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Quinta-feira, 5 de Dezembro de 2002 II Série-A - Número 49

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2003)

S U M Á R I O

Resolução:
Viagem do Presidente da República à Grécia.

Projecto de lei n.º 173/IX:
Programa de rearborização para áreas percorridas por incêndios florestais (apresentado pelo PCP).

Propostas de lei (n.os 24 e 34/IX):
N.º 24/IX (Estabelece o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos):
- Relatório e parecer da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente.
N.º 34/IX - Estabelece um regime específico de reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais.

Projecto de deliberação n.º 12/IX:
Autoriza a publicação das actas da Comissão de Inquérito Parlamentar aos actos do XV Governo Constitucional que levaram à demissão de responsáveis pelo combate ao crime económico, financeiro e fiscal três meses depois da sua nomeação (apresentado pelo PS, PCP, BE e Os Verdes).

Propostas de resolução (n.os 21 e 22/IX): (a)
N.º 21/IX - Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha sobre cooperação transfronteiriça entre instâncias e entidades territoriais, assinada em Valência, em 3 de Outubro de 2002.
N.º 22/IX - Aprova o Acordo de Transporte Aéreo entre a República Portuguesa e a República Eslovaca, assinado em Bratislava, em 5 de Junho de 2001.

(a) São publicadas em suplemento a este número.

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RESOLUÇÃO
VIAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA À GRÉCIA

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 163.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, dar assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República à Grécia, entre os dias 1 e 4 do próximo mês de Dezembro.

Aprovada em 21de4 Novembro de 2002. O Presidente da assembleia da República, João Bosco Mota Amaral.

PROJECTO DE LEI N.º 173/IX
PROGRAMA DE REARBORIZAÇÃO PARA ÁREAS PERCORRIDAS POR INCÊNDIOS FLORESTAIS

Ano após ano Portugal continua a ser flagelado por vagas de incêndios florestais que têm vindo a consumir uma parte significativa da floresta nacional. De 1980 a 2000 mais de 2 milhões de hectares de floresta foram percorridos por incêndios, em 2001 arderam 106 592 hectares e em 2002 a área ardida ascendeu a 117 294 hectares.
Apesar da múltipla legislação existente, da Lei de Bases da Política Florestal, bem como dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) e dos Planos de Gestão Florestal (PGF), a verdade é que a rearborização das áreas queimadas não se realiza, ou realiza-se de forma demasiado lenta e, nestes casos, repetindo arborizações e normas silvícolas que mantêm os riscos de fácil propagação dos incêndios.
Ocupando a floresta em Portugal 3,3 milhões de hectares, 87% desta área é privada, 3% é do Estado e 10% é dos baldios. E, facto particularmente importante, 85% do total das explorações florestais têm uma área inferior a cinco hectares, nelas imperando, em grande parte, o absentismo. Ora, a dispersão da estrutura fundiária, o absentismo e a fragilidade económica de grande parte dos produtores florestais dificulta, quando não impossibilita, a rearborização das áreas queimadas e, por maioria de razão, a concretização de programas de rearborização e de gestão que assegurem o crescimento de uma floresta ordenada, sustentada e compartimentada, que contribua para evitar a multiplicação dos incêndios florestais.
Assim, as situações mais comuns na rearborização das áreas florestais percorridas por incêndios florestais são a reconstituição do coberto florestal anterior com base na regeneração natural que potencia a repetição das grandes manchas de monocultura de resinosas, a reconversão artificial para espécies de rápido crescimento e a transformação de áreas florestais em áreas votadas à especulação urbanística ou ao abandono puro e simples.
Ora, as consequências de ordem económica, social e ambiental que os incêndios florestais têm provocado, os processos de desertificação humana a que dão origem e que aceleram o processo de abandono das áreas rurais que as políticas agrícolas têm ajudado a promover exigem um quadro integrado de medidas que assegurem a necessária rearborização das áreas queimadas no respeito pelas orientações estratégicas do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa. Não se pode esquecer que a floresta portuguesa contribui para a existência de mais de sete mil empresas, correspondente a mais de 164 000 postos de trabalho, sendo Portugal o terceiro país da União Europeia onde o sector florestal tem mais peso no PIB.
É preciso, pois, criar um quadro legal especificamente orientado para a rearborização ordenada das áreas ardidas a realizar pela Direcção-Geral das Florestas em parceria com os produtores florestais e as comunidades de baldios.
Verifica-se, pelas estatísticas disponíveis, que uma elevada percentagem da área ardida é devida a um pequeno número de fogos de grandes dimensões. Em 2002, por exemplo, o número de incêndios que percorreram de forma contínua mais de cem hectares totalizam 72 937 hectares, correspondente a 62,2% da área total ardida com uma estimativa de prejuízos de 58 milhões de euros, embora o número de incêndios correspondente não ultrapasse os 164, isto é, 2,4% do total.
Perante a estrutura fundiária e sócio-económica das explorações e dos produtores florestais e face às gravíssimas consequências de ordem ambiental e humana para os territórios devastados por incêndios, o Estado não pode limitar-se a uma posição passiva nem permitir que muitos dos produtores acabem por ficar dependentes de interesses sem escrúpulos. O Estado deve, pois, intervir numa matéria que é de relevantíssimo interesse nacional, articulando os interesses dos produtores e das populações afectadas com os imperativos nacionais.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Criação

É criado o Programa de Rearborização para Áreas Percorridas por Incêndios Florestais, adiante designado por Programa.

Artigo 2.º
Conceito

Para os efeitos do presente diploma consideram-se instrumentos do Programa os planos orientadores de gestão e os projectos de rearborização.

Artigo 3.º
Âmbito

1 - O Programa aplica-se às áreas queimadas de forma contínua numa extensão igual ou superior a 100 hectares.
2 - Para as áreas contínuas inferiores a 100 hectares a Direcção-Geral das Florestas analisará, caso a caso, a viabilidade técnica, económica e social de uma intervenção idêntica à prevista no número anterior.

Artigo 4.º
Aplicação

1 - Os planos orientadores de gestão para as áreas percorridas por incêndios florestais deverão respeitar os Planos de Gestão Florestal previstos no Decreto-Lei n.º 205/99, de 9 de Junho.
2 - Sempre que não seja exequível a rearborização das áreas referidas no n.º 2 do artigo anterior será elaborado um programa geral de rearborização para aquelas áreas, integrado no respectivo Plano Regional de Ordenamento

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Florestal (PROF), contemplando a definição do elenco das espécies a privilegiar, bem como normas de silvicultura e de gestão adequadas a uma organização sustentada do espaço florestal.

Artigo 5.º
Obrigações da Direcção-Geral das Florestas

A Direcção-Geral das Florestas deverá, no prazo máximo de um ano após os incêndios, realizar relativamente às áreas abrangidas pelo disposto no artigo 3.º as seguintes operações:

a) Promover a elaboração, tendo presente a orientação estratégica do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa, adoptado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 27/99 e de acordo com as normas orientadoras do respectivo Plano Regional de Ordenamento Florestal (PROF), criados pelo Decreto-Lei n.º 204/99, de 9 de Junho, de projectos de rearborização e planos orientadores de gestão que atendam aos condicionalismos de natureza ecológica, económica e social de nível local e regional;
b) Promover o levantamento sociológico da área atingida com a caracterização das actividades económicas nela incluídas, bem como o seu grau de interdependência com a floresta existentes ou a instalar;
c) Elaborar o cadastro geométrico da propriedade nas áreas abrangidas pelo projecto;

Artigo 6.º
Carácter imperativo

Os projectos de rearborização e os planos orientadores de gestão para as áreas ardidas têm carácter imperativo.

Artigo 7.º
Responsabilidade de rearborização

1 - A rearborização das áreas ardidas é da responsabilidade dos proprietários ou arrendatários florestais e deverá estar concluída no prazo de dois anos após a elaboração dos projectos de rearborização referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º.
2 - Decorrido o prazo estipulado no número anterior, e no caso do proprietário ou arrendatário não ter concretizado o respectivo projecto de rearborização, compete à Direcção-Geral das Florestas assumir a execução do projecto, promovendo o seu ressarcimento financeiro junto dos mesmos.

Artigo 8.º
Zonas de risco

1 - As explorações florestais que confinem ou sejam atravessadas por vias de comunicação a que estejam associadas em elevado grau o risco de deflagração de incêndios deverão ser sujeitas a rearborização com espécies mais adequadas a evitar a propagação de fogos florestais, numa distância até 25 metros das margens da via.
2 - Os produtores florestais, proprietários ou arrendatários de explorações abrangidas pelo disposto no número anterior terão direito, quando tal se justificar, a um apoio financeiro compensatório da quebra do rendimento da exploração resultante da transformação cultural prevista neste artigo.

Artigo 9.º
Fundo financeiro

1 - O financiamento dos projectos de rearborização, bem como os apoios financeiros compensatórios previstos no n.º 2 do artigo anterior, e ainda a concessão de apoios e incentivos financeiros a proprietários ou arrendatários de débil situação económica, serão realizados através do Fundo Financeiro previsto no artigo 18.º da Lei n.º 33/96, de 17 de Agosto, em condições a regulamentar.
2 - Enquanto aquele fundo financeiro não estiver criado, deverão as verbas necessárias à execução do presente diploma ser inscritas no Orçamento do Estado através de dotação específica atribuída à Direcção-Geral das Florestas.

Artigo 10.º
Candidaturas e execução

1 - Os projectos de rearborização e os planos orientadores de gestão previstos neste diploma terão prioridade na apreciação de candidaturas ao Quadro Comunitário de Apoio em vigor.
2 - À Direcção-Geral das Florestas cabe fiscalizar a execução dos projectos de rearborização e dos planos orientadores de gestão.

Artigo 11.º
Elaboração e fiscalização

A elaboração dos projectos de rearborização e dos planos orientadores de gestão previstos no artigo 2.º deste diploma, bem como a fiscalização da respectiva execução prevista no n.º 4 do artigo 10.º, no caso de áreas privadas ou pertencentes a comunidades de baldios, deverão ser realizados, conforme os casos, em parceria entre a Direcção-Geral das Florestas, empresas florestais, organizações de produtores florestais e órgãos de administração dos baldios.

Artigo 12.º
Regulamentação

A presente lei deverá ser regulamentada através de decreto-lei, no prazo de 90 dias após a sua publicação.

Artigo 13.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com o primeiro Orçamento do Estado subsequente à sua aprovação.

Assembleia da República, 27 de Novembro de 2002. Os Deputados do PCP: Lino de Carvalho - Honório Novo - Rodeia Machado - Bernardino Soares - António Filipe - Bruno Dias.

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PROPOSTA DE LEI N.º 24/IX
(ESTABELECE O REGIME DE CRIAÇÃO, O QUADRO DE ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS DAS ÁREAS METROPOLITANAS E O FUNCIONAMENTO DOS SEUS ÓRGÃOS)

Relatório e parecer da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente

Relatório

1 - A proposta de lei n.º 24/IX, apresentada pelo Governo nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, foi admitida em 5 de Setembro de 2002 por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, que determinou a sua baixa à 4.ª Comissão.
2 - O objectivo desta proposta de lei é o de estabelecer o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos, revogando a Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto.
3 - A Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto, criou as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, tendo em vista, nomeadamente, a articulação de investimentos e de serviços de âmbito supramunicipal.
4 - Na exposição de motivos desta proposta de lei é, designadamente, referido que:
- Para as áreas urbanas exteriores àquelas áreas metropolitanas não foi configurada qualquer solução institucional, prosseguindo, assim, em Portugal continental a litoralização e a bipolarização da população e das actividades económicas mais dinâmicas, avançadas e competitivas;
- Neste contexto, urge promover a reorganização e o equilíbrio do sistema urbano nacional, mediante a consolidação de novas áreas metropolitanas capazes de impulsionar o desenvolvimento social, económico e cultural, instituindo pessoas colectivas públicas de natureza associativa e de âmbito territorial que potenciem o aproveitamento de novas oportunidades e a resolução de problemas que ultrapassam claramente as fronteiras municipais;
- Importa, assim, promover o aprofundamento de relações de complementaridade e de solidariedade entre municípios territorialmente contíguos. Neste sentido, as grandes áreas metropolitanas e as comunidades urbanas constituirão pólos urbanos bem posicionados e bem preparados para enfrentar os desafios incontornáveis da globalização e da competição internacional;
- Cumpre assegurar a governabilidade e a funcionalidade dos sistemas urbanos alargados mediante a consagração de mecanismos de articulação e de consensualização de serviços, investimentos, programas, planos, projectos e actuações da Administração Central e da administração local autárquica, agilizando e operacionalizando a gestão de territórios urbanos de âmbito supra-municipal.
E, na mesma exposição de motivos, acrescenta-se ainda que:
- A presente lei-quadro regula a instituição, a estrutura e o funcionamento das grandes áreas metropolitanas e enuncia as respectivas atribuições e as competências dos seus órgãos, sendo de dois tipos - as grandes áreas metropolitanas e as comunidades urbanas -, integrando, respectivamente, pelo menos nove municípios contíguos e 350 000 habitantes e, pelo menos, três municípios contíguos e 150 000 habitantes;
- A solução institucional proposta enquadra o planeamento e a gestão de espaços urbanos alargados, constituídos por municípios territorialmente contíguos, e visa assegurar, por um lado, a articulação dos investimentos municipais de âmbito metropolitano e supra-municipal e, por outro, a conveniente articulação entre os municípios, o Governo e os serviços da Administração Central em diversos domínios do desenvolvimento;
- A principal inovação introduzida respeita à possibilidade legal de instituição de comunidades urbanas, integradas pelos seguintes órgãos de natureza deliberativa, executiva e consultiva: a assembleia, a junta e o conselho.
5 - Esta proposta de lei consubstancia-se no seguinte articulado:
Capítulo I - Disposições gerais:
Artigo 1.º (Objecto); Artigo 2.º (Natureza jurídica); Artigo 3.º (Requisitos territoriais e demográficos); Artigo 4.º (Instituição); Artigo 5.º (Princípio de estabilidade); Artigo 6.º (Atribuições); Artigo 7.º (Património e finanças); Artigo 8.º (Endividamento).
Capítulo II - Estruturas e funcionamento
Secção I - Órgãos e funcionamento
Artigo 9.º (Órgãos); Artigo 10.º (Duração do mandato); Artigo 11 .º (Regime subsidiário); Artigo 12.º (Fiscalização e julgamento de contas).
Secção II - Assembleia Municipal e Assembleia da Comunidade Urbana
Artigo 13.º (Natureza e composição); Artigo 14.º, (Mesa); Artigo 150 (Sessões); Artigo 16.º (Competências);
Secção III - Junta Metropolitana e Junta da Comunidade Urbana
Artigo 17.º (Natureza e composição); Artigo 18.º (Competência da Junta); Artigo 19.º (Competências do Presidente); Artigo 20.º (Reuniões); Artigo 21.º (Administração); Artigo 22.º (Delegação de competências);
Secção IV - Conselho Metropolitano e Conselho da Comunidade Urbana
Artigo 23.º (Natureza e composição); Artigo 24.º (Funcionamento); Artigo 25.º (Competências);
Capítulo III
Artigo 26.º (Serviços de apoio técnico e administrativo); Artigo 27.º (Participação em empresas);

