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Quinta-feira, 22 de Setembro de 2005 II Série-A - Número 50(*)

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)(*)

S U M Á R I O

Resolução:
Viagem do Presidente da República a Florença.

Projectos de lei (n.os 92 e 156 a 160/X):
N.º 92/X (Proíbe e pune as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência):
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e Segurança Social.
N.º 156/X - Diversificação das fontes de financiamento - a nova forma de contribuição das empresas para a segurança social com base no Valor Acrescentado Bruto (VAB) (apresentado pelo PCP).
N.º 157/X - Define regras de arrendamento rural aplicáveis a prédios rústicos do Estado (apresentado pelo PCP).
N.º 158/X - Prevê a obrigatoriedade da divulgação detalhada das remunerações dos administradores das sociedades emitentes de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado (Altera o Código das Sociedades Comerciais) (apresentado pelo PCP).
N.º 159/X - Atribui o direito a subsídio de desemprego ao pessoal docente e investigador contratado por instituições do ensino superior e de investigação públicas (apresentado pelo PCP).
N.º 160/X - Garante o porte pago aos órgãos de imprensa regional e a publicações especializadas (apresentado pelo PCP).

Projectos de resolução (n.os 69 e 70/X):
N.º 69/X - Propõe a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas (apresentado pelo PS).
N.º 70/X - Adopta recomendações para que possa ser utilizado em unidades hospitalares o medicamento de uso humano Mifégyne (Pílula RU 486) (apresentado pelo PCP).

(*) Artigo 174.º n.º 1 da CRP, Artigo 47.º n.º 1 do RAR e Artigo 171.º n.os 1 e 2 da CRP.

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RESOLUÇÃO
VIAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA A FLORENÇA

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 163.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, dar assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República a Florença, nos dias 30 do corrente e 1 do próximo mês de Outubro.

Aprovada em 15 de Setembro de 2005.
O Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.

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PROJECTO DE LEI N.º 92/X
(PROÍBE E PUNE AS DISCRIMINAÇÕES NO EXERCÍCIO DE DIREITOS POR MOTIVOS BASEADOS NA DEFICIÊNCIA)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e Segurança Social

I - Do relatório

1.1 - Nota preliminar

Em 25 de Maio de 2005 cinco Deputados pertencentes ao Grupo Parlamentar do CDS-PP tomaram a iniciativa de apresentar na Assembleia da República o projecto de lei n.º 92/X (Diário da Assembleia da República II Série A n.º 20, de 2 de Junho de 2005), que "Proíbe e pune as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência".
Esta apresentação foi efectuada e apresentada ao abrigo do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento.
Admitido em 31 de Maio de 2005, o mencionado projecto de lei baixou, por despacho do Presidente da Assembleia da República às Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e Trabalho e Segurança Social, em razão de matéria, para efeitos de apreciação e elaboração do competente relatório e parecer.

1.2 - Objecto e motivos

1.2.1 - Através do projecto de lei n.º 92/X visa o Grupo Parlamentar do CDS-PP a aprovação de um regime jurídico que previna, proíba e puna as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência sob todas as suas formas, aplicável a todas as pessoas singulares e colectivas, quer sejam públicas ou privadas.
O projecto de lei vertente encontra-se estruturado em quatro capítulos que correspondem, designadamente, às Disposições Gerais (Capítulo I), a Práticas Discriminatórias (Capítulo II) aos Órgãos Competentes (Capítulo III) e ao Regime Sancionatório (Capítulo IV). Assim, atenta a sua importância, destacam-se as seguintes soluções normativas constantes do projecto de lei sub judice:

Capítulo I - Disposições gerais (artigos 1.º a 3.º)
O Capítulo I, atinente a disposições gerais, estabelece o objecto e o âmbito pessoal de aplicação do diploma e define o conceito de discriminação em razão da deficiência, salvaguardando a vigência e aplicação de disposições de natureza legislativa, regulamentar e administrativa que beneficiem certos grupos desfavorecidos com o objectivo de garantir, em condições de igualdade, os direitos nelas referidos.
Na acepção do projecto de lei em apreciação constitui discriminação com base na deficiência qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência em razão da deficiência, que tenha por objectivo ou produza como resultado a anulação ou restrição do conhecimento, fruição ou exercício, em condições de igualdade, de direitos, liberdades e garantias ou de direitos económicos, sociais e culturais.
Capítulo II - Práticas discriminatórias (artigo 4.º)
O Capítulo II, constituído por um único artigo, faz uma elencagem meramente exemplificativa das práticas consideradas discriminatórias contra pessoas com deficiência, para efeitos do diploma em apreço, abarcando, nomeadamente:

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i) Determinados procedimentos adoptados pelos empregadores susceptíveis de discriminar o trabalhador ao seu serviço, bem como, no que se refere à contratação, à cessação dos contratos de trabalho e a anúncios de oferta de emprego ou outras formas de publicidade ligadas à pré-selecção e recrutamento de trabalhadores com deficiência;
ii) Recusa de fornecimento ou impedimento de fruição de bens e serviços, recusa ou penalização na celebração de contratos de seguro, bem como da venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis;
iii) Recusa ou limitação de acesso a actividades económicas; recusa, limitação ou impedimento do acesso a locais públicos, aos cuidados de saúde e a estabelecimentos de ensino;
iv) Constituição de turmas e ou organização interna nos estabelecimentos de ensino com base em critérios discriminatórios, excepto em determinadas circunstâncias previstas;
v) Prática ou medida adoptada por órgão, funcionário ou agente da administração directa ou indirecta do Estado, das regiões autónomas ou autarquias locais que condicione ou limite o exercício de direitos;
vi) Acto adoptado publicamente ou com intenção de ampla divulgação em que pessoa singular ou colectiva emita declaração ou informação destinada a ameaçar, insultar ou aviltar um grupo de pessoas por motivos de discriminação em função da deficiência.

Capítulo III - Órgãos competentes (artigo 5.º)
O Capítulo III, composto, também, por um único artigo, procede ao alargamento das competências do Observatório para a Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência, criado pela Lei n.º 30/98, de 13 de Julho, no sentido daquela entidade proceder ao acompanhamento da aplicação do diploma, bem como de emitir parecer obrigatório não vinculativo em todos os processos de inquérito, disciplinares e sindicâncias instaurados pela Administração Pública por actos proibidos pelo diploma e praticados pelos titulares dos órgãos, funcionários e agentes da Administração Pública.
Finalmente, estatui que o relatório que o Observatório para a Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência elabora anualmente, deverá incluir com carácter obrigatório uma menção à informação recolhida sobre a prática de actos discriminatórios e sanções eventualmente aplicadas.

Capítulo IV - Regime sancionatório (artigos 6.º a 12.º)
O Capítulo IV dispõe sobre o quadro sancionatório aplicável, prevendo, nomeadamente, as coimas aplicáveis pela prática de acto discriminatórios previstos no diploma, as penas acessórias (publicação da decisão, advertência ou censuras públicas, indemnização-sanção), o concurso de infracções, a omissão de dever, normas sobre interpretação e integração dos preceitos legais contidos no diploma, entrada em vigor do diploma e sua regulamentação.

1.2.2 - Quanto à motivação, na exposição de motivos que antecede o projecto de lei n.º 92/X os autores fundamentam a iniciativa legislativa referindo que "A existência em Portugal de uma taxa de 9,6% de cidadãos portadores de deficiência constitui uma realidade que não é possível ignorar, situação tanto mais preocupante quanto a distribuição, a diversidade e heterogeneidade das deficiências/incapacidades (…) assim o demonstram".
Elencando as principais normas e princípios que tutelam os direitos dos cidadãos com deficiência, nomeadamente as previstas na Constituição da República Portuguesa, na Carta Social Europeia e num vasto conjunto de diplomas legais, os autores do projecto de lei vertente referem as diversas iniciativas legislativas apresentadas na legislatura passada, pelos diversos grupos parlamentares, na Assembleia da República, "visando precisamente proibir as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência", concluindo que "tais iniciativas são bem demonstrativas do amplo consenso vigente sobre esta matéria, e da vontade unânime de todos em acabar com situações de discriminação inaceitáveis numa sociedade livre e democrática como a nossa".

1.3 - Antecedentes parlamentares

A problemática dos direitos e interesses dos cidadãos com deficiência não constitui matéria inovadora no quadro parlamentar. Com efeito, desde a VII Legislatura os grupos parlamentares têm vindo a apresentar diversas iniciativas legislativas no campo da promoção dos direitos das pessoas com deficiência, colocando a tónica, sobretudo, nos planos da reabilitação e integração económica, social e laboral.
No decurso da VII Legislatura o Grupo Parlamentar do PSD apresentou o projecto de lei n.º 678/VII (vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 62, de 13 de Maio de 1999, e Diário da Assembleia da República I Série n.º 91, de 27 de Maio de 1999), relativo a "Apoios à permanência na família de idosos e pessoas portadoras de deficiência", aprovado, na generalidade, com os votos a favor do PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes e votos contra do PS, tendo baixado à Comissão de Economia, Finanças e Plano, cujo processo legislativo não chegou a ser concluído.
Durante a VIII Legislatura todos os grupos parlamentares, à excepção do PSD, apresentaram iniciativas legislativas no domínio das pessoas com deficiência. Assim, foram apresentados:

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- O projecto de lei n.º 533/VIII, do PCP - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 29, de 24 de Janeiro de 2002 -, que "Define medidas de prevenção e combate à discriminação com base na deficiência";
- O projecto de lei n.º 534/VIII, do BE - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 29, de 24 de Janeiro de 2002 -, que "Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência";
- O projecto de lei n.º 537/VIII, do PS - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 29, de 24 de Janeiro de 2002 -, que "Previne e proíbe a discriminação com base na deficiência";
- O projecto de resolução n.º 16/VIII, do CDS-PP - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 12, de 6 de Janeiro de 2002 -, "Sobre a regulamentação da Lei das Associações de Pessoas Portadoras de Deficiência";
- O projecto de resolução n.º 419/VIII, de Os Verdes - Vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 48, de 7 de Abril de 2001 -, que "Consagra o direito das associações de pessoas com deficiência de integrarem o Conselho Económico e Social".

Nenhuma das iniciativas referidas chegou a ser discutida, tendo caducado, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, por força do termo da legislatura.
Já na IX Legislatura os projectos de lei relativos à proibição de discriminações com base na deficiência foram retomados pelos respectivos grupos parlamentares proponentes, tendo sido apresentados:

- O projecto de lei n.º 48/IX, do PS - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 11, de 6 de Junho de 2002 -, que "Previne e proíbe a discriminação com base na deficiência";
- O projecto de lei n.º 160/IX, de Os Verdes - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 44, de 21 de Novembro de 2002 -, que "Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado";
- O projecto de lei n.º 162/IX, do BE - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 44, de 21 de Novembro de 2002, que "Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência";
- O projecto de lei n.º 166/IX, do PCP - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 45, de 23 de Novembro de 2002 -, que "Define medidas de prevenção e combate à discriminação com base na deficiência";

Também o CDS-PP apresentou o projecto de lei n.º 167/IX - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 45, de 23 de Novembro de 2002, que "Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência";
Os projectos de lei mencionados foram discutidos conjuntamente, tendo sido aprovados na generalidade por unanimidade, acabando por caducar com o término da legislatura.
Ainda na IX Legislatura foram apresentadas as seguintes iniciativas legislativas na área dos direitos das pessoas com deficiência:

- O projecto de lei n.º 163/IX, do BE - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 44, de 21 de Novembro de 2002 -, sobre "Regime especial de pensões das pessoas com deficiência", que não chegaria a ser discutido, tendo caducado com o termo da legislatura;
- O projecto de lei n.º 113/IX, de Os Verdes - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 21, de 13 de Julho de 2002 -, que "Consagra o direito das associações de pessoas com deficiência de integrarem o Conselho Económico e Social", aprovado na generalidade por unanimidade (vide Diário da Assembleia da República I Série n.º 98, de 14 de Março de 2003), tendo dado origem à Lei n.º 37/2004, de 13 de Agosto - vide Diário da Assembleia da República DAR I Série A n.º 190, de 13 de Agosto de 2004.
- Os projectos de deliberação n.º 15/IX, de Os Verdes - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 79, de 14 de Fevereiro de 2003 -, que "Adopta medidas para a não discriminação de cidadãos com deficiência ou incapacidade, n.º 22/IX, do PSD - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 122, de 16/de Agosto de 2003 -, sobre o "Programa específico de favorecimento do acesso ao Parlamento pela parte de pessoa com deficiência", e n.º 25/IX, do CDS-PP - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 1, de 18 de Setembro de 2003 -, sobre "Elaboração de um regulamento interno que visa a melhoria de acesso à Assembleia da República e aos respectivos serviços", que foram discutidos conjuntamente e aprovados por unanimidade - vide Diário da Assembleia da República I Série A n.º 13, de 17 de Outubro de 2003 -, tendo dado origem à Resolução n.º 82/2003, de 19 de Dezembro - vide Diário da Assembleia da República DAR I Série A n.º 28, de 9 de Dezembro de 2003.
- O projecto de resolução n.º 188/IX, do CDS-PP - vide Diário da Assembleia da República I Série A n.º 14, de 21 de Novembro de 2003 -, sobre "Medidas de acesso a serviços de urgência a cidadãos portadores de deficiência", aprovado por unanimidade e que deu origem à Resolução n.º 13/2004, de 21 de Janeiro - vide Diário da Assembleia da República I Série A n.º 17, de 21 de Janeiro de 2004.

