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Quarta-feira, 18 de abril de 2012 II Série-A — Número 165

XII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2011-2012)

SUMÁRIO Decreto n.º 37/XII (Enriquecimento ilícito): Mensagem do Presidente da República sobre o veto, por inconstitucionalidade, que exerceu, anexando o Acórdão do Tribunal Constitucional e devolvendo o decreto para reapreciação.
Projetos de lei [n.os 179, 186, 197 e 203/XII (1.ª)]: N.º 179/XII (1.ª) (Procede à alteração ao Código de Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, alterada pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, e 53/2011, de 14 de outubro): — Parecer da Comissão de Segurança Social e Trabalho e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 186/XII (1.ª) (Altera a Lei n.º 17/2003, de 4 de junho (Iniciativa Legislativa de Cidadãos), eliminando a discriminação existente em relação aos emigrantes portugueses): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e anexos contendo nota técnica elaborada pelos serviços de apoio e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.
N.º 197/XII (1.ª) (Consagra a cativação pública das maisvalias urbanísticas, prevenindo a corrupção e o abuso do poder): — Parecer da Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local.
N.º 203/XII (1.ª) (Primeira alteração à Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, que regula os termos e condições em que grupos de cidadãos eleitores exercem o direito de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República, eliminando a discriminação relativa aos portugueses residentes no estrangeiro): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e anexos contendo nota técnica elaborada pelos serviços de apoio e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.

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Proposta de lei n.º 51/XII (1.ª) (Altera a Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2012, aprovada pela Lei n.º 64B/2011, de 30 de dezembro, no âmbito da iniciativa de reforço da estabilidade financeira): — Relatório de discussão e votação na especialidade da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, texto final e propostas de alteração. (a) Projetos de resolução [n.os 237 e 289 a 294/XII (1.ª)]: N.º 237/XII (1.ª) (Recomenda ao Governo regras justas no diploma que regula os concursos de colocação de docentes e promoção, em 2012, de um concurso de ingresso e vinculação nos quadros de escola dos docentes contratados): — Requerimento do BE dando conta da retirada desta iniciativa legislativa.
N.º 289/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo a valorização energética da biomassa no objetivo de proteção da floresta (PSD).
N.º 290/XII (1.ª) — Recomenda que o prolongamento da Linha Verde do Metro, entre o ISMAI e a Trofa, integre a 2.ª fase da rede do Metro da Área Metropolitana do Porto (PCP).
N.º 291/XII (1.ª) — Reforçar os meios de prevenção estrutural dos incêndios florestais – reduzir a carga de biomassa (PCP).
N.º 292/XII (1.ª) — Recomenda a adjudicação imediata do concurso do Metro para a Trofa (BE).
N.º 293/XII (1.ª) — Recomenda a continuação do projeto de requalificação da Linha do Douro e a eletrificação do troço entre Caíde e Marco de Canaveses (BE).
N.º 294/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo um conjunto de medidas que promovam a utilização e valorização da biomassa florestal como contributo para a gestão sustentável das florestas e como prevenção da ocorrência de incêndios florestais (CDS-PP).
Projeto de deliberação n.º 3/XII (1.ª) (Solicitação de parecer a ser elaborado pelo Conselho Nacional de Educação sobre o currículo dos ensinos básico e secundário): — Requerimento do BE dando conta da retirada desta iniciativa legislativa.
(a) É publicado em Suplemento.

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DECRETO N.º 37/XII (ENRIQUECIMENTO ILÍCITO)

Mensagem do Presidente da República sobre o veto, por inconstitucionalidade, que exerceu, anexando o Acórdão do Tribunal Constitucional e devolvendo o decreto para reapreciação

Junto devolvo a V. Ex.ª, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, da Constituição, o Decreto da Assembleia da República n.º 37/XII – Enriquecimento ilícito, uma vez que o Tribunal Constitucional, através de Acórdão cuja fotocópia se anexa, se pronunciou, em sede de fiscalização preventiva, pela inconstitucionalidade das normas dos artigos 1.º, n.os 1 e 2, e 2.º do referido Decreto.

Lisboa, 16 de abril de 2012.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.

Anexo: Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 179/2012.

Anexo

ACÓRDÃO N.º 179/2012

Processo n.º 182/12 Plenário Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório 1. O Presidente da República veio requerer, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição, bem como do n.º 1 do artigo 51.º e n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), ao Tribunal Constitucional, a apreciação da conformidade com a mesma Constituição das seguintes normas constantes do Decreto n.º 37/XII da Assembleia da República:

«(») – a norma constante do n.º 1 do artigo 1.º, na parte em que adita o artigo 335.º-A ao Código Penal; – a norma constante do n.º 2 do artigo 1.º, na parte em que altera o artigo 386.º do Código Penal; – a norma constante do artigo 2.º, na parte em que adita o artigo 27.º-A à Lei n.º 34/87, de 16 de julho, alterada pelas Leis n.os 108/2001, de 28 de novembro, 30/2008, de 10 de julho, 41/2010, de 3 de setembro, e 4/2011, de 16 de fevereiro; – a norma constante do artigo 10.º, quando conjugada com as normas anteriormente referidas.
(»)«

2. Para tanto, mostram-se invocados os seguintes fundamentos:

«(») 1.º Pelo Decreto n.º 37/XII, a Assembleia da República aprovou o regime que institui o crime de enriquecimento ilícito.

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2.º Este novo tipo criminal é aditado ao Código Penal, na formulação adotada pelo Decreto, sendo aplicável a todas as pessoas, singulares e coletivas (artigo 335.º-A), embora com moldura penal agravada quando praticado por funcionário (artigo 386.º).
3.º Semelhante tipo criminal é aditado à Lei n.º 34/87, de 16 de julho, que aprovou o regime dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos.
4.º É a seguinte a formulação dada pelo Decreto ao n.º 1 do artigo 335.º-A do Código Penal: ―Quem por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão até três anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal‖.
5.º De modo semelhante, dispõe o artigo 386.ª do Código Penal na redação dada pelo Decreto: ―O funcionário que, durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal‖.
6.º Finalmente, de acordo com o Decreto, é a seguinte a redação do crime de enriquecimento ilícito aditado à Lei n.ª 34/87, de 16 de julho: ―O titular de cargo político ou de alto cargo põblico que durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal‖.
7.º Nos termos das normas citadas e, tal como resulta do debate havido no Parlamento que consta dos trabalhos preparatórios, são três os elementos objetivos do tipo legal de crime, comuns à definição do crime em apreciação: i) «adquirir, possuir ou deter património»; ii) «sem origem lícita determinada»; iii) «incompatível com os rendimentos e bens legítimos» do agente.
8.º Estabelece o artigo 10.ª do Decreto que ―Compete ao Ministério Público, nos termos do Código do Processo Penal, fazer a prova de todos os elementos do crime de enriquecimento ilícito‖.
9.º Coloca-se, assim, a questão de saber se estas normas conjugadas consubstanciam uma violação do princípio constitucional da presunção de inocência, decorrente do princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º e com assento expresso no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição.
10.º Com efeito, a Constituição garante, no n.ª 2 do artigo 32.ª, que ―todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa‖. Este princípio encontra a sua origem histórica na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, na sequência da Revolução Francesa. Veio a ser inscrito nos mais relevantes textos internacionais de proteção de direitos humanos, designadamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem (n.º 1 do artigo 11.º), no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (n.º 2 do artigo 14.º) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (n.º 2 do artigo 6.º).
11.º Uma das decorrências deste princípio é, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao artigo 32.º da Constituição (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 2007, pág. 518), de resto amplamente citada na jurisprudência do Tribunal Constitucional a este propósito (cfr., entre outros, o acórdão n.º 426/91) a proibição de inversão do ónus da prova.

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12.º Tal proibição traduz-se na necessidade de a acusação fazer prova dos factos que alega, necessários ao preenchimento do tipo legal de crime e dos seus elementos.
13.º Traduz-se ainda no direito ao silêncio do arguido e a recusar-se colaborar na sua incriminação. Este direito encontra-se previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 61.º do Código de Processo Penal, sendo considerado um corolário do princípio da presunção de inocência e das garantias fundamentais do arguido em processo penal (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 695/95 e Maria Fernanda Palma, A constitucionalidade do artigo 342.º do Código de Processo Penal (O direito ao silêncio do arguido), in Revista do Ministério Público, Ano 15.º, Out./Dez. 1994, n.º 60º, pág. 101 e segs.).
14.º Sendo certo, como se viu, que o Decreto determina, nos termos gerais do Código de Processo Penal, que compete ao Ministério Público fazer a prova de todos os elementos do crime, importa apurar se a conjugação desta norma com a definição do tipo legal de crime comporta uma inversão do ónus da prova violadora do princípio constitucional da presunção de inocência.
15.º São três, como acima mencionado, os elementos objetivos do tipo legal de crime. O Ministério Público deve, pois, nos termos do regime descrito, fazer prova da aquisição, posse ou detenção do património, de não ter esse património origem lícita determinada, bem como da sua incompatibilidade com os rendimentos e bens legítimos do arguido.
16.º Resulta da conjugação dos citados preceitos que, para o preenchimento do tipo legal de crime, basta que o Ministério Público alegue que o enriquecimento não possui origem lícita determinada.
17.º Sublinhe-se que a exigência de prova não se dirige à ilicitude da origem do património nem, tão-pouco, à licitude dessa origem.
18.º Tal significa que, na circunstância de o Ministério Público não determinar a licitude da origem do património – por incapacidade de prova, insuficiência de factos, ou outra razão – o tipo legal deve ter-se por preenchido.
19.º A única forma de o arguido garantir que a prova não se considera produzida é revelar, provando, a origem do património.
20.º Contudo, uma tal exigência, admitindo que o arguido se encontra em condições de a cumprir, viola, por si só, o princípio da presunção de inocência na sua dimensão de proibição de inversão do ónus da prova e o direito ao silêncio do arguido.
21.º Com efeito, o tipo legal de crime e os respetivos elementos não podem ser configurados de modo a promover a inércia do Ministério Público, exigindo, em consequência, a ação do arguido.
22.º A conformação constitucional das garantias penais e processuais penais exige justamente o contrário: a atuação do Ministçrio Põblico ―à charge et a décharge‖ e a faculdade, não autoincriminadora, de inação do arguido.
23.º Poder-se-ia questionar se não deveria a norma ser interpretada no sentido de caber ao Ministério Público a prova da licitude da origem.
24.º Contudo, tal interpretação não corresponde à letra da lei, uma vez que o elemento do tipo legal de crime definido ç ―sem origem lícita determinada‖. Bastaria, nesse caso, afirmar ―sem origem lícita‖. Esta configuração do tipo criminal parece afastar a necessidade de prova pelo Ministério Público da licitude.

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25º A referida interpretação conduziria, de resto, ao resultado de forçar o Ministério Público a uma prova da não proveniência de origem lícita – inexistindo, como é evidente, uma enumeração taxativa de origens lícitas de bens.
26.º Uma tal conceção que assentasse na existência de uma lista de fontes lícitas seria, de resto, contrária ao princípio da legalidade em geral e, em particular, ao princípio da tipicidade da lei penal. Com efeito, de acordo com este princípio, os destinatários da norma devem poder identificar as condutas que o legislador qualifica como ilícitas; não o contrário, aquelas que, por não serem lícitas, passariam, automaticamente, a ser ilícitas.
27.º O crime de enriquecimento ilícito não encontra, no modo como está definido no Decreto, paralelo nos sistemas penais próximos do Português.
28.º Com efeito, não obstante ter consagração, tal como referido nos trabalhos preparatórios, na Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, o crime em causa encontra naquela Convenção uma configuração muito distinta.
29.º Assim, o artigo 20.º da Convenção contém uma recomendação aos Estados partes para que, no respeito pela sua Constituição e direito internos, considerem a possibilidade de adotar medidas legislativas de incriminação de funcionário público por enriquecimento ilícito.
30.º Deste modo, a Convenção não determina um modelo concreto de crime de enriquecimento ilícito nem, tãopouco, exige a inversão do ónus da prova – bem ao contrário, remete a definição do crime em concreto para o direito interno dos Estados, no respeito pelas respetivas Constituições.
31.º Nos sistemas jurídicos que nos são próximos não se encontra lugar paralelo para o modelo que o legislador português agora pretendeu definir. Podemos encontrar na Bélgica, em Espanha e em Itália uma procura crescente de criminalizar a corrupção, mas não o enriquecimento ilícito nos termos previstos no Decreto em apreciação.
32.º Porventura o modelo que mais se aproxima do que aqui analisamos é o adotado pelo legislador francês.
Todavia, de acordo com o disposto no artigo 321.º-6 do ―Code Pénal‖, a incriminação do enriquecimento ilícito depende da demonstração da existência de conexão entre o agente e outras pessoas condenadas pela prática de crimes graves. Exige-se, ainda, a prova de um benefício direto ou indireto para o agente o que, ao menos, pode ser qualificado como um crime de resultado.
33.º Deste modo, o modelo de incriminação do enriquecimento ilícito através de uma inversão do ónus da prova seria uma singularidade do modelo português no contexto europeu.
34.º Não está, assim em causa a criminalização do enriquecimento ilícito – que tem assento nos instrumentos internacionais já citados – mas uma eventual inversão do ónus da prova operada pelo legislador e a consequente violação do princípio da presunção de inocência.
35.º Este princípio encontra-se também violado na sua dimensão ou subprincípio ―in dubio pro reo‖.
36.º Com efeito, outro corolário do princípio da presunção de inocência é a necessidade de condenação ―beyond a reasonable doubt‖. Tal significa que, em caso de dõvida, o juiz deve declarar não se encontrarem provados os factos e, neste caso, o ―non liquet‖ favorece o arguido (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, Lisboa, 2000, pág. 83).
37.º Assim, caso o Ministério Público não demonstre a origem lícita do enriquecimento, cria-se a dúvida sobre a licitude ou ilicitude desse enriquecimento.

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38.º Ora, uma vez que a definição do tipo legal de crime se encontra desenhada de tal forma que a não demonstração da licitude da origem dá lugar ao seu preenchimento, a dúvida mencionada conduzirá, inelutavelmente, à condenação do arguido o que consubstancia uma violação ao princípio da presunção de inocência.
39.º As normas objeto do pedido são, ainda, suscetíveis de violar o princípio constitucional da proporcionalidade, na dimensão necessidade.
40.º Com efeito, não entrando aqui na controvérsia sobre a qualificação do crime como de perigo, concreto ou abstrato, sempre se dirá, em linha com o afirmado pelo Tribunal no citado acórdão n.ª 426/91 que ―a constitucionalidade de uma norma que preveja um crime de perigo — e, sobretudo, um crime de perigo abstrato – deve ser julgada, em primeiro lugar, à luz do princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança, implicitamente consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Com efeito, em relação às incriminações de perigo (e, especialmente, às de perigo abstrato), sempre se poderá entender que não é indispensável a imposição dos pesados sacrifícios resultantes da aplicação de penas e de medidas de segurança, visto que não está em causa, tipicamente, a efetiva lesão de qualquer bem jurídico‖. A imposição de penas e de medidas de segurança implica, evidentemente, uma restrição de direitos fundamentais, como o direito à liberdade e o direito de propriedade, que é indispensável justificar ante o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Assim, uma tal restrição só é admissível se visar proteger outros direitos fundamentais e na medida do estritamente indispensável para esse efeito‖.
41.º A restrição que a criminalização desta conduta importa para os bens jurídicos constitucionalmente protegidos como o direito à liberdade e o direito de propriedade deve justificar-se num teste rigoroso de proporcionalidade. Seria necessário demonstrar que só criminalizando o enriquecimento se conseguiria atingir o resultado visado pelo legislador (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, I, Lisboa, 1997, pág. 75). Ora, como se viu, podem ser encontradas outras formas de, protegendo os mesmos bens jurídicos, salvaguardar princípios constitucionais fundamentais, ademais quando aplicável a todas as pessoas.
42.º Acresce que, na formulação adotada pelo Decreto, não são claros os bens jurídicos a proteger pela norma e pela respetiva incriminação. Tal indeterminação coloca em crise não só o juízo de proporcionalidade como a própria possibilidade concreta de definição do tipo legal. Com efeito, e o citado acórdão n.º 426/91 é paradigmático disso mesmo, a definição dos crimes não pode nunca surgir desligada dos bens jurídicos que se pretende proteger (cfr., sobre o tema e sobre a necessidade de revisitar a jurisprudência do acórdão n.º 426/91, Jorge de Figueiredo Dias, O ―Direito Penal do Bem Jurídico‖ como princípio jurídico-constitucional, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra, 2009, pág. 39).
43.º Não menos relevante é a possível violação do princípio da legalidade penal e do seu sub-princípio ―nullum crimen, nulla poena sine lege praevia‖.
44.º Do Decreto não resulta com suficiente precisão o momento da prática do facto, legitimando a interpretação segundo a qual a norma é aplicável a factos ocorridos em momento anterior ao da sua entrada em vigor.
45.º Com efeito, uma vez que a norma se refere a aquisição, posse ou detenção e sendo a posse um facto aparente e continuado, pode bem suceder que a posse atual se tenha iniciado em momento muito anterior o que implicaria uma aplicação retroativa ou, ao menos, retrospetiva da lei penal o que sempre seria inadmissível à luz do disposto no artigo 29.º da Constituição.
46.º Finalmente, razões de confiança, princípio ínsito ao Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição, militam a favor da decisão de inconstitucionalidade do Decreto em causa.

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47.º Foram publicamente expressas, por diversos meios, as dúvidas de juristas sobre a conformidade constitucional do Decreto em apreciação, nas suas sucessivas versões. Tal foi o caso, entre outros, dos Professores Vital Moreira e Costa Andrade. No âmbito do procedimento legislativo tais dúvidas foram também suscitadas nas declarações de voto apresentadas, designadamente na do Partido Socialista e, com especial interesse pela sua clareza de argumentação jurídica, na dos Senhores Deputados Paulo Mota Pinto e Maria Paula Cardoso. Ainda, no mesmo sentido se pronuncia o parecer do Conselho Superior do Ministério Público, nos termos do qual, ç aconselhado que ―qualquer que venha a ser a formulação aprovada pela Assembleia da Repõblica, se faça submeter a lei a fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional‖.
48.º Numa área com a sensibilidade do Direito Penal, onde estão em risco valores máximos da ordem jurídica num Estado de direito como a liberdade, não pode subsistir dúvida sobre a incriminação de condutas.
(»)«.

3. No seguimento de tais fundamentos, conclui-se requerendo, ―nos termos do n.ª 1 do artigo 278.ª da Constituição, bem como do n.º 1 do artigo 51.º e n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas do n.º 1 do artigo 1.º, do n.º 2 e do artigo 10.º constantes do Decreto n.º 37/XII da Assembleia da República, por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º e 32.º, n.º 2 da Constituição‖.
4. Notificada que foi, a Autora das normas em causa limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
Nada obstando, cumpre proceder à apreciação solicitada.

II. Fundamentação 5. O objeto da presente fiscalização abstrata preventiva, dependendo do requerimento formulado, consiste na ―fiscalização » da constitucionalidade das normas do n.ª 1 do artigo 1.ª, do n.º 2 do artigo 1.º, do artigo 2.º, no que respeita aos aditamentos e alterações aí previstos, e do artigo 10.º, todos constantes do Decreto n.º 37/XII da Assembleia da República, por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º e 32.º, n.º 2, da Constituição‖, ou seja, importa saber se as normas sindicadas podem ser tidas como desconformes à Constituição, designadamente por violação dos princípios consagrados nas normas constitucionais identificadas.
Tais normas apresentam o seguinte teor:

―(»)

Artigo 1.º 27.ª alteração ao Código Penal

1 – É aditado à secção II do capítulo I do título V do livro II do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, e alterado pela Lei n.º 6/84, de 11 de maio, pelos Decretos-Leis n.os 101-A/88, de 26 de março, 132/93, de 23 de abril, e 48/95, de 15 de março, pelas Leis n.os 90/97, de 30 de julho, 65/98, de 2 de setembro, 7/2000, de 27 de maio, 77/2001, de 13 de julho, 97/2001, 98/2001, 99/2001 e 100/2001, de 25 de agosto, e 108/2001, de 28 de novembro, pelos Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pelas Leis n.os 52/2003, de 22 de agosto, e 100/2003, de 15 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, e pelas Leis n.os 11/2004, de 27 de março, 31/2004, de 22 de julho, 5/2006, de 23 de fevereiro, 16/2007, de 17 de abril, 59/2007, de 4 de setembro, 61/2008, de 31 de outubro, 32/2010, de 2 de setembro, e 40/2010, de 3 de setembro, o artigo 335.º-A, com a seguinte redação:

―Artigo 335.º-A Enriquecimento ilícito

1. Quem por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é

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punido com pena de prisão até três anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por património todo o ativo patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no estrangeiro.
3. Para efeitos do disposto no n.º 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada.
4. Se o valor da incompatibilidade referida no n.º 1 não exceder 100 salários mínimos mensais a conduta não é punível.
5. Se o valor da incompatibilidade referida no n.º 1 exceder 350 salários mínimos mensais o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.‖

2 – A secção VI do capítulo IV do título V do livro II do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, e alterado pela Lei n.º 6/84, de 11 de maio, pelos Decretos-Leis n.os 101-A/88, de 26 de março, 132/93, de 23 de abril, e 48/95, de 15 de março, pelas Leis n.os 90/97, de 30 de julho, 65/98, de 2 de setembro, 7/2000, de 27 de maio, 77/2001, de 13 de julho, 97/2001, 98/2001, 99/2001 e 100/2001, de 25 de agosto, e 108/2001, de 28 de novembro, pelos Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pelas Leis n.os 52/2003, de 22 de agosto, e 100/2003, de 15 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, e pelas Leis n.os 11/2004, de 27 de março, 31/2004, de 22 de julho, 5/2006, de 23 de fevereiro, 16/2007, de 17 de abril, 59/2007, de 4 de setembro, 61/2008, de 31 de outubro, 32/2010, de 2 de setembro, e 40/2010, de 3 de setembro, passa a denominar-se ―Enriquecimento ilícito por funcionário‖, sendo composta pelo artigo 386.º, que passa a ter a seguinte redação:

―Artigo 386.º Enriquecimento ilícito por funcionário

1. O funcionário que, durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por património todo o ativo patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no estrangeiro.
3. Para efeitos do disposto no n.º 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada, designadamente os constantes em declaração de património e rendimentos.
4. Se o valor da incompatibilidade referida no n.º 1 não exceder 100 salários mínimos mensais a conduta não é punível.
5. Se o valor da incompatibilidade referida no n.º 1 exceder 350 salários mínimos mensais o agente é punido com pena de prisão de um a oito anos.‖

3 – A atual secção VI do capítulo IV do título V do livro II do Código Penal passa a ser a secção VII, sendo composta pelo atual artigo 386.º, que passa a ser o artigo 387.º.

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(»)

Artigo 2.º Quinta alteração à Lei n.º 34/87, de 16 de julho

É aditado à Lei n.º 34/87, de 16 de julho, alterada pelas Leis n.os 108/2001, de 28 de novembro, 30/2008, de 10 de julho, 41/2010, de 3 de setembro, e 4/2011, de 16 de fevereiro, o artigo 27.º-A, com a seguinte redação:

―Artigo 27.º-A Enriquecimento ilícito

1. O titular de cargo político ou de alto cargo público que durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por património todo o ativo patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no estrangeiro.
3. Para efeitos do disposto no n.º 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada, designadamente os constantes em declaração de património e rendimentos.
4. Se o valor da incompatibilidade referida no n.º 1 não exceder 100 salários mínimos mensais a conduta não é punível.
5. Se o valor da incompatibilidade referida no n.º 1 exceder 350 salários mínimos mensais o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.‖

(»)

Artigo 10.º Prova

Compete ao Ministério Público, nos termos do Código do Processo Penal, fazer a prova de todos os elementos do crime de enriquecimento ilícito.

(»)‖.

6. Afigura-se de toda a pertinência, com vista à sua compreensibilidade global, proceder a um curto enquadramento da matéria objeto da presente fiscalização abstrata, quer no âmbito do direito internacional e comparado, quer no domínio do direito interno.
6.1 Ao nível do direito internacional, nos ‗trabalhos preparatórios‘, faz-se, essencialmente, referência à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (doravante, ―Convenção‖), a qual entrou em vigor, na ordem internacional, em 12 de julho de 2003, e viria a ser aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 47/2007, de 21 de setembro.