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Capítulo IV
Artigo 28.º (Regime de pessoal);
Capítulo V
Artigo 29.º (Regime de contabilidade); Artigo 30.º (Isenções);
Capítulo VI
Artigo 31.º (Fusão, cisão e extinção); Artigo 32.º (Competência para a fusão, cisão, extinção e liquidação); Artigo 33.º (Fusão); Artigo 34.º (Cisão); Artigo 35.º (Liquidação);
Capítulo VII - Disposições transitórias e finais
Artigo 36.º (Comissão instaladora); Artigo 37.º (Regime especial transitório das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto); Artigo 38.º (Norma revogatória); Artigo 39.º (Entrada em vigor).
6 - Conforme o disposto no artigo 150.º do Regimento da Assembleia da República, promoveu-se a consulta da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) acerca da proposta de lei em causa. As posições destas Associações resumem-se da seguinte forma:
6.1 - A ANMP alerta para que o projecto deva ser assumido como um dos principais passos para uma futura solução integrada e descentralizadora que ultrapasse a teia insustentável decorrente dos sucessivos cruzamentos e sobreposições territoriais e de competências entre as várias instituições, sejam elas áreas metropolitanas, comissões de coordenação regional, governos civis, assembleias distritais ou associações de municípios.
Para a Associação o Governo deverá assumir uma parceria com ela, com vista a serem estudadas melhores soluções institucionais para um "Poder local regionalizado", numa perspectiva de intervenção supra-municipal. A este primeiro passo se deverão seguir outros que, de forma integrada e descentralizadora, conduzam a uma redistribuição e clarificação de competências entre todas as instituições envolvidas, tendo por base o papel-chave desempenhado pelos municípios.
Dever-se-á proceder, em simultâneo, a uma revisão da Lei n.º 172/99, de modo a permitir-se o reforço das competências, e respectivos meios, das associações de municípios. Deste modo, evitar-se-ão situações de desigualdade, independentemente de aquelas associações se apelidarem de Grandes Áreas Metropolitanas (GAM) ou simples Comunidades Urbanas (ComUrbs).
Para além disto, a ANMP afirma que:
- Não se encontram equacionados os termos e as condições da integração de um município numa área metropolitana já constituída;
- A área metropolitana deverá passar a assumir-se como "Autoridade Metropolitana de Transportes" e assegurar a elaboração do planeamento de todo o parque escolar, do ensino básico ao superior, a construção das escolas dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do secundário; a construção e a gestão dos ecoparques, a gestão dos parques naturais e florestais, a gestão das praias, o planeamento e a construção das vias intermunicipais;
- As assembleias das GAM e da ComUrbs devem de ter um máximo de 55 membros e um mínimo de 25, de acordo com um escalonamento em função do número de municípios da área;
- Quando da junta da GAM e da ComUrb façam parte mais de 15 municípios deverão existir quatro vice-presidentes;
- O presidente da junta da GAM deve deter um gabinete de apoio pessoal, constituído por um chefe de gabinete, dois adjuntos e dois secretários;
- O presidente da junta da ComUrb deve de ter um gabinete de apoio pessoal, constituído por um chefe de gabinete, um adjunto e dois. secretários;
- Deve ser mantida a comissão permanente como órgão político e constituída pelo presidente da junta e pelos vice-presidentes.
A ANMP faz questão de frisar que, não obstante as observações que produz sobre o projecto, este se encontra inserido nos princípios repetidamente defendidos pela ANMP. Dessa forma acrescenta que, uma vez que sejam acolhidas as sugestões que antecedem, o projecto merecerá o parecer favorável da Associação.
6.2 - Para a ANAFRE mantém-se a necessidade de as novas entidades a criar - áreas metropolitanas e comunidades urbanas - corresponderem a realidades que partilhem problemas-comuns e que necessitem de uma intervenção integrada no respectivo território.
Segundo a Associação, aquelas entidades devem ter competências, mas também ser dotadas dos meios que permitam a concretização do projecto metropolitano que lhes serve.
No tocante às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, talvez fosse de se encarar a possibilidade da manutenção de um regime especial.
As comunidades urbanas, ao exigirem mais de três municípios e um mínimo de 150 000 habitantes, podem vir a implicar a impossibilidade prática de a elas acederem os municípios situados em regiões mais desertificadas, designadamente os do interior.
A compatibilização entre as atribuições das áreas metropolitanas, das associações de municípios e dos próprios órgãos das autarquias locais, designadamente dos municípios, deve ser analisada com especial atenção, por forma a evitar a ocorrência de simultaneidades ou aspectos pouco claros dos quais possam vir a resultar conflitos no futuro.

Parecer

A Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente, após analisar a proposta de lei n.º 24/IX - "Estabelece o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos" -, e independentemente das posições de voto que os diferentes grupos parlamentares venham a assumir, é de parecer que a mesma reúne todos os requisitos constitucionais e regimentais em vigor para ser apreciada e votada no Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 2 de Dezembro de 2002. O Deputado Relator, João Carlos Barreiras Duarte - O Presidente da Comissão, Jorge Coelho.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do PCP, BE e Os Verdes.

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Anexo 1

Parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses

O regime de criação, quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento das seus órgãos foi objecto de análise no Conselho Directivo da ANMP em 23 de Julho de 2002, tendo sido emitido o parecer em anexo.
Na presente proposta, submetida a parecer pela Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente, foram incluídas na âmbito das atribuições a educação e a saúde, mantendo-se igual a redacção referente às restantes matérias.
Assim, afigura-se-nos que as considerações feitas no parecer da ANMP, aprovado em 23 de Julho, se mantém válidas, devendo ainda referir-se a nossa discordância relativamente à composição da comissão instaladora, que, quanto a nós, terá que ser constituída pelos presidentes de câmara dos municípios integrantes da área metropolitana.

ANMP, 29 de Outubro de 2002.

Anexo
Parecer sobre anteprojecto de diploma

1 - O presente anteprojecto de diploma deverá ser assumido como um dos primeiros passos para uma futura solução integrada e descentralizadora que ultrapasse a teia insustentável e progressivamente gerada através dos sucessivos cruzamentos e sobreposições territoriais e de competências entre instituições - caso das áreas metropolitanas, das CCR, dos governos civis, das assembleias distritais, das associações de municípios…
Já o recente (Abril de 2002) XIII Congresso da ANMP referia nas "Linhas Gerais de Actuação" aprovadas (seguem-se extractos):
"Os municípios e os seus eleitos, em particular os presidentes de câmaras municipais, estão actualmente envolvidos numa teia incoerente e inconsequente de órgãos e instituições, incidente sobre um mesmo ou sobre territórios cruzados, mas com competências e intervenções frequentemente sobrepostas à mesma realidade (...)"
" (...) Não é também difíci1 identificar exemplos de múltiplos assuntos, nas áreas do desenvolvimento regional e local e das actividades municipais que podem fazer - e fazem frequentemente - parte das ordens de trabalhos de cada um e de todos aqueles órgãos e instituições..."
"(...) E acresce que intervêm sobre aqueles mesmos assuntos, para além das entidades já referidas, outras ainda (...) cujas competências poderão, aliás, ser facilmente redistribuídas por outras instituições, quer descentralizando para os municípios quer para outros serviços centrais desconcentrados…"
"(...) Quer isto dizer que, devido à confusão criada ao longo dos anos pela sobreposição de novos organismos, sem a devida articulação entre si, ou sem a extinção de uns pela criação de outros, encontramos grupos constituídos pelas mesmas pessoas, a discutir os mesmos assuntos, com os mesmos conteúdos, em múltiplos locais diferentes, ocupando energias e tempos de forma repetitiva e, por isso, pouco produtiva..."
" (...) Impõe-se, pois, estudar as formas de articulação das diversas instituições, ou mesmo a extinção de alguma(s) delas, por forma a eliminar os cruzamentos de competências existentes e que são, em última análise, prejudiciais ao funcionamento de todas elas (...)"
" (...) Sendo que a não institucionalização de regiões administrativas não levou, nos termos constitucionais, à extinção dos distritos, e, por arrastamento; à extinção dos governadores civis e das assembleias distritais, e que os debates pré e pós o referendo que as não aprovou apontaram consensualmente um caminho de descentralização para os municípios (...), quaisquer pistas que se pretendam traçar deverão ter tais factos em conta (...)"
" (...) É nesse sentido que o congresso aponta a premente necessidade de que, conjuntamente com a ANMP, o Governo estude as melhores soluções institucionais para o conjunto de problemas indiciados, na perspectiva de que um "poder local regionalizado", numa perspectiva de intervenção supramunicipal, poderá desempenhar um melhor papel do que um "poder central regionalizado (...)"
Torna-se, pois, necessário que a este primeiro passo, inicialmente referido, se sigam outros que, de forma integrada e descentralizadora, conduzam a uma redistribuição e clarificação de competências entre todas as instituições envolvidas, tendo obviamente por base o papel-chave dos municípios.
2 - Neste contexto, aponta-se, desde já, para a necessidade de revisão simultânea da Lei n.º 172/99, de modo a permitir o reforço das competências e respectivos meios das associações de municípios, por forma a evitar situações de desigualdade, independentemente de aquelas se chamarem, ou não, grandes áreas metropolitanas ou comunidades urbanas.
3 - Para além das questões de enquadramento referidas, uma apreciação do projecto na especialidade suscita as seguintes notas complementares:
- Não estão equacionados os termos e as condições da integração de um município numa área metropolitana já constituída;
- A área metropolitana deve passar a assumir-se como "Autoridade Metropolitana de Transportes";
- Assegurar a elaboração do planeamento de todo o parque escolar, do ensino básico ao superior;
- Construção de escolas dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do secundário;
- Construção e gestão de ecoparques;
- Gestão de parques naturais e florestais;
- Gestão de praias;
- Planeamento e construção de vias intermunicipais;
- As assembleias da GAM e da ComUrb devem ter um máximo de 55 membros e um mínimo de 25, de acordo com um escalonamento em função do número de municípios da área;
- Quando da junta da GAM e da ComUrb façam parte mais de 15 municípios, devem existir quatro vice-presidentes;
- O presidente da junta da GAM deve ter um gabinete de apoio pessoal, constituído por um chefe de gabinete, dois adjuntos e dois secretários;
- O presidente da junta da ComUrb deve ter um gabinete de apoio pessoal, constituído por um chefe de gabinete, um adjunto e dois secretários;

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- Deve ser mantida a comissão permanente, como órgão político, constituída pelo presidente da junta e pelos vice-presidentes;
4 - As condicionantes anteriormente formuladas não retiram o mérito descentralizador intrínseco ao presente projecto de diploma, que se insere nos princípios repetidamente defendidos pela ANMP e que, com as correcções suscitadas nos pontos anteriores, merecerá o nosso parecer favorável.

Anexo 2

Parecer da Associação Nacional de Freguesias

Acusamos a recepção do vosso ofício ref. 3924, datado de 10 de Outubro, que agradecemos e no qual nos solicita informação sobre o assunto em epígrafe.
Trata-se de uma medida inserida num "pacote" de descentralização recentemente anunciado pelo Governo. Existindo já a Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto, que cria e atribui competências às Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, esta proposta pretende criar novas realidades.
Assim, o que se propõe é um regime especial de associação de municípios, a criar em função do preenchimento de determinadas condições que dão cobertura a duas entidades: as grandes áreas metropolitanas e as comunidades urbanas.
Um aspecto que gostaríamos de referir é o do desaparecimento do conceito de metrópole enquanto realidade física e territorial caracterizada por uma grande concentração populacional, comum e contínua densidade urbana, desenvolvida a partir de determinada cidade e que constitui, objectivamente, um espaço onde importa que haja um planeamento e desenvolvimento comuns.
De qualquer forma, mantém-se a necessidade que essas novas entidades correspondam a realidades que partilhem problemas comuns e que necessitem de uma intervenção integrada no respectivo território.
Estas entidades devem ter competência com vista à implementação de estratégias de planeamento e desenvolvimento do território e a aptidão correspondente, ou seja, devem estar dotadas dos meios que permitam a concretização do projecto metropolitano que lhes serve.
Não sabemos se a proposta agora apresentada vai manter as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto tal qual se encontram definidas e em funcionamento, mas, pela sua especificidade e história no âmbito do poder local, talvez fosse de colocar a hipótese de encarar a manutenção de um regime especial.
Entretanto chamamos a atenção para o facto das novas entidades - as comunidades urbanas -, ao exigirem mais de três municípios e um mínimo de 150 000 habitantes, poderem traduzir-se na impossibilidade prática de a ela acederem municípios situados em regiões mais desertificadas, designadamente do interior.
A compatibilização entre as atribuições destas áreas metropolitanas, das associações de municípios e dos próprios órgãos das autarquias locais (designadamente municípios) deve ser analisada com especial atenção de forma a evitar simultaneidade ou aspectos pouco claros do qual venham a resultar posteriores conflitos.