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- A proposta de lei n.º 105/IX - vide Diário da Assembleia da República II Série A n.º 20, de 11 de Dezembro de 2003 -, que "Define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência", e o projecto de lei n.º 407/IX, do PS - vide Diário da Assembleia da República DAR II Série A n.º 32, de 31 de Janeiro de 2004 -, que "Estabelece as bases gerais da política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência", discutidos conjuntamente, tendo dado origem à Lei n.º 38/2004, de 18 de Agosto - vide Diário da Assembleia da República I Série A n.º 194, de 18 de Agosto de 2004.

Finalmente, cumpre referir que o projecto de lei n.º 92/X, do CDS-PP, objecto do presente relatório e parecer, corresponde a uma retoma do projecto de lei n.º 167/IX, que "Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência".
Salienta-se, também, que o Grupo Parlamentar do PS apresentou, em 28 de Julho de 2005, o projecto de lei n.º 149/X, que "Previne e proíbe a discriminação com base na deficiência", correspondendo a uma retoma do projecto de lei n.º 48/IX, contendo, no entanto, os contributos resultantes da discussão ocorrida na IX Legislatura.

1.4 - Enquadramento constitucional e legal

1.4.1 - Enquadramento constitucional:
Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei". O n.º 2 da aludida disposição constitucional indica um conjunto de factores de discriminação ilegítimos, ao estabelecer que "ninguém pode ser privilegiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social".
Deste princípio constitucional, considerado pela doutrina maioritária como um dos princípios basilares e estruturantes do Estado de direito democrático, resulta claramente que os cidadãos são iguais perante a lei, gozam de igual dignidade social, não sendo, por isso, legítimas quaisquer diferenciações de tratamento baseadas em critérios subjectivos, como, por exemplo, a deficiência nem o tratamento igual para situações manifestamente desiguais.
Com efeito, de acordo com os constitucionalistas (cifra Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pp. 125 e seguintes) Gomes Canotilho e Vital Moreira, "O conteúdo jurídico-constitucional do princípio da igualdade tem vindo progressivamente a alargar-se (…). O seu âmbito de protecção abrange na ordem constitucional portuguesa as seguintes dimensões: (a) a proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; (b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias (…); (c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (…)".
Por outro lado, como muito bem referem os constitucionalistas Jorge Miranda e Rui Medeiros (cifra Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, pp. 715 e seguintes), "É certo que o artigo 13.º, n.º 2, não faz qualquer alusão à proibição de discriminações em razão de deficiência. Contudo, por um lado, como é geralmente reconhecido, a referida enumeração é meramente exemplificativa e, assim sendo, a proibição de discriminação dos cidadãos portadores de deficiência em nada é contrariada pela ausência de expressa interdição, no mencionado preceito, de discriminações em razão de deficiência (..)"
No que especialmente concerne à tutela dos direitos das pessoas com deficiência, o artigo 71.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa veio expressamente reconhecer aos cidadãos portadores de deficiência o gozo pleno dos direitos consignados na Lei Fundamental, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados.
De acordo com os já referidos constitucionalistas (cifra Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pp. 358 e seguintes), o aludido preceito constitucional "(…) é a afirmação do direito dos deficientes a gozarem dos mesmos direitos dos restantes e a estarem sujeitos aos mesmos deveres. Trata-se, pois, de um direito a não serem vítimas de uma capitis diminutio, por motivo de deficiência, para além daquilo que seja consequência forçosa da deficiência". E, adiantam, "Assim concebido, este direito comporta duas dimensões essenciais: por um lado, uma vertente negativa, que consiste no direito dos deficientes a não serem privados de direitos ou isentos de deveres, e que se analisa, portanto, num específico direito de igualdade. Por outro, uma vertente positiva, que consiste no direito de exigir do estado a realização das condições de facto que permitam o efectivo exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres".
A defesa dos direitos das pessoas com deficiência ganha especial relevo face ao disposto no n.º 2 do citado artigo 71.º da Constituição, que remete para o Estado o dever de "(…) realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às

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suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores". A este respeito os citados constitucionalistas referem que "As tarefas constitucionais do Estado são múltiplas, sendo as mais importantes porventura as seguintes: criar estruturas de tratamento e reabilitação de deficientes; atenuar os obstáculos e realizar as condições que lhes facilitem a vida (abolição de barreiras arquitectónicas, facilidades em transportes, etc); garantia do direito ao ensino (…); efectivação do direito ao trabalho em actividade adequada, condição essencial da integração social dos deficientes".
Finalmente, o n.º 3 da citada norma constitucional veio reconhecer o direito das organizações de cidadãos com deficiência ao apoio do Estado.
1.4.2 - Enquadramento legal:
Portugal dispõe hoje de um vasto acervo legislativo no plano da promoção dos direitos e das políticas dos cidadãos com deficiência, de que se destacam os seguintes instrumentos:

- Resolução da Assembleia da República n.º 13/2004, de 21 de Janeiro, sobre medidas de acesso a serviços de urgência a cidadãos portadores de deficiência;
- Lei n.º 37/2004, de 13 de Agosto, que consagra o direito das associações de pessoas com deficiência de integrarem o Conselho Económico e Social e procede à primeira alteração à Lei n.º 127/99, de 20 de Agosto (Lei das Associações de Pessoas Portadoras de Deficiência), e a quarta alteração à Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto (Conselho Económico e Social);
- Lei n.º 38/2004, de 18 de Agosto, que define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência;
- Resolução do Conselho de Ministros n.º 110/2003, de 12 de Agosto, que a prova o Programa Nacional para a Participação dos Cidadãos com Necessidades Especiais na Sociedade da Informação, substituindo a RCM n.º 96/99, de 26 de Agosto;
- Resolução da Assembleia da República n.º 82/2003, de 9 de Dezembro, sobre um programa específico de favorecimento do acesso ao Parlamento e aos respectivos serviços pela parte de pessoas com deficiência ou incapacidade;
- Resolução do Conselho de Ministros n.º 192/2003, de 23 de Dezembro, que aprova o Plano Nacional de Acção para a Inclusão 2003/2005, substituindo a RCM n.º 91/2001, de 6 de Agosto;
- Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de Fevereiro, que estabelece o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade funcional igual ou superior a 60%, em todos os serviços e organismos da administração central, regional autónoma e local;
- Lei n.º 127/99, de 20 de Agosto, Lei das Associações das Pessoas Portadoras de Deficiência;
- Lei n.º 30/98, de 13 de Julho, que cria o Observatório para a Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência;
- Decreto-Lei n.º 123/97, 22 de Maio, torna obrigatória a adopção de um conjunto de normas técnicas básicas de eliminação de barreiras arquitectónicas em edifícios públicos, equipamentos colectivos e via pública para melhoria da acessibilidade das pessoas com mobilidade condicionada.

1.5 - Do enquadramento da questão

A tutela dos direitos e interesses dos cidadãos com deficiência encontra-se consagrada na Constituição da República Portuguesa, com especial incidência no seu artigo 71.º, que incumbe o Estado de " (…) realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos (…)" e reconhece o direito das organizações de cidadãos portadores de deficiência ao apoio do Estado.
Ao Estado cabe, em particular, a responsabilidade de adoptar as medidas necessárias e criar as condições adequadas de modo a assegurar às pessoas com deficiência o pleno reconhecimento e exercício dos seus direitos num quadro de igualdade de oportunidades.
As questões relacionadas com as pessoas com deficiência ganham cada vez maior relevância no quadro das sociedades modernas, assumindo-se aí o objectivo da promoção da igualdade de oportunidades e da inserção e inclusão das pessoas com deficiência como valores eminentemente sociais.
Com efeito, a situação que atinge as pessoas com deficiência, cerca de 10% da população portuguesa, se não for devidamente acautelada pelo Estado e tutelada por instrumentos jurídico-legais adaptados às necessidades específicas destes cidadãos comporta, no entendimento do relator, um quadro de desvantagens que põem em crise o direito a uma existência feliz, a igualdade de oportunidades no plano da realização pessoal e profissional, bem como o acesso a uma vida familiar e social dignificantes.
No entendimento do relator as políticas e medidas de acção direccionadas para as pessoas com deficiência devem constituir um dos eixos fundamentais das políticas sociais, desempenhando um papel fundamental

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para a afirmação dos valores da solidariedade e da justiça social e do pleno exercício dos direitos de cidadania destes cidadãos.
Neste contexto, a aprovação pelo Parlamento de um quadro legal destinado a prevenir, proibir e punir a discriminação com base na deficiência nos mais diversos domínios deve, na opinião do relator, ser entendido como um importante contributo para o reconhecimento e a dignificação das pessoas com deficiência e suas famílias.
O facto da generalidade das forças políticas terem apresentado já iniciativas com objecto similar, comprova o amplo consenso parlamentar em torno da necessidade da aprovação do aludido enquadramento legal de protecção dos direitos das pessoas com deficiência.
É, pois, desejável, na opinião do relator, que da discussão que vai ocorrer em torno do projecto de lei n.º 92/X, do CDS-PP, e do projecto de lei n.º 149/X, do PS, possa resultar um instrumento jurídico adequado e conforme aos interesses das pessoas com deficiência que importa tutelar.

II - Das conclusões

Atentos os considerandos que antecedem, conclui-se no seguinte sentido:

1 - O Grupo Parlamentar do CDS-PP tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 92/X, que "Proíbe e pune as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência".
2 - Esta apresentação foi efectuada nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, reunidos os requisitos formais previstos no artigo 138.º do aludido Regimento.
3 - Com o projecto de lei n.º 92/X visa o Grupo Parlamentar do CDS-PP a aprovação de um regime jurídico que previna, proíba e puna as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência sob todas as suas formas, aplicável a todas as pessoas singulares e colectivas, quer sejam públicas ou privadas.
4 - O projecto de lei vertente encontra-se estruturado em quatro capítulos que correspondem, designadamente, às Disposições Gerais (Capítulo I), a Práticas Discriminatórias (Capítulo II) aos Órgãos Competentes (Capítulo III) e ao Regime Sancionatório (Capítulo IV).
5 - O projecto de lei objecto do presente relatório e parecer corresponde a uma retoma do projecto de lei n.º 167/IX, do CDS-PP, discutido e aprovado na generalidade conjuntamente com os projectos de lei n.º 48/IX, do PS, que "Previne e proíbe a discriminação com base na deficiência", n.º 160/IX, de Os Verdes, que "Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado", n.º 162/IX, do BE, que "Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência", e n.º 166/IX, do PCP, que "Define medidas de prevenção e combate à discriminação com base na deficiência", tendo sido aprovados na generalidade por unanimidade, acabando por caducar com o término da legislatura.
6 - O projecto de lei em apreciação versa, assim, sobre matéria, já amplamente discutida no âmbito da Assembleia da República.
7 - O projecto de lei n.º 92/X, do CDS-PP, será discutido conjuntamente com o projecto de lei n.º 149/X, do PS, que versa sobre a mesma matéria.