No seu artigo 20.ª, cuja epígrafe ç, precisamente, ―Enriquecimento ilícito‖, pode ler-se o seguinte: «Sem prejuízo da Constituição e dos princípios fundamentais do respetivo ordenamento jurídico, cada Estado parte

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deve adotar as medidas legislativas ou de outro tipo que se revelem necessárias para criminalizar o enriquecimento ilícito, quando praticado intencionalmente, ou seja, o aumento significativo do património de um funcionário público não explicável tendo em conta os rendimentos declarados.‖ Ora, constituindo a Convenção um instrumento normativo produtor de efeitos jurídicos vinculativos, os seus preceitos contêm deveres jurídicos para os Estados Partes, concretamente, o dever de criminalização de certas condutas. Sucede que, ao contrário de Portugal, alguns Estados Partes formularam reservas ao artigo 20.º. Foi o caso do Vietname e do Canadá, essencialmente com fundamento no mesmo argumento, a saber, o princípio da presunção de inocência, reconhecido não só nas leis fundamentais destes Estados, como no artigo 14.º, n.º 2, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Isto não implica, note-se, que os Estados signatários da Convenção que (ainda) não tenham criminalizado o enriquecimento ilícito e que não hajam formulado reservas ao conteúdo da mesma estejam a incumprir as obrigações assumidas. Com efeito, é o próprio artigo 20.º que possibilita aos Estados a não incriminação do enriquecimento ilícito com fundamento na Constituição ou em princípios fundamentais dos respetivos ordenamentos jurídicos. Assim se explicam, por exemplo, as declarações da Finlândia, do Reino-Unido e dos Estados-Unidos da Amçrica ao abrigo do ―Mechanism for the Review of Implementation of the United Nations Convention against Corruption‖ (disponível em www.unodc.org).
A Finlândia considera desnecessária a previsão de um tipo legal de crime como o enriquecimento ilícito, pois assevera que os mecanismos legais e regulamentares já existentes são suficientes. Já os Estados-Unidos – e, no mesmo sentido, o Reino Unido – sublinham impressivamente que ―a implementação do artigo 20.ª, ―Enriquecimento ilícito‖, implicaria a transferência para o arguido do ónus da prova relativamente ao estabelecimento da natureza legítima da fonte de rendimento em causa. Uma vez que a Constituição dos Estados-Unidos prevê a presunção de inocência do arguido, ç impossível criminalizar o enriquecimento ilícito.‖ Vale por dizer que uma eventual não criminalização do enriquecimento ilícito por parte do legislador nacional – ou de qualquer outro Estado que não haja formulado reservas ao artigo 20.º da Convenção – não implica inelutavelmente o incumprimento de uma obrigação convencional internacional. Portugal pode invocar princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico-constitucional – inclusivamente princípios que incorporam igualmente normas de ius cogens de direito internacional – desde que isso não o afaste de um necessário combate à conduta visada através de outros meios. Isto mesmo se confirma a partir da leitura do Parecer do Conselho Superior da Magistratura, de 9 de fevereiro de 2011, que apreciou o Projeto de Lei n.º 494/XI (2.ª) (PCP): ―[O artigo 20.º da Convenção] não implica necessariamente que haja um crime designado de enriquecimento ilícito, mas sim que a legislação permita punir esse enriquecimento ilícito, o que pode ser efetivado através de outros tipos legais de crime.‖ Esta flexibilidade, aliás, está bem patente na página oficial da Convenção, onde se pode ler que ―os Estados Partes devem obrigatoriamente tipificar como crime: o suborno a funcionários públicos, a corrupção ativa a oficiais estrangeiros, a fraude e a apropriação indçbita, a lavagem de dinheiro e a obstrução da justiça‖, e devem ―procurar tipificar as condutas de corrupção passiva de oficiais estrangeiros, tráfico de influências, abuso de poder, enriquecimento ilícito, suborno no setor privado e desvios de recursos no setor privado.‖ 6.2 No espaço da União Europeia, a qual é parte da Convenção, por decisão do Conselho de 25 de Setembro de 2008 (2008/801/CE), existem instrumentos que, não se referindo à incriminação do ‗enriquecimento ilícito‘ em si, não podem deixar de se considerar com ele correlacionados (vg., a Convenção relativa à luta contra a Corrupção em que estejam implicados funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados-membros da União Europeia, de 1997, que foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 72/2001 e a Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada).
6.3 No plano do direito comparado, refira-se que, apesar das dificuldades colocadas à incriminação, alguns Estados admitem o crime de enriquecimento ilícito ou injustificado. É o caso, sem pretensões de exaustividade, de Hong-Kong (v. o Capítulo 201, Secção 10 da Prevention of Bribery Ordinance), do Chile, (v.
artigo 241-bis do respetivo Código Penal) da Argentina (v. artigo 268.º, parágrafo 2 do respetivo Código Penal, na redação que lhe conferiu a Lei n.º 25.188, de 1999), de El Salvador (v. artigo 333.º do respetivo Código Penal), do Equador (v. artigo 296.1 do respetivo Código Penal), da China (v. artigo 395.º do respetivo Código Penal), e da Região Administrativa Especial de Macau.

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É porventura conveniente atentar na evolução sofrida pelo regime jurídico da figura do enriquecimento ilícito em Macau, pela proximidade relativamente ao ordenamento jurídico português. Ora, o destaque cabe, desde logo, ao artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 14/87/M, de 7 de dezembro (Regime Penal da Corrupção), que previa a punição disciplinar pelo ilícito de ―Sinais exteriores de riqueza‖.
Seguiu-se a Lei n.º 3/98/M, de 29 de junho, entretanto revogada pela Lei n.º 11/2003, de 28 de junho. Aí se prevê não só o dever de apresentação, por parte de titulares de cargos políticos e demais trabalhadores da função põblica, de uma ―declaração de rendimentos e interesses patrimoniais‖ (artigo 1.ª), como o crime de ―Riqueza injustificada‖ (artigo 28.ª), configurado nos seguintes termos: ―Os obrigados á declaração nos termos do artigo 1.ª que, por si ou por interposta pessoa, estejam na posse de património ou rendimentos anormalmente superiores aos indicados nas declarações anteriores prestadas e não justifiquem, concretamente, como e quando vieram à sua posse ou não demonstrem satisfatoriamente a sua origem lícita, são punidos com pena de prisão até três anos e multa atç 360 dias‖ (n.ª 1).
É mister concluir, portanto, que a grande maioria dos Estados não admite a criminalização do enriquecimento ilícito ou injustificado, seja porque o reputam desnecessário no quadro de outros instrumentos de combate à corrupção, seja porque têm dificuldades em sustentá-lo à luz do princípio (fundamental) da presunção de inocência. Exceção a este quadro mais ou menos estável ç o crime de ―não justificação de rendimentos‖, previsto no artigo 321-6 do Código Penal Francês, introduzido pela Loi n.º 2006-64, de 23 de janeiro de 2006: ―Le fait de ne pouvoir justifier de ressources correspondant á son train de vie ou de ne pas pouvoir justifier de l‘origine d‘un bien dçtenu, tout çtant en relations habituelles avec une ou plusieurs personnes quis soit se livrent á la commission de crimes ou de dçlits punis d‘au moins cinq ans d‘emprisonnement et procurant á celles-ci un profit direct ou indirect, soit sont les victimes d‘une de ces infractions, est puni d‘une peine de trois ans d‘emprisonnement et de 75 000 d‘amende.‖ 6.4 O facto de o chamado ―enriquecimento ilícito‖ ter uma expressão praticamente nula no contexto jurídico-penal europeu contrasta, no domínio do direito fiscal, com um conjunto de institutos normativos que pretendem atingir ‗determinados acrçscimos patrimoniais não justificados‘ que são desvelados a partir da existência de uma desproporção entre o rendimento declarado e certas ―manifestações de fortuna‖, os quais, assim, se encontram funcionalmente dirigidos ―á deteção de situações anómalas onde se verifique uma dissonância entre a capacidade contributiva revelada pelo contribuinte na aquisição de determinados bens e aqueloutra que ç possível extrair a partir dos rendimentos por ele declarados‖ (cf. E. DE MITA, Fisco e Costituzione II, Milão, 1993, pp. 1174 e ss., MARIO TRIMELONI, ―Le presunzione tributarie‖, in AA. VV. (dir.
ANDREA AMATUCCI), Tratatto di diritto tributário, II, Pádua, 1994, p. 235; JOÃO RODRIGUES, Critérios normativos de predeterminação da matéria tributável, Coimbra, 2003, pp. 37 e ss.).
Assim sucede, v.g., em Espanha (cfr. artigo 39.º da Ley del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas), em França (cfr. artigo 168.º do Code Générale des Impôts) e em Itália, (com o redditometro instituído pelo Decreto del Presidente della Repubblica 29 settembre 1973, n. 600).
6.5 Já, entre nós, podemos encontrar, no mesmo âmbito, não só iniciativas ao nível do direito fiscal como, ainda, no domínio de previsões não fiscais.
No que ao primeiro se refere, temos, desde logo, a avaliação indiciária do rendimento tributável em função do confronto com certas manifestações de fortuna a qual veio a ser introduzida, sob proposta do Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal de 1996, pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de setembro, que aditou à Lei Geral Tributária (LGT) a alínea d) do artigo 87.º e o artigo 89.º-A, passando a prever-se o recurso aos mçtodos indiretos quando ―os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A‖ (sendo estas: 1) a aquisição de imóveis de valor igual ou superior a € 250.000,00; 2) a aquisição de automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a € 50.000,00 e motociclos de valor igual ou superior a € 10.000,00; 3) a aquisição de barcos de recreio de valor igual ou superior a € 25.000,00; 4) a aquisição de aeronaves de turismo; e, por fim, a realização de suprimentos e empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a € 50.000,00, como resulta da conjugação da alínea d) do artigo 87.ª, com o n.ª 4, do artigo 89.ª-A da LGT).

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E, mais tarde, a Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, aditou ao artigo 87.º da LGT a alínea f), onde atualmente se dispõe haver lugar a avaliação indireta quando se verificar um ―acrçscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000,00, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados‖, de modo a abranger outras ―manifestações de fortuna‖ para alçm das tipificadas no n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT (cf., sobre a questão, CASALTA NABAIS, ―A Avaliação indireta e manifestações de fortuna na luta contra a evasão fiscal‖, em Direito e Cidadania, n.º 20/21, 2004, Cabo Verde).
De notar, por pertinente à análise do problema de (in)constitucionalidade que nos ocupa, dois aspetos que decorrem desse regime legal.
Em primeiro lugar, a tributação decorrente das referidas manifestações de fortuna não é automática, dependendo sempre da ausência, por parte do contribuinte, de razões justificativas para o desvio. Para esse efeito, dispõe-se no artigo 89.º-A, n.ª 3, da LGT, que ―cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem á realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada‖ (a redação inicial da norma contemplava a seguinte exemplificação: ―herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crçdito‖).
Por outro lado, resulta do n.º 10 do artigo 89.º-A, da LGT, que ―a decisão de avaliação da matçria coletável com recurso ao método indireto constante deste artigo, após tornar-se definitiva, deve ser comunicada pelo diretor de finanças ao Ministério Público e, tratando-se de funcionário ou titular de cargo sob tutela de entidade põblica, tambçm á tutela destes para efeitos de averiguações no àmbito da respetiva competência‖.
Como se compreende, tal preceito leva imanente, ao nível da sua configuração teleológica, que o rendimento desvelado pela existência das manifestações de fortuna resultantes da lei pode resultar da prática de atos penalmente censuráveis, não apenas na esfera dos crimes fiscais, mas também no âmbito de certos crimes contra o Estado, com o que se permite o desencadear de eventuais investigações nesses âmbitos.
Por sua vez, no que se refere às previsões não fiscais, deparamos, entre outros, com o crime de branqueamento de capitais (artigo 368.º-A do Código Penal), perda de vantagens (artigo 111.º do Código Penal) e perda de bens/confisco (artigo 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro – Medidas de Combate à Criminalidade Organizada).

7. Posto este enquadramento, importa abordar as questões de (in)constitucionalidade suscitadas pelo requerimento sob apreciação, não havendo que seguir o iter traçado pelo requerente, mas sem o deixar, naturalmente, de ter no horizonte e, consequentemente, apreciar e decidir as mesmas.
Vejamos.
7.1 À apreciação de tais questões importa, desde logo, uma abordagem da legitimidade jurídicoconstitucional da incriminação.
No seu pedido, o requerente invoca que o regime aprovado pela Assembleia da República viola o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, considerando que ―podem ser encontradas outras formas de, protegendo os mesmos bens jurídicos, salvaguardar princípios constitucionais fundamentais, ademais quando aplicável a todas as pessoas‖ e que ―na formulação adotada pelo Decreto, tanto mais que não são claros os bens jurídicos a proteger pela norma e pela respetiva incriminação‖, sendo sempre que ―tal indeterminação coloca em crise não só o juízo de proporcionalidade como a própria possibilidade concreta de definição do tipo legal‖.
No que importa ao disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, enquanto parâmetro para aferir da legitimidade constitucional das incriminações, o Tribunal pronunciou-se, designadamente, no Acórdão n.º 426/91, onde, deixou explícito que ―o objetivo precípuo do direito penal é, com efeito, promover a subsistência de bens jurídicos da maior dignidade e, nessa medida, a liberdade da pessoa humana.‖ Nessa medida, ―a imposição de penas e medidas de segurança implica, evidentemente, uma restrição de direitos fundamentais, como o direito à liberdade e o direito de propriedade, que é indispensável justificar ante o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Assim, uma tal restrição só é admissível se visar proteger outros direitos fundamentais e na medida do estritamente indispensável para esse efeito.‖, e, igualmente de forma impressiva, no Acórdão n.º 108/99 em que destacou que ―o direito penal, enquanto direito de proteção, cumpre uma função de ultima ratio. Só se justifica, por isso, que intervenha para proteger bens jurídicos – e se não for possível o recurso a

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outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos violentas do que as sanções criminais. É, assim, um direito enformado pelo princípio da fragmentariedade, pois que há de limitar-se à defesa das perturbações graves da ordem social e à proteção das condições sociais indispensáveis ao viver comunitário.
E enformado, bem assim, pelo princípio da subsidiariedade, já que, dentro da panóplia de medidas legislativas para a proteção e defesa dos bens jurídicos, as sanções penais hão de constituir sempre o õltimo recurso.‖.
Na realidade, como resulta de tal jurisprudência, o artigo 18.º, n.º 2, tem sido convocado como parâmetro para aferir dos pressupostos constitucionalmente legitimadores da intervenção legiferante ao nível da seleção de comportamentos qualificados como crime, impedindo, a esse nível, a tipificação de condutas desligadas da tutela de bens jurídicos, dando-se por assente que um Estado-de-Direito material não pode desvincular-se do princípio jurídico-constitucional do direito penal do bem jurídico, o qual imbrica na ideia de que o direito penal visa a tutela subsidiária de bens jurídicos dotados de dignidade penal.
Um bem com dignidade jurídico-penal é necessariamente uma concretização dos valores constitucionais.
Nas palavras de Figueiredo Dias, ―um bem jurídico político-criminalmente tutelável existe ali – e só ali – onde se encontre refletido num valor jurídico-constitucionalmente reconhecido‖, isto ç, um valor fundamental que pré-existe à incriminação e que permite apreciar criticamente o seu sentido (Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2007). Neste sentido, ―a Constituição surge como o horizonte que há de inspirar e por onde há de pautar-se qualquer programa de política criminal‖ (v. Acórdão n.º 25/84), isto é, dela resulta uma ordenação axiológica que se afirma como ―critçrio regulativo‖ da atividade punitiva do Estado (Figueiredo Dias, ―Os novos rumos da política criminal e o direito penal português do futuro‖, Revista da Ordem dos Advogados, ano 43, 1983, p. 16), assente nesse princípio da exclusiva proteção de bens jurídico-penais operacionalizado a partir do artigo 18.ª, n.ª 2: ―A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos‖.
Apreciando a constitucionalidade do crime de tráfico de estupefacientes, este Tribunal assinalou, precisamente, que ―o objetivo precípuo do direito penal é, com efeito, promover a subsistência de bens jurídicos da maior dignidade e, nessa medida, a liberdade da pessoa humana.‖ Esta incindível associação entre o direito penal e os bens jurídicos de eminente dignidade de tutela assume-se, desde logo, como um desdobramento do princípio constitucional da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP (Costa Andrade, ―A dignidade penal e a carência de tutela penal‖, RPCC, n.º 2, 1992, p. 184).
Assim espartilhado, o instrumentarium penal ―há de limitar-se à defesa das perturbações graves da ordem social e á proteção das condições existenciais indispensáveis ao viver comunitário‖ (cf. Acórdão n.º 83/95), sendo que estamos perante um bem jurídico com dignidade de tutela quando a conduta que o lese mereça, pela sua danosidade social, um ―juízo qualificado de intolerabilidade social‖ (Costa Andrade, ob. cit., p. 184).
Daqui decorre que ―toda a norma incriminatória na base da qual não seja suscetível de se divisar um bem jurídico-penal claramente definido é nula, porque materialmente inconstitucional‖ (Figueiredo Dias, ob. cit., p.
126 ).
Ora, esse ―património ideológico-constitucional‖ conta com um fortíssimo lastro na história da jurisprudência constitucional bem desvelado, para além dos arestos já citados, nos Acórdãos n.ºs 25/84, 85/85, 288/98, 617/06 e 75/10 sobre as normas relativas à exclusão da ilicitude em certas situações de interrupção voluntária da gravidez, 347/86, 679/94, 108/99, sobre normas incriminadoras constantes do Código de Justiça Militar, 527/95, sobre o crime de condução sem habilitação, 302/95 e 480/98, sobre o crime de fraude na obtenção de subsídio, 99/2002, sobre o crime de exploração do jogo ilícito, 577/11, sobre o crime de aproveitamento de obra usurpada, 312/2000 e 516/2000, sobre crimes fiscais, 595/08, sobre o crime de detenção de arma proibida, e 128/2012, sobre o crime de injúria.
Nesta ordem de ideias e atento o pedido ‗sub judicio‘, cumpre começar por perspetivar, a título prçvio, se as normas sindicandas cumprem o desiderato básico de assegurar a tutela de bens jurídicos e se, em caso de resposta positiva, ultrapassam o teste específico da necessidade.

8. Importa, para tanto, proceder à interpretação das normas.
8.1 As normas em causa são as constantes dos artigos 335.º-A e 386.º do Código Penal, aditada e alterada, respetivamente, pelo artigo 1.º, n.os 1 e 2, do mencionado Decreto, e, bem assim, o artigo 27.º-A, aditado à Lei n.º 34/87, de 16 de julho, pelo artigo 2.º do mesmo Decreto.

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Inicialmente, a ‗norma‘ punia apenas o ‗funcionário‘ e equiparados e pretendia tratar tal crime como de ‗perigo abstrato‘, como se depreende da ‗exposição de motivos‘ constante do Projeto de Lei n.ª 72/XII, que se transcreve na parte pertinente:

―(») Neste enquadramento, reafirmando que o combate à corrupção é um combate cívico e de cidadania, que mobiliza a defesa do Estado de Direito Democrático, a primazia da ética na vida pública e política, a sanidade e transparência da vida económica e a luta pela obtenção de altos níveis de desenvolvimento humano e global.
É hoje um dado adquirido que a disparidade manifesta entre os rendimentos de um funcionário e o seu património ou modo de vida, resultante de meios de aquisição não lícitos, representa um foco de grave perigosidade social. Nada mina mais os alicerces do Estado de Direito e do livre desenvolvimento económico do que o enriquecimento ostensivo e injustificado de titulares de cargos políticos ou de quem no exercício de funções, sobre os quais impendem especiais deveres de transparência e responsabilidade social.
Este juízo é tão mais evidente em contexto adverso ao desenvolvimento económico e social, sobretudo considerando que a corrupção consubstancia um fator danoso à promoção do desenvolvimento económico e social.
Deve, por isso, a política legislativa criminal fazer corresponder a este juízo de perigosidade um tipo de crime de perigo abstrato, simultaneamente preservando os princípios conformadores do Estado de Direito Democrático a par da garantia da operacionalidade do instrumento jurídico.
(»)‖.

Vejamos, agora, a ‗norma‘ aprovada pelo Decreto em causa.
Em função de tal norma temos que qualquer pessoa pode ser agente do crime de ‗enriquecimento ilícito‘ (artigo 335.º, n.º 1-A). Diferentemente do que constava da redação original do Projeto de Lei n.º 72/XII (1.ª), supra mencionado, o crime deixou de ser específico, no sentido de apenas os funcionários e os titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos poderem ser agentes do mesmo. A qualidade do agente – funcionário, titular de cargo político ou titular de alto cargo público – tem apenas como consequência a agravação da pena aplicável ao crime (artigos 386.º, n.º 1 e 27.º-A, n.º 1).
Pode afirmar-se que o tipo legal de crime de ‗enriquecimento ilícito‘ está construído a partir de três modalidades típicas: adquirir património sem origem lícita determinada e incompatível com rendimentos e bens legítimos; possuir património sem origem lícita determinada e incompatível com rendimentos e bens legítimos; ou deter património sem origem lícita determinada e incompatível com rendimentos e bens legítimos.
A descrição dos elementos típicos supõe que o agente adquira, possua ou detenha património, entendendo-se por património todo o ativo patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no estrangeiro (artigos 335.º-A, n.os 1 e 2, 386.º, n.os 1 e 2, e 27.º-A, n.os 1 e 2); sem origem lícita determinada (artigos 335.º-A, n.º 1, 386.º, n.º 1, e 27.º-A, n.º 1); incompatível com os seus rendimentos ou bens legítimos, entendendo-se por rendimentos e bens legítimos todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada (artigo 335.º-A, n.ºs 1 e 3) ou, tratando-se de funcionário ou de titular de cargo político ou de alto cargo público, todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada, designadamente os constantes em declaração de património e rendimentos (artigos 386.º, n.os 1 e 3, e 27.º-A, n.os 1 e 3); e que o valor da incompatibilidade exceda 100 salários mínimos mensais (artigos 335.º-A, n.º 4, 386.º, n.º 4, e 27.º-A, n.º 4).
Desta descrição típica resulta que o conteúdo do ilícito é o mesmo ainda que o agente da prática do crime de enriquecimento ilícito seja funcionário, titular de cargo político ou titular de alto cargo público.
E dela resulta também, numa interpretação que a norma, tal como vem redigida, necessariamente comporta, que o que se pretende punir é a incompatibilidade existente entre o património adquirido, detido ou

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possuído e os rendimentos e bens legítimos do agente, património esse que, não tendo origem lícita determinada, indicia que o acréscimo patrimonial adveio da prática anterior de crimes.
Isso mesmo se extrai tanto da epígrafe ‗enriquecimento ilícito‘, como da parte final do n.º 1 de cada artigo, quando aí se deixa expresso que «» se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal», e, bem assim, dos respetivos ‗trabalhos preparatórios‘, onde se pode colher com toda a clareza que a incriminação em causa visa obstar a que os mais diversos crimes fiquem impunes em função das mais diversas vicissitudes, incluindo processuais.
8.2 Ora, se a finalidade é punir, através da nova incriminação, crimes anteriormente praticados e não esclarecidos processualmente, geradores do enriquecimento ilícito, então não há um bem jurídico claramente definido, o que acarreta necessariamente a inconstitucionalidade da norma. Pune-se para proteger um qualquer bem jurídico indefinido (v.g., a autonomia intencional do Estado, o património, a liberdade sexual, saõde põblica … ).
Daqui haver-se-á de concluir, em consonància com o já supra referido, que ― » toda a norma incriminatória na base da qual não seja suscetível de se divisar um bem jurídico-penal claramente definido é nula, porque materialmente inconstitucional‖ (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 126).
8.3 Acresce que a construção do tipo não permite a identificação da ação ou omissão que é proibida, com o que fica violada a exigência de determinação típica do artigo 29.º, n.º 1 da Constituição, que é do seguinte teor, na parte relevante: «Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão, … ».

9. Não poderá olvidar-se, ainda, que o tipo legal de crime, tal como se encontra configurado, não passa indemne ao princípio da presunção de inocência.
Na realidade, de acordo com o disposto no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, ―todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa‖.
Aí se consagra, como um princípio fundamental do Estado de direito – também expressamente formulado no artigo 9.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, no artigo 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem –, a ―presunção de inocência do arguido‖.
Considerando não ser fácil determinar o sentido do princípio da presunção de inocência, Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, 2007, p. 518) apontam, como decorrências do seu conteúdo, as seguintes concretizações: ―(a) proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido; (b) preferência pela sentença de absolvição contra o arquivamento do processo; (c) exclusão da fixação da culpa nos despachos de arquivamento; (d) não incidência de custas sobre o arguido não condenado; (e) proibição da antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares (cfr. AcTC n.º 198/90); (f) proibição de efeitos automáticos da instauração do procedimento criminal; (g) natureza excecional e de última instância das medidas de coação, sobretudo as limitativas ou proibitivas da liberdade; (h) princípio in dubio pro reo, implicando a absolvição em caso de dúvida do julgador sobre a culpabilidade do acusado‖.
Apesar da dificuldade na determinação rigorosa do exato sentido do princípio – também mencionada no Acórdão n.º 270/87 –, deve ter-se por certo que a sua concretização há de levar em conta o ambiente axiológico específico deste terreno dogmático e a particular estrutura de onde o mesmo desponta (como refere Maria Fernanda Palma em ―A constitucionalidade do artigo 342.ª do Código de Processo Penal – O direito do arguido ao silêncio‖, in Revista do Ministério Público, n.º 60, Lisboa, 1995, pp. 102-103).
Assumindo essa pressuposição, Jorge de Figueiredo Dias, após acentuar que o nosso processo penal radica numa ―estrutura acusatória integrada pelo princípio da investigação‖, concretiza que ―á luz do princípio da investigação bem se compreende, efetivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos "à dúvida razoável" do tribunal, também não possam considerar-se como "provados". E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova — não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão — tem de ser

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sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo‖ (cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, Polic., Coimbra, 1988-9, p. 145, e quanto à questão de saber se o princípio da presunção de inocência se identifica tout court com o princípio in dubio pro reo, v. Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e ―in dubio pro reo‖, Coimbra, 1997, pp. 60 e ss.).
Para o citado Autor, a presunção de inocência assume ―reflexos imediatos‖ sobre o estatuto do arguido, conduzindo, entre o mais, a que ―a utilização do arguido como meio de prova seja sempre limitada pelo integral respeito pela sua decisão de vontade – tanto no inquérito como na instrução ou no julgamento: só no exercício de uma plena liberdade da vontade pode o arguido decidir se e como deseja tomar posição perante a matçria que constitui objeto do processo‖, o que se desvela, sobretudo, ―no direito conferido ao arguido pelo art. 61.º-1 c) [do Código de Processo Penal], de ―não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar‖ (cf.
Jorge de Figueiredo Dias, ―Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal‖, in Aa. Vv., Jornadas de Direito Processual Penal – O novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1991, pp. 27-28 e Rui Patrício, O princípio da presunção de inocência do arguido na fase do julgamento no atual processo penal português (Alguns problemas e esboço para uma reforma do processo penal português), Lisboa, 2000, pp. 25 a 40; também sobre a liberdade de declaração do arguido, na sua vertente negativa, v. Manuel da Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra, 1992, pp. 117 e ss., e, especificamente quanto ao direito ao silêncio, Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos, O direito à não autoinculpação (nemo tenetur se ipsum accusare) no processo penal e contraordenacional português, Coimbra, 2009).
Ora, esta constelação axiológica que ilumina o estatuto jurídico-processual do arguido em processo penal, com base na qual aquele surge como um autêntico sujeito processual, afasta assim deste horizonte as consequências típicas dos problemas de repartição do ónus da prova decorrentes da afirmação de um princípio da autorresponsabilidade probatória das ―partes‖ construído de acordo com os cànones do processo civil, exigindo que uma decisão condenatória em matéria penal assente na demonstração positiva da culpa do arguido e seja obtida sem sacrifício do tríptico garantístico constituído pela presunção de inocência, pelo ‗in dubio pro reo‘ e pelo ‗nemo tenetur se ipsum accusare‘ e dos demais direitos que gravitam em torno do arguido.
Daí decorre, pois, um conjunto de exigências de sentido que não se limitam a conformar os diversos atos que compõem as diversas fases do processo penal, que, e de forma decisiva, operam a montante, ao nível da previsão legislativa dos tipos incriminadores, na medida em que impõem ao legislador que ―as normas penais não consagrem presunções de culpa e que não façam decorrer a responsabilidade penal de factos apenas presumidos, impondo-se-lhe, em suma, que legisle no sentido de que não saia diminuído, direta ou indiretamente, o princípio da presunção de inocência do arguido‖ (Rui Patrício, O principio da presunção de inocência…, cit., pp. 37-38).
A formulação do tipo não impede o entendimento de que verificada a incongruência entre o património e o rendimento, ela é qualificada de enriquecimento ilícito sem ser feita a demonstração positiva da ausência de toda e qualquer causa lícita.
Tenha-se presente, aliás, que sendo o elenco de causas lícitas aberto e potencialmente inesgotável, sempre se poderia entender que a exigência de demonstração positiva da sua ausência afectaria quase irremediavelmente a operacionalidade do tipo. Assim lidas as normas incriminadoras, está-se a presumir a origem ilícita da incompatibilidade e a imputar ao agente um crime de enriquecimento ilícito, o que redunda em manifesta violação do princípio da presunção de inocência, determinando, portanto, a inconstitucionalidade das normas em causa.