Lisboa, 20 de Novembro de 2002. O Presidente do Conselho Directivo, Armando Manuel Diniz Vieira.

PROPOSTA DE LEI N.º 34/IX
ESTABELECE UM REGIME ESPECÍFICO DE REPARAÇÃO DOS DANOS EMERGENTES DE ACIDENTES DE TRABALHO DOS PRATICANTES DESPORTIVOS PROFISSIONAIS

Exposição de motivos

A Lei de Bases do Sistema Desportivo - Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro - previu a institucionalização de um sistema de seguro obrigatório dos praticantes desportivos enquadrados na prática desportiva formal, o qual, com o objectivo de cobrir os particulares riscos a que estão sujeitos, protege em termos especiais o praticante desportivo de alta competição.
Aquela institucionalização foi operada pelo Decreto-Lei n.º 146/93, de 26 de Abril, no âmbito do qual o seguro desportivo cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à actividade desportiva, incluindo os decorrentes de transportes e viagens em qualquer parte do mundo.
Para os praticantes desportivos de alta competição foi, nos termos do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 257/90, de 7 de Agosto, garantido um seguro desportivo especial, que tenha em conta a especificidade da sua actividade desportiva e os respectivos graus de risco, actualmente previsto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 125/95, de 31 de Maio.
Pese embora este enquadramento legal, se é certo que no que concerne aos acidentes pessoais inerentes à actividade, a legislação reconhece expressamente as particularidades do sector, o mesmo não se pode dizer quanto aos acidentes de trabalho, uma vez que aos desportistas independentes ou trabalhadores por conta de outrem se aplica o Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.
Com efeito, a actividade desportiva orientada para o rendimento, ao exigir dos atletas um elevado rendimento e um intenso ritmo competitivo, bem como uma concentrada calendarização das provas desportivas profissionais, aumenta as probabilidades de ocorrerem acidentes pessoais e/ou de trabalho.
Acresce o facto de o regime geral não ter em conta as especificidades do contrato de trabalho desportivo, especificidades essas que, no entanto, foram reconhecidas no âmbito do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo, estabelecido pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho.
Com efeito, o regime geral não foi pensado para profissões de desgaste rápido, de baixa média etária, como sucede com os desportistas profissionais, que são objecto de carreiras cuja duração é bastante inferior à das demais carreiras profissionais.
Por outro lado, este regime também não se coaduna com os custos de um seguro de acidentes de trabalho que podem derivar dos elevados montantes das remunerações auferidas por muitos desportistas profissionais. A estes, que têm valores elevados em risco, aplicam-se indemnizações temporais iguais aos trabalhadores que têm carreiras de muito maior duração, sem que se tenha em conta a relação causa-efeito entre as verbas e a idade do praticante.
Nestes termos, importa criar um regime específico de reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho de desportistas profissionais.

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Foram ouvidos a Associação Portuguesa de Seguradores, o Instituto de Seguros de Portugal e o Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho.
Assim, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei, para ser aprovada e valer como lei geral da República, com pedido de prioridade e urgência:

Artigo 1.º
Âmbito

O presente diploma prevê o regime específico relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais.

Artigo 2.º
Prestações

1 - Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte morte ou incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, terão como limite global máximo o valor de 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da fixação da pensão.
2 - Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ou uma incapacidade permanente parcial, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, obedecerão aos seguintes limites máximos:

a) 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da fixação da pensão, até à data em que o praticante desportivo profissional complete 35 anos de idade;
b) 14 vezes o montante correspondente a oito vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da alteração da pensão, após a data referida na alínea anterior.

3 - Nos casos previstos nos números anteriores, ao grau de desvalorização resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais corresponderá o grau de desvalorização previsto na tabela de comutação específica para a actividade de praticante desportivo profissional, anexa ao presente diploma e que dele faz parte integrante, salvo se da aplicação da primeira resultar valor superior.
4 - Poderão ser celebrados acordos e protocolos entre as empresas de seguros e as entidades empregadoras dos sinistrados, no sentido do estabelecimento de franquias em casos de incapacidades temporárias.
5 - Às pensões anuais calculadas nos termos do n.º 1 e do n.º 2 aplicam-se as regras de actualização anual das pensões previstas no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril.

Artigo 3.º
Acompanhamento clínico e reabilitação do sinistrado

1 - Poderão ser celebrados acordos e protocolos entre as empresas de seguros e as entidades empregadoras dos sinistrados, no sentido de serem estas a conduzirem o processo clínico, terapêutico e medicamentoso de recuperação destes, através dos seus departamentos especializados.
2 - A entidade seguradora poderá, sempre que entenda, incumbir um consultor ou um seu representante para acompanhar o processo de recuperação do sinistrado junto dos departamentos referidos no número anterior.
3 - Em caso de discordância sobre o diagnóstico da lesão ou sobre a adequação das técnicas ou meios empregues no processo de recuperação do sinistrado, prevalecerá o parecer clínico emitido por um médico indicado pela federação desportiva da modalidade praticada pelo sinistrado, cabendo, no entanto, à entidade empregadora a continuidade de todos os tratamentos e demais prestações que sejam necessárias.

Artigo 4.º
Seguros de acidentes pessoais e de grupo

Os seguros de acidentes pessoais e de grupo a favor dos sinistrados, previstos no Decreto-Lei n.º 146/93, de 26 de Abril, ainda que estabelecidos entre entidades empregadoras desportivas e entidades seguradoras, têm um carácter complementar relativamente ao seguro de acidentes de trabalho, cuja prova é exigida no acto do registo do contrato de trabalho desportivo, em conformidade com o n.º 4 do artigo 6.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho.

Artigo 5.º
Remição da pensão

Em caso de acidente de trabalho sofrido por um praticante desportivo profissional de nacionalidade estrangeira do qual resulte a incapacidade permanente ou morte a pensão anual vitalícia devida pode ser remida em capital, por acordo entre a empresa de seguros e o beneficiário da pensão, se este optar por deixar Portugal.

Artigo 6.º
Direito subsidiário

À reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais são aplicáveis as normas do regime jurídico geral dos acidentes de trabalho, aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, bem como toda a legislação regulamentar, em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente lei.

Artigo 7.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, e será aplicável aos acidentes de trabalho que ocorrerem após a sua entrada em vigor.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 7 de Novembro de 2002. O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso - O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.

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PROJECTO DE DELIBERAÇÃO N.º 12/IX
AUTORIZA A PUBLICAÇÃO DAS ACTAS DA COMISSÃO DE INQUÉRITO AOS ACTOS DO XV GOVERNO CONSTITUCIONAL QUE LEVARAM À DEMISSÃO DE RESPONSÁVEIS PELO COMBATE AO CRIME
ECONÓMICO, FINANCEIRO E FISCAL TRÊS MESES DEPOIS DA SUA NOMEAÇÃO

Exposição de motivos

Não tendo sido possível levar a termo os trabalhos da Comissão de Inquérito Parlamentar aos actos do XV Governo Constitucional que levaram à demissão de responsáveis pelo combate ao crime económico, financeiro e fiscal três meses depois da sua nomeação; assume redobrada a importância a publicação integral das respectivas actas, contendo não apenas o depoimentos prestados, mas também as perguntas e os debates feitos no âmbito da Comissão.
Os subscritores justificam a presente deliberação nos termos seguintes:

I
Um inquérito interrompido

1 - Os Deputados que, em 2 de Outubro de 2002, requereram a constituição de uma comissão de inquérito parlamentar aos actos do XV Governo Constitucional que levaram à demissão de responsáveis pelo combate ao crime económico, financeiro e fiscal três meses depois da sua nomeação batem-se pela integral publicitação das actas que reflectem os trabalhos realizados. A comissão criada nos termos do artigo 178.º, n.º 4, da Constituição da República viu os seus trabalhos abruptamente interrompidos pela maioria parlamentar, tendo sido deliberadamente impedida de cumprir o seu mandato.
2 - Actuando de forma ilegítima e ilegal, os Deputados do PSD e do CDS-PP abortaram um inquérito que nunca quiseram, no intuito de impedir o uso dos instrumentos que a Constituição confere ao Parlamento para a descoberta da verdade. Ora, é em nome da procura da verdade que procedemos à publicitação deste relatório, sem recorrer às actas da Comissão de Inquérito, que se mantém pela nossa parte confidenciais e intocáveis. Por isso o texto que elaborámos salvaguarda tudo o que, em nosso entender, está sujeito ao dever de sigilo, nomeadamente o segredo de justiça.
3 - No caso vertente, o rigoroso apuramento dos factos objecto do inquérito reveste o mais elevado interesse público. Com efeito, os trabalhos, que, apesar de todas as limitações, foi possível levar a cabo comprovaram o bem fundado da iniciativa que levou ao desencadeamento do inquérito parlamentar.
4 - Não poderia a Assembleia da República assistir com indiferença às convulsões que, nos últimos meses, perturbaram a vida interna da Polícia Judiciária, onde se sucederam nomeações, pedidos de demissão e de exoneração sem justificações consistentes, que a Sr.ª Ministra da Justiça não soube ou não quis explicar em tempo e por sua própria iniciativa.
5 - Chamada ao Parlamento para prestar esclarecimentos à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, limitou-se a invocar, neste domínio, que se confinara a ratificar as propostas do director nacional da PJ no que respeita às nomeações,

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pedido de demissão e exoneração dos directores nacionais-adjuntos.
Prestigiados magistrados judiciais, exercendo funções de dirigentes, revelaram plena contradição na apreciação de factos que os envolvem, abrindo campo a suspeições de pressões e interferências do Governo na actividade policial, bem como de inversão da prioridade devida ao combate ao crime económico, financeiro e fiscal.
6 - Numa primeira audição, em 4 de Setembro, seguida de outra, 20 dias depois, a Sr.ª Ministra da Justiça nada clarificou, circunscrevendo a sua prestação ao mesmo tipo de declarações, as quais não responderam às legítimas dúvidas apresentadas pelos Deputados das diversas bancadas parlamentares. Ficaram por esclarecer:

a) Os pressupostos e as circunstâncias que determinaram a escolha dos directores nacionais nomeados em Maio de 2002, bem como as razões que levaram, num caso, ao pedido de demissão e, noutro, à demissão dos directores nacionais-adjuntos escassos três meses após a sua nomeação;
b) O que aconteceu num escasso período de tempo, levando a que as pessoas cujos perfis eram adequados em Maio de 2002 se tivessem tornado inadequados em Agosto de 2002;
c) Não foram igualmente explicitadas as razões que justificam a necessidade de alteração do modelo organizacional da Polícia Judiciária, sendo que a actual lei orgânica está em vigor apenas desde Novembro de 2000 e as alterações então introduzidas resultaram de um largo consenso entre o anterior governo e os partidos políticos com assento parlamentar, não tendo havido sequer avaliação consistente da sua aplicação ou decorrido o tempo razoável para o fazer.

7 - Na inexistência de um consistente esclarecimento por parte do Governo, e tendo em conta a legítima invocação de segredo profissional por parte dos magistrados depoentes, a criação de uma comissão de inquérito tornou-se o único meio constitucionalmente adequado ao apuramento da verdade, sob pena de renúncia ao exercício das responsabilidades que cabem à Assembleia da República.
O requerimento subscrito por 1/5 dos Deputados em efectividade de funções, dos Grupos Parlamentares do PS, PCP, BE e os Verdes, foi cuidadosamente redigido por forma a evidenciar a sua função de fiscalização dos actos do Governo, não se tratando de sujeitar a Polícia Judiciária a qualquer investigação, ao contrário do que de imediato sustentaram os que não desejavam lançar luz sobre a acção do Governo em domínios susceptíveis de debilitar a eficácia do combate ao crime económico, financeiro e fiscal.
Os requerentes desencadearam concretamente "a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito aos actos da responsabilidade do XV Governo Constitucional, designadamente no âmbito do Ministério da Justiça, que levaram à demissão de dirigentes nacionais da Polícia Judiciária três meses depois da sua nomeação, ouvindo-se para o efeito os intervenientes no processo, bem como peritos no combate ao crime económico, financeiro e fiscal".
Na delimitação do objecto precisou-se dever a investigação visar "o integral esclarecimento e a apreciação política dos actos da responsabilidade do Governo, no que respeita:

a) Aos pressupostos e às circunstâncias que determinaram as supra indicadas nomeações e cessações de comissões de serviço;
b) À estratégia e às orientações do Governo no âmbito do combate ao crime económico, financeiro e fiscal, bem como ao modo como vem exercendo as suas competências funcionais nesse domínio".

As duas grandes áreas de fiscalização parlamentar implicavam a consideração de um mapa de questões, com bem precisa delimitação:

- A primeira facultando uma reconstituição histórica da reestruturação determinada pelo Governo através da Ministra da Justiça;
- A segunda propiciando informação clarificadora dos actuais rumos do combate a um segmento da criminalidade capaz de corroer o Estado de direito democrático e minar as instituições da República.

