece de uma harmonização quando estão em causa direitos com dignidade idêntica.
No caso em apreço, o direito à greve não é afectado, pois do que se trata é da assunção de um compromisso, caso as partes outorgantes de uma convenção o queiram fazer, de que as cláusulas acordadas serão cumpridas, ou seja, não se pode adoptar comportamentos atentatórios do estipulado. Dito de outra forma, o que está aqui em causa é cumprimento de um instrumento outorgado, pois o contrário violaria claramente as regras da autonomia colectiva, caso as partes pudessem livremente atentar contra os acordos celebrados.
Por outro lado, note-se que os trabalhadores poderão sempre fazer greve, independentemente da entidade que a declara.
III - Acrescente-se ainda, como escreve Jorge Bacelar Gouveia, que "a essa mesma conclusão se chega por outra via, considerando o facto de estarmos perante a possibilidade de a disponibilidade negocial ser especificamente feita no âmbito da contratação colectiva.
Não se trata de uma disposição que se opera numa contratualização qualquer, mas sim de uma disposição que acontece através de uma contratualização singularmente concebida pela Constituição, em relação à qual do mesmo modo se fazem sentir os direitos fundamentais dos trabalhadores, agora numa vertente institucional.
É que os direitos das associações sindicais, como tivemos ocasião de observar, admitem como importante faculdade -, sendo mesmo, no plano sociológico-laboral, o mais importante direito - o direito de contratação colectiva.
Quer isto dizer que aos sindicatos se atribui a possibilidade de poderem conformar, por intermédio de fontes regulativas próprias, com o acordo das entidades patronais, espaços da vida colectiva laboral, apresentando-se assim uma fonte autónoma do Direito do Trabalho.
Ora, a possibilidade conferida de negociar o direito à greve nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho pode também inscrever-se no âmbito da previsão de outro direito fundamental, que é o direito à contratação colectiva, de que são titulares os sindicatos e as entidades patronais.
A disponibilidade negocial - neste caso, com o âmbito específico do exercício do direito à greve - não é apenas vista de uma perspectiva neutral do ponto de vista constitucional, mas pode muito bem ser concebida como dele se extraindo uma posição favorável.
A contratação colectiva, não obstante no texto constitucional não lhe ser atribuída uma delimitação material, deve naturalmente interessar-se pelo regime do direito à greve, esta constituindo mesmo um dos seus núcleos fundamentais. A não ser assim, desviar-se-ia a contratação colectiva do seu propósito geral, que é indirectamente referenciado como sendo os interesses dos trabalhadores, porque "compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem" - artigo 56.º, n.º 1, da Constituição.

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É ainda de acrescentar que as associações sindicais, tanto na posição de contraentes nas convenções colectivas como na declaração de greve, se encontram numa mesma posição, tendo em ambas as circunstâncias capacidade jurídica para tanto, na Constituição e na lei, sendo a aceitação desta cláusula de paz social relativa uma consequência daquela primeira posição - Jorge Bacelar Gouveia, parecer sobre o anteprojecto do Código do Trabalho.
IV - Resulta, assim, do exposto que não existe qualquer colisão com as normas constantes da Lei Fundamental.
Das inconstitucionalidades no âmbito dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e no âmbito dos direitos económicos e sociais
C.10. Inconstitucionalidade dos artigos 305.º, n.º 2, 306.º, n.º 2, e 307.º, n.º 2, da proposta de lei, sob as epígrafes, respectivamente, de "Mobilidade funcional", "Mobilidade geográfica" e "Transferência temporária".
I - Invocam os recorrentes que os artigos supra citados violam o disposto nos artigos 59.º, n.º 1, alínea c), e 56.º, n.º 3, ambos da CRP.
II - Quanto ao primeiro destes artigos (artigo 59.º, n.º 1, alínea c), não se compreende como possa ele ser afectado pelos artigos da proposta de lei. O direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal, pressupõe a ideia de que o trabalho pode ser pessoalmente gratificante, não podendo ser, de qualquer forma, prestado em condições socialmente degradantes ou contrárias à dignidade humana.
III - As normas da proposta de lei que permitem que por estipulação das partes se restrinjam ou alarguem as situações de mobilidade funcional, geográfica ou a transferência temporária têm como limite, obviamente, os valores constitucionalmente existentes, como, repita-se, exige a interpretação conforme a Constituição.
IV - A estipulação contratual das partes no sentido de alargar ou restringir a mobilidade funcional, geográfica ou a transferência temporária, faz parte integrante de um acordo de vontades, que implica uma aceitação por parte do trabalhador. Nem o trabalhador aceitaria desempenhar trabalhos que condicionassem a sua dignidade, ou pudessem afectar a sua vida familiar, nem o empregador pode impor a celebração de tais acordos por restrição da Lei Fundamental.
Aliás, mesmo que o trabalhador quisesse aceitar cláusulas que atentem contra, por exemplo, direitos de personalidade, convém referir que estamos perante matéria indisponível, pelo que tais cláusulas seriam nulas e de nenhum efeito.
V - Quanto à alegada violação do artigo 56.º, n.º 3, da CRP, que se refere ao direito das associações sindicais exercerem o direito de contratação colectiva, tal argumentação só pode resultar de um equívoco, pois, por uma lado, a convenção pode regular essa matéria (cfr. artigo 5.º da proposta de lei), por outro, existe a garantia que se o fizer o contrato só pode intervir nos termos previstos no artigo 519.º.
C.11. Inconstitucionalidade dos artigos 160.º, 161.º e 162.º, sob as epígrafes, respectivamente, "Adaptabilidade", "Regime especial de adaptabilidade" e "Período de referência", na parte em que tornam possível que o horário de trabalho seja definido em termos médios, por violação do artigo 59.º, alíneas b) c) e d), da Constituição da República
I - Nesta matéria não é expendida qualquer argumentação, pelo que é impossível o diálogo argumentativo.
Interessa, no entanto, chamar a atenção para o facto de qualquer destas normas se encontrar em total harmonia com a Directiva 93/104/CE, de 23 de Novembro de 1993, podendo, mesmo salientar-se que o conteúdo do artigo 162.º, n.os 2 e 3, corresponde expressamente ao previsto naquele instrumento comunitário.
II - Por outro lado, é preciso ter presente que o período normal de trabalho se mantém nas oito horas diárias e nas quarenta horas semanais (artigo 159.º, n.º 1, da proposta de lei), tratando aqueles preceitos - os invocados pelos recorrentes - de situações em que o recurso à adaptabilidade só é possível através de instrumento de regulamentação colectiva ou de contrato individual de trabalho.
Nos casos de adaptabilidade, e após haver um aumento do período de trabalho semanal, haverá necessariamente uma diminuição, sendo que em qualquer caso estarão sempre garantidos os valores plasmados no artigo 59.º, alíneas b), c) e d), da Constituição da República.
Assim sendo, não existe qualquer violação da Lei Fundamental.

D - Parecer

Nestes termos, e em face do atrás exposto, não merece qualquer censura o despacho de admissibilidade da proposta de lei n.º 29/IX, proferido pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, pelo que se consideram improcedentes os presentes recursos por inexistência de violação de quaisquer normas previstas na Constituição da República Portuguesa.

Assembleia da República, 27 de Novembro de 2002. O Deputado Relator, Francisco José Martins - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: - O parecer foi aprovado, com os votos a favor do PSD e CDS-PP, votos contra do PCP, BE e Os Verdes e a abstenção do PS.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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