III - Do parecer

a) O projecto de lei n.º 92/X, que "Proíbe e pune as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência", preenche, salvo melhor e mais qualificado entendimento, os requisitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis para poder ser discutido e votado pelo Plenário da Assembleia da República;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República;
c) Nos termos regimentais aplicáveis, o presente relatório e parecer é remetido ao Sr. Presidente da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 17 de Setembro de 2005.
O Deputado Relator, Miguel Laranjeiro - O Presidente da Comissão, Vítor Ramalho.

Nota: As conclusões e o parecer foram aprovados por unanimidade.

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PROJECTO DE LEI N.º 156/X
DIVERSIFICAÇÃO DAS FONTES DE FINANCIAMENTO - A NOVA FORMA DE CONTRIBUIÇÃO DAS EMPRESAS PARA A SEGURANÇA SOCIAL COM BASE NO VALOR ACRESCENTADO BRUTO

O sistema público de segurança social, universal e solidário, constitui um decisivo vector de protecção social de todos os portugueses e portuguesas, sendo crucial que no momento actual se assegure o aprofundamento do seu papel através da melhoria das modalidades de prestações sociais, da promoção de medidas que visem uma adequada capacidade de resposta do sistema às necessidades dos seus contribuintes/beneficiários, da garantia do direito de participação das organizações sindicais nas instituições do sistema, a par das medidas que promovam a consolidação da sua sustentabilidade financeira.
Ao longo de décadas algumas forças políticas e partidárias têm argumentado com a (pretensa) falta de solidez financeira do sistema público de segurança social com o único objectivo de acabar com o seu carácter público, universal e solidário e de transferir importantes receitas geradas no sistema para os fundos de pensões e para servir outros interesses privados.
Mas a verdade é que o sistema público gerou, ao longo de décadas, um importante volume de receitas, resultante da contribuição dos trabalhadores e garantiu o pagamento de importantes prestações sociais protegendo os cidadãos na doença, velhice, invalidez, no desemprego e em outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
Ele não foi, contudo, devidamente potenciado pelos sucessivos governos, mantendo-se em Portugal baixos níveis de protecção social e a mais baixa protecção social per capita da União Europeia. Mas este facto não põe em causa o seu papel insubstituível na protecção dos (as) trabalhadores (as) e dos cidadãos (ãs).
De facto, os sucessivos governos mantiveram políticas de subfinanciamento do sistema, motivadas pela falta de cumprimento integral das fontes de financiamento previstas na lei. São disso exemplo as dívidas acumuladas ao longo de décadas por parte das entidades patronais, que no fim do 1.º semestre de 2005 ultrapassavam os 3200 milhões de euros, associadas à fuga ao pagamento de contribuições por parte dos contribuintes mais poderosos, a par das subdeclarações de remunerações e ainda a falta de cumprimento pelo Estado das transferências financeiras que lhe eram devidas para financiar a acção social e os regimes não contributivos ou fracamente contributivos (a dívida do Estado à segurança social era de 11 711 milhões de euros, entre 1997 e 2005).
Mas, igualmente, as consequências das políticas macro-económicas e do pacto de estabilidade têm vindo a repercutir-se negativamente na perda de receitas resultantes, designadamente, dos baixos salários dos trabalhadores por conta de outrem, do fecho e deslocalizações de empresas, da economia clandestina (que oscila entre os 20 e os 22% do PIB), da redução do período contributivo de milhares de trabalhadores aos quais foi imposta a reforma (não por razões de idade, mas por antecipação) e o crescente desemprego. Acrescem os passos que têm vindo a ser dados na redução de importantes direitos sociais, com destruição da universalidade dos direitos e a amplitude dos seus beneficiários.
A evolução do volume de receitas e despesas do sistema público de segurança social não podem continuar a ser usadas numa estratégia de redução de importantes direitos sociais e de enfraquecimento do papel do sistema público de segurança social.
Recorda-se que as conclusões do Livro Branco da Segurança Social afastaram os cenários dramáticos de alegada falência do sistema da segurança social pública alimentados por interesses alheios ao próprio sistema público. A este propósito importa recordar que o anterior governo do Partido Socialista, no contexto da aprovação da Lei n.º 17/2000, afirmou que, então, foram criadas condições ao nível da repartição das responsabilidades de financiamento que permitem "atenuar significativamente as pressões financeiras expectáveis nos próximos 50 anos".
A sustentabilidade financeira do sistema público de segurança social radica-se na aplicação de um conjunto articulado de medidas visando, designadamente, um programa de emergência de combate à fraude e à evasão contributiva, o combate à subdeclaração de salários e à retenção de contribuições pelas entidades patronais, o reforço de meios técnicos, humanos e financeiros dos serviços com funções inspectivas, o impedimento de desvio de receitas da segurança social para os fundos de pensões privados através da introdução de tectos contributivos, a adequação das fontes de financiamento às diferentes modalidades e prestações sociais, distinguindo-se o que deve ser financiado pelas respectivas contribuições, pelo Orçamento do Estado e por outras receitas próprias do sistema. É ainda necessário o Fundo de Reserva da Segurança Social dos meios financeiros previsto na lei procedendo à compensação das verbas não transferidas entre 2003 e 2005.
Mas é necessário ir mais longe na necessidade e possibilidade de concretização do princípio da diversificação das fontes de financiamento inscritos no artigo 79.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, reafirmado no artigo 108.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, o que implica a "ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros, tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra".

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De facto, o sistema de cálculo das contribuições para a segurança social que continua a vigorar foi criado num período em que dominavam as empresas de trabalho intensivo, as quais eram a fonte da maior parte da riqueza criada no País.
Mas devido ao rápido desenvolvimento tecnológico e à crescente globalização económica e financeira as empresas de trabalho intensivo têm perdido a sua importância na criação da riqueza nacional, e são fundamentalmente as empresas de capital e conhecimento intensivo que ocupam cada vez mais esse lugar.
Assim, o sistema de cálculo das contribuições das empresas com base na massa salarial criado há cerca de 50 anos revela-se cada vez mais desajustado e injusto, na medida em que penaliza fortemente as empresas de trabalho intensivo agravando os seus custos não salariais, e favorece as empresas de capital e conhecimento intensivo que, apesar de serem hoje as principais fontes da riqueza e dos lucros gerados no País, contribuem para a segurança social com uma percentagem mais baixa da riqueza criada, já que as remunerações têm um peso cada vez mais reduzido relativamente à riqueza que criam todos os anos.
De acordo com dados publicados pelo INE em 2002 (Sistema de Contas Integradas das empresas: 2001/2002), e tomando como base um universo constituído por 272 245 empresas, as contribuições destas empresas para a segurança social representaram em média, em 2002, cerca 10,9% do seu VAB (Valor Acrescentado Bruto), ou seja, da riqueza que criaram naquele ano.
No entanto, as contribuições das empresas para a segurança social são extremamente desiguais. De acordo com os dados publicados pelo INE, em 2002, as empresas com um VAB médio por trabalhador de 15 770 euros por ano contribuíram para a segurança social com 11,4% do VAB; as com um VAB médio por trabalhador de 21 030 euros por ano contribuiriam para a segurança social com 12,1% do seu VAB; e as com um VAB médio por trabalhador de 32 396 euros por ano contribuíram para a segurança social com apenas 10% do seu VAB.
Se estivessem disponíveis dados que permitissem agrupar as empresas, por um lado, de trabalho intensivo, e, por outro, de capital e conhecimento intensivo, a desigualdade nas contribuições para a segurança social seriam certamente ainda maiores e mais visíveis.
No entanto, um estudo feito com base em dados de 1994 referente às 500 maiores empresas a funcionarem no País revelou que estas empresas contribuam, em média, para a segurança social com apenas 6% do seu VAB.
Estes factos são responsáveis por três consequências: diminuição relativa a prazo das contribuições para a segurança social, penalização da criação de emprego e desequilíbrio concorrencial entre empresas.
Impõe-se, pois, de acordo com o estabelecido na própria Lei de Bases Gerais ampliar as "bases de obtenção de recursos financeiros".
Esta actualização e modernização do sistema de cálculo das contribuições das empresas para a segurança social deve ser feita sem pôr em perigo a sustentabilidade financeira da segurança social, ou seja, o fluxo actual de receitas da segurança social, pois o que está em causa é vital para o bem-estar de milhões de portugueses.
E lembrando que é necessário igualmente legislar noutras matérias que devem constituir também receitas do sistema, como a do estabelecimento de uma taxa a incidir sobre as transacções financeiras realizadas nas bolsas de valores, o projecto de lei que o Grupo Parlamentar do PCP centra-se de forma inovadora sobre uma nova forma de contribuição com base no Valor Acrescentado Bruto das empresas, o que irá permitir incentivar a criação de emprego, diminuir, a prazo, as contribuições das empresas de trabalho intensivo para a segurança social, reequilibrar condições de concorrência entre empresas e assegurar a possibilidade de melhorar o nível das pensões de reforma por velhice e invalidez.
Recordamos que o PCP apresentou na anterior legislatura um projecto de lei visando a criação de uma nova fórmula de contribuição das empresas para a segurança social com base no Valor Acrescentado Bruto (VAB), tendo contado com a abstenção dos partidos da direita e com os votos favoráveis dos restantes grupos parlamentares, iniciativa que acabou por caducar.
O projecto de lei que agora apresentamos visa os seguintes aspectos:

- Durante um período de transição de três anos mantém-se o actual sistema contributivo com base na taxa social única sobre as remunerações a par com uma taxa de 10,5% sobre o VAB de cada empresa contribuinte a calcular no final de cada exercício a partir dos dados constantes da declaração anual de rendimentos em IRC, que é um valor inferior quer à contribuição média de todas as empresas (10,9% do VAB segundo o INE) quer em relação aos dois grupos mais numerosos das empresas cuja contribuição varia entre 11,4% do VAB e 12,1% do VAB segundo também o INE;
- O produto desta taxa sobre o VAB será comparado com o somatório dos valores pagos mensalmente pela entidade empregadora calculada com base nas remunerações pagas, ou seja, da forma como é calculada a contribuição das empresas antes da entrada em vigor deste projecto de lei. Se o valor obtido com base no VAB for superior às contribuições liquidadas durante o ano a partir das remunerações dos trabalhadores, a empresa em causa entregará a diferença ao sistema de segurança social até ao final do primeiro semestre do ano seguinte àquele a que respeitam as contribuições; caso contrário, o montante a pagar pela empresa será o calculado com base nas remunerações e pago mensalmente;

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- Este regime só é aplicável às empresas que no exercício anterior ao da aplicação do novo regime tenham apresentado um volume total de proveitos superior a € 500 000,00, considerando que é este o valor determinado para as empresas obrigadas a apresentar mensalmente as declarações de IVA (deixando de fora as pequenas e médias empresas);
- Após o final do período de transição entrarão em vigor taxas contributivas para as empresas diferenciadas a aplicar sobre as remunerações e sobre o VAB;
- A taxa contributiva diferenciada sobre as remunerações será aplicada mensalmente e servirá para calcular a contribuição da empresa que ela terá de pagar mensalmente à segurança social, funcionando também como garantia mínima de contribuição da empresa para a segurança social;
- A taxa de contribuição diferenciada sobre o VAB será aplicada no fim de cada ano, e se o valor obtido for superior à quantia paga durante o ano (somatório dos pagamentos mensais) a empresa entregará a diferença à segurança social; se for inferior ao somatório do entregue mensalmente será este que funcionará como contribuição para a segurança social, ficando, assim, garantido um mínimo certo de receitas para a segurança social;
- Na fixação de taxas diferenciadas serão reduzidas as taxas que incidem sobre as empresas de trabalho intensivo;
- As quotizações dos trabalhadores para a segurança social continuarão a ser calculadas com base nas suas remunerações efectivas;
- Os excedentes de receita resultante da aplicação desta nova forma de cálculo reverterão para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

Neste quadro, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei, que visa uma nova forma de contribuição para a segurança social com base no Valor Acrescentado Bruto:

Artigo 1.º

Os montantes das contribuições das entidades empregadoras para os regimes de segurança social são determinados simultaneamente pela aplicação das taxas legalmente previstas para as contribuições das entidades empregadoras com base nas remunerações auferidas pelos trabalhadores ao seu serviço que constituam base de incidência contributiva, e pela aplicação de uma taxa sobre o Valor Acrescentado Bruto (VAB).