8 - Aceitou-se, por unanimidade, que o inquérito de realizasse num prazo curto, fixado pelo Presidente da Assembleia da República, ouvida a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, de 15 dias.
Pressupuseram os requerentes que nesse período se concretizariam, de forma articulada e inevitavelmente célere, todas as diligências relacionadas com o objecto das investigações. Por isso mesmo, logo na abertura dos trabalhos propuseram a audição de um conjunto de individualidades:

a) Dr.ª Maria José Capelo Rodrigues Morgado, Procuradora-Geral-Adjunta, antiga Directora Nacional-Adjunta da Direcção-Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira, da Directoria Nacional da Polícia Judiciária;
b) Dr. Pedro Miguel Bengala Reis de Sá Couto da Cunha Lopes, Juiz de Direito, antigo Director Nacional-Adjunto da Direcção Central de Combate ao Banditismo, da Directoria Nacional da Polícia Judiciária;
c) Dr. Adelino da Silva Salvado, Juiz Desembargador, Director Nacional da Polícia Judiciária;
d) Dr. Albano Manuel Morais Pinto, Procurador da República, Director Nacional-Adjunto da Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira, da Directoria Nacional da Polícia Judiciária;
e) Dr. José Eduardo da Silva Ferreira Leite, Director Nacional-Adjunto da Direcção Central de Combate ao Banditismo, da Directoria Nacional da Polícia Judiciária;
f) Dr.ª Maria Alice Teixeira Pinto Fernandes, coordenadora superior de investigação criminal, anterior Subdirectora Nacional-Adjunta da Direcção Central de Combate ao Banditismo, da Directoria Nacional da Polícia Judiciária;

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g) Dr. Carlos Alberto Lopes Farinha, coordenador de investigação criminal, anterior Subdirector da Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira, da Directoria Nacional da Polícia Judiciária;
h) Dr. Luís Filipe Ramos Bonina, anterior Director Nacional da Polícia Judiciária;
i) Dr. Orlando Soares Romano, Procurador-Geral Adjunto, antigo Director Nacional-Adjunto da Direcção Central de Combate ao Banditismo, da Directoria Nacional da Polícia Judiciária;
j) Dr. Jorge Humberto Gil Moreira do Rosário Teixeira, Procurador-Geral Adjunto, antigo Director Geral Adjunto da Polícia Judiciária;
k) Prof. Doutor José Luís Saldanha Sanches;
l) Ministra da Justiça, Dr.ª Celeste Cardona.

9 - A maioria parlamentar apenas viabilizou quatro das audições propostas, impondo a mera repetição das diligências feitas pela 1.ª Comissão.
Foram também requeridos documentos fundamentais, só tendo sido remetidos à Comissão:
- Cópias dos despachos de nomeação e exoneração dos Dr. Adelino Salvado, Dr.ª Maria José Morgado, Dr. Pedro Cunha Lopes, Dr. José Ferreira Leite, Dr. Albano Morais Pinto e D.ª Maria Alice Fernandes;
- Cópia do projecto de protocolo a celebrar entre a Polícia Judiciária e a Administração Fiscal.
A maioria parlamentar impediu, assim, que fosse requerido acesso:
- Aos relatórios de actividades da Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira (DCICCEF) desde 2000 até ao início do inquérito;
- Ao elenco dos processos, abertos e investigados pela DCICCEF, com indicação do registo, data, natureza, número de volumes e respectivos arguidos desde 2000 até ao início do inquérito.
10 - Na sequência das audições realizadas - face a contradições entre depoimentos colhidos e revelações não apuradas no âmbito da 1.ª Comissão -, tornou-se imprescindível ouvir outras testemunhas:

a) S. Ex.ª o Procurador-Geral da República;
b) Anterior Director Nacional da Polícia Judiciária;
c) Coordenador de investigação criminal Borlido;
d) Inspector Gonçalves Pica;
e) Inspector Álvaro Soares;
f) Sr. PedroAlbuquerque;
g) Procurador da República Manuel das Dores;
h) Prof.ª Doutora Maria Lúcia Amaral;
i) Prof. Doutor José Duarte Nogueira;
j) Dr.ª Maria José Nogueira;
k) Inspector Calado de Oliveira;
l) Dr. Rui Carmo, subdirector do Centro de Estudos Judiciários.

Tornou-se igualmente inevitável propor a acareação entre os magistrados cujos depoimentos revelaram contradições. Tais diligências foram recusadas em bloco pelos Deputados do PSD e do CDS-PP, fazendo pairar o espectro de uma fraude à Constituição e à lei, consumada por esvaziamento do objecto do inquérito, total quanto à sua segunda área investigativa e gravemente manipulatória quanto à primeira.
11 - Acresce que no decurso do inquérito foi desencadeada uma operação tendente a inculcar que do depoimento do Director Nacional da PJ perante a CI decorreria a confirmação da presença ilegal de elementos daquela polícia no Tribunal de Monsanto, susceptível de inquinar a legalidade de actos processuais do julgamento em curso do "Caso Moderna".
A realização das diligências em causa revestia-se, por isso, de redobrada justificação e importância, sendo o seu adiamento agravador da lesão provocada ao prestígio da Polícia Judiciária.
12 - Para sinalizar o seu protesto e inteirar da situação o Presidente da Assembleia da República, os Deputados do PS, PCP, BE e Os Verdes suspenderam a participação nos trabalhos da Comissão de Inquérito. Os Deputados em causa não renunciaram ao mandato de membros da Comissão. Tiveram mesmo o cuidado de advertir deste facto o Presidente da Comissão, informando-o do sentido da concreta opção tomada e da importância que atribuíam, neste contexto, à intervenção moderadora do Presidente da Assembleia da República precedendo qualquer deliberação e permitindo o retomar do inquérito.
13 - As diligências realizadas não surtiram, porém, qualquer efeito útil ao regular funcionamento da Comissão.
Abruptamente, na sequência de reunião realizada no dia 8 de Novembro, dos Deputados do PSD e do CDS-PP, o Presidente da Comissão de Inquérito declarou encerrados os trabalhos por alegada "inviabilidade política e legal". E fê-lo não obstante reiterarmos, em documento que enviámos e foi recebido pelo Presidente da Comissão antes da aludida deliberação de 8 de Novembro, que havíamos simplesmente suspendido a participação nos trabalhos da Comissão e que tínhamos solicitado a intervenção institucional do Presidente da Assembleia da República, intervenção que aguardávamos, com vista a assegurar o funcionamento regular da Comissão e, nela, os mais elementares direitos de participação, bem como o prestígio da Assembleia.
A situação criada justificara já a intervenção institucional, devidamente publicitada, de S. Ex.ª o Presidente da República.
Ao arrepio de todas as advertências, o Presidente da Comissão de Inquérito cancelou, inclusive, unilateralmente, a prossecução das diligências aprovadas por unanimidade no decurso dos trabalhos.
14 - Com as seguintes consequências:
- Extinção arbitrária de inquérito emergente de direito potestativo exercido por Deputados de partidos da oposição;
- Lesão dos direitos fundamentais de inquirição dos Deputados da Comissão de Inquérito, em particular dos autores do requerimento que determinou a sua constituição;
- Anulação deliberada dos efeitos das diligências já aprovadas por unanimidade pela Comissão, incluindo

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as respeitantes à obtenção urgente de processo judicial em curso;
- Fechamento dos autos, visando a sua colocação em segredo total e definitivo, à guarda do Presidente da Assembleia da República;
- Impedimento do livre acesso aos autos por parte dos Deputados membros da Comissão;
- Não elaboração do relatório final, segundo o modelo do artigo 20.º da lei aplicável, e consequente não realização de sessão aberta de discussão do seu conteúdo e não publicação em Diário da Assembleia da República do respectivo teor;
- Impedimento do livre acesso da generalidade dos Deputados às actas e demais documentos não protegidos por segredo legal;
- Obstrução ao exercício das funções do Plenário, que nos 30 dias posteriores à publicação do relatório deve apreciá-lo e debatê-lo, podendo deliberar sobre o regime de publicação das actas.
15 - A decisão pessoalmente assumida pelo Presidente da Comissão Inquérito careceu de legitimidade e violou frontalmente a Constituição e a lei.
A inconstitucionalidade e a ilegalidade são tanto mais gritantes quanto se trata de um inquérito resultante de iniciativa de 1/5 dos Deputados em efectividade de funções, ao abrigo de um direito potestativo constitucionalmente garantido, pelo que a interrupção forçada dos trabalhos fere o conteúdo essencial do inquérito requerido, violando o artigo 178.º, n.º 4, da Lei Fundamental. O impedimento da realização do objecto do inquérito, imperativamente definido em requerimento aceite pelo Presidente da Assembleia da República, configura fraude à Constituição e à lei e um gravíssimo abuso de poder.
16 - Acresce que, mesmo que estivesse em causa um inquérito resultante de deliberação por maioria, nunca poderia caber ao Presidente da Comissão de Inquérito tomar tal decisão, nem, aliás, tal seria legalmente autorizado ao Plenário da própria Comissão.
A interrupção, nos termos descritos, violou:

a) As prerrogativas dos membros da Comissão em plena constância do mandato, impedindo-os de exercer os seus direitos e de influenciar o rumo do inquérito, a realização de diligências e a definição do modo de funcionamento da Comissão;
b) As normas que definem os procedimentos obrigatórios para a condução das inquirições, bem como as que regulam a elaboração de relatórios e o encerramento de trabalhos (apenas admissível quando finda a missão definida no requerimento de constituição);
c) Os direitos dos Deputados em matéria de acesso aos autos;
d) As competências do Plenário da Assembleia da República;
e) As normas que asseguram a transparência dos resultados das investigações e das diligências realizadas.

17 - Os Deputados que se bateram pela regular conclusão do inquérito não renunciam ao dever de prestar contas à Assembleia da República e aos cidadãos do que puderam investigar, enunciando factos estabelecidos e exprimindo juízos face ao que apuraram. Importa, por outro lado, evidenciar as zonas de dúvida cuja aclaração foi impedida em sede parlamentar. Cumpre-se, assim, o dever de transparência e abre-se caminho a outras formas de investigação legítimas num Estado de direito democrático.

II
Nomeação e demissão do Dr. Pedro Cunha Lopes

Quanto à nomeação do juiz de direito dr. Pedro Cunha Lopes e às circunstâncias que a rodearam, foi apurado o seguinte:
18 - Ter o magistrado sido contactado no dia 17 de Maio, 6.ª feira, pela Dr.ª Maria Cândida Guimarães Pinto de Almeida, Procuradora-Geral Adjunta, sua conhecida e a pedido do Juiz Desembargador Dr. Adelino Salvado, para lhe propor um encontro com este, o qual visava avaliar da sua disponibilidade para o exercício de funções na Polícia Judiciária
Ter a Procuradora Geral Adjunta vindo a confirmar posteriormente este facto por declaração escrita feita a pedido do Director Nacional da PJ e reproduzida pela imprensa que mediou telefonicamente esse contacto, bem como ter também, por solicitação do Dr. Adelino Salvado, sugerido o nome daquele magistrado por o considerar uma pessoa interventiva, operacional e a quem atribua qualidades de dedicação ao serviço.
Ter dessa diligência resultado um encontro entre o Dr. Pedro da Cunha Lopes e o Juiz Desembargador Dr. Adelino Salvado, realizado no dia imediato, sábado, 18 de Maio, pelas 19 horas, num café situado em Campolide.
Mais: é afirmado ter naquele encontro sido proposto pelo Dr. Adelino Salvado ao Dr. Pedro da Cunha Lopes que ocupasse a direcção da DCICCEF - Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica -, em substituição da Dr.ª Maria José Morgado, declaração esta que consta do depoimento de 11 de Setembro prestado por este magistrado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que refere - e cito -, a propósito do momento exacto em que este convite ocorreu, que "posso dizer que foi antes da minha tomada de posse, na fase de constituição da nova equipa", acrescentando - e, cito de novo - que "o cargo da Dr.ª Maria José Morgado foi-me oferecido, logo no início, pelo Sr. Dr. Adelino Salvado, dizendo que a Sr.ª Ministra não veria com bons olhos a permanência da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado à frente da DCICCEF - Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira".
19 - Esta matéria viria a ser contraditada por parte do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, tendo iniciativas propostas pelo Partido Socialista, para diligências suplementares (a acareação) e a obtenção de novos testemunhos, sido, todas, inviabilizadas pelos Deputados da maioria.
Foi ainda apurado ter o magistrado Dr. Pedro Cunha Lopes recusado aquela hipótese - a DCICCEF -, tendo entretanto; face a nova proposta avançada para dirigir a Direcção Central de Combate ao Banditismo (DCCB), optado por pedir algum tempo para se aconselhar.
Tê-lo-á feito, nesse mesmo dia, junto de amigos com os quais se terá encontrado para o efeito. Viria, finalmente, no dia seguinte a aceitar esta última proposta e a comunicá-lo ao Juiz Desembargador Dr. Adelino Salvado. A sua nomeação por despacho proferido pela Ministra da Justiça é