10. Por õltimo, resta uma sucinta referência á norma constante do ―artigo 10.ª‖, tendo em atenção a questão suscitada pelo requerente.
Ora, o tratamento autónomo de tal questão carece de qualquer razão útil, estando, por isso, manifestamente prejudicado pela solução a que se chegou.

III. Decisão

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11. Nestes termos, atento o exposto, o Tribunal decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.º, n.os 1 e 2, e 2.º do Decreto n.º 37/XII da Assembleia da República, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 2, da Constituição.

Lisboa, 4 de abril de 2012 – J. Cunha Barbosa – Maria João Antunes – Gil Galvão – João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – Carlos Pamplona de Oliveira – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – (voto a decisão com diferente fundamentação nos termos da declaração de voto anexa) – Vítor Gomes (parcialmente vencido, conforme declaração junta) – Rui Manuel Moura Ramos (Não acompanhando, nos termos da declaração de voto junta, o ponto 8.2. da fundamentação).

Declaração de voto Manifestei concordância com o juízo de inconstitucionalidade, mas com base em diferente fundamentação, em face das seguintes considerações:

1. O crime de enriquecimento ilícito, tal como configurado nas disposições dos artigos 335.º-A e 386.º que o Decreto n.º 37/XII da Assembleia da República adita ao Código Penal, bem como do artigo 27.º-A aditado à Lei n.º 34/87, de 16 de julho, contém como elementos típicos a aquisição, posse ou detenção de património, sem origem lícita determinada, incompatível com os rendimentos e bens legítimos do agente, entendendo-se como rendimentos e bens legítimos, para efeito do preenchimento do tipo, todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens que constem das declarações de património e rendimentos ou que tenham uma origem lícita determinada.
O conteúdo ilícito da norma incriminadora consiste na discrepância entre o património e os rendimentos e bens legítimos do agente e, em coerência com esse pressuposto, constitui elemento do tipo legal a ausência de determinação da origem lícita do património.
Tratando-se de uma incriminação autónoma, como resulta com evidência dos trabalhos preparatórios, a ausência de origem lícita determinada, enquanto elemento constitutivo do crime, não se confunde com a demonstração da prática de qualquer facto ilícito que se encontre já tipificado através da caracterização dos delitos de natureza económica ou fiscal (corrupção, peculato, participação económica em negócio, suborno, tráfico de influência, fraude fiscal). O preenchimento do elemento do tipo não exige, por isso, a prova da origem ilícita do património. E nesse sentido aponta o segmento final de cada uma das normas incriminadoras em causa («se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal»), que faz supor que o enriquecimento ilícito é punível apenas quando não poder considerar-se verificada a prática de qualquer outro tipo legal que incrimine a proveniência ilícita de rendimentos ou bens. A criminalização da conduta tem, assim, um carácter subsidiário, visando cobrir situações de acréscimo patrimonial injustificado que, por dificuldades probatórias, não possam ser enquadradas num tipo de crime que implique a própria demonstração da ilicitude da obtenção de património.
Neste contexto, não é possível afirmar que existe uma indeterminação ou sobreposição relativamente ao bem jurídico tutelado, porquanto o que está em causa não é a proteção de bens ou valores que fundamentaram já a criminalização de outras condutas, mas a responsabilização penal de situações objetivas de enriquecimento desproporcionado em relação aos rendimentos lícitos conhecidos ou declarados, independentemente da determinação do facto ilícito pelo qual esses rendimentos chegaram à posse do agente.
E não se vê que falhe aqui a legitimidade jurídico-constitucional da incriminação. O bem jurídico que parece pretender tutelar-se, em qualquer dos tipos legais em causa, é o da transparência das fontes de rendimento, que tem já diversas concretizações no sistema legal, mormente por via da obrigatoriedade da declaração de rendimentos para efeitos de controlo público da riqueza dos titulares de cargos públicos (Lei n.º 4/83, de 2 de abril). E não pode deixar de reconhecer-se que se trata de um bem em si mesmo socialmente relevante, com particular reflexo na prevenção geral da criminalidade económica e fiscal, e que, em última análise, radica nos deveres inerentes à funcionalidade e justiça do sistema social, sabendo-se que entre os valores e bens

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consagrados na Constituição e os bens jurídicos dignos de tutela penal não tem de existir uma relação de identidade, mas apenas uma relação de analogia material.
2. Pela mesma ordem de considerações não pode aceitar-se que a incriminação do enriquecimento ilícito, tal como está concebida, represente uma forma de punição indireta de factos ilícitos geradores do enriquecimento e consagre, desse modo, uma presunção de ilicitude relativamente a factos que apenas poderiam ser objeto de perseguição criminal por via do preenchimento de outros tipos legais de crime.
Na verdade, a incriminação resulta, não da presunção de que o agente obteve por via ilícita um património desproporcionado em relação aos seus rendimentos legítimos, mas antes da falta de determinação da origem lícita desse património, correspondendo a uma incriminação que sanciona o enriquecimento por causa desconhecida.
Esta explicitação permite também afastar a alegada violação do princípio in dubio pro reo. A falta de origem lícita determinada, enquanto elemento constitutivo do crime, não implica a existência de dúvida acerca da ilicitude ou licitude da proveniência do património, mas pressupõe unicamente que não tenha sido feita prova (na fase de investigação, para efeitos de ser deduzida uma acusação, ou na fase de julgamento, para efeito de ser proferida uma decisão condenatória) de que o património tem uma origem lícita. Nestes termos, o juiz não poderá deixar de fundar a condenação num juízo de certeza sobre a invocada ausência de proveniência lícita, e, por outro lado, o arguido não está impedido de alegar e provar factos indiciários que coloquem a dúvida sobre a falta de licitude dessa proveniência.
Não está excluído, por conseguinte, que o arguido exerça o seu direito de contraprova sobre os elementos de facto que respeitem aos pressupostos do ilícito penal – bastando que alegue que o acréscimo patrimonial passou a integrar a sua esfera jurídica através de meios legítimos, ainda que não mencionados nas declarações apresentadas para efeitos fiscais – e, em caso de dúvida sobre a verificação dos factos, o juiz está vinculado a resolver em sentido favorável ao réu.
3. Formularia, no entanto, um juízo de inconstitucionalidade, por violação dos direitos de defesa, por considerar que o tipo legal, tal como está construído, impõe ao arguido a iniciativa de alegação e prova em relação a factos que integram os elementos constitutivos do crime, violando o direito ao silêncio em termos que representam uma inversão do ónus da prova.
Ainda que o direito ao silêncio por parte do arguido não seja um direito ilimitado e este não possa invocar ter sido prejudicado pelo exercício desse direito quando tenha prescindido de fornecer a sua versão pessoal dos factos ou de prestar esclarecimentos sobre questões que sejam do seu conhecimento (acórdão do STJ de 18 de junho de 2008, Processo n.º 3227/07), o certo é que, no caso, a ausência de origem lícita determinada corresponde a um elemento do tipo formulado negativamente relativamente ao qual a prova a coligir por parte do Ministério Púbico ou, em sede de julgamento, pelo juiz apenas poderá basear-se na discrepância entre o rendimento declarado e o enriquecimento verificado.
Nesse condicionalismo, o arguido não fica dispensado do ónus da prova, visto que se lhe impõe demonstrar, sob pena de ser penalmente responsabilizado, que o património adquirido tem uma origem lícita determinada, ainda que a sua proveniência não se encontre justificada através dos rendimentos revelados pelas declarações fiscais. Não opera aqui o simples exercício do direito de declaração ou o direito ao silêncio, por parte do arguido, em função de uma estratégia de defesa que vise favorecer a sua posição processual. O silêncio terá sempre uma consequência desvantajosa na medida em que não permite contraditar a prova negativa da origem lícita, o que significa que ao arguido cabe o ónus da prova pela positiva, ou seja, cabe-lhe demonstrar que o património adquirido, ainda discrepante com os rendimentos declarados, tem uma origem lícita. Dito ainda de outro modo: deduzida uma acusação por enriquecimento ilícito, e não dispondo o juiz de outros elementos que possam favorecer o arguido, é a este que incumbe suscitar o estado de dúvida e prestar os esclarecimentos que permitam provar a sua inocência.
Ocorre assim a violação do princípio da presunção da inocência do arguido, na vertente da proibição da inversão do ónus da prova.
Carlos Fernandes Cadilha

Declaração de voto

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Vencido quanto à pronúncia pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2.º do Decreto sujeito a apreciação, na parte em que adita o artigo 27.º-A à Lei n.º 34/87, de 16 de julho, pelas razões que sumariamente passo a indicar:

1. O Acórdão assenta em duas conclusões fundamentais, abrangendo por igual as três normas incriminadoras sindicadas: – a impossibilidade de discernir na base da incriminação um bem jurídico com dignidade penal claramente definido (artigo 18.º, n.º 2 , da CRP) e a conduta concretamente proibida (artigo 29.º, n.º 1, da CRP); – a violação do princípio da presunção de inocência do arguido (artigo 32,º, n.º 2, da CRP), decorrente de a estrutura típica das normas conduzir à presunção da origem ilícita da incompatibilidade entre o património e o rendimento.

Discordo da segunda e não acompanho inteiramente a primeira.

2. Quanto à primeira questão: O acórdão trata do mesmo modo os três tipos legais de crime que o Decreto sujeito a apreciação pretende introduzir na ordem jurídico-penal. É certo que os elementos objetivos do tipo são, na sua literalidade, com ligeira diferença quanto ao artigo 27.º-A da Lei n.º 34/87, essencialmente idênticos. Mas, a meu ver, uma comum e porventura enganadora designação de ―enriquecimento ilícito‖, encobre condutas que, em função da qualidade típica do agente, são suscetíveis de lesar diferentes bens jurídicos, havendo que distinguir a incriminação constante do aditando artigo 335.º-A do Código Penal (CP) relativamente às restantes inovações incriminatórias que o Decreto sujeito a apreciação pretende introduzir no ordenamento penal.
Relativamente àquela primeira norma (artigo 335.º-A do CP) acompanho, neste parâmetro, a decisão a que o acórdão chegou, bastando-me, brevitatis causa, as considerações aí tecidas para concluir quanto à ausência de um bem jurídico com dignidade penal ou pela flagrante desnecessidade da incriminação, face aos instrumentos já existentes para sancionar, relativamente a todos os cidadãos, os acréscimos patrimoniais de origem ilícita ou cuja declaração seja omitida para efeitos fiscais.
Já quanto ás normas respeitantes ao ―enriquecimento ilícito‖ por funcionário (futuro artigo 386.ª do CP) e por titular de cargo político e de alto cargo público (futuro artigo 27.º-A da Lei n.º 34/87), entendo dever colocar-se a questão noutros termos.
Efetivamente, como quer que se designe, existe um bem jurídico com evidente dignidade penal, inerente ao princípio do Estado de direito e com afloramentos expressos noutros lugares da Constituição (p. ex. artigo 266.º da CRP), que é a confiança ou credibilidade do Estado (lato sensu) perante a coletividade e a daí decorrente capacidade de intervenção para a realização das finalidades que lhe estão cometidas (bem jurídico mediato da incriminação), que a ocultação da proveniência do património ou rendimentos dos titulares do poder público ou dos intervenientes na gestão de bens e serviços públicos pode pôr em perigo e que legitima o legislador a impor a transparência da situação patrimonial daqueles a quem incumba funcionalmente preparar, manifestar ou executar a vontade do Estado (bem jurídico imediato da incriminação).
E não é válida a objeção de que relativamente àquele fundamento último a punição é inadequada (i.e., viola a segunda máxima do princípio da proporcionalidade) porque o ―enriquecimento ilícito‖ pressupõe que o ―mercadejar com o cargo‖ já tenha ocorrido. Nem a de que seria desnecessária, por tal conduta ser já objeto de repressão mediante tipos de ilícito penal autónomos. Pondo de lado questões de política criminal, de perfeição jurídica das soluções, ou de estrita dogmática penal, aspetos em função dos quais não cabe ao Tribunal decidir, não vejo que o princípio constitucional da proporcionalidade impeça o legislador de conferir tutela a um mesmo bem jurídico, ou um bem jurídico complexivo, mediante uma armadura penal em que um dos crimes tipificados seja funcionalmente ordenado a reprimir ações ou omissões ilícitas que as tipificações já existentes, na prática e numa avaliação pelo legislador democrático que não se apresente como ostensivamente errada, não se revelem idóneas para deter. O reforço da consciência jurídica da comunidade e do seu sentimento de segurança face à efetiva vigência das normas é finalidade primordial da sanção penal e, portanto, também convocável no momento da legitimação da sua cominação abstrata para as ações ou omissões que se escolham tipificar desde que satisfaçam os requisitos do princípio da legalidade penal. Ora, neste gçnero de atuação ilícita, a conduta do agente tem uma forte componente ―racional‖ ou de cálculo

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(balanço custo/benefício), sendo a previsão de que as dificuldades de prova da origem ilícita do rendimento não facilitarão o seu aproveitamento fator fortemente desmotivador da violação dos deveres destinados a assegurar a probidade do serviço público.
Deste modo, mesmo que fosse exato – e não acompanho o acórdão nessa interpretação – que a nova tipificação pressupõe necessariamente a origem ilícita do enriquecimento e se destina a funcionar como mero ―sucedàneo‖ de outras incriminações e visa tutelar os mesmos bens jurídicos, não estaria o legislador impedido de consagrá-la.
Mas o que me parece decisivo é que a transparência da situação patrimonial dos titulares ou agentes do poder público é, por si mesmo, fortemente incentivadora da confiança dos cidadãos na imparcialidade ou probidade da sua atuação. A confiança dos cidadãos e nas instituições públicas e, sobretudo, na capacidade do Estado de fazer cumprir as suas regras por parte dos que o servem, é um fator crucial da existência e coesão das sociedades democráticas. A transparência da situação patrimonial dos servidores públicos, a revelação da congruência entre a evolução da riqueza no período de exercício do cargo e os rendimentos lícitos conhecidos, constitui um meio de fomento ou um travão à erosão da confiança na imparcialidade no exercício das funções do Estado. Estamos, assim, perante um bem jurídico coletivo, inerente à organização democrática do Estado, e é isso que legitima que aos titulares de cargos políticos e equiparados e a titulares de altos cargos públicos já há muito se imponha a apresentação no Tribunal Constitucional da declaração de património e rendimentos, nos termos da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, alterada por último pela Lei 36/2010, de 2 de setembro. A confiança da comunidade no são funcionamento das instituições democráticas é um valor constitucional fundamental e, portanto, um bem jurídico com ―dignidade penal‖. A atuação funcional dos agentes põblicos tem de poder ser vista ―como determinada exclusivamente com base em critçrios próprios, adequados ao cumprimento das suas funções específicas no quadro da atividade geral do Estado, e na exata medida em que os critçrios não sejam substituídos ou distorcidos por interesses alheios á função‖ (transpondo aqui para todas as funções do Estado lato sensu o que sobre a imparcialidade da Administração disse Vieira de Andrade, ―A Imparcialidade da Administração como Princípio Constitucional, Boletim da Faculdade de Direito, Volume L, 1974, Coimbra, pág. 224). Não é, por isso constitucionalmente ilegítimo, que, ―partindo da circunstância factual objetiva do enriquecimento desproporcionado ao rendimentos lícitos conhecidos ou declarados, se possa construir uma incriminação que previna e sancione o enriquecimento por causa desconhecida‖ [Germano Marques da Silva ―Sobre a Incriminação do Enriquecimento Ilícito (não justificado ou não declarado) – Breves Considerações nas Perspetivas Dogmática e de Política Criminal‖ Homenagem de Viseu a Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra editora, pág. 51].
Apesar disto, ainda acompanho o acórdão na conclusão de que a incriminação constante do aditando artigo 386.º do Código Penal, mesmo no grau de evidência em que o controlo de constitucionalidade tem de conter-se neste domínio, viola o princípio da proporcionalidade.
Com efeito, do que se trata nas tipificações agora consideradas não é de punir os factos ilícitos geradores do enriquecimento, factos que serão ou poderão ser sempre puníveis autonomamente quando ilícitos; é a falta de transparência sobre as causas de enriquecimento que é incriminada, embora conjugada ou revelada por uma situação patrimonial desproporcionada aos rendimentos de origem lícita conhecidos ou declarados. Ora, a imposição desse dever a todo e qualquer funcionário, na lata aceção penalmente relevante do termo ―funcionário‖, mesmo quando não lhe estejam cometidos poderes suscetíveis de condicionar seja a preparação, formação ou tomada de decisão, seja a conformação da execução desta, ou as opções de prestação do serviço público, é flagrantemente desnecessária (por não existir aí o perigo que se visa prevenir) e excessiva, porque a carga ofensiva que comporta para outros direitos fundamentais, como o direito à reserva da vida privada do próprio e de terceiros, não tem a legitimá-la aquela necessidade.
Porém, o mesmo não sucede relativamente aos agentes sobre os quais já hoje impende o dever de declarar em termos extrafiscais o património e rendimentos, e que são aqueles a que corresponde o âmbito subjetivo de aplicação do artigo 27.º-A da Lei n.º 34/87, de 16 de julho. A exigência de transparência sobre as causas do enriquecimento, cujo desrespeito é punido mediante a incriminação do ―enriquecimento ilícito‖ ç, aqui, um crime específico de um certo tipo de agentes, a quem a lei legitimamente impõe um dever especial de transparência (cfr. artigo 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na redação que lhe conferiu a Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro). Há um prévio dever de comunicar com verdade que obriga os sujeitos deste crime a declarar os seus bens e a fonte dos rendimentos e que pelas razões já aduzidas se destina a proteger as condições

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organizatórias indispensáveis ao viver comunitário. É esse dever que a desproporção entre a riqueza ostentada e os rendimentos lícitos conhecidos demonstra não ter sido cumprido e é essa falta de transparência que agora se pretende punir criminalmente deste modo. Elemento objetivo do tipo é a aquisição, posse ou detenção de património sem origem lícita conhecida, o que objetivamente não implica – contrariamente à interpretação que me parece ter prevalecido – que o tipo presume constitutivamente a origem ilícita do património ou dos meios com que foi adquirido.
Ora, como se disse no acórdão n.ª 577/2011, ―a separação de poderes do Estado impõe ao juiz, mormente ao juiz constitucional, que salvaguarde, com as cautelas necessárias, o espaço de liberdade de conformação que, em matérias de política criminal, pertence primacialmente ao legislador democrático, cuja legitimidade, assente no voto direto popular, lhe confere especial capacidade para decidir quais as condutas passíveis de constituírem ofensas penais, bem como quais as penas adequadas à punição das mesmas. A atividade de fiscalização do Tribunal deve ser, portanto, restringida a um controlo de evidência, relegando-se as decisões de inconstitucionalidade para os casos em que, de modo evidente ou manifesto, se excederam os limites à incriminação penal resultantes do princípio da proporcionalidade e da ideia de Estado de direito democrático‖.
Razões suficientes para que, quanto a este parâmetro de constitucionalidade e relativamente a esta incriminação, não tenha podido acompanhar o entendimento que prevaleceu.

3. Quanto à segunda questão Acompanho os termos gerais da análise do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido que o acórdão enuncia e que, já por si, em parte afastam os fundamentos do pedido, designadamente quanto à pretensa inversão do ónus da prova. Mas não concordo com o juízo de violação do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, desde logo porque não compartilho o entendimento de que nos tipos incriminatórios, tal como se encontram construídos, se presume a origem criminalmente ilícita da incompatibilidade patrimonial.
O que está em causa – e atenho-me nas considerações posteriores ao único tipo que considero subsistir face à resposta dada à primeira questão – é a impossibilidade de determinar a origem lícita do enriquecimento do agente no período abrangido pelo dever de declarar, e de declarar com verdade, o património e rendimentos. Ora, como enfatiza a norma do artigo 10.º do Decreto, e já decorre dos princípios gerais do processo penal de estrutura acusatória integrada pelo princípio da investigação, incumbe ao Ministério Público (no sentido de que a dúvida se resolve contra a acusação) a prova também deste elemento do tipo. A lei não presume a ilicitude ou a culpa do agente relativamente ao crime que se lhe imputa. O que existe é uma inferência de facto de ocultação da origem dos rendimentos face às declarações prévias obrigatoriamente apresentadas e à incongruência com a situação patrimonial revelada por qualquer das acções típicas (adquirir, possuir ou deter ». ) que, se for abalada em qualquer dos seus pressupostos, conduz á absolvição do arguido quanto a este crime.
Ora, o Tribunal – tal como o TEDH (v. os casos Radio France v. France, de 2004, Pham Hoang v. France, de 1992, e Salabiaku v. France, de 1988, todos disponíveis em http://www.echr.coe.int/echr/) – tem admitido, como válida a existência de presunções de facto, desde que o arguido possa desmontar o nexo lógicoinferencial em que a presunção se sustenta e baste a contra-prova (e não a prova do contrário) para assegurar uma decisão favorável ao arguido. Lembro a jurisprudência relativa á ―fç em juízo‖ dos autos de notícia (nas suas linhas fundamentais, iniciada ainda no tempo da Comissão Constitucional pelo acórdão n.º 168, de 24 de julho de 1979); os casos em que o Tribunal foi chamado a ponderar o princípio da presunção da inocência do arguido a propósito das normas do Decreto-Lei n.º 85-C/75 (Lei de Imprensa), de 26 de fevereiro, que estabeleciam a responsabilidade criminal do diretor de publicação periódica ―se não provar que não conhecia o escrito ou imagem publicados ou que não lhe foi possível impedir a publicação‖ [cf. alíneas a) e b) do artigo 26.º, n.º 2], sendo que ―para efeitos de responsabilidade criminal, o diretor do periódico presume-se autor de todos os escritos não assinados e responderá como autor do crime se não se exonerar da sua responsabilidade pela forma prevista no nõmero anterior‖ (artigo 26.º, n.º 3) (cfr. p. ex. acórdão n.º 447/87), colhendo-se do seu discurso fundamentador que o parâmetro constitucional assente no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, não se teria por violado posto que se tratava ―da presunção de um puro facto, a saber, o do conhecimento do teor daquele escrito ou imagem‖, não sendo arbitrária nem se traduzindo ―numa manipulação arbitrária do princípio in dubio pro reo‖; por último, e sem preocupação de exaustão, lembro ainda o decidido no acórdão n.º 246/96, em que se encontrava questionada a constitucionalidade da norma do artigo 22.º, n.º 2, do Regime Jurídico das Infrações Fiscais Aduaneiras que afastava a punição do crime de contrabando de

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circulação ―fazendo-se prova de que a mercadoria é originária do território aduaneiro ou já se encontra nacionalizada‖, em que não se deixou de referir que ―como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Tribunal, não constitui afrontamento ao princípio da presunção de inocência o facto de a lei estabelecer, em alguns tipos criminais, que a não demonstração da verificação de certos factos possa atuar em desfavor do arguido‖.
Finalmente, não pode considerar-se que a estrutura do tipo colida necessariamente com o conteúdo de sentido do princípio nemo tenetur se ipsum accusare. Nenhuma contribuição se exige ao arguido para a prova dos factos constitutivos do tipo e nenhuma conclusão desfavorável ao arguido se retira do seu exercício do direito ao silêncio. Prestar ou não declarações ou apresentar prova quanto à origem lícita do enriquecimento é opção que o arguido tomará livremente consoante a estratégia de defesa que escolha.– Vítor Gomes.