Artigo 2.º

1 - O VAB de cada empresa será determinado, anualmente, com base nos dados constantes da declaração anual de rendimentos apresentada à administração fiscal para efeitos de IRC.
2 - As contribuições para a segurança social em função do VAB incidirão sobre um valor correspondente a 10,5% do VAB determinado nos termos do número anterior.

Artigo 3.º

1 - As entidades empregadoras contribuintes dos regimes de segurança social continuarão a efectuar mensalmente, nos termos da legislação aplicável, o pagamento das respectivas contribuições com base na aplicação das taxas legalmente previstas às remunerações dos trabalhadores ao seu serviço que constituam base de incidência contributiva, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º.
2 - No final de cada ano o somatório dos valores pagos mensalmente por cada entidade contribuinte nos termos do número anterior será comparado com o valor da percentagem do VAB respectivo apurado nos termos do n.º 2 do artigo 2.º.
3 - Se o valor obtido com base no VAB for superior ao somatório anual das contribuições da entidade empregadora com base nos valores pagos mensalmente resultante da taxa aplicável sobre as remunerações dos trabalhadores, a entidade contribuinte deverá entregar ao sistema de segurança social, até ao final do primeiro semestre do ano seguinte àquele a que respeitam as contribuições, a soma correspondente à diferença entre estes dois valores; caso contrário, será o montante calculado com base na aplicação da taxa contributiva sobre as remunerações e pago mensalmente que funcionará.

Artigo 4.º

1 - A nova forma de cálculo das contribuições das empresas previsto neste diploma só é obrigatoriamente aplicável às entidades empregadoras que apresentem, no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total de proveitos superior a € 500 000,00.
2 - As entidades a quem não seja aplicável obrigatoriamente o disposto no número anterior poderão, mediante declaração, optar pela aplicação do regime geral.

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3 - Caso optem pelo regime geral deverão conservar-se neste por um período mínimo de três exercícios, salvo se durante este período for atingido o montante previsto no n.º 1.

Artigo 5.º

1 - Após o final do período referido no artigo anterior entrarão em vigor taxas contributivas para as empresas diferenciadas sobre o VAB e sobre as remunerações, sendo as taxas sobre remunerações aplicadas mensalmente e funcionando como garantia mínima de contribuição das empresa, devendo as taxas contributivas sobre as remunerações e sobre o VAB serem fixadas de forma a assegurar a sustentabilidade financeira do sistema de segurança social.
2 - As taxas contributivas das empresas de trabalho intensivo deverão ser mais reduzidas.
3 - O Governo publicará, por decreto-lei, as taxas diferenciadas previstas no número anterior.

Artigo 6.º

As quotizações dos trabalhadores para a segurança social serão determinadas pela incidência das taxas constantes da lei sobre as remunerações efectivamente auferidas.

Artigo 7.º

No decurso do período de três anos a partir da entrada em vigor do presente diploma o Governo deverá, por decreto-lei, legislar no sentido de serem gradualmente reduzidas a multiplicidade de taxas de cotizações e contribuições existentes.

Artigo 8.º

Os excedentes de receitas resultantes da aplicação desta lei reverterão a favor do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

Artigo 9.º

Este diploma entra em vigor com a publicação da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 15 de Setembro de 2005.
Os Deputados do PCP: Jorge Machado - Odete Santos - Miguel Tiago - José Soeiro - Honório Novo - António Filipe - Agostinho Lopes - Luísa Mesquita -Bernardino Soares - Abílio Dias Fernandes.

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PROJECTO DE LEI N.º 157/X
DEFINE REGRAS DE ARRENDAMENTO RURAL APLICÁVEIS A PRÉDIOS RÚSTICOS DO ESTADO

Ao apresentar o presente projecto de lei o Grupo Parlamentar do PCP tem como objectivo resolver uma situação que incompreensivelmente se arrasta ao longo dos anos e que sucessivos governos se propuseram resolver sem que entretanto tal se tenha verificado.
Trata-se de clarificar e resolver a situação em que agricultores e trabalhadores agrícolas exploram, alguns há mais de 25 anos, parcelas de terra do Estado ou por este detidas e que se vêem impossibilitados de fazer investimentos estratégicos indispensáveis à modernização, diversificação e rentabilização das explorações agrícolas em seu poder devido ao carácter precário do seu estatuto face à posse e uso da terra.
Caso paradigmático desta situação é o caso dos cerca de 100 agricultores a quem o Estado fez entrega, há 25 anos, de parcelas de terra de cerca de 33 hectares, na Herdade dos Machados, concelho de Moura, e que há 25 anos vivem em permanente sobressalto pois os contratos de arrendamento que o Estado lhes fez não lhes dão as garantias necessárias e suficientes para poderem encarar o futuro com a tranquilidade e segurança a que têm direito.
Não é aceitável que, a cada mudança de governo ou que de cinco em cinco anos, centenas de famílias sejam confrontadas com a incerteza quanto ao seu futuro de agricultores.
Não é aceitável que centenas de famílias de agricultores e trabalhadores agrícolas, empenhadas em arrancar da terra o seu sustento, não desfrutem das garantias necessárias, por parte do Estado, para poderem investir com segurança na modernização, diversificação e rentabilização das suas explorações agrícolas devido ao carácter precário que caracteriza o seu vínculo à terra que trabalham.
Não é aceitável que seja o Estado o primeiro a negar o cumprimento de importantes desígnios constitucionais como os de promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos agricultores e trabalhadores agrícolas e o acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios de produção

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directamente utilizados na sua exploração por parte daqueles que a trabalham (artigo 93.º da Constituição da República Portuguesa) ou ainda a recusar a garantia de estabilidade e a salvaguarda dos legítimos interesses do cultivador (artigo 96.º da Constituição da República Portuguesa).
É face ao exposto, e no espírito de dar cumprimento à Lei Fundamental da República, que, nos termos constitucionais e legais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Âmbito

A presente lei determina as regras aplicáveis aos contratos de arrendamento rural, acordos ou situações de facto com o mesmo fim e condições, estabelecidos ou a estabelecer entre o Estado e os arrendatários ou agricultores que explorem prédios rústicos do Estado.

Artigo 2.º
Arrendamento rural

1 - Entende-se por arrendamento rural, para efeitos do presente diploma, o contrato ou acordo sob qualquer forma, estabelecido entre o Estado e uma pessoa singular ou colectiva, incluindo do sector cooperativo, em que o primeiro transfere para o segundo o direito de uso, fruição e administração de terras agrícolas do domínio público mediante o pagamento pelo arrendatário de uma contraprestação estipulada em dinheiro e designada por renda.
2 - Entende-se por acordo ou situação de facto, para efeito do presente diploma, aqueles em que, embora sem suporte documental, se produzam os mesmos efeitos e em que as partes estão vinculadas às mesmas condições do contrato de arrendamento rural.

Artigo 3.º
Benfeitorias

1 - Os arrendatários ou agricultores poderão efectuar todas as benfeitorias previstas no contrato ou acordo estabelecido, podendo ainda ser introduzidas outras, por sua iniciativa ou do Estado, desde que se revelem necessárias e úteis a uma boa exploração do prédio.
2 - Findo o contrato ou o acordo as benfeitorias realizadas são incorporadas no prédio, havendo lugar a uma indemnização a pagar pelo Estado.
3 - Quanto às benfeitorias úteis e voluptuárias aplicar-se-á o regime previsto no artigo 1273.º e seguintes do Código Civil.

Artigo 4.º
Apoios

Os arrendatários ou agricultores que explorem prédios rústicos do Estado são, nos termos da presente lei, equiparados a proprietários para efeitos de proposta de candidaturas e obtenção de benefícios de apoios, programas ou fundos nacionais e comunitários.

Artigo 5.º
Validade

Os contratos ou acordos de arrendamento rural definidos no artigo 2.º têm carácter vitalício e só podem caducar nos termos do estipulado no artigo seguinte ou por vontade expressa e inequívoca do arrendatário.

Artigo 6.º
Resolução do contrato ou acordo

1 - O Estado só pode resolver unilateralmente o contrato ou acordo de arrendamento rural no decurso do mesmo, mediante comunicação prévia ao arrendatário, com recurso deste para os tribunais comuns, nas seguintes condições:

a) Não pagamento de renda no tempo e lugar próprios;
b) Incumprimento de uma obrigação legal, com prejuízo directo para a produtividade, substância ou fim económico e social do prédio;
c) Utilização de processos de cultura ou culturas comprovadamente depauperantes da potencialidade produtiva dos solos;

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d) Subarrendamento ou cedência a qualquer título, total ou parcialmente dos prédios arrendados nos casos não permitidos ou sem o cumprimento das obrigações legais;
e) Não atingir os níveis mínimos de utilização do solo nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 227/84, de 9 de Julho, durante três anos sucessivos ou cinco interpolados.

2 - Os prédios rústicos abrangidos pelas disposições previstas na presente lei não são objecto de alienação por nenhuma das partes.

Artigo 7.º
Fixação da renda

Na determinação e actualização da renda aplicar-se-á o disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro.

Artigo 8.º
Transmissão por morte

A posição contratual do arrendatário transmite-se por morte deste ao cônjuge sobrevivo, desde que não divorciado ou separado judicialmente de facto, àquele que no momento da sua morte viva com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges e a parente ou afins, na linha recta.

Artigo 9.º
Fiscalidade

1 - Em sede de imposto sobre o rendimento e imposto sobre o património, o Governo, por decreto-lei, definirá os níveis de fiscalidade que incidirão sobre os prédios rústicos abrangidos por este diploma.
2 - Os valores da tributação fiscal previstos no número anterior serão definidos com base nem sistema de escalões, tendo em conta, designadamente, a dimensão das explorações e a sua contribuição para a criação de emprego e que serão progressivos no primeiro caso e degressivos no segundo.

Artigo 10.º
Regulamentação

O Governo regulamenta a presente lei, em tudo o que não esteja especialmente previsto, no prazo máximo de 60 dias.

Artigo 11.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, excepto quanto às normas com implicações orçamentais que entram em vigor com o Orçamento do Estado subsequente.

Assembleia da República, 15 de Setembro de 2005.
Os Deputados do PCP: José Soeiro - Bernardino Soares - Luísa Mesquita - Jorge Machado - Jerónimo de Sousa - Miguel Tiago - Honório Novo - Agostinho Lopes - António Filipe - Odete Santos - Abílio Dias Fernandes.

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PROJECTO DE LEI N.º 158/X
PREVÊ A OBRIGATORIEDADE DA DIVULGAÇÃO DETALHADA DAS REMUNERAÇÕES DOS ADMINISTRADORES DAS SOCIEDADES EMITENTES DE ACÇÕES ADMITIDAS À NEGOCIAÇÃO EM MERCADO REGULAMENTADO (ALTERA O CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS)

Preâmbulo

A exigência de transparência é - pelo menos em termos teóricos - transversal a todos os sectores da vida nacional.
Desde que tomou posse o actual Governo tem acentuado o discurso da necessidade da sociedade portuguesa - toda ela - criar mecanismos que aumentem e/ou garantam níveis de transparência que permitam reconquistar a confiança dos portugueses nas instituições em todos os sectores de actividade política, económica, social e cultural.

