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4072 | II Série A - Número 100 | 05 de Junho de 2003

 

II - Enquadramento e apreciação geral

1 - Com o desenvolvimento das novas tecnologias é inevitável que o tratamento de dados e as fórmulas de controlo no local de trabalho assumam uma natureza diversificada, nomeadamente à custa da introdução sistemática da informática nos processos de controlo, de entradas e saídas, de movimentos no interior da empresa e no processo produtivo, bem como na recolha de múltipla informação sobre o trabalhador. Este, que anseia passar despercebido e ver preservados os seus direitos de personalidade (cf. artigo 16.º, n.º 1, do projecto de Código do Trabalho), pode transformar-se num trabalhador vigiado e "transparente" [Cf. Juan Domínguez e Susana Escanciano - Utilizacián y Control de Datos Laborales Automatizados, 1997, pág. 82] em relação ao qual a máquina se encarregou de registar e transmitir as suas "coordenadas". O controlo já não está exclusivamente direccionado para os resultados da prestação do trabalho, tendo passado a abranger outros aspectos que o empregador pode valorar: o seu comportamento, a forma como executa as tarefas que lhe estão atribuídas (v.g. forma de atendimento de clientes, o entusiasmo que imprime à sua actividade, a eficácia e rapidez de execução das tarefas) ou como se adapta ao trabalho em grupo.
Decorrendo o exercício dos poderes de controlo do próprio contrato, não devem os sistemas assumir carácter ilimitado mas ater-se ao que se revele necessário a aferir o cumprimento do contrato naquilo que se relacione com a melhoria da organização produtiva da empresa. Estes devem ser proporcionados e exercidos de forma racional com o nível de intromissão objectivamente justificado no contexto do contrato, respeitando "um mínimo de serenidade das condições de trabalho (...) e o direito do trabalhador de não ser atingido por estímulos produtivos, exasperantes e usurários"; é que "a dignidade do trabalhador é algo demasiado importante para poder ser posta em causa através de meios de vigilância clandestina" [O. de Tissot - "Pour une analyse juridique du concept de 'dignité' du salarié" in Droit Social, num. 12, 1995, pág. 975] que, nalguns casos, podem vir a comprometer o exercício de alguns dos seus direitos (cf. artigos 16.º e 122.º, alínea a), do Código do Trabalho). Acresce que o controlo sistemático, para além de ser susceptível de comprometer o grau de confiança recíproco que deve caracterizar a relação laboral, pode contribuir para dar a ideia de que o trabalhador não será "responsável e incapaz de se auto-disciplinar" [Lionnel Bochurberg e Sebastian Counuaud - Internet et la vie privée au bureau, Delmas Express, 2001, pág. 21].
2 - Sendo pacífico que não é admissível a renúncia do trabalhador ao exercício dos seus direitos na vigência do contrato de trabalho [Sobre a indisponibilidade dos direitos de natureza pecuniária na vigência do contrato de trabalho veja-se o Ac. do STJ de 12 de Dezembro de 2001. Já quanto à renúncia após a cessação do contrato a mesma será possível (cf. Ac. Relação de Lisboa de 31 de Maio de 1982 in Col. Jur. Ano VII, t. 3, pág. 179)], a legitimidade da entidade empregadora para tratar determinado tipo de dados deve passar, cada vez menos, pelo consentimento ou, mesmo, por disposições de natureza contratual. Efectivamente, se a Constituição da República determina que o tratamento de dados sensíveis só pode ocorrer se estiver fundamentado no consentimento ou resultar de disposição legal (artigo 35.º, n.º 3) - princípio que o artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, retoma - teremos que reconhecer que as operações de tratamento, especialmente quando afectam alguns direitos dos trabalhadores (v.g. a sua intimidade ou privacidade), devem ter como fundamento disposições legais. É neste pressuposto que o Código do Trabalho deve assumir um papel de efectiva regulação de determinados tratamentos em relação aos trabalhadores.
Se é verdade que o contrato de trabalho se caracteriza por uma situação evidente de supremacia da entidade empregadora e que envolve uma relação de dependência do trabalhador - que disponibiliza a sua força de trabalho e vê alguma da sua criatividade, subjectividade e liberdade individual comprimidas no contexto do exercício dos poderes de direcção - torna-se necessário não esquecer que, quando estão em causa direitos, liberdades e garantias, devem ser criados mecanismos de protecção similares àqueles que são adoptados contra o poder do Estado. Admitindo-se que possa haver uma certa interacção entre as relações de trabalho e alguns aspectos da vida privada, há aspectos da vida privada que nada têm a ver com a vida profissional e que é legítimo o trabalhador preservar e defender da curiosidade empresarial. Ao nível da empresa "o empregador deve não só assegurar o segredo da vida privada dos trabalhadores, mas também deve respeitar a liberdade do trabalhador na sua vida privada, isto é, os comportamentos que relevam estritamente da sua vida pessoal" [Sylvain Lefebvre - Nouvelles Technologies et Protection de la Vie Privée en Milieu de Travail en France et au Québec, Centre de Droit Social, 1998; pág.26].
Conforme refere João Caupers [Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 108. Salienta este autor uma situação ocorrida em França em relação à conversão em lei do projecto AUROUX sobre a restauração e alargamento dos direitos dos trabalhadores (pág. 174). A Lei n.º 82-689, de 4 de Agosto de 1982, refere, no relatório do projecto, que "as liberdades públicas devem entrar na empresa dentro dos limites compatíveis com os constrangimentos decorrentes da actividade produtiva", devendo quedar-se fora da lei práticas empresariais como a proibição de falar com os companheiros durante o período de trabalho ou a abertura de correspondência pessoal] "os direitos fundamentais dos trabalhadores são fundamentais na medida em que visam assegurar condições de vida dignas, no sentido de minimamente compatíveis com o desenvolvimento da personalidade humana, e de garantir as condições materiais indispensáveis ao gozo efectivo dos direitos de liberdade".
Porque estamos no domínio de direitos fundamentais, as várias formas de tratamento têm que ser compatibilizadas com os vários direitos das partes. Este entendimento resulta, desde logo, do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que impõe a aplicação dos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, consignando-se que são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. O artigo 18.º, n.º 2, da Constituição assume particular relevância pois as restrições aos direitos, liberdades e garantias têm que resultar, necessariamente, da lei e as restrições devem "limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".
O Código do Trabalho deve, assim, dar particular atenção à delimitação das restrições e à sua compatibilização

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