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datada de 27 de Maio e a tomada de posse acontece no dia 28.
20 - Como factos relevantes relativos ao período de exercício de funções do Dr. Pedro Cunha Lopes, como Sub-Director Nacional da PJ, à frente da DCCB, apurou-se o seguinte:
- Ser intenção do Director Nacional da Polícia Judiciária proceder ao afastamento da Dr.ª Maria Alice Fernandes, Sub-Directora do DCCB.
Mais: ter essa pretensão, por diversas vezes, sido sugerida em privado ao Dr. Pedro Cunha Lopes. A esse propósito é referido, no seu depoimento à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - cito -, o seguinte: "A certa altura o Sr. Director Nacional disse-me até "Olhe, vá-se preparando para a aguentar durante mais seis meses para depois a afastar".
- Ter a Sub-Directora da DCCB, pessoa que no entendimento do Dr. Pedro Cunha Lopes seria "mulher ligada a muitos dos êxitos da DCCB", de acordo com o seu testemunho de 11 de Setembro, pedido a sua demissão, pouco tempo depois, sem que fossem conhecidas as razões.
- Ter o Sr. Director Nacional da PJ, Dr. Adelino Salvado, afirmado perante a Comissão, em 11 de Setembro, quando questionado sobre as eventuais razões desta demissão, "que as razões são dela. Quando ela apresentou o pedido de cessão de comissão tem largo tempo na DCCB, salvo erro são mais de 10 anos. Ora, 10 anos numa actividade na Polícia Judiciária, como em qualquer outra actividade, cansa!"
O requerimento apresentado posteriormente para aprofundar estes factos viria a ser igualmente rejeitado pelos Deputados da maioria na Comissão, nomeadamente o de ouvir o depoimento da Dr.ª Maria Alice Fernandes.
21 - Outro facto apurado prende-se com o problema que envolveu o Embaixador João Salgueiro, ex-Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Este ter-se-á permitido, com o posterior conhecimento e consentimento do Director Nacional da PJ, Dr. Adelino Salvado, por este confirmado no seu depoimento, interferir e alterar o rumo de um processo em investigação relativo a um furto de bilhetes de identidade, e em que ele era objecto da investigação.
Confirmou-se a existência de uma interferência e grave tentativa de imposição de rumo estratégico de investigação por uma pessoa exterior à Polícia Judiciária, que devia ser ouvida no quadro da própria investigação.
Prova-se que durante todo um dia terá havido tentativas de contacto por parte da DCCB com o embaixador João Salgueiro no sentido de prestar declarações, o que este recusou fazer, alegando só aceitar falar directamente com o Director Nacional da PJ, o que veio a acontecer.
Viria mais tarde, por fax, a confirmar-se essa recusa em prestar depoimento sobre aquele processo, com a anuência do Director Nacional da PJ.
A este propósito ainda, e das relações muito pouco convencionais com a Polícia Judiciária, é de referir o episódio que envolve o telefonema da Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças para o Sr. Director Nacional para o questionar directamente sobre o incremento da investigação de uma determinada actividade ilícita, constante das actas de 11 de Setembro.
O Director Nacional da PJ ouvido viria a confirmar estes factos.
22 - Os dados obtidos revelam indícios de que, no lapso de tempo em causa, cerca de três meses, não se efectuaram reuniões de coordenação, nem de definição de objectivos.
E a este propósito é referido no depoimento do Dr. Pedro Cunha Lopes prestado em 11 de Setembro:
"No que diz respeito aos objectivos pré-delineados, penso já ter respondido que nunca houve objectivos, nunca houve reuniões, por exemplo, quanto à obtenção de meios de prova, nomeadamente de assuntos pendentes, quanto às escutas depois de alguns acórdãos do Tribunal Constitucional, quanto aos métodos de vigilância, quanto à utilização de fotografias. Há questões pendentes quanto à obtenção de meios de prova e da sua legalidade que deveriam ser definidas. Eu disse isso ao Sr. Director Nacional e nunca vi esses temas debatidos. O que posso dizer é que nunca houve nenhuma reunião de direcção para a definição de objectivos em termos de meios de prova e também, por exemplo, em relação aos infiltrados".
23 - Quanto aos factos relativos à demissão do Dr. Pedro da Cunha Lopes, foi apurado o seguinte:
- Ter o Dr. Pedro Cunha Lopes em 26 de Agosto, na sequência de uma reunião efectuada no 1.º andar da Gomes Freire sobre ajudas de custo, sido chamado ao gabinete do Director Nacional da PJ. Aí lhe ter sido comunicado que não teria condições pessoais para continuar a exercer o cargo. Ter-lhe sido sugerido pelo Dr. Adelino Salvado, Director Nacional da PJ, que apresentasse a sua demissão, o que aquele, por considerar sem razão recusou fazer, exigindo que fosse este a demiti-lo. O seu depoimento refere sobre este facto - e cito - o seguinte: "eu não pedi a demissão. Fui demitido. E fui demitido porque não aceitei pedir a demissão".
- Ter o despacho da proposta de demissão, de 26 de Agosto de 2002, do Director Nacional da PJ, fundamentada essa demissão nas seguintes razões:
"Alteração das circunstâncias que levaram à sua nomeação, baseada na perda de confiança na liderança por si protagonizada, no não cumprimento dos objectivos previamente delineados, na necessidade de imprimir nova orientação à gestão da Direcção Central e ainda no sentido de modificar a estratégia a prosseguir." Ao qual a Sr.ª Ministra da Justiça correspondeu favoravelmente, em 28 de Agosto de 2002, com um despacho do seguinte teor: "cesse a comissão de serviço, conforme proposto.
É apurado, contudo, quer pelo depoimento do Director Nacional da Polícia Judiciária na 1.ª Comissão quer pela sua posterior entrevista ao semanário Expresso em 31 de Agosto, que o Juiz Desembargador Dr. Adelino Salvado não tinha qualquer estratégia definida, nem tão pouco quaisquer objectivos delineados.

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24 - Confrontado ainda por diversos Deputados na 1.ª Comissão, sobre a sustentação da decisão de demitir o Dr. Pedro da Cunha Lopes, o Juiz Desembargador Dr. Adelino Salvado não foi esclarecedor sobre as razões que objectivamente teriam determinado a sua rápida mudança de opinião. Mais: por fim, revelou pouca clareza por parte do Director Nacional da PJ sobre os critérios que tinham fundamentado a sua escolha e hipotética posterior avaliação negativa.
Em suma, mais não foi possível apurar em concreto sobre esta matéria.

III
Sobre as circunstâncias da demissão da Dr.ª Maria José Morgado

25 - Cerca de três meses depois de ter sido confirmada em funções pelo então recém-nomeado Director Nacional da Polícia Judiciária, Sr. Desembargador Adelino Salvado, a Sr.ª Procuradora Geral Adjunta, Dr.ª Maria José Morgado, apresentou a sua demissão de Directora Nacional Adjunta da Polícia Judiciária em 27 de Agosto de 2002, através de um fax enviado a partir da Ericeira, onde se encontrava de férias. Nesse mesmo dia esse pedido de demissão foi comunicado à Sr.ª Ministra da Justiça por ofício enviado pelo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária. No dia seguinte, 28 de Agosto, foi proferido um despacho pela Sr.ª Ministra da Justiça, dando por finda a comissão de serviço da Dr.ª Maria José Morgado.
26 - Em carta datada de 29 de Agosto a Dr.ª Maria José Morgado esclareceu que os motivos que deram origem ao seu pedido de demissão se relacionam única e exclusivamente com as questões de estratégia operacional respeitantes à organização da Direcção Central que dirigia, repudiando veementemente toda e qualquer interpretação de natureza política. Porém, segundo a própria autora da carta, esclareceu publicamente no dia em que compareceu perante a Comissão de Inquérito que a ausência de motivação política para a sua demissão dizia apenas respeito à sua própria atitude, não se referindo a eventuais motivações de outras entidades envolvidas nesse processo.
27 - Ouvida na 1.ª Comissão em 4 de Setembro e em 24 de Outubro de 2002, a Sr.ª Ministra da Justiça declinou qualquer responsabilidade própria na demissão da Dr.ª Maria José Morgado, considerando esse facto absolutamente normal: "O Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, que continua a ter a confiança política do Sr. Primeiro-Ministro, da Ministra da Justiça e do Governo em geral, entendeu propor à Ministra da Justiça o pedido de demissão de uma Directora Nacional Adjunta. Nada mais normal, meus senhores" (acta da reunião pública de 4 de Setembro de 2002).
28 - Na reunião ocorrida na mesma Comissão, em 24 de Outubro, a Sr.ª Ministra manteve a mesma posição, afirmando que foi a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta "quem, por motu proprio, por razões que só a ela dizem respeito, no dia seguinte à ocorrência dos factos, confirmou ter sido ela a apresentar a sua demissão".
29 - Iniciado o inquérito parlamentar ficou a Comissão confrontada com duas versões absolutamente contraditórias quanto às causas da demissão da Dr.ª Maria José Morgado. A questão está em apurar se essa demissão foi tomada por sua exclusiva iniciativa, livre de quaisquer pressões exercidas pelo Governo ou pelo Director Nacional da Polícia Judiciária, ou se, pelo contrário, resultou de pressões ou de qualquer iniciativa concreta que tenha sido feita com o objectivo de a provocar. Importante para esse apuramento é a questão de saber se, antes da demissão da Dr.ª Maria José Morgado, teriam sido efectuadas quaisquer diligências ou contactos visando a sua substituição no cargo que exercia.
30 - Procurou, assim, a Comissão de Inquérito apurar da veracidade de imputações quanto a uma eventual vontade manifestada pela Sr.ª Ministra da Justiça de que a Dr.ª Maria José Morgado fosse afastada do seu cargo e quanto a eventuais contactos junto de várias personalidades, visando a sua substituição, antes da apresentação do seu pedido de demissão. Ouvida na 1.ª Comissão, a Dr.ª Maria José Morgado afirmou ser um "facto notório" e do seu conhecimento que "não seria uma pessoa desejável naquelas funções".
31 - A esse respeito, para além da afirmação feita pelo Dr. Pedro da Cunha Lopes, em reunião pública da 1.ª Comissão, de que teria sido convidado para a Direcção da DCICCEF pelo Dr. Adelino Salvado, "dizendo que a Sr.ª Ministra não veria com bons olhos a permanência da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado à frente da DCICCEF" (página 26 da acta da reunião pública de 11 de Setembro de 2002), cuja apreciação de veracidade constará de outra parte do presente relato, foram indicados à Comissão os nomes de várias personalidades que, pelo seu envolvimento ou conhecimento directo das situações em causa, poderiam contribuir decisivamente para o esclarecimento da verdade.
32 - Assim, a fim de esclarecer várias questões que foram suscitadas, foi requerida por Deputados do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda a audição do Sr. Dr. Luís Bonina (ex-Director Nacional da Polícia Judiciária), do Dr. Rui do Carmo (Sub-Director do Centro de Estudos Judiciários) e do Sr. Procurador Geral da República. Todos esses requerimentos foram recusados pelos Deputados da maioria.
33 - Não tendo sido possível aprofundar as averiguações quanto a este ponto relativo à eventual premeditação por parte da Sr.ª Ministra e/ou do Sr. Director Nacional da PJ quanto à demissão da Dr.ª Maria José Morgado, a Comissão apurou, no entanto, através da consulta de uma colecção de comunicados públicos da Directoria Nacional da PJ que lhe foram facultados, que existe um comunicado, não datado, mas que se insere na ordem cronológica de apresentação dos documentos como referente ao dia 27 de Agosto (o próprio dia da apresentação dessa demissão), através do qual a Directoria Nacional da PJ informa ter dado entrada um documento, "remetido via fax, de cujo teor inequivocamente se depreende que a Ex.ma Sr.ª Procuradora Geral Adjunta Dr.ª Maria José Morgado pede a cessação da comissão de serviço que vinha exercendo na qualidade de Directora Nacional Adjunta na Direcção Central de Investigação da Corrupção e da Criminalidade Económica e Financeira." Mais: consta do comunicado "que o Director Nacional já propôs a S. Ex.ª a Ministra da Justiça as respectivas substituições" (o texto surge no plural, na medida em que o mesmo comunicado também se refere à demissão do Dr. Pedro da Cunha Lopes).
34 - Ou seja, no mesmo dia (27 de Agosto) em que a Dr.ª Maria José Morgado apresentou por fax a sua demissão, o Sr. Director Nacional propôs a sua substituição pelo

