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1424 | II Série A - Número 023 | 20 de Dezembro de 2003

 

Consultando os dados revelados pelo EUROHIV, entidade que centraliza a vigilância epidemiológica no espaço europeu, verifica-se que o nosso país apresentou a taxa mais elevada de novos casos quando, de acordo com os dados da Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA (CNLCS), a evolução dos casos notificados de infecção aumentou durante o período de 1991 a 2001, representando este crescimento uma realidade que urge inverter, tal como tem sucedido em vários países europeus.
Pode dizer-se que o estigma e a discriminação sobre as pessoas portadoras do VIH ou com SIDA - síndrome correspondente à última das quatro fases da infecção pelo VIH - constituem uma epidemia, com uma expansão ainda maior do que da própria doença. Este factor merece ser tido em conta, uma vez que tem efeitos psicossociais directos sobre os portadores do vírus, agravando-se assim o risco de mortalidade, podendo também contribuir para a sua disseminação: perante o estigma e o desconhecimento sobre a doença, não são poucas as pessoas que se recusam a enfrentar a realidade, testando-se ou assumindo serem portadores da doença. Como é dito pela CNLCS (Ciclo de Conferências "Ser Positivo no Combate à Discriminação", documento apresentado à Assembleia da República em 2003), "Podemos considerar que o estigma e a discriminação, para além de serem um drama individual, causando imenso sofrimento às pessoas infectadas e suas famílias, são também, em si mesmos, um sério problema colectivo, já que põem claramente em perigo a saúde pública".
Embora as características da discriminação tenham sofrido mudanças de forma e conteúdo ao longo dos anos - se, até ao princípio dos anos 90, esta se erigia de forma directa e quase ostentadora, de então para cá tem assumido um modo mais insidioso mas nem por isso menos violento. Combater a discriminação das pessoas infectadas com VIH/SIDA é também uma forma de combater todas as outras formas de discriminação - etnia, género, orientação sexual - que continuam a fazer vítimas, e é também combater a rejeição social dos que têm capacidades diferentes resultantes de uma situação crónica. Estas é então uma luta pela defesa dos direitos humanos, pela defesa de minorias e dos seus direitos, contra a intolerância para com a diferença, pela qual temos que nos responsabilizar e empenhar, de modo sério e urgente.
Na Declaração de Compromisso sobre o VIH/SIDA, da Assembleia Geral das Nações Unidas de 2001, considerava-se como objectivo e compromisso para 2003 "promulgar, reforçar ou fazer cumprir, consoante seja o caso, regulamentos e outras medidas para eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas que vivem com o VIH/SIDA, bem como para garantir que gozem de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais e, em especial, garantir-lhes o acesso a, entre coisas, educação, direitos sucessórios, emprego, cuidados de saúde, prevenção, apoio, informação e protecção legal, respeitando a sua privacidade e confidencialidade, e criar estratégias para combater o estigma e a exclusão social ligados à epidemia".
Por tudo isto, é necessário criar e aprovar medidas legislativas que se destinem a transformar de uma forma positiva a mentalidade social, de forma a abolir o estigma e a discriminação, e onde as práticas de tolerância e de integração sejam beneficiadas.
As áreas do trabalho, saúde, seguros e educação são, para as pessoas infectadas com o VIH, muitas vezes sinónimo de exclusão e estigma. No meio laboral, por exemplo, são comuns os rastreios cegos e sistemáticos para a detecção do vírus, com consequentes despedimentos - o que leva a CNLCS a propor que se consagre na lei geral uma presunção de discriminação, recaindo sobre a entidade empregadora a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, de modo a desfazer essa presunção (à semelhança do que acontece no Código de Trabalho em Itália), bem como a proibição de realização de testes para a detecção do VIH, como requisito para aceder ou manter um posto de trabalho, o que, aliás, consiste numa recomendação de todas as instâncias internacionais credenciadas na área.
Na área da saúde, onde a discriminação é, por todos os motivos, ainda mais inadmissível, esta também é uma realidade frequente, sendo das principais situações denunciadas pela CNLCS a recusa de tratamento ou internamento a utentes com VIH, a espera mais prolongada para actos cirúrgicos por parte de utentes com VIH, tratamento diferente de utentes pertencentes aos chamados "grupos de risco", realização de testes sem o consentimento do ou da utente, frequente quebras de sigilo e atitudes discriminatórias por parte de outros utentes.
Por outro lado, na actividade seguradora assiste-se constantemente à recusa em conceder apólices a pessoas portadoras do vírus, não obstante o facto do seu estado de saúde ser considerado, por quem de competência, estável. Numa altura em que se assume, cada vez mais, a SIDA como uma doença crónica, e perante a longevidade destes doentes, tal prática, baseada numa análise de riscos parcial, incorre numa flagrante violação dos direitos fundamentais destes cidadãos e cidadãs, que assistem, impotentes, a ser-lhes vedado um direito tão importante como a compra de habitação.
Na educação as situações de discriminação são ainda sistemáticas e a CNLCS aponta, entre outras, o bloqueio no acesso da criança ou jovem seropositivo a escolas e equipamentos sociais ou desportivos, como, por exemplo, piscinas, ou o desrespeito das leis de protecção de dados.
O estigma e a discriminação em relação ao VIH/SIDA só serão erradicados quando esta patologia começar a ser considerada uma doença como as outras, assistindo aos seus portadores a plenitude dos seus direitos.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
(Objecto)

O presente diploma tem por objecto a proibição da discriminação e a sanção da prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, dos portadores de VIH/SIDA ou de doença crónica, sob todas as suas formas.

Artigo 2.º
(Âmbito)

1 - O presente diploma vincula todas as pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas.

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