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0039 | II Série A - Número 004 | 02 de Abril de 2005

 

que praticam a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), contabilizámos 3200 mulheres que se deslocam todos os anos ao país vizinho, fugindo à rigidez da nossa lei. Se fosse possível obter dados de todos os centros privados que fazem 98% dos abortos no país vizinho, o valor subiria muitíssimo. Até porque, admite ao DN Eva Rodriguez, presidente da ACAI, associação que engloba metade destas clínicas privadas, os números fornecidos "são todos abaixo do real, pela grande competitividade económica". Confessa que se a lei portuguesa mudasse "seria desastroso". Os abortos mais baratos custam 300 e os mais caros 1500 euros (60 a 300 contos), o que dá a ideia da rentabilidade do negócio. A "migração" ibérica começou a sério há uns cinco anos, mas desde 1999 triplicou o número de portuguesas atendidas por nuestros hermanos. (…) Basta ir à Internet para obter informações em português, com preços e hotéis, ou consultar os poucos jornais portugueses que aceitam esta publicidade. (…) Abortar em Espanha? Os políticos portugueses preferem adoptar a táctica da avestruz (…)" A resposta para estes números podemos encontrá-la no mesmo jornal: "Abortar em Portugal não é fácil. Até mesmo pela via legal. Se há hospitais que resolvem o problema em duas ou três semanas, outros levam um mês e mais. As razões são várias: poucas reuniões das comissões de certificação, que têm de autorizar a interrupção, falta de meios, objecção de consciência dos clínicos ou desconhecimento de como devem encaminhar o processo. Estas situações acabam por prejudicar a mulher que legalmente tem direito a abortar, mas cuja burocracia e prazos inviabilizam o aborto".
Contudo, não podemos ignorar que a maioria das mulheres portuguesas não tem recursos, nem conhecimentos para se deslocarem a Espanha e recorrem a qualquer tipo de solução que lhes afigure como viável. No mesmo DN podemos ler: "O aborto é uma realidade que atravessa toda a sociedade. Mas enquanto que as mulheres socialmente mais favorecidas encontram alternativas, as provenientes de estratos económicos mais baixos são muitas vezes obrigadas a entrar nos circuitos clandestinos quando desejam interromper uma gravidez. Mas que dimensão tem esta realidade? Um estudo da Associação para o Planeamento da Família (APF) em oito bairros sociais das Áreas Metropolitanas do Porto e Lisboa - entre os quais estão Aldoar, Rio Tinto, Chelas, Casal de Cambra e Cruz de Pau - revelou números muito problemáticos. Um inquérito realizado junto de uma amostra dos habitantes (constituída por cerca de mais de 410 pessoas) aponta que 30% das mulheres (ou companheiras dos inquiridos) já tinham realizado uma Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). A grande maioria dessas mulheres apenas tinha feito um aborto, mas 18% tinha feito dois e 12% três ou mais IVG. Importante é também o facto de uma em cada cinco mulheres dos bairros sociais que admitiram ter efectuado um aborto disse ainda ter sofrido complicações em sequência dessa intervenção. Recorde-se que a IVG é a segunda causa de morte materna em todo o mundo e a primeira em mães adolescentes.
De acordo com os dados da Direcção-Geral da Saúde, 11 089 mulheres recorreram aos hospitais em 2002 com problemas derivados de interrupção da gravidez, das quais cinco morreram. Em 2003 o aborto clandestino levou uma média de três mulheres por dia aos hospitais de acordo com a mesma Direcção-Geral.
A estimativa da Associação Portuguesa de Planeamento Familiar aponta para previsões entre os 20 a 40 000 casos de aborto clandestino em Portugal, por ano.
São razões suficientes para se considerar que, na sociedade portuguesa, a consciência acerca da desadequação da legislação em vigor se tem vindo a reforçar.

Uma questão europeia essencial

A penalização do aborto priva as mulheres de exercerem na sua plenitude os seus direitos sexuais e reprodutivos e é, só por isso, uma questão política. A Carta dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, da Federação Internacional de Planeamento Familiar, afirma, no seu ponto 4, que "todas as mulheres têm o direito de efectuar escolhas autónomas em matéria de reprodução, incluindo as opções relacionadas com o aborto seguro". A Plataforma de Acção de Pequim, aprovada pelo Estado português, declara, no seu ponto 96, que "os direitos humanos das mulheres incluem o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva e de decidir livre e responsavelmente sobre essas questões, sem coacção, discriminação ou violência". Recentemente, a missão americana para a revisão da Plataforma apresentou uma proposta de emenda ao documento para que do texto constasse que o aborto não era considerado um direito humano, tendo optado por retirar a sua proposta face à oposição de vários países, sobretudo os europeus.
Os depoimentos que chegam através de linhas de atendimento a mulheres sobre situações vividas perante uma gravidez que tiveram que interromper mostram até que ponto se exerce todos os dias uma tal violência.
Sabemos também que o direito de escolher uma maternidade ou paternidade conscientes é limitado muitas vezes por condições sociais graves - problemas de habitação, discriminação do emprego com ameaça de desemprego por causa de gravidez e incapacidade económica de criar uma criança em ambiente de dignidade que lhe permita desenvolver o seu potencial humano. O facto da maternidade permanecer a principal causa de discriminação no emprego não é alheio à escolha que muitas mulheres são obrigadas a fazer, sendo nesse contexto penalizadas pelo facto de serem mães. Mas sabemos também que a interacção entre factores socioeconómicos e a escolha entre o aborto e uma gravidez evolutiva é complexa. Interromper uma gravidez não é apenas opção das mulheres com menores hipóteses económicas. Faz parte de um direito de opção que não pode ser negado.

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