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Foi nesta linha, e pretensamente com tais objectivos, que, em boa medida, o Governo foi apresentando algumas propostas de lei que, segundo a versão oficial, procuravam ora "impor regras claras de nomeação de cargos na hierarquia do Estado", ora "reduzir e eliminar privilégios e regalias dos titulares de cargos políticos", ora, bem mais recentemente, criar um "conjunto de orientações no sentido de tornar mais justo e equilibrado os sistemas de remunerações e pensões nas empresas e institutos públicos".
É bem certo que algumas destas propostas ficaram ou estão longe, bem longe dos propósitos enunciados, mas esta não é, neste contexto, a questão central já que, quanto aos respectivos conteúdos, tivemos e teremos ocasião de discordar ou contrapor.
Quanto ao PCP, e neste conjunto de questões e problemas, temos sido bem claros: é preciso limitar e eliminar privilégios e regalias ilegítimas ou ostentatórias face às dificuldades que atingem a maioria dos portugueses, há que criar e aprofundar regras e instrumentos que garantam a informação rigorosa e a transparência dos mais diversos sectores da actividade, seja na administração pública, na hierarquia do Estado, nas instituições ou na vida económica e empresarial, pública e privada.
No caso da vida económica e da vida empresarial a transparência da gestão das sociedades é um imperativo e, simultaneamente, um facto de progresso, de dinamismo e de modernidade.
Esta transparência assume especial importância no âmbito das sociedades cotadas em Bolsa.
A existência de regras e obrigações que garantam esta transparência é há muito preocupação do PCP que, já na anterior legislatura, avançou com uma iniciativa legislativa que determinava a divulgação da informação relativa às remunerações auferidas pelos administradores das sociedades cotadas em Bolsa.
Esta é uma questão que persiste sem solução clara e que, por isso, importa agora retomar no novo contexto político e governamental.
De facto, a prestação daquele tipo de informações reveste importância relevante e tem sido objecto de análise e de alguns avanços quer no seio da Comissão Europeia quer no seio da própria Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
Desde 1978, com a Directiva n.º 78/660/CEE, de 25 de Julho de 1978, que tem havido uma constante preocupação com a criação de mecanismos de divulgação das remunerações dos administradores, de forma a permitir o aumento da informação não só dos sócios e dos trabalhadores mas também do restante público.
Também a Directiva n.º 83/649/CEE, de 13 de Junho de 1983, reflecte a preocupação que a nível comunitário tem existido no sentido de fazer acompanhar a crescente importância que este tipo de sociedades vem assumindo na economia nacional, e mesmo global, de medidas que permitam uma maior transparência da sua gestão.
As medidas previstas nestas directivas têm como objectivo permitir não só uma análise da relação entre as remunerações auferidas pelos administradores e a situação financeira das empresas, mas também a avaliação do desempenho do administrador encarregado do acompanhamento de cada sector de actividade da empresa e a sua remuneração.
Apesar de serem de registar como positivas, as medidas preconizadas por ambas as directivas ficam, no entanto, aquém dos objectivos a que se propõem, por se limitarem a prever a divulgação desta informação de forma global. De facto, só a divulgação da informação de forma individualizada relativamente a cada administrador, discriminando igualmente as remunerações fixas das acessórias, permitirá uma avaliação mais segura e informada da gestão da sociedade.
Isto mesmo resulta implícito das recomendações da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) de Julho de 2003 relativas ao governo das sociedades cotadas.
Nestas recomendações a CMVM, que nesta altura era presidida pelo Dr. Teixeira dos Santos, actual Ministro das Finanças, previa a divulgação das remunerações auferidas pelos administradores de forma individualizada, constituindo esta divulgação "não apenas um instrumento de sindicabilidade mas também um estímulo permanente à melhoria do desempenho dos membros do órgão de administração", recomendação que as empresas portuguesas não têm, aliás, cumprido.
A Comissão Europeia, na sua comunicação ao Conselho e ao Parlamento Europeu de Maio de 2003, sobre a modernização do direito das sociedades, insiste na necessidade de os accionistas estarem "em condições de apreciar plenamente a relação entre os resultados da empresa e o nível de remuneração dos administradores", sendo, por isso, necessária a "divulgação de informações pormenorizadas sobre as remunerações de cada administrador nas contas anuais".
No final de 2003 a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, na sequência das recomendações atrás referidas, aprovou um novo Regulamento, o n.º 11/2003 - pouco antes da iniciativa legislativa do PCP ter sido debatida na anterior Legislatura -, em que procurou ir um pouco mais longe, determinando que no relatório sobre o governo das sociedades sejam indicadas as remunerações dos membros dos órgãos de administração. Porém, não determinou que tal informação passasse a ser divulgada de forma individualizada, deixando essa opção nas nãos das próprias sociedades. Neste aspecto fica tudo conforme já estipulava o anterior regulamento, não obstante nem sequer este ser cumprido integralmente pela generalidade das empresas. Pode mesmo dizer-se que as recomendações que Teixeira dos Santos (actual Ministro das Finanças) advogara enquanto representante máximo do conselho directivo da CMVM não tiveram seguimento no texto que acabou por ser incluído no Regulamento n.º 11/2003.

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A iniciativa legislativa do PCP continua, portanto, plenamente actual e justifica-se a sua reapresentação na medida em que ela constitui um instrumento indispensável para dar cumprimento a exigências de informação completa e para contribuir para a prevenção de "súbitos" colapsos empresarias provocados por descapitalizações ocasionadas (entre outros factores) pelo pagamento de salários elevados e desproporcionados aos respectivos administradores, com consequências na ocorrência de falências, no desemprego de milhares de trabalhadores e nos graves prejuízos causados à economia. Temos, aliás, exemplos bem vivos no passado ainda bem recente deste tipo de situações e suas gravíssimas repercussões, como os casos de empresas transnacionais sediadas nos EUA como a ENRON, Worldcom, Global Crossing, Vivendi Universal, Parmalat e outras.
Assim, ao abrigo da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e da alínea e) do artigo 11.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo único

É aditado o artigo 451.º-A ao Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86 de 2 de Setembro, alterado pelos Decreto-Lei n.º 184/87, de 21 de Abril, n.º 280/87, de 8 de Julho, n.º 229-B/88, de 4 de Julho, n.º 238/91, de 2 de Julho, n.º 225/92, de 21 de Outubro, n.º 20/93, de 26 de Janeiro, n.º 328/95, de 9 de Dezembro, n.º 257/96, de 31 de Dezembro, n.º 343/98 de 6 de Novembro, n.º 486/99 de 13 de Novembro, n.º 36/2000, de 14 de Março, n.º 237/2001 de 30 de Agosto, n.º 162/2002 de 11 de Julho, n.º 107/2003, de 4 de Junho, n.º 88/2004, de 20 de Abril, n.º 19/2005, de 18 de Janeiro, n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, e n.º 111/2005 de 8 de Julho, com a seguinte redacção:

"Artigo 451.º-A
Relatório de gestão e contas

Para além do previsto no artigo 66.º deste Código e no Plano Oficial de Contabilidade, quando se trate de sociedades anónimas emitentes de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, o relatório de gestão e as contas do exercício deverão indicar de forma individualizada as remunerações base e acessórias de cada um dos administradores da sociedade, ainda que não seja esta a assumir directamente esses encargos."

Assembleia da República, 15 de Setembro de 2005.
Os Deputados do PCP: Honório Novo - Bernardino Soares - Jorge Machado - José Soeiro - Miguel Tiago - Agostinho Lopes - Luísa Mesquita - António Filipe - Odete Santos - Abílio Dias Fernandes.

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PROJECTO DE LEI N.º 159/X
ATRIBUI O DIREITO A SUBSÍDIO DE DESEMPREGO AO PESSOAL DOCENTE E INVESTIGADOR CONTRATADO POR INSTITUIÇÕES DO ENSINO SUPERIOR E DE INVESTIGAÇÃO PÚBLICAS

O Grupo Parlamentar do PCP apresentou, em Fevereiro de 2003, um projecto de lei que atribuía o direito a subsídio de desemprego ao pessoal docente e investigador contratado por instituições do ensino superior e de investigação públicas.
Aquando da sua discussão, em Setembro de 2003, o PSD e o CDS-PP rejeitaram o projecto de lei do PCP, afirmando que o Governo estava a proceder à produção legislativa de medidas que garantiam a protecção aos funcionários e agentes da Administração Pública em situação "involuntária de desemprego".
Comprometiam-se, assim, os partidos da coligação (PSD-CDS-PP) a responder ao Acórdão n.º 474/2002, do Tribunal Constitucional de 19 de Novembro (publicado no Diário da República n.º 292, Série A, de 18 de Dezembro de 2002), que "dá por verificado o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequível o direito previsto na alínea e) do n.º 1 do seu artigo 59.º relativamente aos trabalhadores da Administração Pública".
Entretanto, e até ao terminus da IX Legislatura, verificou-se que o Governo nada produziu no que se refere à matéria em causa e que a maioria parlamentar (PSD-CDS-PP) que em sede de Assembleia da República chancelou esse compromisso também produziu coisa nenhuma.
Entretanto, em Novembro de 2003, foi aprovado, na generalidade, um projecto de lei do Partido Socialista relativo ao enquadramento do pessoal da Administração Pública e à eventualidade de desemprego que, tendo baixado à comissão da especialidade, em Novembro de 2003, aí ficou até à dissolução da Assembleia da República, um ano depois, sem a discussão na especialidade.
Estas são, resumidamente, as razões que fundamentam a reapresentação do projecto de lei do PCP, agora na X Legislatura.
Considerando unanimemente que decorre da Constituição a obrigatoriedade para o legislador de estabelecer uma assistência material mínima para todos os trabalhadores que involuntariamente se encontrem

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em situação de desemprego, o que será encontrado através do referencial das condições mínimas de subsistência (artigo 59.º) e que a noção constitucional de trabalhador abrange todo aquele que trabalha ou presta serviço por conta e sob a direcção e autoridade de outrem, independentemente da categoria e da natureza jurídica do vínculo, o que significa que inclui os funcionários públicos, urge o preenchimento da omissão relativa ao pessoal docente e investigador contratado e desempregado e não abrangido pelo Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril.
No quadro legal actual existe uma omissão legislativa pelo não cumprimento da obrigação do legislador e da qual resultam consequências gravosas para os direitos fundamentais do pessoal docente e investigador atingido.
Na verdade, se a generalidade dos docentes trabalhadores da Administração Pública não podiam ser beneficiários das prestações de desemprego, por não estarem inscritos no regime geral de segurança social, o Decreto-Lei n.º 67/2000, de 26 de Abril, veio possibilitar que os educadores de infância e os professores dos ensinos básico e secundário contratados para o exercício de funções docentes nos estabelecimentos de educação de ensino público pudessem auferir de subsídio de desemprego.
O Grupo Parlamentar do PCP apresentou, em 2000, o projecto de lei n.º 56/VIII, que visava atribuir subsídio de desemprego aos docentes contratados dos estabelecimentos de educação de ensino públicos.
Parcialmente, o Decreto-Lei n.º 67/2000, de 26 de Abril, veio consagrar algumas das pretensões apresentadas, mas, no quadro da Administração Pública, existem outros docentes e pessoal investigador que estão já ou podem vir a ser colocados em situação de desemprego involuntário sem poder beneficiar das prestações de assistência para essa situação que, de resto, a lei prevê relativamente à generalidade dos restantes trabalhadores.
Ficou, assim, por resolver o que também propusemos e não foi consagrado no citado decreto-lei, mas que o Tribunal Constitucional, agora, considera uma situação de "inconstitucionalidade por omissão".
Reiterando o que sempre entendemos, reapresentamos o presente projecto de lei que visa atribuir o subsídio de desemprego ao pessoal docente e investigador provido ao abrigo dos artigos 19.º, 25.º, 26.º, 29.º, 31.º, 32.º e 33.º do Estatuto da Carreira Docente Universitária (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de Novembro, alterado, por ratificação, pela Lei n.º 19/80, de 16 de Julho), dos artigos 9.º, 10.º e 12.º do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Politécnico (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 69/88, de 3 de Março) e dos artigos 38.º, n.º 2, e 44.º do Estatuto da Carreira de Investigação Científica (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 124/99, de 20 de Abril), dando cumprimento ao estabelecido na alínea e) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.
Considerando como primordial o direito à estabilidade de emprego, no âmbito geral da Administração Pública e compreendendo o subsídio de desemprego como um factor de consolidação daquele direito, visando o objectivo de pôr termo a tão indigna e insustentável situação do pessoal docente e investigador que, apesar de indispensável ao exercício de qualificadas funções do Estado é por ele usado e abandonado, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

A presente lei atribui o direito a subsídio de desemprego ao pessoal docente e investigador provido por instituições do ensino superior e de investigação públicas e determina o quadro da reparação no âmbito do regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, nos termos do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, e desde que não estejam abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 67/2000, de 26 de Abril, com as adaptações seguintes.