Declaração de voto Contrariamente ao que o acórdão afirma no seu ponto 8.2., não faço decorrer a inconstitucionalidade da norma sindicada diretamente da invocada inexistência de um bem jurídico claramente definido. Com efeito, respondo afirmativamente à questão de saber se as normas sindicadas asseguram a tutela de bens jurídicos, acrescentando a este respeito que os bens jurídicos que justificam a presente incriminação serão os mesmos que suportam outras incriminações plasmadas no sistema jurídico. Estaremos assim perante um bem jurídico compósito, cuja legitimidade jurídico-constitucional está assegurada pelos fundamentos que asseguram a legitimidade das normas incriminadoras cuja direta violação conduziu ao enriquecimento que se pretende sancionar. Tal asserção, sendo em si mesma demonstrativa da observância do património valorativo com assento constitucional, não é afetada pela circunstância de o bem que assim se pretende tutelar surgir aqui numa conceção que resulta da concentração dos bens que justificam as referidas incriminações. O que não implica que esta construção não possa ter repercussões na formulação do tipo, ao impedir a sua necessária concretude, frustrando assim, como se afirma no ponto 8.3., a possibilidade de tornar apreensível o mandamento jurídico-penal inscrito na norma.– Rui Manuel Moura Ramos.

[documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20120179.html]

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PROJETO DE LEI N.º 179/XII (1.ª) (PROCEDE À ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DE TRABALHO (LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO, ALTERADA PELAS LEIS N.OS 105/2009, DE 14 DE SETEMBRO, E 53/2011, DE 14 DE OUTUBRO)

Parecer da Comissão de Segurança Social e Trabalho e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio

Parecer da Comissão de Segurança Social e Trabalho

Índice Parte I – Considerandos Parte II – Posição do Autor Parte III – Conclusões Parte IV – Parecer

Parte I – Considerandos

1. Nota introdutória O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista ―Os Verdes‖ tomou a iniciativa de apresentar á Assembleia da República o PJL 179/XII (1.ª) que ―Procede á alteração ao Código do Trabalho (Lei n.ª 7/2009, de 12 de

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fevereiro, alterado pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, e 53/2011, de 14 de outubro‖.
O PJL 179/XII foi admitido em 22 de fevereiro de 2012, tendo baixado à Comissão de Segurança Social e Trabalho [CSST] para efeitos de apreciação e emissão do competente Parecer, nos termos regimentais aplicáveis [cf. artigo 129.º do RAR].
O PJL 179/XII (1.ª) cumpre os requisitos constitucionais e regimentais aplicáveis [cf. artigos 167.º da CRP e 118.º do RAR], encontrando-se verificados, também, os requisitos formais de admissibilidade [cf. n.º 1 do artigo 119.º e n.º 1 do artigo 124.º do RAR] e respeita, igualmente, o disposto na denominada lei formulário [Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, na sua atual redação, sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas], salvo no que tange ao n.º 1 do seu artigo 6.º que estatui que «Os diplomas que alterem outros devem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores, identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas».
Ora, constata-se, como é de resto referido na nota técnica preparada pelos serviços da Comissão de Segurança Social e Trabalho (CSST) que aqui se dá por integralmente reproduzida, que a Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, [Aprova a revisão do Código do Trabalho], foi alterada pela Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro [Regulamenta e altera o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e procede à primeira alteração da Lei n.º 4/2008, de 7 de fevereiro] e pela Lei n.º 53/2011, de 14 de outubro [Procede à segunda alteração ao Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, estabelecendo um novo sistema de compensação em diversas modalidades de cessação ao contrato de trabalho, aplicável apenas aos novos contratos de trabalho], pelo que o título do PJL n.º 179/XII deverá referir ―Terceira alteração á Lei n.ª 7/2009,de 12 de fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho‖.

2. Objeto, motivação e conteúdo da iniciativa Através do PJL 179/XII pretende o Grupo Parlamentar de Os Verdes introduzir alterações ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, no sentido de incluir a terça-feira de Carnaval no elenco dos feriados obrigatórios.
Os autores do PJL n.º 179/XII (1.ª) justificam a apresentação da iniciativa legislativa alegando que ―No calendário cerimonial português o Carnaval é um dos mais importantes ciclos festivos, existindo em Portugal uma grande tradição carnavalesca‖ e adiantam que ―Embora a terça-feira de Carnaval não conste atualmente na lista de feriados obrigatórios consagrados na lei, existe uma tradição consolidada de organização de festas neste período, acabando o Carnaval por ser entendido e interiorizado como um verdadeiro feriado‖.
Por outro lado, discordando abertamente da decisão do Governo que não considerou este ano o Carnaval como um feriado, o PEV refere na exposição de motivos que antecede o PJL 179/XII (1.ª) que o ―O Governo ignora assim a importância económica, social e cultural que esta data tem na sociedade e junto da população portuguesa, e contraia grosseiramente as dinâmicas sociais, económicas e culturais de várias comunidades e localidades‖.
Neste contexto, o PJL 179/XII (1.ª) de Os Verdes, em apreciação, surge como uma resposta à decisão tomada pelo Governo no sentido de não considerar no corrente ano o Carnaval como feriado e encerra soluções normativas que, a serem aprovadas, implicam alterações profundas ao regime jurídico dos feriados em vigor.

3. Enquadramento legal e antecedentes O regime jurídico dos feriados encontra-se previsto e regulado no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na Subsecção IX, da Secção II, do Capítulo II, do Título I.
Com efeito, o Código do Trabalho estabelece o regime jurídico aplicável aos feriados, definindo os feriados obrigatórios, independentemente da sua natureza religiosa ou civil [cfr. artigo 234.º], e os feriados facultativos [cfr. artigo 235.º], assim como o regime dos feriados [cfr. artigo 236.º]. Ora, a terça-feira de Carnaval que Os Verdes pretendem inserir no elenco dos feriados obrigatórios, encontra-se presentemente inserida nos feriados facultativos.
Da consulta à base de dados da atividade parlamentar e do processo legislativo [PLC], constata-se que deu entrada, embora com objeto e sentido bastante mais extenso, a Proposta de Lei n.º 46/XII (1.ª) que ―Procede á Terceira Revisão do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.ª 7/2009, de 12 de fevereiro‖ que, entre o vasto

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conjunto de alterações ao Código do Trabalho, altera o regime jurídico dos feriados obrigatórios eliminando dois feriados de cariz religioso [Corpo de Deus e o 15 de agosto] e dois feriados civis [5 de outubro e 1 de dezembro], mantendo inalterados os feriados facultativos.

4. Consulta Pública O PJL 179/XII (1.ª) foi, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, publicado em separata eletrónica do Diário da Assembleia da República [DAR], para efeitos de apreciação pública pelas organizações representativas dos trabalhadores e dos empregadores, pelo período de 30 dias, que decorreu entre 12 de março e 11 de abril de 2012, tendo sido recebidos na CSST três contributos (da CGTP-IN e de dois cidadãos).

Parte II – Posição do autor

O autor do presente parecer reserva, nesta sede, a sua posição sobre o PJL 179/XII (1.ª), que é, de resto, de «elaboração facultativa» [cf. n.º 3 do artigo 137.º do RAR], para a discussão em Plenário da Assembleia da República.

Parte III – Conclusões

Tendo em conta os considerandos que antecedem, a CSST conclui no seguinte sentido:

1. O Grupo Parlamentar de Os Verdes tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o PJL 179/XII (1.ª) que ―Procede á alteração ao Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, alterado pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro e 53/2011, de 14 de outubro‖.
2. Segundo os autores do PJL 179/XII (1.ª), embora a terça-feira de Carnaval não conste atualmente na lei como feriado obrigatório, existe uma tradição consolidada de organização de festas neste período, acabando o Carnaval por ser entendido e interiorizado como um verdadeiro feriado.
3. Por essa razão, apresentam o PJL 179/XII (1.ª) que visa incluir no Código do Trabalho a terça-feira de Carnaval como feriado obrigatório.
4. O PJL 179/XII (1.ª), a ser aprovado, encerra soluções normativas que implicam uma profunda alteração do regime jurídico dos feriados em vigor.
5. O PJL 179/XII (1.ª) foi, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, publicado para efeitos de apreciação pública pelo período de 30 dias, tendo sido recebidos três contributos (da CGTP-IN e de dois cidadãos).

Parte IV – Parecer

A CSST emite, nos termos regimentais aplicáveis, o seguinte parecer:

a) O PJL 179/XII (1.ª), que ―Procede á alteração ao Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, alterado pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, e 53/2011, de 14 de outubro‖, apresentado por Os Verdes, preenche, salvo melhor entendimento, os requisitos constitucionais e regimentais aplicáveis para ser discutido e votado; b) Os grupos parlamentares reservam a sua posição de voto para o Plenário da Assembleia da República.
c) Nos termos regimentais aplicáveis, o presente parecer deverá ser remetido a S. Ex.ª a Presidente da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 18 de abril de 2012.
O Deputado Autor do Parecer, Nuno Sá — O Presidente da Comissão, José Manuel Canavarro.

Nota: O parecer foi aprovado por unanimidade.

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Nota Técnica

Projeto de Lei n.º 179/XII (1.ª) Procede à alteração do Código de Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, alterada pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, e 53/2011, de 14 de outubro) (PEV) Data de admissão: 22 de fevereiro de 2012 Comissão de Segurança Social e Trabalho (10.ª)

Índice I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da lei formulário III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria V. Consultas e contributos VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação

Elaborada por: Susana Fazenda (DAC), Maria da Luz Araújo (DAPLEN) e Fernando Bento Ribeiro e Maria Ribeiro Leitão (DILP) Data: 11 de abril de 2012 (nova versão)

I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa

O projeto de lei em apreço deu entrada no dia 21 de fevereiro e baixou a 22 de fevereiro à Comissão de Segurança Social e Trabalho, tendo sido designado autor do parecer o Sr. Deputado Nuno Sá (PS) na reunião da Comissão de 28 de fevereiro. A respetiva discussão na generalidade foi inicialmente agendada na Conferência de Líderes de 1 de março para a sessão plenária de 14 de março p.p.. Entretanto, como, no passado dia 6 de março, a Comissão deliberou submetê-la a apreciação pública, a qual irá decorrer pelo período de 30 dias de 12 de março a 11 de abril, aquele agendamento passou para dia 20 de abril.
Na exposição de motivos, Os Verdes sustentam os motivos que os levam a, através da iniciativa legislativa em apreço, proceder à terceira alteração do Código do Trabalho no sentido de incluir a terça-feira de Carnaval no elenco dos feriados obrigatórios, designadamente o facto de o calendário escolar estar organizado no pressuposto da existência desse feriado e, daí, a interrupção do ano letivo nesse período; e de muitos serviços da administração central, como centros de saúde, hospitais e tribunais não procederem a marcações de cirurgias e/ou de diligências para esse dia.

II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais A presente iniciativa ç apresentada pelo grupo parlamentar do Partido Ecologista ―Os Verdes‖ (PEV), no âmbito do poder de iniciativa da lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento. Exercer a iniciativa da lei é um dos poderes dos deputados [alínea b) do artigo 156.º da Constituição e alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento] e um dos direitos dos grupos parlamentares [alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e alínea f) do artigo 8.º do Regimento].


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São observados os requisitos formais respeitantes às iniciativas em geral [n.º 1 do artigo 119.º e alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 124.º do Regimento] e aos projetos de lei, em particular (n.º 1 do artigo 123.º do Regimento), o que significa que a iniciativa originária toma a forma de projeto de lei, porque é exercida pelos Deputados ou grupos parlamentares, está redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto, é precedida de uma exposição de motivos e é subscrita por dois Deputados (o limite máximo de assinaturas nos projetos de lei é de 20).
Não se verifica violação aos ―Limites da iniciativa‖ impostos pelo Regimento, no que respeita ao disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 120.º (não infringe a Constituição, define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa e não implica aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento).
Verificação do cumprimento da lei formulário A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, com as alterações subsequentes, estabelece regras a observar no âmbito da publicação, identificação e formulário de diplomas.
Como estamos perante uma iniciativa legislativa, observadas algumas disposições da designada ―lei formulário‖ e caso a mesma venha ser aprovada sem alterações, apenas se pode referir o seguinte: - Esta iniciativa contém disposição expressa sobre a entrada em vigor, pelo que se aplica o disposto no n.º 1 do artigo 2.º da citada lei (―A presente lei entra em vigor no dia seguinte á sua publicação‖); - Será publicada na 1.ª série do Diário da República, revestindo a forma de lei [alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da ―lei formulário‖]; - A presente iniciativa tem um título que traduz sinteticamente o seu objecto, pelo que está em conformidade com o n.ª 2 do artigo 7.ª da ―lei formulário‖1. Todavia, apesar de fazer referência aos diplomas que alteraram a lei que aprova o Código do Trabalho, não menciona o número de ordem da alteração introduzida. Por esta razão, e atendendo ao disposto n.ª 1 do artigo 6.ª da designada ―lei formulário‖, sugere-se o seguinte título (―Procede á terceira alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.ª 7/2009, de 12 de fevereiro‖). Podendo atç acrescentar-se ao título, para tornar mais explícito o objeto do diploma (―», alterando os feriados obrigatórios e facultativos).

III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes O Código do Trabalho foi aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, tendo sido alterado pelas Leis n.º 105/2009, de 14 de setembro e 53/2011, de 14 de outubro. Deste diploma pode ser também consultada uma versão consolidada.
O artigo 234.º do Código do Trabalho consagra, elencando, os feriados obrigatórios existentes em Portugal, independentemente de se tratar de feriados civis ou religiosos. Por outro lado, o artigo 235.º relativo aos feriados facultativos vem estabelecer que, para além dos feriados obrigatórios, pode ser observado a título de feriado, mediante instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou contrato de trabalho, nomeadamente, a terça-feira de Carnaval. Segundo o Prof. Doutor Luís Miguel Monteiro, após essa consagração, a estes feriados é conferida a mesma tutela e são associados os mesmos efeitos jurídicos previstos para os feriados obrigatórios2.
Também a Prof. Doutora Paula Quintas e o Dr. Hélder Quintas se pronunciaram sobre a matéria dos feriados considerando que ―estes não visam reparar o esforço e o desgaste do trabalho, mas permitir a toda a população a celebração oficial de um determinado facto histórico ou a homenagem do dia assinalado. Não se trata, portanto, de mais uma das manifestações do direito ao repouso, mas, outrossim, de uma imposição legal do Estado ao empregador, a quem cabe suportar creditoriamente a prestação não recebida‖3.
1 Efetuada consulta à base Digesto verificámos que a Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho sofreu, até ao momento, duas alterações de redação, através das Leis n.ºs 105/2009, de 14 de setembro, e 53/2011, de 14 de outubro.
2 In: MARTINEZ, Pedro Romano e outros - Código do Trabalho Anotado. Coimbra: Almedina, 8.ª edição, pág. 586.
3 In: QUINTAS, Paula e QUINTAS, Hélder - Código do Trabalho Anotado e Comentado. Coimbra: Almedina, 2.ª edição, pág. 524.


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Enquadramento internacional

Países europeus

A legislação comparada é apresentada para os seguintes países da União Europeia: Espanha e Itália.

Espanha Em Espanha, o Real Decreto Legislativo 1/1995, de 24 de marzo, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores, consagra no artigo 37.º as normas relativas ao descanso semanal, festas e feriados.
Segundo o n.º 2 os feriados não podem exceder o número de catorze por ano, dois dos quais serão feriados locais. Terão sempre que ser respeitadas as festas de âmbito nacional como o Dia de Natal, o Ano Novo, o 1.º de maio enquanto Festa do Trabalho e o 12 de outubro enquanto Festa Nacional de Espanha.
As Comunidades Autónomas, dentro do limite anual de catorze dias festivos, podem assinalar aquelas datas que considerarem que mais se identificam com a sua Comunidade Autónoma. No entanto, se alguma Comunidade Autónoma não puder celebrar alguma das suas festas tradicionais porque esta não coincide com o domingo poderá, no ano em que tal ocorra, acrescentar mais um feriado, até ao máximo de catorze.
Com o objetivo de definir os feriados de 2012 na Comunidade Autónoma da Catalunha, foram publicadas a Orden EMO/80/2011, de 27 de abril, de la Comunidad Autónoma de Cataluña, por la que se establece el calendario oficial de fiestas laborales para el año 2012 e a Orden EMO/340/2011, de 29 de noviembre, de la Comunidad Autónoma de Cataluña, por la que se estabelece el calendario de fiestas locales en la Comunidad Autónoma de Cataluña para el año 2012, esta última modificada pela Orden EMO/29/2012, de 6 de febrero.
A Comunidade Autónoma da Catalunha, de acordo com o disposto no primeiro diploma, fixou os doze feriados nacionais respeitando as festas de âmbito nacional definidas no Real Decreto Legislativo 1/1995, de 24 de marzo. No segundo diploma definiu os feriados locais, em número de dois por cada autarquia, de acordo com o calendário que cada uma definiu para comemorar as festas locais.

Itália Em Itália, o diploma que regula os ―dias de feriado‖ remonta a 1949. Trata-se da Lei n.º 260/1949, de 27 de maio. De acordo com o mesmo, o dia de Carnaval não é considerado como feriado. Veja-se a tal propósito o artigo 2.º.
Depois, casualmente, o Governo pode declarar determinado dia como feriado nacional, para comemorar determinado acontecimento, como aconteceu no ano passado, com o dia 17 de Março, para comemorar os 150 anos da ―Unidade de Itália‖: Decreto-Lei n.º 5/2011, de 22 de fevereiro.
Durante os ―dias festivos‖ o trabalhador tem o direito de não ir trabalhar recebendo porçm a retribuição. No caso de trabalhar nesses dias (por acordo prévio entre trabalhador e empregador) receberá o valor de um dia normal de trabalho, ou aquele relativo às horas efetivamente trabalhadas acrescidas da majoração por trabalho em dia de descanso.
Refira-se que por intermédio do Decreto Legislativo n.º 66/2003, de 8 de abril, o governo transpôs as diretivas n.os 93/104/CE e 2000/34/CE relativas as aspetos organizativos do horário de trabalho. E é nesta sede que temos de procurar a regulamentação dos tempos de descanso, nos quais se incluem os ―dias festivos‖ (nos quais não se trabalha) e onde se incluem os ―nossos‖ dias feriados.
Por fim, refira-se que, aos funcionários da administração pública, são ainda atribuídos 4 dias de descanso nos termos e condições previstas na Lei n.º 937/1977, de 23 de dezembro. É ainda considerado ―dia festivo‖ a celebração do Santo Padroeiro da localidade em que o funcionário presta serviço, desde que recaia em dia laboral.

IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Iniciativas legislativas Efetuada consulta à base de dados da atividade parlamentar e do processo legislativo (PLC) apurámos a Consultar Diário Original

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existência da seguinte iniciativa legislativa pendente que visa alterar o Código do Trabalho4: - Proposta de Lei n.º 46/XII (GOV) ―Procede à terceira revisão do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.ª 7/2009, de 12 de fevereiro‖.
Petições Efetuada consulta à mesma base de dados (PLC) não foram encontradas petições pendentes sobre esta matéria.

V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias O presente projeto de lei foi publicado em separata eletrónica do DAR no dia 12 de março de 2012, para apreciação pública pelo período de 30 dias, que decorre até ao dia 11 de abril de 2012.
Contributos de entidades que se pronunciaram Os três contributos recebidos (da CGTP-IN e de dois cidadãos) podem ser consultados neste link.

VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação

A aprovação da presente iniciativa, tendo em conta o objetivo a que se propõe (alteração do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com vista a alterar as disposições que regulam os feriados obrigatórios e facultativos – artigos 234.º e 235.º), parece não implicar aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento, como referimos no ponto II da presente nota técnica, pelo que não há violação do princípio conhecido com a designação de ―lei-travão‖.

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PROJETO DE LEI N.º 186/XII (1.ª) (ALTERA A LEI N.º 17/2003, DE 4 DE JUNHO (INICIATIVA LEGISLATIVA DE CIDADÃOS), ELIMINANDO A DISCRIMINAÇÃO EXISTENTE EM RELAÇÃO AOS EMIGRANTES PORTUGUESES)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e anexos contendo nota técnica elaborada pelos serviços de apoio e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

I.1 – Apresentação

I.1.1. Deputados do PSD, que expressamente se identificam como Deputados dos círculos eleitorais da Europa e fora da Europa, apresentaram o presente projeto de lei (PJL) visando alterar a Lei n.º 17/2003, de 4 de junho (iniciativa legislativa de cidadãos).
I.1.2. Os proponentes alegam, a dado passo da sua exposição de motivos, que ―(») de acordo com o artigo 2.º da referida lei, os emigrantes portugueses, ao contrário do que sucede com os cidadãos eleitores 4 Apesar de a proposta de lei n.º 46/XII (1.ª) ter um âmbito de aplicação mais abrangente do que a iniciativa em apreciação, também altera o artigo 234.ª do Código do Trabalho sob a epígrafe ―Feriados obrigatórios‖.


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residentes em território nacional, só podem subscrever iniciativas legislativas de cidadãos que tenham ―»por objeto matçria que lhes diga especificamente respeito‖, o que lhes limita, de sobremaneira, o seu direito de iniciativa legislativa de cidadãos.‖ I.1.3. E, por conseguinte, os proponentes aduzem que tal disposição constitui os portugueses residentes no estrangeiro em cidadãos de segunda, pelo que se propõem ―(») eliminar a discriminação atualmente existente entre cidadãos eleitores, passando os portugueses residentes no estrangeiro a ter direito de iniciativa legislativa nos mesmos termos dos cidadãos eleitores residentes no território nacional‖, como se lê ainda na exposição de motivos.
I.1.4. Neste enquadramento o PJL propõe a alteração da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, numa única norma – o artigo 2.º – especificamente sobre a titularidade do direito de iniciativa legislativa de cidadãos.

I.2 – Histórico

1.2.1. O Direito de iniciativa legislativa de cidadãos foi introduzido na Constituição em 1997, pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro – constando atualmente do n.º 1 do artigo 167.º – e viria a ter consagração ordinária justamente pela Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, na qual, agora, este PJL pretende introduzir alterações.
I.2.2. Já na presente sessão legislativa [XII (1.ª)] a Assembleia da República apreciou iniciativas legislativas para alteração do regime jurídico da iniciativa legislativa de cidadãos, constantes dos PJL 85/XII (1.ª) (PCP), 123/XII (1.ª) (BE) e 128/XII (1.ª) (PEV).
I.2.3.Os projetos de lei do PCP e do BE visavam principalmente diminuir o número de eleitores exigível para proponentes de uma iniciativa legislativa.
Os projetos de lei do BE e do PCP acrescentavam ainda alterações sobre os requisitos de forma para a proposição legislativa por cidadãos.
I.2.4. Os três referidos PJL foram discutidos na sessão plenária de 5 de janeiro de 2012, e votados a 6 de janeiro de 2012, na generalidade, tendo todos sido rejeitados, com os votos contra do PSD e do CDS, a abstenção do PS e os votos favoráveis dos restantes grupos parlamentares.
I.2.5. Quer no parecer da CACDLG (discutido e aprovado na reunião desta Comissão de 21 de dezembro de 2011), quer depois no debate em plenário, esta questão da diferenciação de regimes entre os eleitores residentes ou não no território nacional foi referenciada, ainda que não constasse dos projetos de lei em apreciação.

I.3 – Conformidade constitucional, legal e regimental

1.3.1. A matéria objeto da presente iniciativa legislativa encontra credencial constitucional expressa no artigo 167.º, n.º 1, da Constituição.
1.3.2. Esta iniciativa legislativa não parece apresentar consequências de aumento das despesas ou diminuição de receitas do Estado, previstas no orçamento do ano económico em curso, e contem-se nos limites previstos no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 120.º do Regimento da Assembleia da República.
I.3.3. Depois de registado, admitido, numerado, anunciado, e publicado no DAR II Série A, n.º 136/XII (1.ª), de 7 de março de 2012, o PJL foi distribuído, para apreciação e emissão de parecer, à 1.ª Comissão (Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias) e à 2.ª Comissão (Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas), sendo designada competente, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 129.º do Regimento, esta 1.ª Comissão (CACDLG).

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I.3.4. O PJL em apreciação está devidamente articulado, a designação traduz o seu objeto, está suficientemente motivado, de acordo com as exigências regimentais, designadamente as do artigo 124.º, e demais legislação aplicável.
Contudo, como se trata de produzir uma alteração a lei em vigor, para dar cumprimento do artigo 6.º da Lei Formulário (Lei n.º 42/2007, de 24 de agosto), deve ser expressamente indicado o número de ordem da alteração. Neste caso a primeira.
I.3.5. É certo que estamos aqui perante uma iniciativa legislativa que visa alterar a mesma lei que as precedentes iniciativas, acima referidas, e rejeitadas já na presente sessão legislativa.
I.3.6. Nos termos do artigo 167.º, n.º 4, da Constituição da República, os projetos de lei definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão legislativa.
Em igual sentido rege o artigo 120.º, n.º 3, do Regimento da Assembleia da República.
I.3.7. Contudo, o conteúdo material a que concretamente se referem é inequivocamente distinto.
Enquanto nos PJL rejeitados se propunha a alteração do número de eleitores necessários para exercerem a iniciativa legislativa, e também alguns procedimentos de forma, agora o que se pretende é alargar a titularidade deste direito aos cidadãos residentes no estrangeiro quanto a todas as matérias, revogando a limitação àquelas que lhes digam especificamente respeito.
I.3.8. A restrição constitucional acima referida terá por escopo impedir uma insistência permanente e consecutiva nas mesmas propostas legislativas, substantivamente consideradas, o que vale por dizer, também, politicamente definidas, de tal modo que a Assembleia da República se visse arrastada em discussões e deliberações estéreis e sucessivas, perdendo nisso o seu tempo sem proveito e o seu próprio prestígio. 1.3.9. Neste sentido pode colher-se apoio no comentário doutrinário de J. J. Gomes Canotilho, e, Vital Moreira, quando referem: ―(») Tambçm não ç fácil definir o que seja renovar uma iniciativa legislativa, sendo certo que há-de tratar-se de um projecto ou proposta idêntico (absoluta ou substancialmente) »‖ – in página 689, em anotação IX ao artigo 170ª, da sua ‗Constituição da Repõblica Portuguesa Anotada‘, Coimbra Editora, 3ª edição revista,1993.
Também a matéria é referida por Jorge Miranda, e, Rui Medeiros, os quais alegam: ―O que conta ç a identidade de sentidos prescritivos (»); o que a Constituição proíbe é que a AR venha a deliberar sobre um projecto ou uma proposta de lei com certo conteúdo normativo depois de já ter rejeitado, na mesma sessão legislativa, projecto ou proposta de idêntico conteõdo.‖ – in página 559, em anotação XV ao artigo 167.º, da sua ‗Constituição Portuguesa Anotada‘, Tomo II, Coimbra editora, 2006.
I.3.10. Sendo o objeto deste PJL substancialmente ou materialmente distinto, de diferente conteúdo, com um sentido prescritivo diverso, face aos anteriormente rejeitados, então não deverá operar aqui a restrição quanto à renovação de iniciativas legislativas.
I.3.11. Não obstante deve o processo legislativo ter o cuidado de não extravasar para as matérias já objeto de recusa pela Assembleia da República nesta sessão legislativa.
Sendo certo que podem ocorrer propostas de alteração, nos termos regimentais (v.g.: artigos 127.º, 133.º, 139.º, 153.º), nesta situação tais propostas devem estar impedidas no que toca às matérias já rejeitadas na presente sessão legislativa e acima referenciadas.