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Sr. Procurador Adjunto, Dr. Albano Morais Pinto. E no dia 28 de Agosto, data em que a Sr.ª Ministra da Justiça aceitou essa demissão, foram emitidos despachos publicados em Diário da República contendo, respectivamente, a cessação da comissão de serviço da Dr.ª Maria José Morgado e a nomeação do seu substituto, Dr. Albano Morais Pinto, o que foi, aliás, noticiado nesse mesmo dia em comunicado da Directoria da Polícia Judiciária, noticiado na imprensa em 29 de Agosto.
35 - A Comissão não conseguiu apurar em que circunstâncias foi solicitado e obtido o parecer do Conselho Superior do Ministério Público, legalmente obrigatório para a nomeação do Sr. Procurador Adjunto, Dr. Albano Morais Pinto, e expressamente referido no despacho da sua nomeação.
36 - Pelo exposto, independentemente das versões diferenciadas acerca das circunstâncias da demissão da Dr.ª Maria José Morgado e da sua eventual premeditação, é um facto absolutamente provado que no curto espaço de tempo compreendido entre os dias 27 e 28 de Agosto se processaram os seguintes factos: em 27 de Agosto o pedido de demissão foi enviado da Ericeira, foi recebido na Polícia Judiciária, foi confirmada a sua autenticidade, foi enviado à Sr.ª Ministra da Justiça, e foi proposto pelo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária um novo titular para o cargo. Em 28 de Agosto o pedido de demissão da Dr.ª Maria José Morgado foi aceite pela Sr.ª Ministra e foi nomeado em sua substituição o Dr. Albano Morais Pinto, tendo sido entretanto solicitado e obtido parecer favorável do Conselho Superior do Ministério Público.
37 - Quanto à causa mais próxima da demissão - e susceptível de explicar sua ocorrência em plenas férias e em circunstâncias reconhecidamente insólitas, designadamente quanta ao meio utilizado -, ficou provada a existência de uma comunicação telefónica efectuada na manhã do próprio dia da demissão (27 de Agosto) pelo Director Nacional da Polícia Judiciária para a Dr.ª Maria José Morgado que se encontrava em férias. Foi, no entanto, a Comissão de Inquérito confrontada com versões contraditórias quanto ao conteúdo de tal telefonema e, sobretudo, quanto à questão de saber se, e até que ponto, esse telefonema determinou o súbito pedido de demissão da Directora Nacional Adjunta.
38 - Em face do carácter contraditório das versões a que a Comissão teve acesso quanto ao conteúdo do telefonema, foi requerida a audição de uma personalidade que estaria em condições de permitir algum esclarecimento sobre as circunstâncias que rodearam a recepção dessa chamada telefónica.
Tal audição foi recusada por maioria.
39 - De igual modo, foi recusada por maioria a proposta apresentada por Deputados do Partido Socialista de que se realizasse uma acareação entre o Dr. Adelino Salvado e a Dr.ª Maria José Morgado, tendo em conta as "contradições insanáveis" resultantes de ambos os depoimentos.
40 - Questão que a Comissão procurou apurar foi a de saber se teria existido da parte do Director Nacional da PJ alguma intromissão na condução de processos cuja investigação estivesse a cargo da Direcção chefiada pela Dr.ª Maria José Morgado, na sua ausência, e que tivessem representado alguma desautorização desta Directora Adjunta ou que tivessem determinado alguma alteração nas prioridades de investigação estabelecidas por si. Tratava-se também de averiguar, caso tais intromissões se comprovassem, qual a sua influência na demissão da Dr.ª Maria José Morgado.
41 - Na reunião pública efectuada na 1.ª Comissão em 11 de Setembro de 2002 a Dr.ª Maria José Morgado invocou o segredo profissional para não se referir a pedidos de informações sobre processos. Mas afirmou que "numa direcção central estão definidas prioridades no terreno, de acordo com as análises feitas das tipologias do crime e da celeridade em preservar e conservar as provas, e todos os pedidos de intervenção, todos os pedidos de informação devem previamente informar-se e inteirar-se dessas prioridades e da sua razão de ser". E concluiu: "Mais não posso dizer por segredo profissional".
42 - Também a este respeito os depoimentos ouvidos na Comissão d, Inquérito veicularam versões discrepantes. Assim, foi requerido pelos Deputados do PCP que fosse solicitada à Polícia Judiciária o envio de certidão de onde constasse a data da instauração de um determinado inquérito relacionado com infracções fiscais, e, na hipótese de existirem quaisquer despachos ou pedidos de informação, mesmo que verbais, do Dr. Adelino Salvado, bem como de onde constassem quaisquer respostas a pedidos formulados no mês de Agosto passado, com a indicação da data dos mesmos. Tal requerimento foi recusado pelos Deputados da maioria, o mesmo tendo acontecido com o requerimento formulado pelos mesmos Deputados de audição do Inspector a quem alegadamente terão sido feitos tais pedidos de informação. A Comissão viu-se assim impedida de aprofundar este assunto e de chegar a uma conclusão definitiva.
43 - Uma outra questão relevante para a apreciação das circunstâncias da demissão da Dr.ª Maria José Morgado diz respeito ao julgamento do processo da Universidade Moderna, em curso no Tribunal de Monsanto. Como foi tornado público, o Director Nacional da Polícia Judiciária determinou a cessação de acompanhamento desse julgamento por qualquer elemento da Polícia Judiciária, o que foi comunicado à respectiva brigada pela Dr.ª Maria José Morgado.
Em torno desta questão gerou-se grande perplexidade na opinião pública, devido a várias imputações que foram postas a circular. Com efeito, pode ler-se em artigo publicada no jornal A Capital em 8 de Novembro de 2002, assinado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, mas que não integrou a Comissão Parlamentar de Inquérito, que "segundo a comunicação social, a magistrada demitida da Directora de Departamento da Polícia Judiciária terá destacado, ilegalmente, para assistirem ao julgamento da Moderna (em vez de estarem a trabalhar na investigação) agentes da Polícia Judiciária, alguns deles testemunhas de acusação naquele processo, o que pode configurar o crime de prevaricação, situação a que se pôs termo por intervenção do Director da Polícia Judiciária." E concluía o Sr. Deputado articulista tratar-se de "uma interessante conclusão da Comissão de Inquérito".
44 - Sobre esta matéria, e de forma a averiguar da veracidade de tão graves imputações e de saber em que termos se terá eventualmente processado a intervenção do Director Nacional da Polícia Judiciária, e a instâncias de

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quem, os Deputados do Partido Socialista membros da Comissão de Inquérito requereram formalmente a audição dos elementos da brigada da Polícia Judiciária "a quem a Dr.ª Maria José Morgado, no dia 16 de Julho, transmitiu a instrução verbal do Director Nacional da PJ de cessação do acompanhamento do julgamento de Monsanto", bem como do magistrado do Ministério Público interveniente no processo.
Porém, os Deputados da maioria recusaram todos estes requerimentos, não tendo sido possível à Comissão averiguar a veracidade dos factos imputados.
45 - Cumpre anotar, porém, que, já depois de encerrados os trabalhos do inquérito, em 20 de Novembro de 2002, foi noticiado um despacho emitido pelo presidente do tribunal colectivo que julga o processo relativo à Universidade Moderna esclarecendo que nenhum dos agentes da PJ arrolados como testemunhas do processo Moderna entrou nas instalações do Tribunal de Monsanto no decorrer do julgamento, corroborando assim e certificando o desmentido que havia já sido feito publicamente pelos próprios visados, pelo Procurador Manuel Dores e pelo Presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal.
46 - Uma outra ordem de questões que cumpre referir neste relato por ter sido incidentalmente abordada no âmbito do inquérito parlamentar diz respeito à prática de eventuais escutas ilegais por parte da Polícia Judiciária. A questão surgiu na opinião pública por via de notícias publicadas no semanário Independente do dia 13 de Setembro de 2002 que imputava a "fontes próximas do Director Nacional da Polícia Judiciária" a acusação de que alguns departamentos dessa Polícia teriam efectuado escutas ilegais. Em abono da veracidade dessas notícias, esse semanário invocava o depoimento prestado pelo Dr. Adelino Salvado perante a 1.ª Comissão no dia 11 de Setembro.
47 - Nessa reunião, aberta à comunicação social, o Sr. Director Nacional da PJ anunciou a criação, em sede de lei orgânica, de um departamento central de prevenção e apoio tecnológico com o objectivo de concentrar o que existe "disperso" por toda a Polícia Judiciária. E que, segundo afirmou, "cada departamento tem as suas unidades de vigilância", e consequentemente "não se sabe muito bem se se está a respeitar a lei porque não há um responsável, uma estrutura coordenada central que domine toda esta matéria". E acrescentou o Sr. Director Nacional, dirigindo-se a um Deputado, que "V. Ex.ª pode estar a ser filmado, pode estar a ser escutado, pode estar a ser violado na sua liberdade individual porque, depois, a responsabilidade está dispersa, tal aconteceu não se sabe bem como".
48 - Na sequência dessas afirmações e das notícias que se lhes seguiram, cumpre registar que em 17 de Setembro (seis dias depois da reunião da 1.ª Comissão e quatro dias depois da publicação das notícias pelo semanário Independente) foi emitido um comunicado da Directoria da Polícia Judiciária, constante do acervo documental a que a Comissão teve acesso, no qual se afirma "objectiva e inequivocamente" que no seio da Polícia Judiciária as condições técnicas que viabilizam as intercepções telefónicas, de um lado, e as regras e procedimentos internamente em vigor, de outro, permitem, sem margem para dúvidas, afastar qualquer hipótese de realização das chamadas "escutas" fora das exigências e procedimentos legais, e se reafirma que "ponderando o contexto legal e o quadro em que se executam as mencionadas operações não é possível, objectivamente, que qualquer funcionário da Polícia Judiciária, seja ele quem for e em circunstância alguma, actue em violação das regras legais vigentes."

IV
Averiguação sobre as escolhas estratégicas no combate ao crime económico e à corrupção

49 - Pretendendo averiguar as condições de intervenção do Ministério da Justiça nas demissões de responsáveis da Polícia Judiciária, a Comissão de Inquérito tinha igualmente o dever de esclarecer os rumos estratégicos do combate ao crime económico e à corrupção em Portugal. Sobre essa matéria, tinham anteriormente sido ouvidos em reunião da Comissão de Assuntos Parlamentares a Ministra da Justiça, o Director Nacional da PJ e a Dr.ª Maria José Morgado, que prestaram igualmente depoimento na Comissão de Inquérito.
50 - Por deliberação da maioria da Comissão de Inquérito, foi rejeitada a audição de diversos outros responsáveis ou ex-responsáveis da PJ, e ainda de outras personalidades que poderiam ter contribuído para o esclarecimento das opções estratégicas. Os Deputados que subscrevem estas conclusões opuseram-se então à atitude da maioria que determinou a rejeição destas audições, e consideram que os trabalhos da Comissão foram prejudicados desta forma. Tratando-se de matéria de extrema sensibilidade, a averiguação sobre os fundamentos das possíveis escolhas estratégicas exigia a audição de diversas personalidades, cujos depoimentos permitissem avaliar as experiências de outras unidades de combate ao crime, europeias ou outras. A Comissão foi impossibilitada de proceder dessa forma.
51 - No que diz respeito ao combate ao crime económico e à corrupção, os Deputados foram confrontados com divergências entre as estratégias e modelos de organização defendidos pelo Ministra da Justiça e pelo Director Nacional da Polícia Judiciária, por um lado, e os apresentados pela ex-Directora Adjunta da PJ, Dr.ª Maria José Morgado, por outro.
52 - O Director Nacional da PJ explicou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que não tinha nenhum projecto estratégico para a PJ quando foi convidado para assumir a sua direcção. Assim, "quando chego à Polícia Judiciária, não levava estratégia - e critiquem-me, crucifiquem-me, por não ter um projecto para a Polícia Judiciária, no dia em que aceitei o convite! Creio que seria uma arrogância minha, andar a fazer estratégias de instituições para as quais nunca vislumbrei ser dirigente. Mas outras pessoas haverá que têm essas certezas no bolso. Eu não tinha! Confesso, mea culpa! Confesso, não tinha, como eu digo, essa estratégia para a Polícia Judiciária" (11 de Setembro de 2002). Na mesma ocasião explicou, no entanto, que o Primeiro-Ministro o tinha ouvido a respeito da sua "visão" da PJ, o que se presume referir-se a uma apreciação geral do trabalho da instituição, mas não à sua estratégia: "A primeira vez que encontrei o actual Sr. Primeiro-Ministro foi quando ele me recebeu na sequência do convite para ter uma conversa comigo no sentido de apurar qual era a minha visão da Polícia Judiciária, qual

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em termos da Polícia Judiciária o valor que ela teria no espaço do combate à criminalidade, e foi à primeira vez que o vi" (depoimento na mesma data).
53 - No entanto, nas primeiras semanas depois da sua tomada de posse, o Director Nacional definiu um projecto de reestruturação da orgânica da PJ, com particular incidência em modificações fundamentais na estrutura e delimitação de responsabilidades no âmbito do combate aos crimes económicos.
54 - A reestruturação proposta pelo Director Nacional da PJ abrangia a criação de duas secções centrais a que recorreriam as direcções centrais:

a) A unidade de prevenção e apoio tecnológico;
b) A unidade de informação financeira.