Artigo 2.º
Âmbito pessoal

Está abrangido o pessoal docente e investigador que exerça ou tenha exercido funções ao abrigo do disposto nos artigos 19.º, 25.º, 26.º, 29.º, 31.º, 32.º e 33.º do Estatuto da Carreira Docente Universitária, nos artigos 9.º, 10.º e 12.º do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Politécnico e nos artigos 38.º, n.º 2, e 44.º do Estatuto da Carreira de Investigação Científica.

Artigo 3.º
Relação laboral

A caracterização da relação laboral decorre da situação de o trabalhador ter estado vinculado por nomeação provisória ou por contrato administrativo de provimento, nos termos referidos no artigo anterior, ou ainda por outro tipo de contratação a título precário.

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Artigo 4.º
Prazos de garantia

1 - Os prazos de garantia para atribuição do subsídio de desemprego são os seguintes:

a) 180 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego, para a atribuição do subsídio de desemprego;
b) 90 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 12 meses imediatamente anterior à data de desemprego, para a atribuição de subsídio social de desemprego.

2 - Para cômputo dos prazos de garantia previstos no n.º 1, devem ser somados os períodos de exercício de funções docentes e de investigação prestados nas instituições de ensino superior e de investigação públicas.

Artigo 5.º
Deveres dos beneficiários

1 - Durante o período de concessão das prestações de desemprego constitui dever dos beneficiários perante a instituição processadora do vencimento:

a) Aceitar emprego docente ou de investigação, na sua área de formação e no âmbito correspondente ao centro de emprego onde se encontre inscrito, independentemente da natureza da função anterior;
b) Aceitar formação pedagógica ou profissional, na sua área de formação, independentemente da natureza da função anterior;
c) Comunicar ao serviço competente, no prazo de 10 dias, a alteração de residência;
d) Comunicar ao serviço competente a data em que se ausente do território nacional;
e) Ser opositor aos concursos para recrutamento de pessoal para exercício de funções no ensino superior e de investigação, na sua área de formação.

2 - Para os efeitos previstos na alínea e) do número anterior, consideram-se com carácter vinculativo os concursos que constarem das listas do centro de emprego onde se encontra inscrito, confinadas à respectiva área geográfica, que sejam publicitadas em listas por ele produzidas e actualizadas no prazo máximo de cinco dias, não podendo exceder um terço do prazo da candidatura.

Artigo 6.º
Contagem

O serviço prestado pelo pessoal docente e investigador ao abrigo do artigo anterior conta para todos os efeitos como serviço efectivo na qualidade em que for prestado.

Artigo 7.º
Actuações injustificadas

Para além dos procedimentos previstos no regime de protecção do desemprego, determinam ainda a cessação do direito às prestações as seguintes actuações dos docentes perante o Ministério da tutela:

a) Recusa de formação profissional ou pedagógica, sem motivo justificativo;
b) Recusa de oferta de serviço docente ou de investigação na área da sua formação em instituição de ensino superior ou de investigação públicas, na área correspondente ao centro de emprego onde se encontra inscrito.

Artigo 8.º
Inscrição

Para efeitos do disposto no artigo 1.º são obrigatoriamente inscritos no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, como beneficiários, o pessoal docente e investigador referido no artigo 2.º e, como contribuinte, as instituições processadoras dos vencimentos.

Artigo 9.º
Obrigação contributiva

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1 - A entidade contribuinte definida no artigo anterior fica obrigada ao pagamento de contribuição para o regime geral de segurança social, calculada pela aplicação da taxa em vigor para a Administração Pública sobre as remunerações pagas aos beneficiários, definidos nos termos do artigo 2.º.
2 - A obrigação contributiva mantém-se nos casos de impedimento para o serviço efectivo decorrente de situações de doença, maternidade, acidente de trabalho e doença profissional, salvo havendo suspensão do pagamento de remunerações e enquanto a mesma perdurar.
3 - As dotações financeiras necessárias ao cumprimento do disposto no presente artigo são transferidas directamente do Orçamento do Estado.

Artigo 10.º
Efeitos do registo de remunerações

Os registos de remunerações efectuados ao abrigo deste diploma apenas relevam para efeitos da concessão das prestações de desemprego.

Artigo 11.º
Pagamento retroactivo de contribuições

1 - Quem se encontrar abrangido pela presente lei pode requerer o pagamento retroactivo de contribuições para efeitos de verificação do prazo de garantia para o reconhecimento do direito às prestações de desemprego.
2 - O pagamento das contribuições correspondentes aos períodos a considerar para efeitos de retroactivos será feito de uma só vez.

Artigo 12.º
Requerimento de pagamento retroactivo das contribuições

1 - O requerimento previsto no artigo anterior é apresentado na instituição processadora do vencimento e deve indicar o período de actividade relativamente ao qual se pretende que a retroacção opere.
2 - O requerimento deve ser instruído com os seguintes elementos:

a) Documento que constitua meio de prova de identificação;
b) Declaração do requerente onde constem a actividade exercida, os períodos de tempo a considerar para efeitos de retroacção e os elementos de identificação das respectivas instituições processadoras dos vencimentos;
c) Meios de prova sobre as situações laborais invocadas.

Artigo 13.º
Falsas declarações

É nulo o acto de deferimento do período de pagamento de contribuições com efeito retroactivo desde que se comprove que o mesmo foi praticado com base em declaração ou documentos falsos.

Artigo 14.º
Legislação subsidiária

São aplicáveis subsidiariamente as disposições do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.

Artigo 15.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 14 de Setembro de 2005.
Os Deputados do PCP: Luísa Mesquita - Miguel Tiago - Jorge Machado - José Soeiro - Honório Novo - Agostinho Lopes - António Filipe - Odete Santos - Bernardino Soares - Abílio Dias Fernandes.

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PROJECTO DE LEI N.º 160/X
GARANTE O PORTE PAGO AOS ÓRGÃOS DE IMPRENSA REGIONAL E A PUBLICAÇÕES ESPECIALIZADAS

Exposição de motivos

A importância da imprensa regional num país como o nosso, com baixíssimos índices de leitura, é unanimemente reconhecida. Os órgãos de imprensa regional têm um papel social insubstituível, quer na vida das regiões em que se inserem, divulgando um tipo de noticiário de interesse regional que normalmente não tem expressão através da imprensa de expansão nacional e contribuindo para a dinamização cultural e mesmo económica das regiões em que inserem, quer como elemento de ligação com muitos cidadãos que, em Portugal ou no estrangeiro, vivem longe das regiões de origem.
A imprensa regional constitui um valioso factor de pluralidade e diversidade da comunicação social, tanto mais importante quanto se assiste ao vertiginoso processo de concentração dos grandes meios de comunicação nas mãos de uns poucos grupos económicos.
Todas as razões apontariam, portanto, para que houvesse uma política decidida de apoio aos órgãos de imprensa regional existentes e que incentivasse, inclusivamente, a criação de novos títulos, assentes em projectos profissionais credíveis.
Porém, a realidade é muito diferente. Quer a evolução legislativa quer a prática política que se tem verificado, têm-se traduzido na sistemática redução dos apoios à imprensa regional e na criação de crescentes dificuldades à sobrevivência das publicações que insistem em manter-se vivas, apesar de todas as adversidades.
São conhecidas as dificuldades da imprensa regional em obter receitas publicitárias devido à concorrência desleal que é exercida pelos jornais de distribuição gratuita, propriedade de grandes grupos multimédia. É sabido que algumas das mais importantes fontes de receita da imprensa regional, como a publicação obrigatória de escrituras públicas, deixaram de ser exigidas na prática. É evidente que os baixos níveis de leitura que se verificam entre nós, e que afectam a generalidade da imprensa escrita, se repercutem em primeiro lugar nos órgãos com menor capacidade económica. Daí que a evolução que se tem verificado, com o desaparecimento de inúmeros títulos da imprensa regional e com o aumento das dificuldades dos que se mantém, é profundamente empobrecedora do pluralismo da comunicação social e do panorama cultural do nosso país.
Não se compreende, por isso, que a recente evolução legislativa referente a um dos apoios à imprensa regional, o porte pago das publicações expedidas para os assinantes, tenha apontado no sentido da introdução de restrições e limitações a esse benefício, tendentes à sua eliminação a prazo, sem que sequer tenham sido criados mecanismos de apoio compensadores dessa restrição.
Entende, assim, o PCP que se impõe revalorizar o benefício do porte pago para a imprensa regional, suportando a 100% os custos de expedição dos órgãos que reúnam as condições exigidas para esse efeito, estabelecidas objectivamente em função das tiragens, da regularidade, do profissionalismo e da comprovada seriedade dos projectos existentes.
Para o PCP a moralização da utilização dos recursos públicos destinados a apoiar a imprensa regional é obviamente indispensável. Mas essa moralização obtém-se através de uma fiscalização rigorosa da concessão de apoios e nunca através de um "corte cego" que prejudica fundamentalmente quem mais deveria ser apoiado.
O PCP considera indispensável a definição precisa do âmbito de aplicação do regime de porte pago a 100%, e a adopção de medidas de fiscalização e de controlo que permitam maior rigor na aplicação da lei e que combatam eventuais situações de fraude. É nesse sentido que são propostos os mecanismos de verificação em sede fiscal, constantes desta iniciativa. Mas o PCP não aceita medidas que se traduzam na imposição de custos acrescidos de expedição aos verdadeiros órgãos de imprensa regional, cuja actividade é digna de reconhecimento e apoio por parte do Estado.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os abaixo assinados, Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Alterações ao Decreto-Lei n.º 6/2005, de 6 de Janeiro

Os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 9.º, 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 6/2005, de 6 de Janeiro, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 1.º
Definição e âmbito

1 - Entende-se por porte pago o pagamento pelo Estado ao operador do serviço público postal, em regime de avença, dos custos de expedição de publicações periódicas suportados pelos assinantes residentes no território nacional ou no estrangeiro.
2 - Para os efeitos do número anterior são consideradas as assinaturas declaradas para efeitos fiscais, pela entidade proprietária ou editora da publicação em causa, no ano anterior ao da instrução do processo de candidatura para a concessão de porte pago.

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3 - O porte pago abrange exclusivamente os custos correspondentes a um peso não superior a 200 g por exemplar, incluindo suplementos e encartes.
4 - O regime do porte pago fica sujeito às condições de aceitação de remessas praticadas pelo operador postal.
5 - Estão excluídas da aplicação do presente diploma as seguintes publicações periódicas:

a) Pertencentes ou editadas por partidos e associações políticas, directamente ou por interposta pessoa;
b) Pertencentes ou editadas por associações sindicais, patronais ou profissionais, directamente ou por interposta pessoa, excepto quando enquadráveis na alínea d) do artigo 3.º da presente lei;
c) Pertencentes ou editadas, directa ou indirectamente, pela administração central, regional ou local, bem como por quaisquer serviços ou departamentos delas dependentes, salvo associações de municípios;
d) Gratuitas;
e) De conteúdo pornográfico ou incitador da violência;
f) Que não sejam maioritariamente vendidas no território nacional, excepto se destinadas às comunidades portuguesas no estrangeiro ou aos países africanos de língua oficial portuguesa;
g) Que ocupem com conteúdo publicitário uma superfície superior a 50% do espaço disponível, incluindo suplementos e encartes, calculada com base num número de edições não inferior a três, a seleccionar de entre as publicadas nos 12 meses anteriores à data de apresentação da respectiva candidatura;
h) Que não se integrem no conceito de imprensa, nos termos da lei.