I.4 – Outros contributos e opiniões

1.4.1 – Pelos competentes serviços da Assembleia da República foi emitida a Nota Técnica, a que se refere o artigo 131.º do Regimento, a qual analisa formal e materialmente o PJL, aportando contributos com mérito para a sua apreciação e enquadramento.
1.4.2 – Não foram aduzidas opiniões políticas por quaisquer outros deputados ou grupos parlamentares, nos termos do n.º 4 do artigo 137.º do Regimento.

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1.4.3 – A 2.ª Comissão Parlamentar (Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas), em parecer de 10 de abril de 2012, de que foi relator o Deputado Paulo Pisco, e aprovado por unanimidade, conclui pela aptidão do PJL para ser agendado e apreciado em Plenário.

Parte II – Opinião do Relator

II.1 – O Deputado Relator não pode deixar de manifestar a sua concordância com a pretensão do PJL.
II.2 – Aliás, foi precisamente o subscritor deste Parecer que, ao apresentar à CACDLG, em 21 de dezembro de 2012, o parecer sobre o PJL n.º 85/XII (1.ª), apontou esta discriminação e propôs, em primeira mão, a sua eliminação.
Veja-se neste sentido o parecer referido onde, na parte da Opinião do Relator, consta o seguinte:

“ (…) II.6 – Finalmente uma nota critica para uma disposição da lei vigente, e em que o presente PJL não toca, o que não impedirá a sua consideração em sede de especialidade, se o processo legislativo lá chegar: o artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho.

Nos seus termos é feita uma distinção espúria entre os cidadãos portugueses, por efeito do seu lugar de residência.
Expressamente, os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, ainda que regularmente recenseados, só têm o direito de assinar iniciativas legislativas de cidadãos em matçrias ―…que lhes diga especificamente respeito.‖.
Ora, para já não falar – por ser aqui questão menor - na dificuldade, quiçá impossibilidade, de definir o que seja ou não seja, em cada caso, matéria de respeito específico consoante a residência, não se entende esta discriminação nem se alcança por que razão deve a lei nacional tratar diferentemente aqueles que são cidadãos nacionais e que gozam do seu direito ao voto pleno e incólume, no fundo assacando aos nossos emigrantes uma espçcie de ―capitis deminutio‖ de cidadania.
A Constituição não consente, a nosso ver, tal discriminação nesta matéria e, até mesmo onde ela o consentiria (artigo 121,º, n.º 2) – e a nosso ver mal – mesmo aí, já nós legislámos, aqui na Assembleia da República, expurgando essa injustiça da legislação eleitoral e acabando com a existência de dois diferentes tipos de eleitores portugueses, ao estabelecer-se que ―A nacionalidade portuguesa e a inscrição no recenseamento eleitoral no estrangeiro são provas suficientes da existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional.‖ – vide artigo 2.º da Lei Orgânica 3/2010, de 15 de dezembro.
Ora é esse mesmo princípio que deve vigorar aqui para o direito de iniciativa legislativa popular – cidadania e capacidade eleitoral ativa.
E, com esse alcance, deve a lei vigente ser alterada.
(…) ” II.3 – Antes do debate em Plenário, de 5 de janeiro de 2012, sobre o PJL 85/XII (1.ª), e também sobre os PJL 123/XII (1.ª) e 128/XII (1.ª) (estes que subiram a Plenário sem parecer), Deputados do PSD tinham tomado a iniciativa de anunciar que iriam apresentar proposta de alteração na especialidade exatamente sobre esta questão dos residentes fora do território nacional.
Tal declaração, formal e pública, pressupunha que o processo legislativo iria prosseguir para a fase da especialidade, o que na verdade não veio a acontecer. Mas unicamente porque todos os Deputados do PSD, juntamente com os do CDS – a maioria governamental – a tal se opuseram.
Sendo certo que o facto de as iniciativas legislativas, na altura em debate, proporem alterações diferentes desta, tal em nada impedia que esta mudança quanto à titularidade do direito de iniciativa legislativa de cidadãos tivesse logo sido aprovada, independentemente de as outras o serem ou não.
Na altura a posição do PSD suscitou alguma perplexidade!

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II.4 – Uma referência quanto à técnica legislativa usada.
Compreende-se a lógica política e, digamos, histórica, dos autores de explicitar no artigo que os titulares do direito de iniciativa legislativa são os cidadãos inscritos no recenseamento eleitoral, ―»quer no território nacional, quer no estrangeiro.‖ Mas tal já não parece ter lógica jurídica.
Se todos podem participar na iniciativa legislativa, não há que continuar a destrinçar os portugueses entre residentes dentro e fora do território nacional.
Salvo melhor opinião, seria mais adequado que a norma passasse a referir apenas os cidadãos inscritos no recenseamento eleitoral, sem mais e indistintamente.

II.5 – Mas quanto à titularidade do direito de iniciativa legislativa uma outra e nova questão pode ainda e deve ser levantada.
II. 5.1 – É que, para além da questão objeto deste PJL aqui em apreciação, que é a da titularidade do direito de iniciativa legislativa por portugueses residentes no estrangeiro, também se pode colocar a questão – algo simétrica - da titularidade desse mesmo direito quanto a estrangeiros residentes em Portugal, pois, tal como o artigo 2.º da Lei n.º 17/2003 está redigido, permite que a titularidade da iniciativa legislativa possa caber também a não portugueses.
II.5.2 – Poderá isso ser assim? Atente-se que, do que se trata, como explicita a lei, é de apresentar projetos de lei ao Parlamento português, desencadeando obrigatoriamente a ação deste no processo legislativo, e também da consequente participação dos proponentes nos procedimentos da Assembleia da República (artigos 1.º, 7.º, 9.º, n.º 4, 11.º, n.º 3).
II.5.3 – Na verdade o texto da lei refere-se singelamente a ―grupos de cidadãos eleitores‖, no artigo 1.º, e a ―cidadãos regularmente inscritos no recenseamento eleitoral‖, no artigo 2.º.
O PJL, ora em apreciação, não vai fora disso.
É verdade que também é essa a formulação do artigo 167.º, n.º 1, da CRP – ―grupos de cidadãos eleitores‖.
No entanto esta mesma norma constitucional remete para ―os termos e condições‖ a estabelecer pela lei, e esta, obviamente, deverá fazê-lo integrando uma aplicação unívoca e global da Constituição e do sistema jurídico português entendido e interpretado na sua unidade geral.
II.5.4 – Ora, parece que dessa análise sistémica deve resultar que apenas os cidadãos eleitores portugueses (e eventualmente certos casos de estrangeiros com estatuto especial atribuído), e não todo e qualquer inscrito no recenseamento eleitoral, pode exercer a iniciativa legislativa de cidadãos perante a Assembleia da República.
II.5.5 – Com efeito, o artigo 15.º, n.º 1, da CRP começa por estabelecer o princípio do chamado ―tratamento nacional‖, segundo o qual os estrangeiros e apátridas, que se encontrem ou residam em Portugal, deverão beneficiar de um tratamento, em matéria de direitos e de deveres, equivalente ao dos cidadãos nacionais.
Contudo, tal princípio comporta exceções, e estas vêm logo indicadas no n.º 2 daquele preceito, quais sejam, “(… ) os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.” II.5.6 – Pois bem, entre os direitos políticos estará sem dúvida o direito de iniciativa legislativa, que é um direito político por sua natureza.
II.5.7 – O direito de iniciativa legislativa de cidadãos é exercido perante a Assembleia da República, como resulta da inserção sistemática do artigo 167.º e, ao seu abrigo, a Lei n.º 17/2003 concretiza.

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II.5.8 – E, na verdade, a Assembleia da República, logo o poder legislativo por excelência, está reservado pela Constituição aos cidadãos portugueses.
Assim o artigo 147.º da CRP ao estabelecer inequivocamente que ―A Assembleia da Repõblica ç a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses.‖ De igual modo o artigo 150.º da CRP que determina que para a Assembleia da República: ―São elegíveis os cidadãos portugueses eleitores,…‖ .
– Em decorrência, a lei eleitoral para a Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 de maio) estabelece, quanto à capacidade eleitoral passiva, no seu artigo 4.º: ―São elegíveis para a Assembleia da Repõblica os cidadãos portugueses eleitores.‖.
II.5.9 – Portanto parece poder afirmar-se que há um comando constitucional geral que reserva aos cidadãos portugueses o poder legislativo.
II.5.10 – O problema, que suscitamos, quanto ao artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, levanta-se porque este confere a titularidade do direito de iniciativa legislativa perante a Assembleia da República a todos os cidadãos eleitores, e o recenseamento eleitoral pode incluir cidadãos não portugueses, e se a lei do direito de iniciativa legislativa de cidadãos não fizer a distinção então todos os recenseados a poderão exercer e, logo, também os estrangeiros.
II.5.11 – O recenseamento de estrangeiros ocorre para efeitos eleitorais – concessão de capacidade eleitoral ativa e passiva – decorrentes do respetivo reconhecimento por parte da Constituição, ainda que limitado.
II.5.12 – Temos o caso da capacidade eleitoral ativa e passiva reconhecida, ainda que só mediante reciprocidade, aos estrangeiros residentes, mas apenas quanto à eleição dos órgãos das autarquias locais e à eleição do Parlamento Europeu, portanto excluindo a Assembleia da República, o poder legislativo – n.os 4 e 5 do artigo 15.º da CRP.
Temos o caso especial dos cidadãos dos Estados de língua portuguesa, com residência permanente, a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo 15.º CRP, aqui já não restringindo o acesso à Assembleia da República, mas ainda que se exija a concretização da reciprocidade como condição para poderem ser conferidos esses –
―direitos não conferidos a estrangeiros.‖.
Ora, nestes direitos não conferidos a estrangeiros é que podem estar os tais direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses, referenciados no n.º 1do artigo 15.º da CRP.
II.5.13 – Todos esses diversos tipos de cidadãos estrangeiros podem estar inscritos no recenseamento eleitoral (vd. artigo 2.º e artigo 27.º da lei do recenseamento eleitoral – Lei n.º 13/99, de 22 de março), e têm de o estar para exercerem esses seus direitos, aqui referidos, de capacidade eleitoral ativa, restrita a certo tipo de eleições, ou de capacidade eleitoral passiva, excecional e limitada.
II.5.14 – Repare-se como a Constituição e a lei são rigorosas no que respeita aos direitos políticos de não nacionais, no sentido da sua restrição.
E de tal modo e intensidade que até mesmo os portugueses, que também tenham uma outra nacionalidade, não poderão ser candidatos a deputados à Assembleia da República portuguesa pelo círculo eleitoral que abranger o território do país dessa outra nacionalidade, como se alcança do artigo 6.º, n.º 2, da lei eleitoral (Lei n.º 14/79, de 16 de maio).
Eles são portugueses, mas só pelo facto de terem dupla nacionalidade com outro País, isso os inibe de se candidatarem, nesse correspondente círculo, ao principal órgão legislativo português! II.5.15 – Portanto, pela soma de tudo o que ficou dito atrás, e por força do artigo 15.º, n.º 2, da CRP, parece-nos que a iniciativa legislativa de cidadãos perante a Assembleia da República, constitui um direito político reservado exclusivamente aos cidadãos portugueses.
II.5.16 – É certo também, com já se aflorou, que pode haver exceções, em casos muito especiais.

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Esses poderão ser os casos de cidadãos de países de língua portuguesa a que se refere o n.º 3 do artigo 15.º da CRP.
Presentemente, parece que esse estatuto especial, baseado na língua portuguesa, está reconhecido apenas àqueles cidadãos brasileiros que possuam o estatuto de igualdade de direitos políticos, obtido ao abrigo de tratado internacional estabelecido com o Brasil, em vigor desde 5 de Setembro de 2001.
Veja-se, a este propósito, e neste sentido, na doutrina, a anotação III ao artigo 1.º da ―Lei Eleitoral da Assembleia da República – actualizada, anotada e comentada‖ de Maria de Fátima Abrantes Mendes, e, Jorge Miguéis, edição dos autores, 4.ª reedição, 2005, acessível no ‗site‘ da DGAI.
A lei do recenseamento eleitoral, no n.º 1 do artigo 27.º, também já veio, entretanto, expressamente reconhecer essa equiparação dos brasileiros com estatuto de igualdade de direitos políticos facultandolhes logo o recenseamento automático a par dos nacionais portugueses.
II.5.17 – Em conclusão – e a ser assim o Direito – o artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, deverá ficar com uma redação do tipo:

Artigo 2.º Titularidade 1. São titulares do direito de iniciativa legislativa os cidadãos portugueses regularmente inscritos no recenseamento eleitoral.
2. Podem ainda ser titulares do direito de iniciativa legislativa os cidadãos dos Estados de língua portuguesa, com residência permanente em Portugal e inscritos no recenseamento eleitoral, aos quais tal direito seja expressamente reconhecido em tratado de reciprocidade.

Parte III – Conclusões III.1 – Deputados do PSD apresentaram o projeto de lei n.º 186/XII (1.ª), o qual pretende proceder à alteração da lei vigente sobre Iniciativa Legislativa de Cidadãos – a Lei n.º 17/2003, de 4 de junho.
III.2 – O projeto de lei visa alterar o artigo 2.º da referida Lei n.º 17/2003, no sentido de permitir a iniciativa legislativa a todos os cidadãos, eliminando a restrição existente quanto aos portugueses residentes no estrangeiro em função do interesse específico das matérias.
III.3 – O projeto de lei cumpre os requisitos mínimos constitucionais e formais necessários, ainda que deva ser indicado o número de ordem da alteração legislativa proposta.
III.4 – Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o presente projeto de lei n.º 186/XII (1.ª) está em condições de seguir os ulteriores termos do processo legislativo, nomeadamente para ser discutido e votado em Plenário.

Parte IV – Anexos Seguem, em anexo ao presente relatório, a Nota Técnica elaborada pelos serviços da Assembleia da República nos termos do artigo 131.º do Regimento e o parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas sobre esta iniciativa.

Palácio de São Bento, 16 de abril de 2012.
O Deputado Relator, Luís Pita Ameixa — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico – convertido pelo Lince.

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Nota Técnica

Projeto de Lei n.º 186/XII (1.ª) (PSD) Altera a Lei n.º 17/2003, de 4 de junho (iniciativa legislativa de cidadãos), eliminando a discriminação existente em relação aos emigrantes portugueses.
Data de admissão: 6 de março de 2012.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª)

Índice I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da lei formulário III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria V. Consultas e contributos VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação

Elaborada por: João Amaral (DAC), Maria da Luz Araújo (DAPLEN), Fernando Bento Ribeiro e Dalila Maulide (DILP).

Data: 28 de março de 2012

I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa

Considerando que os cidadãos nacionais residentes no estrangeiro são discriminados pela disposição constante do artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho (Iniciativa legislativa de cidadãos) – que, sob a epígrafe ―Titularidade‖, confere a titularidade do direito de iniciativa legislativa a todos ―os cidadãos regularmente inscritos no recenseamento eleitoral em território nacional e também aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro e regularmente recenseados, sempre que a iniciativa tenha por objecto matéria que lhes diga especificamente respeito‖1 –, os proponentes da iniciativa legislativa em causa pretendem alterar a Lei em causa, de forma a terminar com esta limitação ao seu direito de propor uma iniciativa legislativa.
Assim sendo, propõem uma alteração ao artigo 2.º da Lei, no seguinte sentido:

«Artigo 2.º (»)

São titulares do direito de iniciativa legislativa os cidadãos inscritos no recenseamento eleitoral, quer no território nacional, quer no estrangeiro.»

II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais A presente iniciativa é apresentada pelo grupo parlamentar do Partido Social Democrata (PSD), no âmbito do poder de iniciativa da lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento. Exercer a iniciativa da lei é um dos poderes dos deputados [alínea b) do artigo 1 Sublinhado nosso.


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156.º da Constituição e alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento] e um dos direitos dos grupos parlamentares [alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e alínea f) do artigo 8.º do Regimento].
A iniciativa toma a forma de projeto de lei, porque é exercida pelos Deputados ou grupos parlamentares, está redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto, é precedida de uma exposição de motivos e é subscrita por três Deputados do PSD (o limite máximo de assinaturas nos projetos de lei é de 20), em conformidade com os requisitos formais respeitantes às iniciativas em geral [n.º 1 do artigo 119.º e alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 124.º do Regimento] e aos projetos de lei, em particular (n.º 1 do artigo 123.º do Regimento).
Não se verifica violação aos ―Limites da iniciativa‖ impostos pelo Regimento nos n.os 1 e 2 do artigo 120.º (não infringe a Constituição, define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa e não implica aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento).
Verificação do cumprimento da lei formulário

A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, com as alterações subsequentes, estabelece regras a observar no âmbito da publicação, identificação e formulário de diplomas.
Como estamos perante uma iniciativa legislativa, observadas algumas disposições da designada ―lei formulário‖ e caso a mesma venha ser aprovada sem alterações, apenas se pode referir o seguinte:

- Esta iniciativa não contém disposição expressa sobre a entrada em vigor, pelo que se aplica o disposto no n.ª 2 do artigo 2.ª da citada lei (―Na falta de fixação do dia, os diplomas » entram em vigor, em todo o território nacional e no estrangeiro, no 5.º dia após a publicação‖); - Será publicada na 1.ª série do Diário da República, revestindo a forma de lei [alínea c) do n.º 2 do artigo 3.ª da ―lei formulário‖]; - A presente iniciativa tem um título que traduz sinteticamente o seu objeto, em conformidade com o disposto no n.ª 2 do artigo 7.ª da ―lei formulário‖, mas, apesar de mencionar que altera a Lei n.ª 17/2003, de 4 de junho2, não respeita n.º 1 do artigo 6.º da mesma lei, porque não indica o número de ordem da alteração introduzida. Por esta razão, sugere-se que se acrescente ao título: ―Primeira alteração á Lei n.ª 17/2003, de 4 de junho (») »‖

III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes O direito de iniciativa legislativa dos cidadãos, objeto do presente projeto de lei, foi formalmente consagrado na 4.ª revisão constitucional (Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), no n.º 1 do artigo 167.º, que passou a ter a seguinte redação: ―A iniciativa da lei e do referendo compete aos Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo, e ainda, nos termos e condições estabelecidos na lei, a grupos de cidadãos eleitores, competindo a iniciativa da lei, no respeitante às regiões autónomas, às respectivas Assembleias Legislativas‖.
O regime jurídico da iniciativa legislativa dos cidadãos foi aprovado através da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho. Nos termos do artigo 6.º da lei, os projetos de lei devem ser subscritos por um mínimo de 35 000 cidadãos eleitores residentes no território nacional, admitindo-se, nos termos do artigo 2.º, que entre estes se possam contar cidadãos portugueses residentes no estrangeiro e aí regularmente recenseados, sempre que a iniciativa tenha por objeto matéria que lhes diga especificamente respeito.
Na XI Legislatura, foi apresentado um projeto de alteração à Lei n.º 17/2003, incidindo na redução do número de subscritores exigido para o exercício do direito de iniciativa legislativa popular, designadamente o projeto de lei n.º 164/XI (1.ª) (PCP), o qual caducou com o final da legislatura. Já na legislatura em curso, os Grupos Parlamentares do PCP, BE e Os Verdes apresentaram, respetivamente, os projetos de lei n.º 85/XII 2 Efetuada consulta à base Digesto, apurámos que, até ao momento, a Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, ainda não sofreu alteração de redação.


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(1.ª), 123/XII (1.ª) e 128/XII (1.ª), os quais foram rejeitados na generalidade com votos a favor do PCP, BE e PEV, contra do PSD e CDS-PP e abstenção do PS. No decurso do debate na generalidade ocorrido a propósito destas iniciativas, o PSD suscitou a questão agora em apreço do direito de iniciativa legislativa dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro (v. pág. 39 do DAR, I série, N.º 55/XII (1.ª), de 6 de janeiro).
A iniciativa legislativa e referendária dos cidadãos encontra-se, ainda, regulada no âmbito regional, nos termos do artigo 46.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de agosto e alterado pelas Lei n.º 9/87, de 26 de março, Lei n.º 61/98, de 27 de agosto e Lei n.º 2/2009, de 12 de janeiro, exigindo-se nesse caso, para a apresentação de projetos de decretos legislativos regionais à Assembleia Legislativa, a subscrição por um mínimo de 1500 cidadãos eleitores recenseados no território da Região.
A Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar disponibiliza na sua página na ARNET uma folha informativa sobre o ―Direito de Iniciativa dos Cidadãos‖, que poderá ser consultada para mais informação sobre o assunto.
Enquadramento internacional

Países europeus

A legislação comparada é apresentada para os seguintes países da UE: Espanha e Itália.

Espanha Em Espanha, a Ley Orgánica 3/1984, de 26 de marzo, reguladora de la iniciativa legislativa popular, no artigo 3.º, garante aos cidadãos o poder de iniciativa legislativa, direito previsto no artigo 87.3 da Constituição Espanhola O artigo 3.º do referido diploma exige um mínimo de 500.000 cidadãos eleitores para a apresentação das proposiciones de ley. O processo inicia-se com a apresentação de uma proposta perante o Congresso, que se pronuncia desde logo sobre a sua admissibilidade. Só após a admissão da proposta se procede à recolha de assinaturas, havendo lugar a subvenção pública para custear as despesas inerentes a essa tarefa. Não é feita qualquer referência à existência de limitações quanto ao âmbito das iniciativas, no caso de as mesmas serem apresentadas por cidadãos residentes no estrangeiro.
No site da Junta Electoral Central (Espanha), é possível aceder ao histórico das iniciativas legislativas populares apresentadas desde 1982 no Congreso de los Deputados, num total de 23.

Itália Na Constituição italiana está previsto o ―direito de iniciativa popular‖, atendendo ao disposto no artigo 71.º que, no seu nõmero 2, diz textualmente que: ―o povo exerce a iniciativa legislativa mediante a proposta, por parte de pelo menos cinquenta mil eleitores, de um projecto redigido em artigos.‖ – Projeto de lei de iniciativa popular.
O Regulamento da Câmara dos Deputados – artigos 68.º e seguintes (ver também artigos 24.º, n.º 4, e 107.º, n.º 4) – bem como a própria Constituição (artigo 72.º) não preveem qualquer processo especial para a sua apreciação e discussão, remetendo para o processo legislativo ordinário.
A iniciativa legislativa popular em questão pode ser apresentada não só ao Parlamento, mas também a uma entidade administrativa local, como é o caso das Regiões (projeto de lei regional de iniciativa popular).
A Lei n. º 352/1970, de 25 de maio, estabelece as ―normas sobre os referendos previstos pela Constituição e sobre a iniciativa legislativa popular‖ (norme sui referendum previsti dalla costituzione e sulla iniziativa legislativa del popolo). Os seus artigos 48.º e 49.º estabelecem que o projeto, acompanhado pelas assinaturas dos eleitores proponentes, deve ser apresentado a um dos presidentes das duas Câmaras (a dos Deputados ou Senado), o qual o submete à Câmara competente, com vista a verificar o número de assinaturas e analisar os seus requisitos formais de modo a poder ser distribuída.

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Outros países

Brasil A Lei n.º 9.709, de 18 de novembro de 1998, veio consagrar a iniciativa legislativa popular. Efetivamente, o artigo 13.º prevê o direito de apresentação de um projecto de lei junto da Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. O projecto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto.
Este diploma regula o disposto no Capitulo IV da Constituição Federal, pontos I, II e III do artigo 14.º, relativo aos direitos políticos dos cidadãos e à forma de exercício da soberania popular.

Organizações internacionais

Conselho da Europa

A Comissão de Veneza do Conselho da Europa disponibiliza documentação vária sobre iniciativa legislativa dos cidadãos.

IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria Iniciativas legislativas e petições Efetuada consulta à base de dados da atividade parlamentar e do processo legislativo (PLC) não apurámos a existência quer de iniciativas legislativas3, quer de petições pendentes sobre a mesma matéria.

