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3751 | II Série A - Número 091 | 06 de Maio de 2003

 

Em 1997, na União Europeia, um em cada quatro casamentos terminava em divórcio, o que representa uma estimativa de 25% para os casais casados nesse ano, contra 14% das uniões conjugais em 1960. Mesmo constituindo menos de metade dos divórcios verificados nos EUA, é intenso o aumento dos divórcios no qual se verifica uma crescente precocidade de ruptura. Em Portugal o número de divórcios não cessa também de aumentar: 12322 em 1995; 13429 em 1996; 14 078 em 1977; 15278 em 1998; 17 881 em 1999; 19 302 em 2000; 19 004 em 2001 e 27 805 em 2002. No ano de 2002 o aumento do número de divórcios, em relação ao ano anterior, atingiu os 46%. Em 1998 em cada 100 divórcios 26 foram litigiosos, em 2001 este número diminuiu para cerca de 12,8 %. À semelhança de outros países, a maior parte dos requerentes do divórcio litigioso são mulheres - 62% em 1998.
Entre 1970 e 1995 em todos os países da União Europeia assistimos a modificações profundas na legislação sobre o divórcio no sentido da sua facilitação, nomeadamente através da redução do tempo da sua declaração, acelerando o processo, e do aligeiramento da intervenção judicial. Estas reformas incidem particularmente no divórcio por mútuo consentimento. Apesar de alguns avanços, o divórcio litigioso permanece, com excepção da Alemanha e Suécia, e de alguns casos na Noruega, enquadrado num regime em que a culpa continua a constituir um elemento importante das condições de divórcio. É o caso de Portugal, em que a requisição do divórcio litigioso está sujeita à violação culposa dos deveres conjugais.
Historicamente, a consagração do divórcio litigioso, fundamentado somente na noção de culpa, constituiu um factor importante na defesa dos direitos dos cônjuges, particularmente das mulheres, na medida em que abrange a violência, a infidelidade, a ausência de respeito, cooperação e assistência e de coabitação por um tempo legalmente fixado.
Entre os anos 60 e 70 parte significativa do divórcio litigioso, requerido particularmente pelas mulheres, fundamentava-se na infidelidade do cônjuge. Tal facto tem de ser lido em relação ao processo de emancipação das mulheres e com a emergência de uma outra perspectiva da conjugalidade. Na realidade, quando o casamento era concebido como uma instituição na qual o interesse patrimonial ou outro secundarizavam o amor, as relações extra-matrimoniais, frequentemente impulsionadas por afectividade, verificavam-se num quadro de bases distintas das que asseguravam o casamento, e por isso, não o feriam. Nos anos 70, em plena época dita de libertação sexual, a infidelidade assume um outro significado e constitui um dos motivos mais frequentes de pedido de divórcio.
Porém, segundo a pesquisa das investigadoras norte-americanas Florence Kaslow e Lita Schwartz sobre o divórcio nos EUA, a partir dos anos 80 a falta de comunicação começa a ultrapassar a causa da infidelidade dos divórcios litigiosos, no qual as mulheres representam cerca de 60% dos requerentes.
Assim, também nos EUA deixa de ser considerada a culpa, à semelhança da Alemanha, Suécia e Noruega.
Na Alemanha, a lei de 14 de Junho de 1976, que modificou o Código Civil, aboliu o divórcio por culpa, prevendo como causa única de divórcio o fracasso do casamento: "Um casamento pode ser dissolvido quando fracassou" (artigo 156, n.º 1.º), entendo-se o fracasso quando já não existe vida em comum e há improbabilidade de poder ser retomada. Em caso de mútuo consentimento, a separação deve durar há pelo menos um ano, mas este período pode ser abreviado se o requerente declarar que o casamento representa "uma duração que não pode exigir de si". No caso de divórcio litigioso a separação deve durar há três anos e exige-se do requerente a exposição de motivos.
Na Suécia a lei de 14 de Maio de 1987 reconhece um único motivo de divórcio, a vontade de um ou dos dois cônjuges de obter o divórcio, não podendo este ser impedido quando um dos cônjuges não o deseja. Não existe nenhum período prévio à declaração de um pedido de divórcio, mas exige-se um prazo de reflexão de seis meses quando só um dos cônjuges requer o divórcio e/ou quando um dos cônjuges tem a cargo um ou vários filhos menores de 16 anos. Findo o prazo de reflexão o pedido de divórcio deve ser de novo requerido. Em qualquer caso, o pedido de divórcio é julgado imediatamente se se trata de pedido de divórcio por mútuo consentimento e não há filhos menores de 16 anos; se os cônjuges vivem em separação de facto há, pelo menos, dois anos, se um dos cônjuges é bígamo ou em certos casos de casamento consanguíneo.
Na Noruega a Lei de 4 de Julho de 1991 consagra o direito ao divórcio para cada cônjuge sem ter de invocar um motivo preciso. Somente a violência e a bigamia foram conservadas como motivos específicos de divórcio, pelo facto da intensificação da primeira. Estabelece-se um ano, como período entre o acto de separação e o pedido do divórcio, findo o qual o divórcio é declarado no prazo de seis a oito semanas. Em caso de ruptura de vida em comum o prazo estabelecido de dois anos pode ser contestado pelo requerente e esta contestação examinada em tribunal. Não existe prazo estabelecido em caso de bigamia e em caso de violência o pedido de divórcio deve ser declarado nos seis meses seguintes ao facto do seu conhecimento, prescrevendo ao fim de dois anos.
A permanência da noção de culpa torna o divórcio litigioso mais intensamente doloroso.
A noção de culpa em que o ónus da prova pertence ao requerente induz situações eticamente enfermas na medida em que obriga à exposição da intimidade e não raramente à provocação e "construção de factos" que constituam prova da violação dos deveres conjugais. Mas o maior problema do divórcio litigioso consiste no facto de não abranger como motivo a vontade inequívoca de um dos cônjuges para a obtenção do divórcio. Enquanto se acentua uma concepção moderna contratualista, fundamentando na afectividade e na vontade individual de cada um dos cônjuges, o divórcio litigioso permanece ignorando a manifestação unilateral da vontade.
Aliás, o próprio conceito de divórcio litigioso comporta em si mesmo uma carga dramática que só contribui para o agudizar e intensificar de conflitos, constitui mais uma aresta ao difícil processo, em termos pessoais, que é o divórcio.
Nenhum casamento é celebrado sem existir uma vontade expressa de ambos os nubentes nesse sentido. Também não faz sentido que se obrigue alguém a manter-se casado ainda que contra a sua vontade, ou a cometer actos masoquistas, para obter o divórcio, como violar um dos deveres conjugais e esperar que o outro cônjuge não lhe perdoe, ou abandonar o lar e viver separado de facto durante um lapso de tempo, e a culminar todo este doloroso e longo processo, a coroa de glória um longo, penoso e devassador divórcio litigioso.

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