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3925 | II Série A - Número 097 | 24 de Maio de 2003

 

10 - Todavia, não devemos igualmente ignorar alguns dos seus efeitos menos positivos, nomeadamente os seguintes: a negligência na contratação do crédito pelo mutuário; o incentivo ao incumprimento; a permeabilidade ao devedor "oportunista"; a sobrecarga do sistema judicial com um novo e complexo tipo de processos; e a ineficácia da reestruturação, em caso de incumprimento do plano.
11 - É por isso que a introdução deste tipo de regimes em qualquer sistema jurídico costuma ser rodeada dos maiores cuidados, sendo usual monitorizar a sua aplicação e avaliar regularmente os seus resultados.
Ajustamentos sucessivos no regime são frequentes. Isso mesmo tem sucedido com a lei francesa, a qual foi antecedida de um longo processo de discussão antes da sua aprovação em 1989, foi alterada em 1995 e 1999, e está de novo em discussão com vista a mais uma alteração.
12 - Assim, o regime agora proposto limita-se, na fase actual, a casos de sobreendividamento passivo, abrangendo situações em que o devedor tem boa fé.
O projecto do PS assenta nos seguintes princípios:
- Celeridade, evitando que uma decisão demasiado tardia se transforme numa não solução, devido ao agravamento da situação do devedor;
- Proximidade, facilitando e desformalizando o acesso e permitindo a participação das partes na decisão;
- Proporcionalidade, adequando os meios e as garantias à gravidade do litígio;
- Subsidariedade, recorrendo ao processo judicial apenas quando não existam outras formas mais simples de se obter uma solução justa e equilibrada. Daí a exigência de mediação prévia obrigatória, por se entender que uma solução negociada tem maior hipótese de ser bem sucedida do que uma solução imposta.
13 - A ideia de economia de meios e recursos na resolução de litígios, hoje transversal a toda a Administração Pública, justifica, ainda, sempre que possível, o aproveitamento de instituições já instaladas em vez de se criarem outras especializadas no tratamento de novos problemas. Por isso se propõe aqui um sistema integrado de mediação prévia obrigatória e de decisão judicial, com funções de homologação ou de recurso, a cargo dos Julgados de Paz.
Mesmo que isso exija a criação de novos Julgados de Paz e a sua capacitação para este efeito, através de uma formação especializada dos seus mediadores, estes tribunais combinam já a mediação com a sentença judicial e permitem uma decisão rápida, assente num processo simplificado.
14 - Aos Julgados de Paz caberá promover, através de mediação ou sentença judicial, a aprovação de um plano de reestruturação do passivo das pessoas singulares. Mas devemos admitir que possam existir situações em que se mostre de todo impossível a elaboração desse plano, particularmente por falta de rendimentos do devedor. Neste caso, após encerramento do processo pelo mediador ou pelo juiz de paz, o devedor pode requerer a declaração de insolvência, com pedido de exoneração do passivo restante, em sede de processo de insolvência a decorrer nos tribunais comuns.
15 - Recomenda-se, por fim, que o modo de funcionamento e os impactos directos ou indirectos do procedimento agora proposto, na sua vertente de prevenção e, em especial, na sua vertente de tratamento do sobreendividamento, sejam rigorosamente avaliados ao fim de um ano da sua entrada em vigor, procedendo-se, se necessário, a eventuais ajustamentos deste regime.
Nestes termos, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Disposições gerais

Artigo 1.º
(Objecto da lei)

1 - A presente lei cria um sistema de prevenção e tratamento do sobreendividamento das pessoas singulares.
2 - A prevenção do sobreendividamento assenta num sistema de informação e aconselhamento especializado.
3 - O tratamento do sobreendividamento é obtido através da reestruturação do passivo das pessoas singulares.

Artigo 2.º
(Noção de sobreendividamento)

1 - Entende-se por sobreendividamento a situação em que uma pessoa singular de boa fé se vê impossibilitada, de forma duradoura ou estrutural, de pagar o conjunto das suas dívidas não profissionais vencidas ou vincendas.
2 - Presumem-se profissionais as dívidas contraídas no exercício da profissão.

Artigo 3.º
(Âmbito pessoal)

1 - Podem recorrer ao sistema criado na presente lei pessoas singulares residentes em Portugal, que, tendo contraído dívidas no território português, se encontrem na situação prevista no artigo 1.º.
2 - Presume-se a boa fé das pessoas cujo sobreendividamento ocorra na sequência de:

a) Desemprego;
b) Emprego temporário ou precário;
c) Incapacidade temporária ou permanente;
d) Separação, divórcio ou falecimento do cônjuge ou equiparado.

3 - O credor de uma pessoa singular pode igualmente recorrer às entidades a quem é reconhecida competência para proceder à de reestruturação do passivo de pessoas singulares sobreendividadas.

Artigo 4.º
(Âmbito material)

1 - No quadro dos mecanismos de reestruturação do passivo previstos no presente diploma, consideram-se abrangidas todas as dívidas de origem não profissional contraídas por pessoas singulares.
2 - Excluem-se as dívidas que decorrem da aplicação de sanções criminais e as alimentares.
3 - Sempre que o valor das dívidas profissionais seja pouco relevante no contexto do endividamento total do sobreendividado, e se não existir oposição formal de nenhum dos credores, o sistema de reestruturação do passivo das pessoas singulares sobreendividadas poderá abrangê-las.