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4078 | II Série A - Número 100 | 05 de Junho de 2003

 

comentário particular [O Decreto-Lei n.º 132/99, de 21 de Abril, já consagra hoje - em termos de política de emprego - o "acesso universal, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião e convicções políticas ou ideológicas" (artigo 2.º, alínea c)].
Deve dizer-se que não é a apreciação em si das situações de discriminação que se integra no âmbito das competências da CNPD. Porém, a realização de discriminações é precedida da recolha e tratamento de dados que vão originar discriminações. Efectivamente, quer na fase da contratação quer na vigência do contrato, são coligidos dados pessoais que podem ser susceptíveis de gerar discriminação. O artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 67/98 atribui à CNPD um particular dever de assegurar que o tratamento de dados não apresente riscos de discriminação dos titulares dos dados.
2 - Em relação à discriminação em função do sexo (regulado de forma mais detalhada no artigo 27.º e seguintes) não temos objecções particulares a evidenciar. Porém, afigura-se-nos que devem ser aqui deixadas duas notas:

a) O artigo 30.º não parece limitar-se à previsão de situações de discriminação em função do sexo mas, de forma mais abrangente, a integrar situações de trabalhos proibidos ou condicionados por "razões de ordem genética". Também não integrará a utilização de "informação genética". Tudo indica que se aponta para legislação que condiciona certos trabalhos de mulheres ou no período da gravidez (hoje regulado pelas Portarias n.os 186/73, de 13 de Março, e 229/96, de 26 de Junho);
b) Para apreciar e sancionar as situações de possível discriminação em função do sexo, o artigo 6.º da Lei n.º 105/97, de 13 de Setembro, obriga hoje as entidades empregadoras, públicas e privadas, a manter, disponíveis por um prazo de cinco anos os registos [O artigo 7.º permite ao juiz, com grande amplitude, o acesso a toda a documentação necessária ao julgamento das situações de discriminação, podendo ter acesso aos elementos relativos ao recrutamento, a quaisquer dados estatísticos ou outros que julgue relevantes] de todos os recrutamentos feitos, donde constem, por sexos, alguns elementos que permitam realizar o controlo. Esta previsão não foi integrada no projecto, mas admitimos que possa vir a ser a considerada na "legislação complementar" a que se refere o artigo 32.º.

VI - Discriminação em função do "património genético"

1 - Se as previsões dos artigos 22.º e 23.º, n.º 1, não oferecem comentários especiais, porque se limitam a formular princípios gerais de não discriminação que merecem a nossa concordância, já o artigo 23.º, n.º 2, apresenta riscos de discriminação para os trabalhadores na medida em que, mais uma vez, se admite uma excepção que é de difícil concretização face à subjectividade e imprecisão dos conceitos utilizados - "requisito justificável" e "determinante para o exercício da actividade profissional" - e que é susceptível de envolver uma grande margem de discricionaridade do empresário, sem que tivesse havido o cuidado de submeter essa decisão ao controlo de uma entidade independente ou, mesmo, de um médico do trabalho. Mesmo em relação àquelas situações em que, em função da actividade profissional a desenvolver, se pode apresentar como "justificável" o tratamento de certos dados pessoais do trabalhador (v.g. etnia, religião, convicções políticas ou ideológicas) pensamos que o legislador deveria ter estabelecido garantias adequadas no que diz respeito ao tratamento da informação ou, mesmo, proibir o registo informático destes dados. Deste modo se impediria o acesso indevido por terceiros não autorizados. Fica por saber se, na prática, os mecanismos previstos no n.º 3 do artigo 23.º não conduzirão à divulgação - contra a vontade dos interessados (terceiros em relação ao trabalhador que alega estar a ser discriminado) - de dados pessoalíssimos que o visado tem o direito de guardar para si ou de sobre eles manter um controlo em termos de acesso por parte de terceiros (cf. artigo 17.º, n.º 3).
2 - As grandes interrogações em sede de discriminação do património genético prendem-se, de um lado, com o alcance do artigo 22.º, n.º 2, quando confrontado com o artigo 19.º, n.º 1, e, por outro lado, com o alcance da excepção do artigo 23.º, n.º 2, quando está em causa um juízo de "justificação" para o exercício de certa actividade baseada em diferenças relativas ao "património genético".
Muito embora a possibilidade de conhecimento das características genéticas seja determinada em função da actividade profissional a desenvolver e se imponha que o objectivo seja "legítimo" e o "requisito proporcional", não podemos deixar de reconhecer que a decisão da entidade empregadora susceptível de discriminação terá como pressuposto o prévio conhecimento do património genético do trabalhador. Ora, esse conhecimento só pode advir da informação do candidato (17.º, n.os 1 e 3), bem como da sujeição do candidato ou trabalhador a testes ou exames médicos (artigo 19.º, n.º 1).
O âmbito e alcance destes preceitos é determinante para a definição da legitimidade do tratamento de dados genéticos na medida em que uma das condições estabelecidas no artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 67/98 é a existência de uma "disposição legal".
3 - Está hoje na ordem do dia, no domínio laboral, a discussão sobre a utilização de testes genéticos com objectivos diversos [Decorreu em Lisboa e no âmbito da Presidência Portuguesa da União Europeia, em 12 de Maio de 2000, uma reunião do Grupo Europeu de Ética no qual foi discutida a questão do recurso aos testes genéticos por parte dos empregadores. Em matéria de tecnologias de informação e comunicação reconheceu-se que a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais - que também mereceu especial reflexão - deveria "assegurar valores como a protecção da vida privada e prevenir possíveis abusos de uma sociedade com recurso a mecanismos de vigilância constante. No que diz respeito à biotecnologia e à genética, a presidente do Grupo, Noelle Noir, alertou para os perigos da mercantilização do corpo e para o risco da discriminação dos indivíduos em função das suas características genéticas" (cf. Jornal Público de 15 de Maio de 2000)] e, prevalentemente, para determinar, com antecedência, a predisposição de um trabalhador para ser afectado por determinados factores laborais ou para vir a contrair certo tipo de doenças. Através da análise do genoma podem obter-se dados acerca da "capacidade física, mental ou estado de saúde dos candidatos a um emprego ou sobre o colectivo dos trabalhadores de uma empresa. Pode ter-se conhecimento de quais são as enfermidades futuras que pode sofrer um candidato a um emprego" [Fernando Pachés, ob. cit. pág. 323].

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