Artigo 2.º
Publicações de informação geral

1 - As entidades proprietárias ou editoras de publicações periódicas de informação geral, que sejam de âmbito regional ou destinadas às comunidades portuguesas no estrangeiro, beneficiam de uma comparticipação de 100% no custo da sua expedição postal para assinantes, desde que, à data de apresentação do requerimento de candidatura, as respectivas publicações perfaçam, no mínimo, 12 meses de registo e de edição, e se encontrem numa das seguintes situações:

a) Tenham pelo menos cinco profissionais com contrato de trabalho ao seu serviço, dos quais três jornalistas com a devida acreditação profissional, e uma tiragem média mínima por edição de 5000 exemplares nos seis meses anteriores à data de apresentação do requerimento de candidatura, caso a periodicidade com que se encontram registadas seja igual ou inferior à trissemanal;
b) Tenham pelo menos três profissionais com contrato de trabalho ao seu serviço, dos quais dois jornalistas com a devida acreditação profissional, e uma tiragem média mínima por edição de 3000 exemplares nos seis meses anteriores à data de apresentação do requerimento de candidatura, caso a periodicidade com que se encontrem registadas seja superior à trissemanal e igual ou inferior à semanal;
c) Tenham pelo menos dois profissionais com contrato de trabalho, dos quais um jornalista com a devida acreditação profissional, e uma tiragem média mínima por edição de 1000 exemplares nos seis meses anteriores à data de apresentação do requerimento de candidatura, caso a periodicidade com que se encontrem registadas seja superior à semanal e igual ou superior à quinzenal;
d) Tenham pelo menos um profissional com contrato de trabalho ao seu serviço e uma tiragem média mínima por edição de 1000 exemplares nos seis meses anteriores à data de apresentação do requerimento de candidatura, caso a periodicidade com que se encontrem registadas seja superior à quinzenal e igual ou inferior à mensal;
e) Tenham uma tiragem média mínima por edição de 1000 exemplares nos seis meses anteriores à data de apresentação do requerimento de candidatura, desde que a periodicidade com que se encontrem registadas seja igual ou inferior à mensal e não exista publicação congénere no município onde se localiza a respectiva sede de redacção.

2 - O mesmo trabalhador não pode concorrer para o preenchimento, por mais de uma publicação periódica, do número de profissionais exigido nas alíneas a) a d) do número anterior.
3 - Para os efeitos do disposto nas alíneas a) a c) do n.º 1, o conceito de acreditação profissional dos jornalistas abrange os títulos de acreditação previstos no Estatuto do Jornalista e no Regulamento da Carteira Profissional do Jornalista.
4 - As entidades que se enquadrem no disposto nas alíneas a) a d) do n.º 1 devem possuir contabilidade organizada.

Artigo 3.º
Publicações especializadas

Podem ainda aceder ao regime de porte pago, no valor correspondente a 100% dos custos da expedição postal para assinantes das publicações que editem, as seguintes entidades:

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a) As associações representativas dos deficientes que editem publicações que divulguem regularmente temas do interesse específico dos deficientes, como tal reconhecidas através de parecer dos serviços da Administração que se ocupam da área da inserção social;
b) As entidades proprietárias ou que editem publicações com manifesto interesse em matéria científica ou tecnológica, como tal reconhecido através de parecer dos serviços da Administração que se ocupam das áreas da ciência e tecnologia;
c) As entidades proprietárias ou que editem publicações com manifesto interesse em matéria literária ou artística, como tal reconhecido através de parecer dos serviços da Administração que se ocupam da área da cultura;
d) As confederações sindicais ou patronais integradas na Comissão Permanente da Concertação Social do Conselho Económico e Social que editem publicações reconhecidas, através de parecer dos serviços da Administração que se ocupam da área do trabalho, como o órgão oficial de um parceiro social;
e) As entidades proprietárias ou que editem publicações que estimulem o relacionamento e o intercâmbio com os povos dos países e territórios de língua portuguesa, como tal reconhecidas por parecer dos serviços da Administração que se ocupam da cooperação;
f) As entidades proprietárias ou que editem publicações que promovam a igualdade de oportunidades, como tal reconhecidas através de parecer dos serviços da Administração que se ocupem daquela área.

Artigo 4.º
Apoio à divulgação e leitura das publicações

As entidades beneficiárias do porte pago têm direito à cobertura integral dos custos de envio de um número de exemplares correspondente a 20% do total das expedições com recurso ao porte pago, destinados a promover a angariação de novos leitores e a divulgação da publicação em causa, nomeadamente junto de estabelecimentos de ensino, bibliotecas, instituições particulares de solidariedade social e associações de emigrantes.

Artigo 6.º
Equiparação a assinantes

São equiparados a assinantes, para efeitos da presente lei, os associados das entidades sem fins lucrativos beneficiárias de porte pago ao abrigo do Artigo 3.º, desde que se encontrem no pleno uso dos direitos reconhecidos pelos respectivos estatutos.

Artigo 9.º
Cartão de porte pago

1 - (…)
2 - O cartão de porte pago é válido por três anos.
3 - (…)
4 - (…)
5 - (…)

Artigo 10.º
Obrigações das entidades titulares

1 - (…)
2 - As entidades titulares das publicações em regime do porte pago, ao abrigo das alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 2.º, obrigam-se ainda a inserir na publicação respectiva, junto com os elementos a que se refere o n.º 2 do artigo 15.º da Lei da Imprensa, os nomes e os números das carteiras profissionais dos jornalistas considerados para a atribuição do porte pago.
3 - (…)

Artigo 11.º
Utilização abusiva

1 - Sem prejuízo do disposto na lei penal, a utilização do porte pago é considerada abusiva quando:

a) (…)
b) (…)
c) A publicação em causa exceda os limites de espaço ocupado com conteúdos publicitários referidos na alínea g) do n.º 5 do artigo 1.º;

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d) O número de profissionais ou de jornalistas for inferior ao estabelecido nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 2.º, caso tenha concorrido para a atribuição do porte pago;
e) (anterior alínea f))
f) (anterior alínea g))

2 - É igualmente considerada abusiva a utilização do porte pago para envio de publicações periódicas a título gratuito, designadamente ofertas, promoções ou permutas, de carácter exclusivamente comercial.
3 - (eliminado)
4 - (eliminado)"

Artigo 2.º
Norma revogatória

São revogados os artigos 17.º e 18.º do Decreto-Lei n.º 6/2005, de 6 de Janeiro.

Artigo 3.º
Regulamentação

Cabe ao Governo proceder à regulamentação do disposto nos artigos 7.º, 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 6/2005, de 6 de Janeiro, alterado pela presente lei, no prazo máximo de 60 dias após a publicação da presente lei.

Artigo 4.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 15 de Setembro de 2005.
Os Deputados do PCP: António Filipe - Agostinho Lopes - Bernardino Soares - Jorge Machado - Abílio Dias Fernandes - Miguel Tiago.

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PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 69/X
PROPÕE A REALIZAÇÃO DE UM REFERENDO SOBRE A INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ REALIZADA POR OPÇÃO DA MULHER NAS PRIMEIRAS 10 SEMANAS

No programa eleitoral do Partido Socialista pode ler-se o seguinte:
"O PS tem sobre a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez uma posição muito clara. Passaram seis anos desde a realização do referendo sobre esta matéria. Durante estes seis anos, o País assistiu a uma sucessão de julgamentos de mulheres pelo crime de aborto que confrontaram a nossa sociedade com uma lei obsoleta e injusta. O PS assume o compromisso de suscitar um novo referendo sobre a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, nos termos anteriormente submetidos ao voto popular, e bater-se-á empenhadamente pela sua aprovação pelos portugueses."
Este texto transitou sem qualquer alteração para o Programa do XVII Governo Constitucional.
Deste modo há que dar cumprimento aquilo que é um compromisso eleitoral, mas também um imperativo de consciência para muitas portuguesas e portugueses. O Partido Socialista tem mostrado a firme vontade de cumprir esse compromisso eleitoral com a maior urgência possível.
A pergunta que melhor materializa o compromisso eleitoral sufragado pela maioria dos portugueses é a que foi submetida a voto popular há mais de sete anos, em referendo realizado em 28 de Junho de 1998. A realização de um novo referendo que coloque ao eleitorado a pergunta do referendo de 1998 é, além do mais, uma clara expressão da força das convicções do PS sobre este tema. Por outro lado, essa pergunta parece levar vantagem do ponto de vista técnico sobre outras hipóteses que foram posteriormente objecto de debate parlamentar.
Nestes termos, os Deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projecto de resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos e para os efeitos dos artigos 115.º e 161.º, alínea j), da Constituição, apresentar a S. Ex.ª o Presidente da República a proposta de realização de um referendo em que os cidadãos eleitores recenseados no território nacional sejam chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:

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"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"

Os Deputados do PS: Alberto Martins - Vitalino Canas - Maria de Belém Roseira - José Junqueiro - Maria Júlia Caré - Teresa Portugal - Maria José Gamboa - Isabel Jorge - Cláudia Couto Vieira - Ana Couto - Isabel Coutinho - João Bernardo - Luísa Salgueiro - Rosa Albernaz - Sónia Fertuzinhos - Leonor Coutinho - Paula Cristina Duarte - Paula Nobre de Deus - Isabel Vigia - Cristina Granada - Celeste Correia - Hortense Martins - Maria Cidália Faustino - Rosalina Martins - Odete João - Ana Catarina Mendonça - Mota Andrade - Ricardo Rodrigues - Teresa Diniz - Marisa Costa - Irene Veloso - Joaquim Couto - Maria de Lurdes Ruivo - Nuno Sá - Maximiano Martins - Ventura Leite - Luís Pita Ameixa - Aldemira Pinho.

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PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 70/X
ADOPTA RECOMENDAÇÕES PARA QUE POSSA SER UTILIZADO EM UNIDADES HOSPITALARES O MEDICAMENTO DE USO HUMANO MIFÉGYNE (PÍLULA RU 486)