55 - A criação da secção central que se ocupará da "informação financeira" é fundamentada, nas palavras do Director, em depoimento à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a 11 de Setembro de 2002, como uma questão de eficácia e credibilidade: "Os dois departamentos que se pretendem criar não são mais do que uma maneira de introduzir eficácia, credibilidade e fiabilidade na investigação policial". No entanto, o Director nunca se referiu a qualquer razão para supor que a DCICCEF ou outro organismo da PJ tivesse falta de eficácia ou de credibilidade.
56 - O Director Nacional deixou ainda claro que esta nova secção procederia a uma concentração de meios, retirando capacidades das direcções centrais: "Procedemos ao reforço da regulamentação e optimização da recolha de informação a fazer no âmbito do sistema integrado de informação criminal, com uma implementação de uma clara estratégia que nos refere à propriedade e gestão dos meios que suportam o sistema" (idem).
57 - Esta concentração de meios foi apresentada pelo Director como a estratégia adequada para responder à tipologia dos crimes económicos mais importantes da actualidade. "Também se procedeu ao aperfeiçoamento técnico e de meios com vista a um efectivo e mais eficaz combate às novas formas de criminalidade transnacional e às organizações que exploram correntes migratórias e económicas: Neste sentido, foram constituídos grupos de trabalho interno, englobando profissionais, inspectores, coordenadores, a própria direcção que está co-ligada a mim próprio na direcção nacional. Assim, propusemos, estudámos alterações às disposições da Lei Orgânica da Polícia Judiciária relativas a competências, de forma a alargá-las no sentido de abranger toda a fenomenologia do crime organizado, do crime transnacional, já que não faz sentido repartir por várias instituições o combate a este tipo de crime. Tal combate deverá estar centralizado porque, hoje, a criminalidade organizada tem a vertente da droga, a vertente do tráfico de pessoas, a vertente do tráfico de armas. Ou seja, da parte do crime organizado, existem hoje multinacionais especializadas que abrangem vários departamentos" (idem).
58 - Apesar desta abrangência, de facto a "unidade de informação financeira" estaria centrada no combate ao crime do branqueamento: "O que se pretende, então, com esta unidade de informação financeira? Pretende-se, finalmente, combater o crime de branqueamento" (idem).
59 - A unidade de informação financeira dará corpo, segundo o Director Nacional, à colaboração da PJ com outras instituições envolvidas no combate à criminalidade económica: "Portanto, se for aceite a proposta que referi, esta unidade de informação financeira vai ter como configuração central a existência de um protocolo que levará à conjugação, pela primeira vez, da Direcção-Geral de Impostos (DGCI) com a Direcção-Geral de Alfândegas, as quais, nesta unidade, passarão a estar entrosadas com a Polícia Judiciária, por forma a haver uma informação real, em tempo real, que, depois de estarem coligidos os dados necessários colhidos por analistas daquelas duas instituições e da Polícia Judiciária, permita que seja feito o cruzamento de dados e que sejam chamados a colaborar neste fornecimento de elementos o Banco de Portugal, a Bolsa e outras entidades por onde giram os capitais" (idem).
60 - Nestes termos, a DCICCEF, que tem tido a responsabilidade na condução da investigação dos crimes económicos, passaria a receber informação desta "unidade" e a proceder a actividades operacionais assim determinadas. Como refere explicitamente o Director: "Portanto, pretende-se coordenar a informação, analisá-la e criar esta unidade de inteligência e, obviamente, digo "inteligência" no sentido anglo-saxónico - na qual se procederá à coordenação da apreciação da indiciação que, depois, será transmitida aos departamentos operacionais, prioritariamente, no caso da Polícia Judiciária, à DCICCEF, porque é a direcção central de combate a este tipo de criminalidade, nomeadamente também quanto ao branqueamento" (idem).
61 - Em consequência, o esvaziamento das competências da DCICCEF provocou reacções dos seus responsáveis, tendo-se o Director Nacional referido a tais divergências com muita clareza: "Agora, dizem-me que eu deixei cair a DCICCEF? A única coisa que eu pretendo - e aí é que existe o choque de visões entre duas pessoas, que é de visões estratégicas e funcionais...". E ainda mais claramente: "Há duas visões que se chocam. Correcto: há duas maneiras de ver as coisas" (idem).
62 - Mais ainda: o Director apresentou esta questão como conduzindo a uma divergência com a Directora-Adjunta, Dr.ª Maria José Morgado: "Quando eu quero pôr isto tudo concentrado, responsabilizado e funcionalizar pessoas, isto é, especializá-las na análise do crime económico e do branqueamento, pode haver alguém que diga que este não é o princípio adequado para combater a criminalidade económica, pode haver alguém que diga isto tem de estar tudo na DCICCEF. É uma visão. Respeito-a, porque tenho de respeitar pessoas que trabalham, e, no caso da Dr.ª Maria José, Procuradora-Geral Adjunta, respeito-a como pessoa que trabalha, e trabalha muito, sempre trabalhou e é empenhada" (idem).
63 - A Ministra da Justiça corroborou esta estratégia de concentração de meios e de alteração das competências da DCICCEF: "Também no domínio do sistema integrado de informação criminal estão a ser tomadas medidas operativas e no terreno para que o conjunto das informações das diversas instituições que lidam com este tipo de criminalidade, que conhecem este tipo de criminalidade, que desvendam este tipo de criminalidade e que têm informação sobre este tipo de criminalidade possa ser, de uma forma global e harmoniosa, utilizada pela Polícia Judiciária" (depoimento a 4 de Setembro de 2002 perante a Comissão

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de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias). E, ainda no seu depoimento seguinte, a Ministra reiterava que: "Nesse sentido, a nova Lei Orgânica prevê a criação de uma unidade de informação financeira, que tem apenas por objectivo recolher, analisar e tratar informação relevante para colocar à disposição das diversas direcções centrais de forma a habilitá-las melhor a prosseguir, em tempo útil e de forma eficaz, o combate a este tipo de crimes" (depoimento a 24 de Outubro de 2002 perante a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias).
64 - A ex-Directora Adjunta criticou os fundamentos deste opção estratégica, perguntando à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias se se tratava de um avanço ou, pelo contrário, de um recuo nas capacidades de combate ao crime económico: "Não podendo ser exaustiva, nem sendo esta a sede própria para avaliação das acções da Polícia Judiciária DCICCEF, não posso deixar de colocar as grandes questões de fundo, das quais resultará a pergunta, porventura dramática: tudo isto representará um progresso ou um recuo na luta contra a criminalidade económica e financeira organizada e transnacional?" (depoimento a 11 de Setembro de 2002).
65 - Mais ainda: a Dr.ª Maria José Morgado depôs no sentido de que este novo modelo não teria sido discutido nos organismos adequados: "Não tive grandes oportunidades de discutir estas grandes questões com o Sr. Director Nacional", e "não houve, na Polícia Judiciária, nestes três meses, discussões de fundo a esse respeito". Tal ausência terá conduzido a uma crispação, nomeadamente com "a perda progressiva da minha capacidade de prosseguir com este modelo e numa fase preliminar desta direcção isso não sucedeu. Posso até situá-la no tempo, pois terá sido a partir de meados de Junho, mas não posso entrar em pormenores, em virtude do sigilo profissional" (idem).
66 - As razões das discordâncias estratégicas são evidentes no depoimento da ex-Directora Adjunta, que defende a continuidade do modelo adoptado pelo anterior Director Nacional, Dr. Luís Bonina, "em que as direcções centrais desenvolviam um trabalho de luta contra a criminalidade organizada, com coordenação e centralização nacional da informação, coordenação que não excluía o desenvolvimento das investigações ao nível dos serviços regionais" (idem). De referir que a audição do Dr. Luís Bonina foi impedida por voto da maioria da Comissão de Inquérito.
67 - Assim, a ex-Directora Adjunta apresentou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias um documento em que apreciava o balanço dos trabalhos desenvolvidos pela DCICCEF em coerência com a estratégia então definida, delimitando as prioridades, os métodos de trabalho e os objectivos:

a) "Prioridades de investigação definidas: a corrupção grave e organizada, em ligação com a fraude ao IVA e aos impostos especiais sobre o consumo (IEC); o combate à fraude internacional, nomeadamente no âmbito dos cartões de crédito e meios de pagamento electrónicos; a fraude nas telecomunicações; a pedofilia na internet; as fraudes organizadas na saúde; o desmantelamento dos grupos criminosos organizados com buscas e detenções nas situações graves";
b) "Métodos de trabalho definidos: a celeridade, a pró-actividade, a multidisciplinaridade, a ligação estreita com o Ministério Público e os juizes de instrução criminal e evitar o efeito do Fundo Social Europeu de arrastamento processual interminável";
c) "Fim: fazer justiça em tempo útil, reduzir a desigualdade no tratamento da justiça no crime de colarinho branco, o crime dos poderosos, e reduzir a distância entre a consumação do crime e o julgamento! Resultado: deste modo, um pequeno grupo de investigadores obteve uma viragem no combate ao crime económico organizado, nele incluindo a corrupção e o branqueamento de capitais. Em menos de um ano foi possível submeter a julgamento fraudes gravíssimas e de elevada complexidade "investigatória". Os resultados galvanizaram os investigadores, motivaram-nos, deram prestígio à Policia Judiciária, aos tribunais, ao Ministério Público. Havia aqui uma mudança de atitude" (idem).
68 - Segundo o depoimento da Dr.ª Maria José Morgado, a centralização da investigação numa direcção especializada é decisiva para a obtenção de resultados, dada a natureza da delinquência em causa: "Este preceito é estruturante para a avaliação das acções prosseguidas, porque a especialização e a independência são condições decisivas para a luta contra a corrupção e a macrodeliquência financeira, são condições de eficácia e de operacionalidade. Têm uma linguagem externa, política, que é o apoio e definição do combate à criminalidade económica-financeira como prioridade política, a definição dos mecanismos legais necessários, e tem uma linguagem interna funcional, hierárquica, que é o apoio inequívoco do director nacional às prioridades e métodos definidos e seguidos. Foi esse apoio que, internamente e funcionalmente, a partir de determinada altura, deixei de sentir; foi esse apoio que, externamente, nunca senti da Sr.ª Ministra da Justiça actual" (idem).
69 - No mesmo depoimento, a ex-Directora Adjunta insistiu na apreciação da natureza da criminalidade a ser investigada e combatida: "é uma macrodelinquência sem fronteiras, organizada, mutante e inovadora, agressiva, que utiliza as novas tecnologias da informação, que explora as diferenças de legislação entre os Estados, que utiliza a corrupção como arma principal para atingir os seus fins, o lucro ilícito e o poder, com graves danos para a estabilidade económica e democrática das instituições.
É uma criminalidade organizada nas suas diferentes formas, que vai desde o crime económico ao terrorismo à cibercriminalidade e não tem fronteiras, a utilização de vários filtros que contribuem para a impunidade, o carácter velado e indirecto das condutas, a forma empresarial utilizada, a utilização de empresas-ecrãs, o abuso dos paraísos fiscais e off-shores, os circuitos financeiros anónimos, e rápidos, a não existência de vítima, a opacidade das condutas a investigar" (idem).
70 - Por outro lado, a fragilidade do sistema judicial face à evolução dos métodos da criminalidade económica

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foi sublinhada pela ex-Directora Adjunta, constatando "do lado dos tribunais, a debilidade do sistema judicial tradicional, o distanciamento temporal das acusações e das condenações. O crime económico e os sistemas penais apresentam características antagónicas: a criminalidade económica organizada é rápida, informal, criativa, mutante, global, mas os sistemas penais são lentos, formais e burocráticos. Há aqui um desfasamento a vencer diária e constantemente" (idem).
71 - A Dr.ª Maria José Morgado, na sequência da apresentação da sua visão estratégica acerca da condução do combate ao crime económico, apresentou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias um quadro de definição de prioridades, que correspondia ao modelo que vinha sendo desenvolvido, a partir de "Princípios orientadores de acção definidos: em primeiro lugar (um método que era caro aos investigadores), acentuar a aproximação pró-activa à criminalidade económico-financeira organizada transnacional; a especialização; a cooperação com especialização pericial; a investigação criminal integrada com interligação dos fenómenos, combatendo a estanquicidade das investigações; a multidisciplinaridade; a existência de brigadas mistas com a brigada fiscal, com a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, com a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, etc.; a cooperação interna; a cooperação judicial; a cooperação externa internacional; a concentração e tratamento da informação; a articulação entre a prevenção e a investigação; a prevenção dirigida ao público - a DCICCEF pôs nas páginas da internet, que hoje podem ser lidas por todas as pessoas, textos sobre a defesa da integridade do euros, sobre as Cartas da Nigéria, sobre o crime informático; a centralização do combate à pedofilia na internet na unidade especializada do crime informático, de acordo com a decisão do conselho de 28 de Maio de 2000; a criação de sistemas de luta antifraude globais; a detecção e apreensão dos proventos do crime; o reforço permanente da cooperação judicial e policial" (idem).
72 - Este modelo de intervenção correspondia a uma estrutura, que era a que vinha sendo seguida pela PJ: "Quanto às direcções centrais, alguém com muitos anos de Polícia Judiciária me disse que, se não fossem as direcções centrais, a Polícia Judiciária já não existia. As direcções centrais representam uma forma de concentração, de coordenação e de resposta célere e eficaz à criminalidade transnacional, não há outra maneira de o fazer" (idem).
73 - A ex-Directora Adjunta, no mesmo depoimento perante a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, apresentou as suas razões para uma abordagem mais geral do que a proposta pelo projecto de protocolo entre a PJ e outros organismos públicos: "Em relação a questões que são públicas, nomeadamente o protocolo de cooperação entre a Polícia Judiciária, a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas, a minha opinião é que é um protocolo que não tem em conta todo os crimes de catálogo subjacentes ao branqueamento. Não considera a fraude financeira, internacional, organizada de acordo com as recomendações da OLAF e o Livro Verde do Procurador Europeu, de acordo com as tipologias, a definição das tipologias de fraude, tal como estavam a ser caracterizadas pelas pessoas que estão no terreno, isto é, pelos investigadores da Polícia Judiciária e pelos peritos da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e das Alfândegas. Chamo a atenção que decorriam trabalhos no âmbito da UCLEFA nesta matéria; é um protocolo que não tem em conta a necessidade de harmonizar a legislação, a Lei de Organização da Investigação Criminal e o regime geral das infracções tributárias e que, portanto, em vez de harmonizar pode criar ainda mais conflitos de competência; é um protocolo que não tem em conta os trabalhos da UCLEFA, está bem o acesso às bases de dados, é uma reivindicação antiga dos investigadores, mas acesso tecnocrático desligado das tipologias, da definição de quais são, neste momento, ao nível da fraude financeira organizada internacional, as tipologias e as áreas de ataque; de que forma é que a legislação se deve tornar impermeável a esses problemas. Quais são? Contrabando de álcool? De tabaco? Que eu saiba, nada disto esteve subjacente ao estudo deste protocolo e uma lição do 11 de Setembro é também que a informação reunida de forma tecnocrática não serve para nada" (idem).
74 - Deste modo, a Dr.ª Maria José Morgado concluía a estrutura que permitisse a concentração simultânea de funções especializadas de investigação e de operação, como tem ocorrido na DCICCEF, se deveria manter: "A informação tem de passar pela investigação, tem de estar ao serviço da investigação, tem de vir e ir para a investigação, ora isso não contraria a centralização, bem pelo contrário, e a informação deve ser centralizada, coordenada, isto é, deve haver coordenação com especialização" (idem).
75 - As divergências acerca da estratégia e do modelo organizativo para combate à criminalidade económica revestem-se de particular gravidade posto que os diversos depoentes na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias apresentam informações completamente diferentes sobre matéria de facto, os resultados do trabalho da DCICCEF nos meses e anos anteriores. Assim, o Director Nacional indica que teria havido um único caso de branqueamento condenado em tribunal nos últimos dois anos (depoimento de 11 de Setembro de 2002). Mais ainda: sobre o combate à corrupção, declara que tem vindo a reduzir-se a eficácia da intervenção da PJ: "Pergunto: V. Ex.ª têm conhecimento seguro de quais são os índices relativos ao combate à corrupção? Sabem que, relativamente ao ano passado, os índices são piores do que os relativos a 1997? Onde é que está o progresso? Os números não mentem, são frios" (idem).
76 - A Ministra da Justiça, no entanto, tinha indicado outras estatísticas, estas globais, declarando à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias em 4 de Setembro de 2002 que em 1997 tinham sido julgados 52 processos, envolvendo 67 arguidos e conduzindo a 46 condenações, enquanto que em 2001 teriam sido julgados 50 casos, com 69 arguidos e 39 condenações.
77 - A Dr.ª Maria José Morgado apresentou dados mais recentes, tendo também remetido os Deputados para o anterior relatório anual da DCICCEF, que, no entanto, não veio a ser disponibilizado, e declarando em 11 de Setembro de 2002 na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que o total de buscas realizadas