V. Consultas e contributos Consultas obrigatórias

De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 66-A/2007, de 11 de dezembro, compete ao Conselho das Comunidades Portuguesas ―Emitir pareceres, a pedido do Governo ou da Assembleia da República, sobre projectos e propostas de lei e demais projectos de actos legislativos e administrativos, bem como sobre acordos internacionais ou normativos comunitários relativos às comunidades portuguesas residentes no estrangeiro;‖.
Assim sendo, cumprirá à Comissão solicitar ao referido Conselho que se pronuncie – eventualmente, através do envio de parecer – sobre a iniciativa em causa.

VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação

A aprovação da presente iniciativa, tendo em conta o objetivo a que se propõe (alterar a redação do artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, eliminando a discriminação existente em relação ao emigrantes portugueses), parece não implicar aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento, como referimos no ponto II da presente nota técnica, pelo que não há violação do princípio conhecido com a designação de ―lei-travão‖.
3 Na presente sessão legislativa já foram apresentadas iniciativas sobre esta matéria – PJL 85/XII (1.ª) (PCP), PJL 123/XII (1.ª) (BE) e PJL 128/XII (1.ª) (PEV) – mas foram rejeitadas em 6.01.2012.


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Parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas

I – Introdução

O projeto de lei n.º 186/XII (1.ª), que ora analisamos, é apresentado nos termos do disposto nos artigos 167.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 118.º do Regimento da Assembleia da República, que estatuem o poder de iniciativa dos deputados.
Por determinação de S. Ex.ª a Presidente da Assembleia da República, exarada em Despacho de 6 de março de 2012, o projeto de lei sub judice baixou às Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e à de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas para emissão dos competentes pareceres.

II – Considerandos

1 – Considerando a discussão de dois projetos-lei, um do PCP e outro do Bloco de Esquerda, no final de dezembro de 2011, na Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a iniciativa legislativa dos cidadãos, na perspetiva do número de assinaturas necessárias para serem apresentadas na Assembleia da República, acabou por colocar em evidência a existência de uma discriminação relativamente aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro; 2 – Considerando que iniciativa legislativa de similar alcance originária do Partido Socialista (projeto de lei n.º 203/XII (1.ª) corre seus termos regimentais na Assembleia da República; 3 – Considerando que o diploma em apreço circunscreve-se a apenas um único artigo, o qual pretende substituir a atual norma ínsita no artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, alterando-a; 4 – Considerando que, de acordo com o proposto, visa-se eliminar uma discriminação existente no que tange ao direito de iniciativa legislativa entre os cidadãos eleitores residentes no território nacional e os residentes no estrangeiro.

III – Opinião do Relator

O direito que os cidadãos têm de apresentar à Assembleia da República uma iniciativa legislativa é reconhecido na Constituição da República Portuguesa sem qualquer tipo de distinção, no seu artigo 167.º.
Portanto, não faz sentido que seja a lei ordinária a impor neste domínio uma discriminação em função do lugar de residência.
Partindo do princípio que não deve haver discriminação entre portugueses face à Lei e à Constituição, também é necessário reconhecer que todas as matérias que se discutem em Portugal são potencialmente do interesse de todos os portugueses, independentemente do país onde residam.
Eliminar uma discriminação na lei que afeta os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro tem ainda um duplo efeito. Por um lado, reforça os direitos de cidadania que possuem uma relevância acrescida ao serem aplicadas aos portugueses residentes no estrangeiro. E, por outro, consequência direta que daí decorre, reforça também os vínculos que os ligam a Portugal, o que possui uma importante dimensão afetiva que dever ser valorizada.
Assim, eliminar as discriminações que existem no nosso ordenamento jurídico, constitui uma forma de reconhecimento da importância que têm para Portugal todos os seus cidadãos residentes no estrangeiro e uma forma de reforçar os laços que os ligam ao país, o que deve ser uma tarefa permanente por parte da Assembleia da República e dos restantes órgãos de soberania.

IV – Conclusões

Atentos os considerandos que antecedem a parte III deste parecer, conclui-se no seguinte sentido:

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Único §

O projeto de lei n.º 186/XII (1.ª), apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, encontra-se apto, nos termos constitucionais e regimentais, a agendamento para apreciação pelo Plenário desta Câmara.

V – Anexo

Nos termos do artigo 137.º, n.º 2, do Regimento da Assembleia da República, dá-se aqui por reproduzida a Nota Técnica elaborada ao abrigo do disposto no artigo 131.º do referido diploma, a qual faz parte integrante do presente parecer.

Assembleia da República, 13 de abril de 2012.
O Deputado Relator, Paulo Pisco — O Presidente da Comissão, Alberto Martins

———

PROJETO DE LEI N.º 197/XII (1.ª) (CONSAGRA A CATIVAÇÃO PÚBLICA DAS MAIS-VALIAS URBANÍSTICAS, PREVENINDO A CORRUPÇÃO E O ABUSO DO PODER)

Parecer da Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local

I. Dos Considerandos Oito Deputados do Bloco de Esquerda (BE) tomaram a iniciativa de apresentar, à Mesa da Assembleia da República, o projeto de lei n.º 197/XII (1.ª), sob a designação Consagra a cativação pública das maisvalias urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder, nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República.
Reunindo todos os requisitos formais, constitucionais e regimentais, o projeto de lei foi admitido a 14 de março de 2012, tendo, nessa data, e por determinação de S. Ex.ª a Presidente da Assembleia da República, baixado à Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local, para efeitos de elaboração e aprovação do respetivo Parecer, nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 129.º do Regimento da Assembleia da República, tendo sido distribuído em 20 de março de 2012, data em que foi a signatária do presente parecer nomeada relatora.
Nos termos do artigo 131.º do Regimento, foi elaborada a nota técnica sobre o aludido projeto de lei, iniciativa que contém uma ―Exposição de motivos‖ e obedece ao formulário de um projeto de lei, cumprindo, igualmente, o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário.
O presente projeto de lei visa, essencial e objetivamente, definir «(») o regime de cativação põblica das mais-valias urbanísticas simples decorrentes da valorização de terrenos em consequência da alteração da sua classificação por via de atos administrativos da exclusiva competência da Administração Pública ou da execução de obras públicas que resultem total ou parcialmente de investimento público, tendo como objetivo prevenir a ocorrência de atos de abuso de poder, de favorecimento e de corrupção dos decisores».
Atenta a circunstància de «(») o urbanismo tem [ter] vindo a ser relegado para um estatuto de mero potenciador da valorização da propriedade e, consequentemente, determinante de estratégias de enriquecimento, particularmente por parte de promotores imobiliários», entendem os Deputados proponentes fundamental prevenir a corrupção e o abuso do poder em Portugal, através da cativação pública das maisvalias urbanísticas.
Nestes termos, e com o fundamento de «(») a natureza especulativa de parte deste segmento de atividade económica está [estar] na origem do profundo caos urbanístico que impera na maioria dos nossos

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municípios«, e de «(») atç ao favorecimento inexplicável de projetos de grande impacto negativo para o equilíbrio urbano decorre [decorrer] um passo que tem dado lugar a situações de contornos ilícitos», consideram os proponentes que, «(») perante o atual cenário, a taxação de mais-valias urbanísticas, para além do seu papel no combate à corrupção e à especulação, teria também um visível e importante impacto no aumento das receitas fiscais, contribuindo para uma partilha dos custos da crise, até agora suportados sempre pelos trabalhadores, em especial os mais pobres».
A presente iniciativa visa, lato sensu, consagrar a cativação pública das mais-valias urbanísticas, prevenindo a corrupção e o abuso do poder, consubstanciando-se na segunda alteração à Lei n.º 48/98, de 11 de agosto (que estabeleceu as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo), na nona alteração ao Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro (que desenvolveu as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo, definindo o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional e municipal do sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial), e, ainda, na sétima alteração à Lei n.º 168/99, de 18 de setembro (que aprovou o Código das Expropriações).

II. Da Opinião da Deputada Relatora Sendo a opinião do relator de elaboração facultativa, nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do Regimento, a Deputada Relatora exime-se de, nesta sede, emitir quaisquer considerações políticas sobre o projeto de lei em apreço, reservando a sua posição para a discussão da iniciativa legislativa em sessão plenária, a qual, de resto, se encontra agendada para o dia seguinte ao da apreciação do presente parecer.
No entanto, entende pertinente referir – como, de resto, bem recorda a Nota Técnica elaborada pelos Serviços de Apoio à Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local – que o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou, no passado recente, várias iniciativas legislativas versando a temática das mais-valias urbanísticas, refletindo, de jure condendo, o seu posicionamento ideológico sobre a matéria – nomeadamente por via do projeto de lei n.ª 357/X, que ―Define a cativação põblica das mais-valias urbanísticas como medida preventiva de combate ao abuso de poder e á corrupção‖, do projeto de lei n.ª 800/X, que ―Consagra a cativação põblica das mais-valias urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder‖, do projeto de lei n.ª 53/XI, que ―Consagra a cativação põblica das Mais-Valias Urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder‖, e do projeto de lei n.ª 577/XI, que ―Consagra a cativação põblica das maisvalias urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder‖ (esta õltima iniciativa veio a caducar em 19 de junho de 2011, com o final da XI Legislatura, sendo em tudo idêntico, quer na exposição de motivos, quer no seu articulado, ao projeto de lei ora em apreço).
Na decorrência de um deles – projeto de lei n.º 357/X, que ―Define a cativação pública das mais-valias urbanísticas como medida preventiva de combate ao abuso de poder‖ –, e dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, surgiu a Lei n.º 19/2008, de 21 de abril, que aprovou medidas de combate à corrupção e procedeu à primeira alteração à Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, à décima sétima alteração à lei geral tributária e à terceira alteração à Lei n.º 4/83, de 2 de abril.

III. Das Conclusões Em face do exposto, a Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local conclui o seguinte:

1. Oito Deputados do Bloco de Esquerda (BE) tomaram a iniciativa de apresentar, à Mesa da Assembleia da República, o projeto de lei n.º 197/XII (1.ª), sob a designação Consagra a cativação pública das mais-valias urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder, nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República.
2. A presente iniciativa visa, essencial e objetivamente, definir «(») o regime de cativação pública das mais-valias urbanísticas simples decorrentes da valorização de terrenos em consequência da alteração da sua classificação por via de atos administrativos da exclusiva competência da

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Administração Pública ou da execução de obras públicas que resultem total ou parcialmente de investimento público, tendo como objetivo prevenir a ocorrência de atos de abuso de poder, de favorecimento e de corrupção dos decisores».
3. A referida iniciativa legislativa reúne todos os requisitos formais, constitucionais e regimentais, obedecendo ainda ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei Formulário.
4. Considerando que a presente iniciativa se consubstancia na segunda alteração à Lei n.º 48/98, de 11 de agosto (que estabeleceu as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo), na nona alteração ao Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro (que desenvolveu as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo, definindo o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional e municipal do sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial), e, ainda, na sétima alteração à Lei n.º 168/99, de 18 de setembro (que aprovou o Código das Expropriações), importa que se adicione ao seu título, precisando o alcance do diploma.
5. A Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local considera que o projeto de lei em apreço se encontra em condições de subir a Plenário, e emite o presente parecer, nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 136.º do Regimento da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 18 de Abril de 2012.
A Deputada Relatora, Idália Salvador Serrão — O Presidente da Comissão, António Ramos Preto.

IV. Anexos Anexa-se, ao presente parecer, a Nota Técnica do projeto de lei n.º 197/XII (1.ª) (BE), elaborada ao abrigo do disposto do artigo 131.ª do Regimento da Assembleia da República.

Nota Técnica

Projeto de Lei n.º 197/XII (1.ª) Consagra a cativação pública das mais-valias urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso de poder (BE).
Data de admissão: 14 de março de 2012.
Comissão do Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local (11.ª)

Índice I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da lei formulário III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria V. Apreciação das consequências da sua aprovação e previsíveis encargos com a sua aplicação

Elaborada por: Fernando Vasco (DAC), Luís Martins ( DAPLEN) e Maria Leitão e Fernando Bento Ribeiro (DILP).

Data: 30 de março de 2012.

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I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa

A presente iniciativa legislativa visa prevenir a corrupção e o abuso de poder em Portugal através da cativação pública das mais-valias urbanísticas.
Segundo os proponentes, ― o urbanismo tem vindo a ser relegado para um estatuto de mero potenciador da valorização da propriedade e, consequentemente, determinante de estratégias de enriquecimento, particularmente por parte de promotores imobiliários‖.
Mais sustentam que: ‖A natureza especulativa de parte deste segmento de atividade económica está na origem do profundo caos urbanístico que impera na maioria dos nossos municípios. Daqui até ao favorecimento inexplicável de projetos de grande impacto negativo para o equilíbrio urbano decorre um passo que tem dado lugar a situações de contornos ilícitos.‖ Consideram, ainda, os proponentes que: ―Perante o atual cenário, a taxação de mais-valias urbanísticas, para além do seu papel no combate à corrupção e à especulação, teria também um visível e importante impacto no aumento das receitas fiscais, contribuindo para uma partilha dos custos da crise, até agora suportados sempre pelos trabalhadores, em especial os mais pobres‖.
Este projeto de lei tem como objeto definir ―o regime de cativação põblica das mais-valias urbanísticas simples decorrentes da valorização de terrenos em consequência da alteração da sua classificação por via de atos administrativos da exclusiva competência da Administração Pública ou da execução de obras públicas que resultem total ou parcialmente de investimento põblico‖, bem como ― prevenir a ocorrência de atos de abuso de poder, de favorecimento e de corrupção dos decisores‖.

II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais O projeto de lei ora submetido a apreciação e que ―Consagra a cativação pública das mais-valias urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder‖ é subscrito por oito Deputados do grupo parlamentar Bloco de Esquerda, tendo sido apresentado ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como da alínea b) do artigo 4.º e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR). O grupo parlamentar do Bloco de Esquerda exerceu, igualmente, o seu direito de iniciativa legislativa, ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da CRP e da alínea f) do artigo 8.º do RAR.
A iniciativa legislativa foi apresentada sob a forma de projeto de lei e encontra-se redigida sob a forma de artigos, contendo uma justificação de motivos, bem como uma designação que traduz o objeto principal, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º, n.º 1 do artigo 120.º, n.º 1 do artigo 123.º e das alíneas a) b) e c) do n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
Verificação do cumprimento da lei formulário A iniciativa legislativa encontra-se redigida e estruturada em conformidade com o disposto no artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, sobre ―Publicação, Identificação e Formulário dos Diplomas‖, alterada e republicada pela Lei n.º 42/2007, de 24 de Agosto, adiante designada de lei formulário. Caso seja aprovada, o futuro diploma entra em vigor no dia seguinte após a sua publicação, sob a forma de lei, na 1.ª série do Diário da República, em conformidade com o artigo 7.º do seu articulado e nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º, da Lei Formulário.
Porém, considerando que a presente iniciativa pretende alterar a Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, que aprovou o Código das Expropriações, a Lei n.º 48/98, de 11 de agosto, bem como o Decreto -Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, e que nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da lei formulário, ―os diplomas que alterem outros devem indicar o nõmero de ordem da alteração introduzida»‖, sugere-se que, em caso de aprovação do presente projeto de lei, em sede de votação na especialidade ou na redação final passe a constar do seu título, em conformidade com a lei formulário; ―Consagra a cativação pública das mais-valias urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder (Procede à sétima alteração à Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, Consultar Diário Original

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que aprovou o Código das Expropriações, à segunda alteração à Lei n.º 48/98, de 11 de agosto, e à nona alteração ao Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro‖.

III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes A Constituição da República Portuguesa (CRP) atribui ao Estado a tarefa fundamental de assegurar o ordenamento geral do território e planeamento urbanístico. Este objetivo pode ser encontrado em vários artigos da Constituição destacando-se, desde logo, o n.º 4 do artigo 65.º e a alínea b) do n.º 2 do artigo 66.º.
De acordo com o citado n.º 4 do artigo 65.º da Constituição, o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo. Sobre esta matéria os Professores Doutores Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmam que a Constituição impõe ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais, de acordo com a respetiva esfera de competências no governo do território, a definição de regras de ocupação, usos e transformação de solos urbanos (n.º 4). Essas regras destinam-se não apenas a disciplinar as questões urbanísticas tradicionais do jus aedificandi (o direito de construir) e do jus utendi (o direito de usar os solos urbanos), mas também da mudança de destino do uso dos solos (residenciais, industriais, desportivos, religiosos, comerciais). (») A ocupação, o uso e a transformação dos solos urbanos representam um complexo de atividades cujas regras se encontram definidas, sobretudo, na legislação respeitante ao ordenamento do território e nos instrumentos de planeamento territorial. Trata-se, simultaneamente, de governo do território, de gestão urbanística e de execução de planos.8 Já a alínea b) do n.º 2 do artigo 66.º da CRP prevê que, para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos, nomeadamente, ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconómico e a valorização da paisagem.
Relativamente a esta questão os Professores Doutores Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que o direito de propriedade está sujeito a medidas planeadoras de proteção do ambiente (planos de ordenamento territorial, desenvolvimento de reservas e parques, classificação e proteção de paisagens e de sítios). Neste contexto, a liberdade de construção, que muitas vezes se considera inerente ao direito de propriedade (embora tal deva ser controvertido), é hoje configurada como «liberdade de construção potencial», porque ela apenas se pode desenvolver no âmbito ou no quadro de normas jurídicas, nas quais se incluem as normas de proteção do ambiente. Noutras hipóteses, a utilização do uso dos solos está sujeita a uma complexa rede de planos de ordenamento, autorizações, licenças, proibições, materialmente constitutivas de ónus ou restrições socialmente adequadas, em alguns casos, ou de sacrifícios especiais legitimadores de um direito indemnizatório, em outros casos.9 Relativamente ao direito de propriedade, direito este que tem consagração constitucional no artigo 62.º, o artigo 1305.º do Código Civil estipula que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos do uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela impostas. Na sequência, designadamente, dos referidos princípios constitucionais e da citada norma do Código Civil, a Lei n.º 48/98, de 11 de agosto, alterada pela Lei n.º 54/2007, de 31 de agosto, veio estabelecer as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo.
Este diploma teve origem na proposta de lei n.º 112/VII – Estabelece as bases da política de ordenamento do território e do urbanismo, apresentada pelo Governo, tendo sido aprovado na Reunião Plenária de 30 de 8 In: CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital - Constituição da República Portuguesa Anotada - Volume I. Coimbra Editora, 2007, pág. 838.
9 In: CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital - Constituição da República Portuguesa Anotada - Volume I. Coimbra Editora, 2007, pág. 846 e 847.


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junho de 1998, com os votos a favor do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, os votos contra do Partido Social Democrata, CDS-Partido Popular e Os Verdes e a abstenção do Partido Comunista Português.
Na exposição de motivos deste projeto pode ler-se que a lei estabelece as bases do regime de uso do solo e da execução do planeamento territorial, por forma a assegurar a concretização das políticas de ordenamento do território e do urbanismo, bem como a garantir o respeito pelos legítimos direitos dos proprietários. O regime de uso do solo é definido nos instrumentos de planeamento territorial em função do destino básico atribuído aos terrenos (classificação como solo urbano ou rural) e de acordo com a atividade dominante que neles possa ser instalada ou desenvolvida (qualificação do solo).
No desenvolvimento da Lei n.º 48/98, de 11 de agosto, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, que veio fixar o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, e desenvolver as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo, definindo o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional e municipal do sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial. De acordo com o preâmbulo, são delimitadas as responsabilidades do Estado, das autarquias locais e dos particulares relativamente a um modelo de ordenamento do território que assegure o desenvolvimento económico e social e a igualdade entre os Portugueses no acesso aos equipamentos e serviços públicos, num quadro de sustentabilidade dos ecossistemas, de solidariedade intergeracional e de excecionalidade, face ao desaparecimento de pressão demográfica dos anos 60 e 70, da transformação de solo rural em solo urbano.

O Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, sofreu as seguintes modificações: Decreto-Lei n.º 53/2000, de 7 de abril; Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de dezembro; Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 11-A/2006, de 23 de fevereiro; Lei n.º 56/2007, de 31 de agosto; Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro, retificado pela Declaração de Retificação n.º 104/2007, de 6 de novembro; Decreto-Lei n.º 46/2009, de 20 de fevereiro; Decreto-Lei n.º 181/2009, de 7 de agosto; Decreto-Lei n.º 2/2011, de 6 de janeiro;

Deste diploma pode, ainda, ser consultada uma versão consolidada.
Por último, e acerca da política de solos, importa referir o Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de novembro, retificado pela Declaração de Retificação de 28 de Janeiro de 1977, e com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 313/80, de 19 de agosto, Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, e Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro que aprovou os princípios e normas fundamentais sobre este assunto. Dispõe ainda sobre medidas preventivas, zonas de defesa e controlo urbanas, constituição do direito de superfície, direito de preferência na alienação de terrenos e edifícios, cedência de direitos sobre terrenos, operações de loteamento por particulares, restrições a demolição de edifícios, restrições a utilização de edifícios para atividades comerciais ou industriais e profissões liberais, áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, expropriações e obrigatoriedade de construção (realojamento e fundo municipal de urbanização).
Sobre a matéria das mais-valias urbanísticas, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou quatro iniciativas legislativas na X e XI Legislaturas.
Efetivamente, na X Legislatura foram entregues na Mesa da Assembleia da República, dois projetos de lei: o projeto de lei n.º 357/X – Define a cativação pública das mais-valias urbanísticas como medida preventiva de combate ao abuso de poder e à corrupção e o projeto de lei n.º 800/X – Consagra a cativação pública das mais-valias urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder. Na Legislatura seguinte foram, também, apresentados dois projetos de lei: projeto de lei n.º 53/XI – Consagra a cativação pública das Mais-Valias Urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder e o projeto de lei n.º 577/XI – Consagra a cativação pública das mais-valias urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder.


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O projeto de lei n.º 357/X – Define a cativação pública das mais-valias urbanísticas como medida preventiva de combate ao abuso de poder deu entrada em 14 de fevereiro de 2007, tendo sido discutido conjuntamente com outras iniciativas relacionadas com a questão da corrupção, no âmbito do Grupo de Trabalho – Combate à Corrupção, criado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Foi rejeitado na votação na generalidade, na reunião plenária de 22 de fevereiro de 2008, com os votos contra do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a abstenção do Partido Social Democrata e CDS-Partido Popular e os votos a favor do Partido Comunista Português, Bloco de Esquerda, Os Verdes e da Deputada não inscrita Luísa Mesquita.
Tendo a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias apresentado um texto de substituição relativo, nomeadamente ao projeto de lei n.º 357/X, foi este aprovado em votação final global, no Plenário de 22 de Fevereiro de 2008, com os votos a favor dos Grupos Parlamentares do Partido Socialista, Partido Social Democrata e Bloco de Esquerda e a abstenção do Partido Comunista Português, CDS-Partido Popular, Os Verdes e da Deputada não inscrita Luísa Mesquita.
A aprovação deste texto de substituição deu origem à publicação da Lei n.º 19/2008, 21 de abril – Aprova medidas de combate à corrupção e procede à primeira alteração à Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, à décima sétima alteração à lei geral tributária e à terceira alteração à Lei n.º 4/83, de 2 de Abril.
Já o projeto de lei n.º 800/X – Consagra a cativação pública das mais-valias urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder, foi entregue em 29 de maio de 2009 na Mesa da Assembleia da República. De conteúdo muito idêntico ao do projeto de lei n.º 357/X, veio a caducar em 14 de outubro de 2009 com o final da Legislatura.
Em 17 de Novembro de 2009, deu entrada o projeto de lei n.º 53/XI - Consagra a cativação pública das Mais-Valias Urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder. Tendo sido votado na generalidade em 3 de dezembro de 2009, foi rejeitado com os votos a favor dos Grupos Parlamentares do Bloco de Esquerda e os Verdes, a abstenção do Partido Comunista Português e os votos contra do Partido Socialista, Partido Social Democrata e CDS-Partido Popular.
Esta iniciativa é semelhante às apresentadas na X Legislatura e quase idêntico ao projeto de lei agora apresentado, com exceção dos quatro parágrafos finais da exposição de motivos.
Por último, o projeto de lei n.º 577/XI – Consagra a cativação pública das mais-valias urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso do poder foi entregue em 24 de março de 2011, tendo caducado em 19 de junho de 2011 com o final da Legislatura.
Este projeto de lei é idêntico quer na exposição de motivos, quer no seu articulado, ao do projeto de lei n.º 197/XII (1.ª).
Sobre esta questão importa referir as conclusões apresentadas pelo 11.º Congresso da Ordem dos Arquitetos onde se pode ler, designadamente, que a definição em lei do princípio da recuperação pelo erário público das mais-valias resultantes da multiplicação do valor sequência da aprovação de planos territoriais ou reconversões urbanísticas, à semelhança do que sucede na generalidade dos países ocidentais; e que a Ordem dos Arquitetos deve pugnar pela defesa junto do poder legislativo da criminalização da apropriação privada abusiva das mais-valias resultantes de transformação do uso do solo obtidas à margem das diretrizes previstas em instrumentos de gestão de território.10 A presente iniciativa visa consagrar a cativação pública das mais-valias urbanísticas prevenindo a corrupção e o abuso de poder, no âmbito do combate preventivo contra a corrupção, o favorecimento e o abuso de poder11. Para o efeito propõe alterar os seguintes diplomas: Artigo 23.º – Justa indemnização, do Código das Expropriações; Aditamento do artigo 15.º-A – Cativação de mais-valias, à Lei n.º 48/98, de 11 de agosto (versão consolidada); Aditamento do artigo 143.º-A – Reversão pública, ao Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro (versão consolidada).
10 Pág. 12.
11 Vd. exposição de motivos.


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Para um melhor entendimento da presente iniciativa referem-se ainda os seguintes artigos e diplomas: Artigo 4.º – Dever de prévia audiência na preparação de planos ou na localização e realização de obras e investimentos públicos, da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto12; Artigo 10.º – Resolução de expropriar, do Código das Expropriações.
Enquadramento internacional

Países europeus

A legislação comparada é apresentada para os seguintes países da União Europeia: Bélgica, Espanha, França e Itália.