1 - Mifégyne e Misoprostol - medicamentos essenciais
Em Março de 2005 a Organização Mundial de Saúde incluiu no 14.º modelo de lista dos medicamentos essenciais como medicamentos ocitócicos e anti-ocitócicos uma combinação de mifépristone (comprimido de 200mgs e de Misoprostol (comprimido de 200 microgramas).
Mifégyne tem sido vulgarizado com o nome de RU 486, sendo mifépristone o nome da substância química, e Mifégyne o nome por que é comercializado em vários países pelos Laboratórios Exelgyn-Paris.
Segundo a OMS, os medicamentos essenciais são aqueles que satisfazem as necessidades da população quanto aos cuidados de saúde primários e são escolhidos de acordo com a relevância na saúde pública, evidência quanto à eficácia e segurança, e comparação dos custos com a sua eficácia.
"É desejável que os medicamentos essenciais estejam acessíveis dentro do contexto do funcionamento dos sistemas de saúde, em qualquer ocasião e em quantidades adequadas, em dosagens apropriadas, com qualidade assegurada e adequada informação e a preços acessíveis."
O 14.º modelo de lista supra referido assinala em lista complementar (mas também incluída nos medicamentos essenciais) os medicamentos para os quais são necessários quer meios de diagnóstico ou de vigilância específica, quer cuidados médicos especializados, quer uma especialização na formação. "Em caso de dúvida, os medicamentos podem igualmente ser classificados na lista complementar em razão do custo sistematicamente mais elevado, ou em razão da relação custo/eficácia, inferior em certos contextos".
Os medicamentos essenciais supra referidos estão classificados dessa forma.
2 - A Organização Mundial de Saúde e a luta contra o aborto inseguro:
Convém salientar que o avanço supra referido surge, aliás, na sequência da deliberação da 57.ª Assembleia das Nações Unidas, realizada em Maio de 2004, que considerou, na sua estratégia e como um dos cinco aspectos prioritários quanto à saúde sexual e genésica, a eliminação dos abortos feitos sem intervenção médica.
Por sua vez, tal resolução surge na sequência da dramática situação do aborto inseguro no mundo, segundo os dados do ano 2000 recolhidos pela Organização Mundial de Saúde e que constam do relatório divulgado pela Organização divulgado em 2004.
Segundo podemos ler no resumo desse relatório, "(O aborto inseguro) permanece ainda uma causa significativa da morbilidade e mortalidade maternas em muitos dos países em desenvolvimento. Na última década a OMS desenvolveu uma abordagem sistemática conducente a uma estimativa sobre a incidência regional e global do aborto inseguro e da mortalidade ao mesmo associada.
Estimativas relativas ao ano 2002 indicam que 19 milhões de abortos inseguros se realizam todos os anos, ou seja, uma em cada 10 gravidezes terminam num aborto inseguro, resultando daí uma ratio de um aborto inseguro para cerca de sete nados-vivos. A maior parte dos abortos inseguros acontecem nos países em vias de desenvolvimento.
As mulheres que recorrem ao aborto clandestino põem a sua saúde e a sua vida em risco. Por todo o mundo estima-se que 68 000 mulheres morrem como consequência do aborto inseguro. Nos países em desenvolvimento estima-se que o risco de morte é de 1 para 270 abortos inseguros."
Relativamente à Europa, e mesmo na ausência de informações quanto à Europa Ocidental, refere o Relatório da Organização Mundial de Saúde que na Europa restante (Setentrional, Meridional, e do Leste) se estima em 500 000 o número de abortos inseguros, ou seja, sete por cada 100 nados vivos; em 300 o número de mortes maternas devidas ao aborto inseguro, correspondendo a 20% de todas as mortes maternas e a cinco mortes maternas por cada 100 000 nados vivos.
Não havendo estatísticas em Portugal, dadas as naturais cifras negras relativamente ao aborto clandestino, a verdade é que a Direcção-Geral de Saúde revelou, relativamente ao ano de 2002, que uma parcela

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minúscula do total dos casos de interrupções da gravidez chegaram aos hospitais. Mesmo assim foram 11 089 os casos.
Pelo que normalmente se estima em cerca de 30 000 ou 40 000 o número de abortos clandestinos.
O aborto inseguro, conforme é reconhecido, é um problema de saúde pública. Já em 1967 a Assembleia Mundial da OMS aprovava a Resolução WHA.20.41, através da qual se pronunciava no sentido de que o aborto constitui um sério problema de saúde pública em muitos países. No mesmo sentido se pronunciou, em 1994, a Conferência Internacional do Cairo sobre População e Desenvolvimento.
A maior parte das mulheres no mundo beneficia de leis que legalizaram o aborto, sendo utilizado o método cirúrgico.
3 - A Comercialização da Mifégyne
Contudo, em 1970, o Professor Emile Etienne Baulieu (França) inicia uma pesquisa química e biológica visando a descoberta de novas entidades químicas para a actividade hormonal e sobretudo anti-hormonal.
Nos 10 anos seguintes, em consequência daquela pesquisa, foram sintetizadas na unidade de pesquisa dos Laboratórios Roussel Uclaf milhares de moléculas, tendo sido finalmente obtida a molécula referenciada como RU 38486, que acabaria por ser vulgarizada como RU 486. O seu nome genérico químico é Mifépristone e actualmente na Europa o nome de marca é Mifégyne, dos Laboratórios Exelgyn.
A molécula assim sintetizada tem o efeito de impedir que a hormona progesterona actue, interrompendo dessa forma a gravidez. É esta, aliás, a sua principal indicação.
Tem ainda outras potencialidades, permitindo, por exemplo, dilatar o colo do útero como preparação para o aborto cirúrgico.
Pode também ser usada como pílula do dia seguinte. Tem ainda aplicação em cancerologia, e em muitas outras doenças de especial gravidade.
A Mifégyne foi sujeita a diversos ensaios clínicos. Alguns são referidos nos documentos preparatórios da sua inclusão no 14.º Modelo de Lista dos Medicamentos Essenciais.
Foi sujeita a ensaios clínicos pela OMS no Chile, na Alemanha, na Hungria, Singapura, ex-União Soviética e Hong-Kong.
Foi ainda sujeita a ensaios clínicos pela organização não governamental norte-americana Conselho da População na Índia, Vietname, Cuba e China. E concluiu-se que não há diferenças nas taxas de segurança, eficácia, e aceitabilidade entre os diversos povos do mundo.
A França foi o país onde primeiro se comercializou a RU 486. A data da autorização é de 1988.
Mas apesar das obstruções várias à comercialização da pílula por parte dos que se opõem ao aborto, hoje é utilizada legalmente em 21 países da região europeia.
Segundo informa a Delegação da Europa da Organização Mundial de Saúde, através da sua Revista Entre Nous (n.º 59-2005), a RU 486 foi autorizada no Reino Unido (1991) e na Suécia (1992). Posteriormente, e ao abrigo do processo de reconhecimento mútuo da Agência Europeia dos Medicamentos, a RU 486 foi autorizada na Áustria (1999), Bélgica (2000), Dinamarca (1999), Finlândia (2000), Alemanha (1999), Grécia (2000), Luxemburgo (2000), Holanda (2000), Noruega (1999) e Espanha (2000). A Suíça autorizou a utilização em 1999.
A RU 486 está ainda autorizada nos EUA (2000), na Federação Russa (1999), em Israel (1999), Ucrânia e Países da Europa de Leste.
Na União Europeia os laboratórios Exelgyn apenas não pediram autorização de comercialização em Portugal, Irlanda e Itália, por motivos evidentes.
Em Itália está, no entanto, em curso uma petição de ginecologistas italianos, solicitando aos laboratórios Exelgyn que requeiram a autorização de comercialização da pílula Mifégyne, e foi noticiado que quatro hospitais italianos, três dos quais em Roma, pretendiam autorização para a sua utilização.
4 - Benefícios resultantes da utilização da Mifégyne
Todos os ensaios e estudos que até agora se realizaram evidenciam as reais vantagens do aborto medicalizado relativamente ao aborto cirúrgico.
Na verdade:

- A sua eficácia é elevada, chegando a atingir 98,6%;
- No é necessário a anestesia que exige o aborto cirúrgico;
- Tem-se revelado uma grande aceitação deste método;
- Não existem os riscos de infecções ou de perfurações;
- Não produz esterilidade secundária;
- Permite que a interrupção da gravidez seja feita mais cedo do que no aborto cirúrgico;
- Garante a privacidade da mulher;
- Dá á mulher uma maior capacidade de decisão, dada a menor dependência relativamente ao médico.

Tem havido boa aceitação por parte das mulheres, pois trata-se de um método não intrusivo, menos traumático, mais privado e mais natural, do que o método do aborto cirúrgico.

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De facto, de acordo com o documento da OMS que instruiu o processo de decisão sobre a inclusão da pílula abortiva na lista dos medicamentos essenciais, milhões de mulheres em cerca de 30 países onde se encontra registada a pílula recorreram ao aborto medicalizado.
Segundo um estudo elaborado pelo Instituto Allan Guttmacher, sediado nos EUA, relativamente ao Reino Unido, França e Suécia, países pioneiros na utilização da RU 486, a percentagem de mulheres que optaram pelo aborto medicalizado foi de 56% na França e de 56% na Suécia e de 61% na Escócia, entre os anos de 1990-2000.
Convém ainda salientar que este mesmo estudo evidencia que o facto de se ter passado a comercializar a pílula Mifégyne não determinou o aumento das taxas de aborto.
5 - Uma pílula combatente
No entanto, a pílula Mifégyne que é utilizada em associação com o Misoprostol (indicação aliás constante do 14.º Modelo de Lista da OMS) já comercializado em Portugal, tem tido uma história atribulada, porque se lhe têm oposto ferozmente os que desenvolvem campanhas contra as mulheres, tentando impedi-las de exercer o direito à liberdade de decidir.
E houve mesmo quem lhe chamasse um medicamento combatente.
Empolando alguns riscos da pílula (que medicamento é que os não tem?), contra ela têm sido desenvolvidas campanhas de especial ferocidade.
Se nos EUA tem tido um percurso atribulado, também em França os obstáculos exigiram por parte do Governo francês, em 1988, na pessoa do então Ministro da Solidariedade Claude Evin, uma atitude firme que tornou possível que a Mifégyne continuasse acessível em França.
De facto, perante o anúncio feito pelos laboratórios de Roussel-Uclaf, nesse ano de 1988, de que deixaria de distribuir a pílula em França, o Ministro notificou os laboratórios (era então a Roussel-Uclaf detentora da patente) de que teriam de retomar a distribuição, o que veio a acontecer.
Quanto aos riscos propagandeados relativamente à Mifegyne, que não impediram que fosse aprovada em vários países, eles existem apenas se não forem tomadas em conta as contra-indicações, sendo, mesmo assim, muito menores os riscos, quando comparados com os resultados de outros medicamentos.
6 - A excepção portuguesa
Portugal foi um dos três países da União Europeia relativamente aos quais os laboratórios Exelgyn não solicitaram a comercialização da Mifégyne. O Misoprostol já é comercializado em Portugal.
E, no entanto, as mulheres portuguesas são vítimas de várias obstruções relativamente à aplicação da lei que legalizou o aborto em certas condições.
Para os casos em que o aborto é legal, em Portugal, as mulheres portuguesas vêem-se privadas de optar pelo aborto medicalizado e de beneficiar das vantagens do uso da Mifégyne.
Entre as atribuições da Direcção-Geral de Saúde constam as de orientar, coordenar e fiscalizar as instituições prestadoras de cuidados de saúde e serviços de saúde.
Segundo a lei da gestão hospitalar, ao Ministro da Saúde compete definir as normas e os critérios de actuação hospitalar.
Nos termos do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/91 e suas alterações, ao Infarmed podem ser requeridas autorizações de utilização especial de medicamentos quando estejam em causa motivos de saúde pública.
Compete ao Ministro da Saúde, nos termos da lei Orgânica do Infarmed, acompanhar a actividade do INFARMED, exigindo todas as informações necessárias, emitindo directivas e recomendações.
7 - Recomendações
Assim, tendo em conta os considerandos expostos, a Assembleia da República, nos termos do artigo 166.º, n.º 5, da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º do Regimento da Assembleia da República, recomenda ao Governo e ao Ministro da Saúde o seguinte:

a) Que o Ministro da Saúde recomende às unidades hospitalares que, com vista à realização de interrupções de gravidez, requeiram ao Infarmed autorização de utilização especial da Mifégyne, para que, em associação com o Misoprostol, esteja disponível e acessível às mulheres que optem pelo aborto medicalizado;
b) Que o Ministro da Saúde recomende ao Infarmed o deferimento de quaisquer requerimentos apresentados, de acordo com a lei, por unidades hospitalares, nos termos da alínea anterior;
c) Que o Ministro da Saúde recomende ao Infarmed que, através da Comissão do Formulário Hospitalar Nacional dos Medicamentos, considere a inclusão nesse formulário da Mifégyne com as características segundo as quais é comercializada na maior parte dos países da União Europeia;
d) Que o Governo estabeleça conversações com os Laboratórios Exelgyn em Paris, que detêm a patente da Mifégyne, para que requeiram a sua comercialização em Portugal, com as indicações autorizadas na Europa para utilização em unidades hospitalares.

Assembleia da República, 15 de Setembro de 2005.
Os Deputados do PCP: Odete Santos - Bernardino Soares - Luísa Mesquita - Jorge Machado - José Soeiro - Miguel Tiago - Honório Novo - Agostinho Lopes - António Filipe - Abílio Dias Fernandes.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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