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entre Janeiro e Junho de 2002 teria sido de 323, o total de detenções, de 75, o total de inquiridos ou interrogados, de 3251 pessoas.
Por outro lado, os resultados do trabalho do DCICCEF são hoje do conhecimento público, através de casos muito mediatizados como os dos barcos da Expo, de Vale e Azevedo, da GNR e outros.
78 - Podem os Deputados signatários concluir, a este respeito, que o Director Nacional da Polícia Judiciária tomou posse sem ter adoptado qualquer estratégia para o seu mandato, mas escolhendo manter a orgânica, a estrutura e a orientação que tinha até então sido seguida, confirmando a Dr.ª Maria José Morgado à frente do DCICCEF. Durante as primeiras semanas ou meses do seu mandato o Director Nacional terá decidido alterar a estratégia e a estrutura da PJ, não tendo, no entanto, havido debate esclarecedor, na Direcção Nacional, a este respeito, nem uma reflexão acerca dos resultados obtidos até então. A apresentação do facto consumado terá sido determinante na deterioração da relação na Direcção Nacional.
79 - No entanto, as escolhas estratégicas para o combate ao crime económico não são estritamente matéria de decisão administrativa de quem se encontre à frente da PJ. Pelo contrário, trata-se de uma importantíssima questão de Estado, que envolve directamente a intervenção da tutela e, mais ainda, responde a compromissos do Estado. Assim, a observância dos compromissos internacionais do Estado português indica a necessidade de criação de organismos especializados no combate ao crime económico, o que decorre da experiência internacional neste domínio. De facto, o artigo 20.º da Convenção Penal contra a Corrupção, assinada por Portugal, estabelece claramente que:
"Cada parte adoptará as medidas que entenda necessárias à especialização de pessoas ou entidades na luta contra a corrupção.
Será concedida a tais pessoas ou entidades a necessária independência, em conformidade com os princípios do sistema jurídico da parte em causa, a fim de que possam exercer as suas funções de forma eficiente e livre de quaisquer pressões ilícitas.
As partes assegurarão ao pessoal das referidas entidades a formação e os recursos financeiros adequados às suas funções."
80 - A formação da secção de informação económica, baseada na cooperação entre a PJ, a DGCT e as alfândegas, foi anunciada pelo Primeiro-Ministro na sua rentrée política, em finais de Agosto. Trata-se de uma unidade, como foi visto, que se ocupa essencialmente de crimes de branqueamento de capitais relacionados com infracções tributárias. No entanto, é de assinalar que, anteriormente a este anúncio, a Secretaria de Estado das Finanças vinha conduzindo um processo de preparação de uma unidade que incluísse igualmente o serviço de anti-fraude tributária, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Brigada Fiscal, as Inspecções do Trabalho e da Segurança Social, prevendo o acesso a bases de dados mas também a cooperação operacional. A redução do âmbito desta investigação pode conduzir a uma perda de informação e arrisca-se a não responder à tipologia actual do crime económico organizado. Por outro lado, o esvaziamento da DCICCEF com a sua dependência desta secção parece ser incompatível com os compromissos internacionais e contraditória com a prossecução dos trabalhos que têm conduzido a resultados notáveis. Pelo contrário, o desenvolvimento da capacidade de cooperação institucional, através de protocolos adequados, mantendo ao mesmo tempo a interligação entre informação e decisão operacional, o que era a base do modelo que tem vindo a ser seguido, responderia às dificuldades identificadas no combate ao crime económico. Os Deputados signatários assinalam, assim, a importância desta viragem na estratégia e modelo organizativo no combate ao crime económico, e manifestam as suas reservas profundas acerca da sua coerência e eficácia.

VI
A conclusão necessária

Respeitando o dever de reserva acerca dos depoimentos prestados perante a Comissão de Inquérito, os Deputados subscritores documentam as suas conclusões, que se seguem, a partir das actas da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, registando que, nesta matéria, as declarações aí prestadas não se afastam das depois apresentadas perante a Comissão de Inquérito,
Foi, em suma, possível apurar:
- A existência de uma reunião de trabalho a 26 de Agosto entre a Sr.ª Ministra Justiça e o Sr. Director Nacional da PJ;
- A verificação do acto de demissão do ex-director da DCCB, Dr. Pedro da Cunha Lopes; nesse dia 26;
- A existência de um telefonema, na manhã do dia 27, de iniciativa do Director Nacional da PJ à Directora Nacional Adjunta Dr.ª Maria José Morgado, relativamente ao qual são irremediavelmente contraditórias as versões das partes;
- A existência do já referido fax de demissão manuscrito, na tarde do dia 27, do qual não consta a invocação de qualquer fundamento para a iniciativa da demissão;
- A imediata comunicação - ainda a 27 - por parte do Director Nacional da PJ à Sr.ª Ministra da Justiça da demissão constante do referido fax - a qual vinha acrescer à decisão de demissão do director da DCCB verificada no dia anterior;
- O despacho de cessação de funções confirmado pela Sr.ª Ministra da Justiça, imediatamente, no dia 28 - tanto num como noutro caso;
- Os despachos de nomeação, igualmente do dia 28, dos dois novos directores nacionais adjunto da PJ para exercer funções na DCCB e DCICCEF;
- A existência de parecer do Conselho Superior do Ministério Público relativo à nomeação do Sr. Procurador Adjunto Albano Morais Pinto;
- Uma segunda carta da Dr.ª Maria José Morgado explicitando os fundamentos da sua demissão, assentes em "questões de estratégia operacional resultantes da organização da DCICCEF", emitida no dia 29, quando todos os actos de demissão e nomeação estavam já inteiramente consumados pela Sr.ª Ministra da Justiça;
- A falsidade de imputações segundo as quais elementos da Polícia Judiciaria arrolados como testemunhas

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de acusação no julgamento do processo da Universidade Moderna teriam estado presentes em audiências de julgamento desse mesmo processo.
- A intervenção do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária junto da Dr.ª Maria José Morgado, e desta junto da respectiva brigada, no sentido de fazer cessar o acompanhamento do julgamento do "caso Moderna" por quaisquer elementos da Polícia Judiciária;
- O desmentido formal da directoria da Polícia Judiciária de que algum departamento ou funcionários desta instituição tenha procedido a qualquer escuta telefónica à margem dos estritos e rigorosos procedimentos legais.
Dúvidas que ressaltam:
Do que com inteira objectividade ficou exposto ressaltam as seguintes dúvidas que os depoimentos colhidos não permitiram clarificar, antes adensar:
- Com explicar a iniciativa de demissão por parte da Dr.ª Maria José Morgado em pleno período de férias e sem qualquer invocação de fundamento?
- Como explicar que o Sr. Director Nacional da PJ, que mantém não ter procedido a qualquer pressão ou sugestão de demissão, se tivesse bastado com o conhecimento de um fax, emitido ad hoc do Centro de Turismo da Ericeira, que não invocava qualquer fundamento para a demissão e, em lugar de proceder a diligências institucionais de clarificação integral da (supostamente) inusitada iniciativa, antes se tenha apressado a dar do facto conhecimento para imediato procedimento da Sr.ª Ministra da Justiça?
- Como explicar que a Sr.ª Ministra da Justiça, a quem, nos termos da lei, compete em exclusividade exonerar (com devida fundamentação, por obrigação legal), afinal tenha determinado a cessação da comissão de serviço sem conhecimento formal dos fundamentos da iniciativa de demissão?
- Valeram as explicações pessoais do Sr. DNPJ? Mas como poderiam ter estas sido satisfatórias se o mesmo nega ter tido qualquer responsabilidade na demissão da Dr.ª Maria José Morgado e esta, ao momento (dia 28), não havia sequer ainda formalizado a justificação fundamentada na sua segunda carta (esta do dia 29)?
- Como compreender também que - como resulta das declarações do Sr. Director Nacional da PJ - antes do dia 26 não estivesse premeditada a demissão do Dr. Pedro da Cunha Lopes e, antes do dia 27, a cessação de funções da Dr.ª Maria José Morgado e, imediatamente, no dia 28, tivesse sido possível formalizar a nomeação dos substitutos?
- São tais cargos da PJ (director da DCCB e da DCICCEF), pela elevada responsabilidade que lhes é inerente, compatíveis com decisões relâmpago - tudo no espaço de 24 horas - de convite, nomeação e aceitação sem ponderação bastante quer das implicações das demissões anteriores quer das exigências das soluções e a orientações futuras?
- Se a Sr.ª Ministra da Justiça aceitou a demissão da Dr.ª Maria José Morgado no dia 28 de Agosto e nomeou o seu substituto nesse mesmo dia, quando e como foi solicitado e obtido o necessário parecer favorável do Conselho Superior do Ministério Público?
- Qual a veracidade de considerações sobre o carácter "público e notório" da vontade da Sr.ª Ministra da Justiça em ver a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado afastada do cargo que ocupava na PJ e de alegados convites que teriam sido formulados pelo Sr. Director Nacional com vista à sua substituição?
- Terá o Sr. Director Nacional da PJ efectuado alguma intervenção directa ou solicitado alguma informação acerca de algum processo em investigação no DCICCEF durante a ausência de férias da Directora Nacional Adjunta responsável por essa Direcção Central?
- E em caso afirmativo, que tipo de intervenção?
- Dando como aprovado que nenhum elemento da Polícia Judiciária arrolado como testemunha do caso "Moderna" esteve presente no respectivo julgamento, quais as razões que determinaram a decisão do Sr. Director Nacional de fazer cessar a colaboração da PJ com o Ministério Público no acompanhamento desse processo?
Conclusão necessária:
Ou as demissões derivam de divergências insanáveis em resultado de uma nova orientação estratégica intencionalmente prosseguida para a Polícia Judiciária, e, então, deveriam, com frontalidade, ter sido assumidas e explicadas pela Sr.ª Ministra da Justiça.
Para além de deverem ter constituído o fundamento consciente das duas demissões (cuja explicitação é exigida pela própria Lei Orgânica da PJ) - o que até hoje a Sr.ª Ministra da Justiça não assumiu -, a Ministra limitou-se, no essencial, a justificar as suas decisões remetendo para uma base de confiança política e pessoal no Sr. Director Nacional da PJ, dando, assim, cobertura a todo e quaisquer dos seus actos. Com tal atitude, a Ministra da Justiça não cumpriu as suas responsabilidades de Governo, tanto políticas como legais.
Ou então as demissões resultam de situações inesperadas, imprevistas, não desejadas, e, então, revela-se insustentável a ligeireza como foram concretizadas: por um lado, uma demissão forçada e, por outro, imediatamente aceite a apresentação de outra demissão - logo seguidas de novas nomeações relâmpago.
Manifestamente (se foi o caso) não houve tempo suficiente de ponderação das razões das imediatas roturas anteriores nem de maturação das novas nomeações (cujos convites, aceitações e nomeações oficiais teriam, então, decorrido em não mais do que 24h). Caso em que resulta igualmente insustentável a atitude política da Sr.ª Ministra da Justiça, ao revelar procedimentos cujo grau de precipitação e de inconsequência não pode deixar de afectar, drasticamente, a credibilidade da direcção institucional da PJ, com consequências que só

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podem ser negativas na coesão e eficácia do combate ao crime, particularmente de natureza económica e fiscal.
Nestes termos, os Deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projecto de deliberação:
A Assembleia da República delibera, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 15.º do regime jurídico dos inquéritos parlamentares, autorizar, obtidas as necessárias autorizações legais:
- A publicação integral no Diário da Assembleia da República das actas da Comissão de Inquérito Parlamentar aos actos do XV Governo Constitucional que levaram à demissão de responsáveis pelo combate ao crime económico, financeiro e fiscal três meses depois da sua nomeação.
- A disponibilização imediata das mencionadas actas no portal da Assembleia da República na Internet.

Palácio de São Bento, 4 de Dezembro de 2002. Os Deputados: Alberto Martins (PS) - José Magalhães (PS) - Jorge Lacão (PS) - Eduardo Cabrita (PS) - Odete Santos (PCP) - Francisco Louçã (BE) - Isabel Castro (Os Verdes).

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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