Bélgica Na Bélgica é obrigatório proceder à declaração dos rendimentos imobiliários, que posteriormente serão submetidos a tributação. Os bens imobiliários originam uma dupla tributação: imposto sobre imóveis e imposto sobre as pessoas físicas (rendimento singular).
Parte-se do pressuposto que qualquer proprietário de um bem imóvel usufrui de um rendimento. Esse rendimento do imóvel deve ser mencionado na declaração. O mesmo é determinado conforme o caso, com base com base na renda cadastral ou do aluguer.
Na declaração de rendimentos deve-se mencionar o ―rendimento cadastral‖ não indexado do imóvel que se possui. A administração fiscal aplicará a indexação com base no cálculo do imposto. Normalmente, encontrase o rendimento cadastral não indexado na advertência do extrato papel relativo à dedução imobiliária.
O Código dos Impostos sobre o Rendimento no seu Capítulo II, Secção II (Rendimento dos bens imobiliários), artigos 7.º a 16.º, regulamenta a matéria referida na presente iniciativa legislativa.
Relativamente à taxação das mais-valias imobiliárias (urbanísticas), encontramos a seguinte informação: com exceção do imóvel que constitui a residência principal ou que faz parte de uma herança, a revenda de um imóvel nos 5 anos seguintes (ou 3 anos tratando-se de uma doação) pode originar uma tributação. Para os terrenos não construídos, já há muito tempo que existe uma tributação (33% se revende dentro de cinco anos, 16,5% dentro de 8 anos). Para os terrenos construídos, se um proprietário vender com lucro o seu bem imóvel nos 5 anos seguintes à sua compra (prazo calculado igualmente de ato notarial a ato notarial), deve suportar um imposto de 16,5% sobre a mais-valia conseguida nessa ocasião.

Espanha O artigo 47.º da Constituição Espanhola determina a obrigatoriedade de participação da Comunidade nas mais-valias geradas pela ação urbanística. Com esse objetivo dispõe que todos os espanhóis têm direito a usufruir de uma habitação digna e adequada. Os poderes públicos devem promover as condições necessárias e estabelecer as normas pertinentes à efetivação deste direito, regulando a utilização do solo de acordo com o interesse geral e de forma a impedir a especulação, devendo a comunidade participar nas mais-valias resultantes da ação urbanística dos entes públicos.
Esta obrigação é precisada no artigo 148.1.3.ª da Constituição Espanhola, dado que se estipula que as Comunidade Autónomas podem assumir competências exclusivas em matéria de ordenamento do território, urbanismo e habitação. Esta competência foi incluída nos Estatutos das Comunidades Autónomas. Para além da normativa autonómica também temos que considerar a existência de um direito estatal sobre esta matéria, dado que a habitação é um direito social e económico com consagração em diversos artigos da Constituição.
Após a publicação da Ley 8/1990, de 25 de julio, sobre Reforma del Régimen Urbanístico y Valoraciones del Suelo, e do Real Decreto Legislativo 1/1992, de 26 de junio, que aprovava o Texto Refundido de la Ley sobre el Régimen del Suelo y Ordenación Urbana de 1992, que sistematiza la Ley 8/ 1990 y los artículos no derogados del Texto Refundido de la Ley del Suelo de 1976, algumas Comunidades Autónomas interpuseram 12 Retificada pela Declaração de Retificação n.º 4/95, de 12 de dezembro.


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recursos de inconstitucionalidade, considerando que o Estado tinha violado a competência das Comunidades Autónomas. Nessa sequência, foi proferida a Decisão do Tribunal Constitucional n.º 61/1997, de 20 de Março de 1997, que declarou a inconstitucionalidade de alguma das normas daquele diploma. Paralelamente, verificou-se um vazio legal, dado que algumas Comunidades Autónomas não dispunham de normativos legais completos.
Mais tarde, estes diplomas vieram a ser revogados pela Ley 8/2007, de 28 de mayo, de Suelo, que por sua vez foi revogada pelo Real Decreto Legislativo 2/2008, de 20 de junio, por el que se aprueba el Texto Refundido de la Ley de Suelo. Este diploma foi regulamentado pelo Real Decreto 1492/2011, de 24 de octubre, por el que se aprueba el Reglamento de valoraciones de la Ley de Suelo.
O artigo 16.1.b do Real Decreto Legislativo 2/2008, de 20 de junio, determina um intervalo de referência para a participação das Comunidades Autónomas através das mais-valias, a ser determinado posteriormente pelas leis de planeamento urbanístico das Comunidades. Esta lei veio ainda permitir ao legislador autonómico liberdade para a determinação se a participação é livre ou não de taxas de urbanização. Verifica-se assim, sobre esta matéria, uma articulação entre a competência do Estado e a competência das Comunidades Autónomas.
Na Comunidade Autónoma do País Basco, a Ley 2/2006, de 30 de junio, de Suelo y Urbanismo, sofreu as alterações introduzidas pela Ley 11/2008, de 28 de noviembre, modifica la participación de la comunidad en las plusvalías generadas por la acción urbanística. No artigo 27.º é fixada em 15% a percentagem de participação da Comunidade nas mais-valias urbanísticas.
Sobre o artigo 47.º da Constituição Espanhola, respetiva história e regulamentação pode ser consultada a seguinte sinopse no sitio do Congreso de los Diputados.

França Sempre que se vende um bem imóvel a um preço superior àquele pago para o adquirir, está-se a realizar uma mais-valia. A mais-valia imobiliária é tributada em sede de declaração de rendimentos, mas pode-se beneficiar de isenção em certas situações.
A tributação das mais-valias imobiliárias aplica-se às seguintes alienações a título oneroso: venda de bem imóvel (apartamento, casa, terreno); venda de direitos conexos a um bem imóvel (servidão, por exemplo); venda por intermediação imobiliárias (não submetida a imposto sobre as sociedades) ou de um fundo de investimentos imobiliários; troca de bens, partilha ou contribuição em sociedade.
A mais-valia é reduzida por um abatimento anual por ano de posse do bem imóvel (edificado ou não). O regime depende da data de venda (antes ou depois de 1 de fevereiro de 2012).

Tableau 1 relatif à la fiche F10864 Nombre d'années de possession du bien Bien vendu avant le 1er février 2012 Taux d'abattement applicable chaque année de détention Bien vendu après le 1er février 2012 (à partir du 25 août 2011 en cas d'apport en société de biens immobiliers) Taux d'abattement applicable chaque année de détention Au-delà de la 5ème 10 % 2 % Au-delà la 15ème Exonération 2 % Au-delà de la 17ème Exonération 4 % Au-delà de la 24ème Exonération 8 % Plus de 30 ans Exonération Exonération

A legislação base consta do ―Código Geral dos Impostos‖, artigos 150U à 150VH e 170.
Ver outra informação sobre a matéria, nesta ligação.

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Itália Em Itália, quem vende um bem imóvel pode pedir ao notário, no ato da cessação, a cobrança de um ―imposto substitutivo‖ do imposto sobre o rendimento próximo dos 20%. A disposição legal diz respeito ás mais-valias realizadas nas alienações a título oneroso de bens imóveis (edificados e terrenos agrícolas) adquiridos, construídos ou recebido em doação num prazo de cinco anos. Neste último caso, o período de cinco anos conta a partir da data de aquisição por parte do doador.
Nesta ligação podem ver-se os termos em que se processa tal tributação.
A estatuição legal consta do Decreto do Presidente da República, n.º 917/1986, de 22 de dezembro, que aprova o denominado ―Texto único dos impostos sobre os rendimentos‖. Ver os artigos 67.º (rendimentos diversos) e 68.º (mais-valias).
Não origina mais-valias a alienação a título oneroso de terrenos inseridos no plano de ordenamento adotado pelo Município, mas declarados não edificáveis pela Região. A cessão neste caso não é objeto de imposto sobre o rendimento. Esta ç a orientação da ―Agenzia delle Entrate‖ (Autoridade Tributária), incluída na Resolução n.º 460/E, de 2 de dezembro de 2008.
Porém, o Decreto-Lei n.º 223/2006, de 4 de julho, prevê para fins de tributação o momento a partir do qual uma área é considerada edificável.
Para um maior aprofundamento, veja-se este artigo.

IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria

Iniciativas legislativas Efetuada uma pesquisa à base de dados do processo legislativo e da atividade parlamentar versando sobre idêntica matéria ou matéria conexa, não se verificou a existência de qualquer iniciativa.

Petições Efetuada uma pesquisa à base de dados do processo legislativo e da atividade parlamentar, verificou-se que, neste momento, não existe qualquer petição versando sobre idêntica matéria.

V. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação

Da aprovação da presente iniciativa pode resultar um aumento da receita para o Estado, embora não passível de quantificação de momento.

———

PROJETO DE LEI N.º 203/XII (1.ª) (PRIMEIRA ALTERAÇÃO À LEI N.º 17/2003, DE 4 DE JUNHO, QUE REGULA OS TERMOS E CONDIÇÕES EM QUE GRUPOS DE CIDADÃOS ELEITORES EXERCEM O DIREITO DE INICIATIVA LEGISLATIVA JUNTO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, ELIMINANDO A DISCRIMINAÇÃO RELATIVA AOS PORTUGUESES RESIDENTES NO ESTRANGEIRO)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e anexos contendo nota técnica elaborada pelos serviços de apoio e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

I.1 – Apresentação I.1.1. Deputados do Grupo Parlamentar do PS apresentaram o presente projeto de lei (PJL) visando alterar

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a Lei n.º 17/2003, de 4 de junho (iniciativa legislativa de cidadãos).
I.1.2. A alteração proposta incide unicamente sobre o artigo 2.º da referida Lei n.º 17/2003, e consiste em eliminar a restrição a que estão sujeitos os portugueses residentes no estrangeiro, os quais só podem subscrever iniciativas legislativas de cidadãos desde que estas tenham por objeto matérias que lhes diga especificamente respeito.
I.1.3. A exposição de motivos do PJL argumenta que o direito de iniciativa legislativa constitui uma dimensão relevante dos direitos de cidadania, não devendo o seu exercício ser restringido em função do lugar de residência.
I.1.4. Outrossim alega que entre objetivos da política nacional deve estar o de promover uma cada vez maior ligação de todos os portugueses ao seu País, qualquer que seja o lugar em que se encontrem ou residam, e tudo fazer para combater o alheamento e o afastamento das comunidades portuguesas da vida nacional e reforçar o sentimento de pertença dos portugueses a Portugal.
I.1.5. É ainda invocada a Constituição da República (CRP) no sentido em que esta, ao estabelecer, no seu artigo 167.º, o direito dos cidadãos de exercerem a iniciativa legislativa perante o Parlamento, não impôs qualquer ónus ou restrição a esse direito, nomeadamente em função do local de residência dos seus titulares.
Acrescenta ainda que o artigo 14.º da CRP atribui ao Estado, quanto aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, a obrigação especial de proteger o exercício dos seus direitos.
I.1.6. Em face destes e outros argumentos conclui-se que a iniciativa legislativa popular deve poder ser exercida em toda a sua amplitude, legalmente estabelecida, pelos cidadãos portugueses, independentemente de residirem ou não no território nacional e que os direitos e deveres dos cidadãos portugueses que residam no estrangeiro devem ser, em regra, iguais aos direitos e deveres dos cidadãos residentes no País, salvo as exceções expressas na CRP as quais são tão só as que respeitam à capacidade eleitoral ativa, e apenas quanto à eleição do Presidente da República (artigo 121.º, n.º 2) e ao referendo (artigo 115.º, n.º 12).

I.2 – Histórico 1.2.1. O Direito de iniciativa legislativa de cidadãos foi introduzido na Constituição em 1997, pela lei constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro – constando atualmente do n.º 1 do artigo 167.º – e viria a ter consagração ordinária justamente pela Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, na qual, agora, este PJL pretende introduzir alterações.
I.2.2. Já na presente sessão legislativa [XII (1.ª]) a Assembleia da República apreciou iniciativas legislativas para alteração do regime jurídico da iniciativa legislativa de cidadãos, constantes dos PJL 85/XII (1.ª) (PCP), 123/XII (1.ª) (BE) e 128/XII (1.ª) (PEV).
I.2.3.Os projetos de lei do PCP e do BE visavam principalmente diminuir o número de eleitores exigíveis para proponentes de uma iniciativa legislativa.
Os projetos de lei do BE e do PCP acrescentavam ainda alterações sobre os requisitos de forma para a proposição legislativa de cidadãos.
I.2.4. Os três referidos PJL foram discutidos na sessão plenária de 5 de janeiro de 2012 e votados a 6 de janeiro de 2012, na generalidade, tendo todos sido rejeitados, com os votos contra do PSD e do CDS, a abstenção do PS e os votos favoráveis dos restantes grupos parlamentares.
I.2.5. Quer no parecer da CACDLG (discutido e aprovado na reunião desta Comissão de 21 de dezembro de 2012) quer depois no debate em plenário, esta questão da diferenciação de regimes entre os eleitores residentes ou não no território nacional foi referenciada, ainda que não constasse dos projetos de lei em apreciação.

I.3 – Conformidade Constitucional, legal e Regimental 1.3.1. A matéria objeto da presente iniciativa legislativa encontra credencial constitucional expressa no artigo 167.º, n.º 1, da Constituição.

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1.3.2. Esta iniciativa legislativa não parece apresentar consequências de aumento das despesas ou diminuição de receitas do Estado, previstas no orçamento do ano económico em curso, contem-se nos limites previstos no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 120.º do Regimento da Assembleia da República e respeita os requisitos da lei formulário (Lei n.º 74/98, de 11 de novembro).
I.3.3. O presente PJL depois de registado, admitido, numerado, anunciado e publicado no DAR II Série A, n.º 151/XII (1.ª), de 29 de março de 2012, foi distribuído, para apreciação e emissão de parecer, à 1.ª Comissão (Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias) e à 2.ª Comissão (Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas), sendo designada competente, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 129.º do Regimento, esta 1.ª Comissão (CACDLG). I.3.4. O PJL em apreciação está devidamente articulado, mostra-se bem designado face ao seu objeto e suficientemente motivado, de acordo com as exigências regimentais, designadamente as do artigo 124.º, e demais legislação aplicável.
I.3.5. É certo que estamos aqui perante uma iniciativa legislativa que visa alterar a mesma lei que as precedentes iniciativas, acima referidas, e rejeitadas já na presente sessão legislativa.
I.3.6. Nos termos do artigo 167.º, n.º 4, da Constituição da República, os projetos de lei definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão legislativa.
Em igual sentido rege o artigo 120.º, n.º 3, do Regimento da Assembleia da República.
I.3.7. Contudo, o conteúdo material a que concretamente se referem é inequivocamente distinto.
Enquanto nos PJL rejeitados se propunha a alteração do número de eleitores necessários para exercerem a iniciativa legislativa, e também alguns procedimentos de forma, agora o que se pretende é alargar a titularidade deste direito aos cidadãos residentes no estrangeiro quanto a todas as matérias, revogando a limitação àquelas que lhes digam especificamente respeito.
I.3.8. A restrição constitucional acima referida terá por escopo impedir uma insistência permanente e consecutiva nas mesmas propostas legislativas, substantivamente consideradas, o que vale por dizer, também, politicamente definidas, de tal modo que a Assembleia da República se visse arrastada em discussões e deliberações estéreis e sucessivas, perdendo nisso o seu tempo sem proveito e o seu próprio prestigio.
1.3.9. Neste sentido pode colher-se apoio no comentário doutrinário de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, quando referem ― (») Tambçm não ç fácil definir o que seja renovar uma iniciativa legislativa, sendo certo que há de tratar-se de um projeto ou proposta idêntico (absoluta ou substancialmente) (»)‖ – in página 689, em anotação IX ao artigo 170.º, da sua ‗Constituição da Repõblica Portuguesa Anotada‘, Coimbra Editora, 3.ª edição revista,1993.
Também a matéria é referida por Jorge Miranda e Rui Medeiros, os quais alegam: ―O que conta ç a identidade de sentidos prescritivos (»); o que a Constituição proíbe é que a AR venha a deliberar sobre um projecto ou uma proposta de lei com certo conteúdo normativo depois de já ter rejeitado, na mesma sessão legislativa, projecto ou proposta de idêntico conteõdo.‖ – in página 559, em anotação XV ao artigo 167.º, da sua ‗Constituição Portuguesa Anotada‘, Tomo II, Coimbra editora, 2006.
I.3.10. Sendo o objeto deste PJL substancialmente ou materialmente distinto, de diferente conteúdo, com um sentido prescritivo diverso, face aos anteriormente rejeitados, então não deverá operar aqui a restrição quanto à renovação de iniciativas legislativas.
I.3.11. Não obstante deve o processo legislativo ter o cuidado de não extravasar para as matérias já objeto de recusa pela Assembleia da República nesta sessão legislativa.
Sendo certo que podem ocorrer propostas de alteração, nos termos regimentais (v.g.: artigos 127.º, 133.º, 139.º, 153.º), nesta situação tais propostas devem estar impedidas no que toca às matérias já rejeitadas na presente sessão legislativa e acima referenciadas.

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I.4 – Outros Contributos e Opiniões 1.4.1 – Pelos competentes serviços da Assembleia da República foi emitida a Nota Técnica, a que se refere o artigo 131.º do Regimento, a qual analisa formal e materialmente o PJL, aportando contributos com mérito para a sua apreciação e enquadramento.
1.4.2 – Não foram aduzidas opiniões políticas por quaisquer outros deputados ou grupos parlamentares, nos termos do n.º 4 do artigo 137.º do Regimento.
1.4.2 – A 2.ª Comissão Parlamentar (Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas), em Parecer de 10 de Abril de 2012, de que foi relator o Deputado, Carlos Alberto Gonçalves, e aprovado por unanimidade, conclui que o PJL está em condições de ser agendado e apreciado em Plenário.

Parte II – Opinião do Relator

II.1 – O Deputado Relator já manifestou fundamentadamente opinião sobre esta matéria.
Quer, em geral, sobre o instituto da iniciativa legislativa dos cidadãos.
Quer, em especial, sobre a eliminação da discriminação a que têm estado sujeitos os portugueses residentes no estrangeiro.
Tal consta: a) Do parecer sobre o PJL n.º 85/XII (1.ª); b) Da intervenção produzida no debate em plenário no dia 5 de janeiro de 2012; c) Do parecer sobre o PJL n.º 186/XII (1.ª).

II. 2 – Quanto à titularidade do direito de iniciativa legislativa uma outra e nova questão pode ainda e deve ser levantada.
II. 2.1 – É que, para além da questão objeto deste PJL aqui em apreciação, que é a da titularidade do direito de iniciativa legislativa por portugueses residentes no estrangeiro, também se pode colocar a questão – algo simétrica – da titularidade desse mesmo direito quanto a estrangeiros residentes em Portugal, pois, tal como o artigo 2.º da Lei n.º 17/2003 está redigido, permite que a titularidade da iniciativa legislativa possa caber também a não portugueses.
II.2.2 – Poderá isso ser assim? Atente-se que, do que se trata, como explicita a lei, é de apresentar projetos de lei ao Parlamento português, desencadeando obrigatoriamente a ação deste no processo legislativo, e também da consequente participação dos proponentes nos procedimentos da Assembleia da República (artigos 1.º, 7.º, 9.º, n.º 4, 11.º, n.º 3).
II.2.3 – Na verdade o texto da lei refere-se singelamente a ―grupos de cidadãos eleitores‖, no artigo 1.º, e a ―cidadãos regularmente inscritos no recenseamento eleitoral‖, no artigo 2.º.
O PJL, ora em apreciação, não vai fora disso.
É verdade que também é essa a formulação do artigo 167.º, n.º 1, da CRP – ―grupos de cidadãos eleitores‖.
No entanto esta mesma norma constitucional remete para ―os termos e condições‖, a estabelecer pela lei, e esta, obviamente, deverá fazê-lo integrando uma aplicação unívoca e global da Constituição e do sistema jurídico português entendido e interpretado na sua unidade geral.
II.2.4 – Ora, parece que dessa análise sistémica deve resultar que apenas os cidadãos eleitores portugueses (e eventualmente certos casos de estrangeiros com estatuto especial atribuído), e não todo e qualquer inscrito no recenseamento eleitoral, pode exercer a iniciativa legislativa de cidadãos perante a Assembleia da República.
II.2.5 – Com efeito, o artigo 15.º, n.º 1, da CRP começa por estabelecer o princípio do chamado ―tratamento nacional‖, segundo o qual os estrangeiros e apátridas, que se encontrem ou residam em

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Portugal, deverão beneficiar de um tratamento, em matéria de direitos e de deveres, equivalente ao dos cidadãos nacionais.
Contudo tal princípio comporta exceções, e estas vêm logo indicadas no n.º 2 daquele preceito, quais sejam, ―(… ) os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.‖ II.2.6 – Pois bem, entre os direitos políticos estará sem dúvida o direito de iniciativa legislativa, que é um direito político por sua natureza.
II.2.7 – O direito de iniciativa legislativa de cidadãos é exercido perante a Assembleia da República, como resulta da inserção sistemática do artigo 167.º e, ao seu abrigo, a Lei n.º 17/2003 concretiza.
II.2.8 – E, na verdade, a Assembleia da República, logo o poder legislativo por excelência, está reservado pela Constituição aos cidadãos portugueses.
Assim o artigo 14.º da CRP ao estabelecer inequivocamente que ―A Assembleia da Repõblica ç a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses.‖ De igual modo o artigo 150.º da CRP que determina que para a Assembleia da Repõblica: ―São elegíveis os cidadãos portugueses eleitores,(»)‖.
– Em decorrência, a lei eleitoral para a Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 de maio) estabelece, quanto à capacidade eleitoral passiva, no seu artigo 4.º: ―São elegíveis para a Assembleia da República os cidadãos portugueses eleitores.‖.
II.2.9 - Portanto parece poder afirmar-se que há um comando constitucional geral que reserva aos cidadãos portugueses o poder legislativo.
II.2.10 - O problema, que suscitamos, quanto ao artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, levanta-se porque este confere a titularidade do direito de iniciativa legislativa perante a Assembleia da República a todos os cidadãos eleitores, e o recenseamento eleitoral pode incluir cidadãos não portugueses, e se a lei do direito de iniciativa legislativa de cidadãos não fizer a distinção então todos os recenseados a poderão exercer e, logo, também os estrangeiros.
II.2.11 – O recenseamento de estrangeiros ocorre para efeitos eleitorais – concessão de capacidade eleitoral ativa e passiva – decorrentes do respetivo reconhecimento por parte da Constituição, ainda que limitado.
II.2.12 – Temos o caso da capacidade eleitoral ativa e passiva reconhecida, ainda que só mediante reciprocidade, aos estrangeiros residentes, mas apenas quanto à eleição dos órgãos das autarquias locais e à eleição do Parlamento Europeu, portanto excluindo a Assembleia da República, o poder legislativo – n.os 4 e 5 do artigo 15.º da CRP.
Temos o caso especial dos cidadãos dos Estados de língua portuguesa, com residência permanente, a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo 15.º CRP, aqui já não restringindo o acesso à Assembleia da República, mas ainda que se exija a concretização da reciprocidade como condição para poderem ser conferidos esses –
―direitos não conferidos a estrangeiros.‖ Ora, nestes direitos não conferidos a estrangeiros é que podem estar os tais direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses, referenciados no n.º 1do artigo 15º da CRP.
II.2.13 – Todos esses diversos tipos de cidadãos estrangeiros podem estar inscritos no recenseamento eleitoral (vd. artigo 2.º e artigo 27.º da lei do recenseamento eleitoral – Lei n.º 13/99, de 22 de março), e têm de o estar para exercerem esses seus direitos, aqui referidos, de capacidade eleitoral ativa, restrita a certo tipo de eleições, ou de capacidade eleitoral passiva, excecional e limitada.
II.2.14 – Repare-se como a Constituição e a lei são rigorosas no que respeita aos direitos políticos de não nacionais, no sentido da sua restrição.

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E de tal modo e intensidade que até mesmo os portugueses, que também tenham uma outra nacionalidade, não poderão ser candidatos a deputados à Assembleia da República portuguesa pelo círculo eleitoral que abranger o território do país dessa outra nacionalidade, como se alcança do artigo 6.º, n.º 2, da lei eleitoral (Lei n.º 14/79, de 16 de maio).
Eles são portugueses, mas só pelo facto de terem dupla nacionalidade com outro País, isso os inibe de se candidatarem, nesse correspondente círculo, ao principal órgão legislativo português! II.2.15 – Portanto, pela soma de tudo o que ficou dito atrás, e por força do artigo 15.º, n.º 2, da CRP, parece-nos que a iniciativa legislativa de cidadãos perante a Assembleia da República, constitui um direito político reservado exclusivamente aos cidadãos portugueses.
II.2.16 – É certo também, como já se aflorou, que pode haver exceções, em casos muito especiais.
Esses poderão ser os casos de cidadãos de países de língua portuguesa a que se refere o n.º 3 do artigo 15.º da CRP.
Presentemente, parece que esse estatuto especial, baseado na língua portuguesa, está reconhecido apenas àqueles cidadãos brasileiros que possuam o estatuto de igualdade de direitos políticos, obtido ao abrigo de tratado internacional estabelecido com o Brasil, em vigor desde 5 de Setembro de 2001. Veja-se, a este propósito, e neste sentido, na doutrina, a anotação III ao artigo 1.º da ―Lei Eleitoral da Assembleia da República – atualizada, anotada e comentada‖ de Maria de Fátima Abrantes Mendes, e, Jorge Miguéis, edição dos autores, 4.ª reedição, 2005, acessível no ‗site‘ da DGAI.
A lei do recenseamento eleitoral, no n.º 1 do artigo 27.º, também já veio, entretanto, expressamente reconhecer essa equiparação dos brasileiros com estatuto de igualdade de direitos políticos, facultandolhes logo o recenseamento automático a par dos nacionais portugueses.
II.2.17 – Em conclusão – e a ser assim o Direito – o artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, deverá ficar com uma redação do tipo:

Artigo 2.º Titularidade

1. São titulares do direito de iniciativa legislativa os cidadãos portugueses regularmente inscritos no recenseamento eleitoral.
2. Podem ainda ser titulares do direito de iniciativa legislativa os cidadãos dos Estados de língua portuguesa, com residência permanente em Portugal e inscritos no recenseamento eleitoral, aos quais tal direito seja expressamente reconhecido em tratado de reciprocidade.

Parte III – Conclusões

III.1 – Deputados do Grupo Parlamentar do PS apresentaram o projeto de lei n.º 203/XII (1.ª), o qual visa alterar a lei vigente sobre Iniciativa Legislativa de Cidadãos.
III.2 – Este PJL, caso venha a entrar em vigor, constituirá a primeira alteração à Lei n.º 17/2003, de 4 de junho que rege a iniciativa legislativa de cidadãos.
III.3 – O projeto de lei visa alterar o artigo 2.º da referida lei n.º 17/2003, no sentido de permitir a iniciativa legislativa a todos os cidadãos, eliminando a restrição existente quanto aos portugueses residentes no estrangeiro em função do interesse específico das matérias.
III.4 – O projeto de lei cumpre os requisitos constitucionais e formais necessários.
III.5 – Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o presente projeto de lei n.º 203/XII (1.ª) está em condições de seguir os ulteriores termos do processo legislativo, nomeadamente para ser discutido e votado em Plenário.

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Parte IV – Anexos

Seguem em anexo ao presente relatório a Nota Técnica elaborada pelos serviços da Assembleia da República nos termos do artigo 131.º do Regimento e o parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas sobre esta iniciativa.

Palácio de São Bento, 16 de abril de 2012.
O Deputado Relator, Luís Pita Ameixa — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico – convertido pelo Lince

Anexos

Nota Técnica

Projeto de Lei n.º 203/XII (1.ª) (PS) Primeira alteração à Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, que regula os termos e condições em que grupos de cidadãos eleitores exercem o direito de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República, eliminando a discriminação relativa aos portugueses residentes no estrangeiro.
Data de admissão: 27 de março de 2012.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª)

Índice I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da lei formulário III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria V. Consultas e contributos VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação

Elaborada por: João Amaral (DAC), Lurdes Sauane (DAPLEN) e Dalila Maulide (DILP)

Data: 10 de abril de 2012

I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa

O artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho (Iniciativa legislativa de cidadãos) – que, sob a epígrafe ―Titularidade‖, confere a titularidade do direito de iniciativa legislativa a todos ―os cidadãos regularmente inscritos no recenseamento eleitoral em território nacional e também aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro e regularmente recenseados, sempre que a iniciativa tenha por objeto matéria que lhes diga especificamente respeito‖1 – consubstancia, de acordo com os proponentes da iniciativa legislativa sub judice, ―uma distinção entre os cidadãos portugueses em função do seu lugar de residência‖.
Recordando que a capacidade eleitoral ativa dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro apenas é restringida pela Constituição da República Portuguesa no que respeita à eleição do Presidente da República e 1 A norma em causa adapta à lei referida o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 37.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de abril (Aprova a Lei Orgânica do Regime do Referendo.) Consultar Diário Original

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à participação em referendo, os Deputados subscritores do projeto de lei consideram que ―um dos objetivos da política nacional deve ser (») o de combater o alheamento e o afastamento das comunidades portuguesas da vida nacional.‖ Desta forma, propõem-se alterar o artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho, no seguinte sentido: «Artigo 2.º (») São titulares do direito de iniciativa legislativa os cidadãos regularmente inscritos no recenseamento eleitoral.»

II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais

A presente iniciativa é apresentada por 10 Deputados do grupo parlamentar do Partido Socialista (PS), no âmbito do poder de iniciativa da lei, em conformidade com o disposto na Constituição (n.º 1 do artigo 167.º) e no Regimento (artigo 118.º). Exercer a iniciativa da lei é um dos poderes dos deputados [alínea b) do artigo 156.º da Constituição e alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento] e um dos direitos dos grupos parlamentares [alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e alínea f) do artigo 8.º do Regimento]. São observados os requisitos formais respeitantes às iniciativas em geral [n.º 1 do artigo 119.º e alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 124.º do Regimento] e aos projetos de lei, em particular (n.º 1 do artigo 123.º do Regimento), não se verificando violação aos limites da iniciativa impostos pelo Regimento, no respeita ao disposto no artigo 120.º.
A iniciativa deu entrada em 22/03/2012, foi admitida em 27/03/2012 e baixou, na generalidade, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), e à Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas (2.ª). O anúncio foi feito na sessão plenária de 28/03/2012. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 129.º do Regimento, foi indicada como competente a 1.ª Comissão.
A sua discussão na generalidade foi agendada para a sessão plenária de 18/04/2012 (Súmula n.º 26 da Conferência de Líderes, de 27/03/2012).
Verificação do cumprimento da lei formulário A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 42/2007, de 24 de agosto, habitualmente designada como ―lei formulário‖, possui um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas que são relevantes em caso de aprovação das iniciativas legislativas.
Na presente iniciativa e caso venha a ser aprovada sem alterações, apenas se pode referir o seguinte: – Esta iniciativa não contém disposição expressa sobre a entrada em vigor, pelo que se aplica o disposto no n.ª 2 do artigo 2.ª da citada lei (―Na falta de fixação do dia, os diplomas» entram em vigor, em todo o território nacional e no estrangeiro, no 5.ª dia após a publicação‖); – Será publicada na 1.ª série do Diário da República, revestindo a forma de lei [alínea c) do n.º 2 do artigo 3.ª da ―lei formulário‖]; – A presente iniciativa respeita o n.º 1 do artigo 6.º da mesma lei, uma vez que procede à primeira alteração à Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, e indica o número de ordem da alteração introduzida.

III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes O direito de iniciativa legislativa dos cidadãos, objeto do presente projeto de lei, foi formalmente consagrado na 4.ª revisão constitucional (Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), no n.º 1 do artigo 167.º, que passou a ter a seguinte redação: Consultar Diário Original

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―A iniciativa da lei e do referendo compete aos Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo, e ainda, nos termos e condições estabelecidos na lei, a grupos de cidadãos eleitores, competindo a iniciativa da lei, no respeitante às regiões autónomas, às respectivas Assembleias Legislativas.‖

O regime jurídico da iniciativa legislativa dos cidadãos foi aprovado através da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho. Nos termos do artigo 6.º da lei, os projetos de lei devem ser subscritos por um mínimo de 35 000 cidadãos eleitores residentes no território nacional, admitindo-se, nos termos do artigo 2.º, que entre estes se possam contar cidadãos portugueses residentes no estrangeiro e aí regularmente recenseados, sempre que a iniciativa tenha por objeto matéria que lhes diga especificamente respeito.
Já na XI Legislatura tinha sido apresentado um projeto de alteração à Lei n.º 17/2003, incidindo na redução do número de subscritores exigido para o exercício do direito de iniciativa legislativa popular, designadamente o Projeto de Lei n.º 164/XI (1.ª) (PCP), o qual caducou com o final da legislatura. Sobre o mesmo assunto, já na legislatura em curso, os grupos parlamentares do PCP, BE e Os Verdes apresentaram, respetivamente, os projetos de lei n.º 85/XII (1.ª), 123/XII (1.ª) e 128/XII (1.ª), os quais foram rejeitados na generalidade com votos a favor do PCP, BE e Os Verdes, contra do PSD e CDS-PP e abstenção do PS. No decurso do debate na generalidade ocorrido a propósito destas iniciativas, o PSD suscitou a questão agora em apreço do direito de iniciativa legislativa dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro (v. pág. 39 do DAR, I série, n.º 55/XII (1.ª), de 6 de janeiro), tendo posteriormente vindo a apresentar o projeto de lei n.º 186/XII sobre o assunto em apreço.
A iniciativa legislativa e referendária dos cidadãos encontra-se, ainda, regulada no âmbito regional nos termos do artigo 46.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de agosto e alterado pelas Lei n.º 9/87, de 26 de março, Lei n.º 61/98, de 27 de agosto e Lei n.º 2/2009, de 12 de janeiro, exigindo-se nesse caso, para a apresentação de projetos de decretos legislativos regionais à Assembleia Legislativa, a subscrição por um mínimo de 1500 cidadãos eleitores recenseados no território da Região.
A Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar disponibiliza na sua página na ARNET uma folha informativa sobre o ―Direito de Iniciativa dos Cidadãos‖, que poderá ser consultada para mais informação sobre o assunto.
Enquadramento internacional

Países europeus

A legislação comparada é apresentada para o seguinte país da União Europeia: Espanha.

Espanha Em Espanha, a Ley Orgánica 3/1984, de 26 de marzo, reguladora de la iniciativa legislativa popular, no artigo 3.º, garante aos cidadãos o poder de iniciativa legislativa, direito previsto no artigo 87.3 da Constituição Espanhola O artigo 3.º do referido diploma exige um mínimo de 500.000 cidadãos eleitores para a apresentação das proposiciones de ley. O processo inicia-se com a apresentação de uma proposta perante o Congresso, que se pronuncia desde logo sobre a sua admissibilidade. Só após a admissão da proposta se procede à recolha de assinaturas, havendo lugar a subvenção pública para custear as despesas inerentes a essa tarefa. Não é feita qualquer referência à existência de limitações quanto ao âmbito das iniciativas, no caso de as mesmas serem apresentadas por cidadãos residentes no estrangeiro.
No site da Junta Electoral Central (Espanha), é possível aceder ao histórico das iniciativas legislativas populares apresentadas desde 1982 no Congreso de los Deputados, num total de 23.

Outros países

A legislação estrangeira é apresentada ainda para o Brasil.
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Brasil A Lei n.º 9.709, de 18 de Novembro de 1998, veio consagrar a iniciativa legislativa popular. Efetivamente, o artigo 13.º prevê o direito de apresentação de um projeto de lei junto da Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. O projeto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto.
Este diploma regula o disposto no Capitulo IV da Constituição Federal, pontos I, II e III do artigo 14.º, relativo aos direitos políticos dos cidadãos e à forma de exercício da soberania popular.

Organizações internacionais

Conselho da Europa A Comissão de Veneza do Conselho da Europa disponibiliza documentação vária sobre iniciativa legislativa dos cidadãos.

IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Iniciativas legislativas e petições Efetuada pesquisa à base de dados do processo legislativo e da atividade parlamentar (PLC), verificou-se a existência da seguinte iniciativa pendente, cuja matéria é conexa: Projeto de Lei n.º 186/XII (1.ª) (PSD) – Altera a Lei n.º 17/2003, de 4 de junho (Iniciativa Legislativa de Cidadãos), eliminando a discriminação existente em relação aos emigrantes portugueses.
A discussão desta iniciativa está agendada para a reunião plenária do próximo dia 18 de abril, em conjunto com a do projeto de lei em apreço.

V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 66-A/2007, de 11 de dezembro, compete ao Conselho das Comunidades Portuguesas ―Emitir pareceres, a pedido do Governo ou da Assembleia da República, sobre projectos e propostas de lei e demais projectos de actos legislativos e administrativos, bem como sobre acordos internacionais ou normativos comunitários relativos às comunidades portuguesas residentes no estrangeiro;‖.
Assim sendo, cumprirá à Comissão solicitar ao referido Conselho que se pronuncie – eventualmente, através do envio de parecer – sobre a iniciativa em causa.

VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação

A aprovação da presente iniciativa, tendo em conta o objetivo a que se propõe (alterar a redação do artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, eliminando a discriminação existente em relação ao emigrantes portugueses), parece não implicar aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento, como referimos no ponto II da presente nota técnica, pelo que não há violação do princípio conhecido com a designação de ―lei-travão‖.

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Parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas

Parte I – Considerandos

I. a) Nota introdutória O Grupo Parlamentar do Partido Socialista teve a iniciativa de apresentar, na Assembleia da República, em 22 de março de 2012, o projeto de Lei n.º 203/XII (1.ª), primeira alteração à Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, que regula os termos e condições em que grupos de cidadãos eleitores exercem o direito de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República, eliminando a discriminação relativa aos portugueses residentes no estrangeiro.
Esta apresentação foi efetuada ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República.
Por despacho de S. Ex.ª, a Presidente da Assembleia da República, de 27 de março de 2012, a iniciativa vertente baixou, para emissão do respetivo parecer, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e à Comissão dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, tendo esta última sido designada a Comissão competente.

1. b) Antecedentes O direito de iniciativa legislativa dos cidadãos, objeto do presente projeto de lei, foi formalmente consagrado na 4.ª revisão constitucional, no n.º 1 do artigo 167.º, que passou a ter a seguinte redação: A iniciativa da lei e do referendo compete aos Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo e ainda, nos termos e condições estabelecidos na lei, a grupos de cidadãos eleitores, competindo a iniciativa da lei, no respeitante às regiões autónomas, às respetivas assembleias legislativas.

O regime jurídico da iniciativa legislativa dos cidadãos foi aprovado através da Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho. Nos termos do seu artigo 6.ª ―os projetos de lei devem ser subscritos por um mínimo de 35000 cidadãos eleitores residentes no território nacional, admitindo-se, nos termos, do artigo 2.º que entre estes se possam contar cidadãos portugueses residentes no estrangeiro e aí regularmente recenseados, sempre que a iniciativa tenha por objeto matéria que lhes diga especificamente respeito.
Na XI Legislatura foi apresentado, pelo PCP, um projeto de alteração à Lei n.º 17/2003, que tinha por objeto a redução do número de subscritores exigido para o exercício do direito de iniciativa legislativa popular. O projeto de lei n.º 164/XI (1.ª) do PCP veio a caducar com o final dessa legislatura.
Na legislatura em curso os grupos parlamentares do PCP, BE e PEV, apresentaram projetos de lei que iam, mais uma vez no sentido de reduzir o número de subscritores exigido para o exercício do direito da iniciativa legislativa e de facilitar a apresentação das mesmas, nomeadamente através da Internet, mas foram todos rejeitados na generalidade.
Durante o debate na generalidade destas iniciativas, o PSD levantou a questão agora aqui em apreço do direito de iniciativa legislativa dos portugueses residentes no estrangeiro, alertando exatamente para o facto de a lei ter um preceito que se traduz numa restrição legal para todos esses portugueses.
Nesse sentido, os deputados do PSD tiveram a oportunidade, no 1 de março, de apresentar o projeto de lei n.º 186/XII (1.ª) (PSD) – Altera a Lei n.º 17/2003, de 4 de junho (Iniciativa Legislativa de Cidadãos), eliminando a discriminação existente em relação aos emigrantes portugueses.

2. c) A iniciativa Segundo os próprios proponentes, a iniciativa que é apreciada neste parecer tem por objetivo eliminar a discriminação que está consagrada na atual lei que regula o direito de iniciativa legislativa de cidadãos no que diz respeito aos portugueses que residem no estrangeiro e que apenas podem, de acordo com o artigo 2.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, exercer esse direito nos casos em que a iniciativa legislativa tenha por objeto matéria que lhes diga especificamente respeito, ao contrário do que acontece com os cidadãos recenseados no território nacional.
Defende o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que se está a estabelecer, com a atual legislação, uma ―distinção entre os cidadãos portugueses em função do seu lugar de residência‖ e que se ―reveste de um

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elevado significado a eliminação desta discriminação‖ tendo em conta as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo.
Na sua ―Exposição de motivos‖ os subscritores do projeto de lei que se analisa consideram que a própria Constituição da República Portuguesa (CRP), não estabelece qualquer restrição ao direito de iniciativa legislativa dos cidadãos, pois, segundo eles, no seu artigo 167.º não existe qualquer limitação a esse direito.
Ao mesmo tempo defendem ainda que a CRP atribui ao Estado uma obrigação especial de proteger o exercício dos direitos dos portugueses residentes no estrangeiro, considerando-se dentro destes, também os direitos políticos. Acrescentam que o Estado está obrigado a facilitar e não a dificultar o exercício da cidadania destes portugueses.
Tal como também é referido na iniciativa dos deputados do PS, a CRP apenas estabelece limites quanto à capacidade eleitoral ativa e, dentro desta, apenas no que diz respeito à eleição do Presidente da República (artigo 122.º, n.º 2) e ao referendo (artigo 115.º, n.º 12) para os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro tendo em conta a ―intensidade dos laços de ligação á comunidade nacional‖ ou em ―razão de matçrias diretamente respeitantes á desterritorialização‖.
Reforçam os proponentes que ―para o PS os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro fazem parte do espectro social, económico e cultural da vida nacional, não devendo, por isso, estar sujeitos, salvos nas situações previstas na CRP, a restrições ou ónus que diminuam a sua condição de iguais relativamente aos seus concidadãos residentes no território nacional‖. Assim advogam que o direito de iniciativa legislativa deve poder ser exercido em toda a sua amplitude pelos cidadãos portugueses, quer residam ou não em território nacional.
Destaca ainda a iniciativa do PS que ―o objetivo geral e comum de promover o aumento da participação política e combater a abstenção, designadamente eleitoral, passa por reforçar o sentimento de pertença concreta dos portugueses não residentes no território nacional e a demonstração real de que o País está interessado nas suas ideias, na sua participação e não apenas no seu voto ou nas suas divisas‖.

Parte II – Opinião do Relator A matéria que é abordada por este projeto de lei já tinha sido suscitada pelos deputados do Grupo Parlamentar do PSD, em particular por aqueles que são eleitos pelos círculos da emigração, nomeadamente aquando do debate das iniciativas apresentadas pelo PCP, BE e PEV, sobre esta questão e depois na apresentação de uma declaração de voto na votação das mesmas, em Janeiro deste ano.
Parece-me importante e necessário o encontro de consensos em matérias relativas aos direitos cívicos e políticos das comunidades portuguesas tendo nessa declaração apelado para isso mesmo. Esse consenso parece estar agora a surgir com o PS, sobre esta matéria, com a apresentação do presente projeto de lei em tudo semelhante à iniciativa apresentada pelo PSD.
Os portugueses residentes no estrangeiro merecem de facto que a lei seja alterada para que possam estar em pé de igualdade com todos os seus compatriotas que vivem em Portugal. Há muito tempo que defendo esta igualdade de direitos a todos os níveis e, naturalmente, também no plano da participação política.
Acredito que sobre esta questão da iniciativa legislativa dos cidadãos, caso os projetos de lei que irão estar em discussão venham a ser aprovados estaremos, a dar mais um passo no sentido da aproximação de todos os portugueses independentemente de onde residam e do esbatimento das diferenças que ainda perduram entre os nossos emigrantes e os portugueses que residem em território nacional.

Parte III – Conclusões 1. O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, teve a iniciativa de apresentar, na Assembleia da República, em 22 de março de 2012, o Projeto de Lei n.º 203/XII (1.ª), primeira alteração à Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, que regula os termos e condições em que grupos de cidadãos eleitores exercem o direito de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República, eliminando a discriminação relativa aos portugueses residentes no estrangeiro;

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2. O regime jurídico da iniciativa legislativa dos cidadãos foi aprovado através da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho. Nos termos do seu artigo 6.ª ―os projetos de lei devem ser subscritos por um mínimo de 35000 cidadãos eleitores residentes no território nacional, admitindo-se, nos termos, do artigo 2.º que entre estes se possam contar cidadãos portugueses residentes no estrangeiro e aí regularmente recenseados, sempre que a iniciativa tenha por objeto matéria que lhes diga especificamente respeito; 3. A Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas é de parecer que o projeto supracitado está em condições de ser discutido e votado pelo Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 10 de março de 2012.
O Deputado Relator, Carlos Alberto Gonçalves — O Presidente da Comissão, Alberto Martins.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 237/XII (1.ª) (RECOMENDA AO GOVERNO REGRAS JUSTAS NO DIPLOMA QUE REGULA OS CONCURSOS DE COLOCAÇÃO DE DOCENTES E PROMOÇÃO, EM 2012, DE UM CONCURSO DE INGRESSO E VINCULAÇÃO NOS QUADROS DE ESCOLA DOS DOCENTES CONTRATADOS)

Requerimento do BE dando conta da retirada desta iniciativa legislativa

Solicito a S. Ex.ª a Sr.ª Presidente da Assembleia da República a retirada do projeto de resolução n.º 237/XII (1.ª) ―Recomenda ao Governo regras justas no diploma que regula os concursos de colocação de docentes e promoção, em 2012, de um concurso de ingresso e vinculação nos quadros de escola dos docentes contratados‖, da autoria dos Deputados deste Grupo Parlamentar.

Palácio de São Bento, 17 de abril de 2012.
O Presidente do BE, Luís Fazenda.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 289/XII (1.ª) RECOMENDA AO GOVERNO A VALORIZAÇÃO ENERGÉTICA DA BIOMASSA NO OBJETIVO DE PROTEÇÃO DA FLORESTA

Os desafios do futuro da nossa sociedade obrigam a uma nova abordagem à floresta nacional incutindo igual importância aos objetivos económicos, ambientais e socioculturais. A nossa visão para a floresta passa por enfatizar o papel da floresta na mitigação das alterações climáticas, por valorizar ao máximo os produtos florestais nacionais, promovendo-se simultaneamente a gestão florestal sustentada, a conservação da natureza e a biodiversidade, bem como a exportação. As últimas conferências do clima (Cancun 2010 e Durban 2011) enfatizaram o crucial papel das florestas numa nova economia do carbono e no combate às alterações climáticas. Esta deve também ser a estratégia do nosso país promovendo-se a florestação em detrimento do desmatamento.
Com efeito, a floresta ocupa mais de um terço do território nacional, constituindo um imenso recurso em termos energéticos que deve ser explorado e protegido, contribuindo assim para a redução substancial da dependência energética que atualmente temos relativamente ao exterior, com grandes benefícios para a economia nacional.

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Também a Estratégia Nacional para as Florestas publicada na RCM n.º 114/2006, expressava claramente importância do sector florestal para o desenvolvimento do País e o valor que os recursos florestais representam para a sociedade apontando claramente para a necessidade de criar um mercado para os materiais combustíveis que promova o aproveitamento dos matos e reduza os custos de limpeza dos povoamentos.
Paralelamente a Estratégia para a Energia ENE 2020, inscrita na RCM n.º 29/2010 reforça a importância da floresta portuguesa no papel que esta poderá desempenhar na promoção do crescimento económico e na independência energética nacional.
Por outro lado, é de realçar que o setor florestal é responsável por cerca de 3% do PIB nacional e 260.000 postos de trabalho, constituindo o 3.º setor exportador, representando cerca de 11% das exportações nacionais, cobrindo o défice nacional das importações de bens alimentares no valor de mais de 3,5 mil milhões de euros. Os valores são desde já interessantes mas estas percentagens podem aumentar significativamente através da adoção das medidas de valorização do setor.
O setor florestal pode, assim, representar um dos pilares da recuperação económica nacional pela sua capacidade de gerar riqueza, emprego e inverter a tendência de êxodo rural.
E para a adequada integração destes objetivos de valorização da floresta nacional passa pela prevenção e combate aos fogos, e pela concretização territorial das várias funções do espaço florestal.
No tocante aos incêndios florestais, recorde-se que Portugal é o Pais do Sul da Europa que mais incêndios sofreu nos últimos anos, com uma média na última década de 104.500 hectares por ano, adivinhando-se já que 2012 possa ser um ano crítico, fruto da ausência de chuva e consequente seca que se tem feito sentir neste início de ano, aliás já visível no centro do País nas últimas semanas, precisamente em locais de pequena propriedade e de difícil acesso.
De fato, os fogos florestais são das catástrofes naturais graves e causam enormes danos ambientais, económicos e humanos no nosso País.
Para o Partido Social Democrata definir políticas não é só criar legislação. As leis devem chegar aos seus destinatários. E neste domínio são necessários mecanismos que vão ao encontro dos proprietários florestais.
Preconizamos, assim, que embora não negligenciando os mais modernos meios de deteção e combate aos fogos florestais, a prevenção deverá constituir a principal prioridade. E ser concretizada, entre outras, pelas seguintes medidas:

a) Redução da carga combustível a partir de uma gestão florestal cuidada com desbastes e limpezas periódicos e por uma política de valorização dos biocombustíveis sólidos oriundos da floresta.
b) Ações de sensibilização da sociedade civil no sentido de diminuir a frequência das ignições de origem antropogénica (negligência e acidentes) e firme combate às ações de fogo posto.
c) Criação de zonas de proteção efetiva nas interfaces urbano-florestais e incentivo à plantação de folhosas de crescimento lento (carvalhos, choupos ou salgueiros), mais resistentes ao fogo, nos limites destas zonas.
d) Promoção de práticas de fogo controlado.

Acresce que, como sabemos, o setor primário da economia tem vindo a sofrer um desgaste considerável nas últimas décadas. Fruto de políticas erradas abandonaram-se sectores outrora importantes no contexto da economia nacional como a agricultura.
O abandono das nossas terras e da nossa floresta criou assim um desequilíbrio ao nível agroflorestal e social. A fuga de pessoas para a cidade em busca de melhores condições de vida e a procura de atividades industriais e de serviços, mais rentáveis, acentuou este paradigma: Terrenos outrora de cultivo, completamente entregues ao mato, floresta abandonada e consequente aumento de incêndios esse espetáculo degradante que se repete todos os anos consumindo milhares de hectares e meios financeiros avultados.
A dispersão da propriedade privada (estima-se a existência de 400 mil proprietários) sendo que 85% das explorações se situam em zona de minifúndio com uma área inferior a 5 ha, dificulta a aplicação de regras mínimas de gestão e ordenamento florestal.

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Parece-nos, pois, que duma vez por todas é necessário dinamizar um novo paradigma de organização e ordenamento da floresta que defina claramente o papel do Estado e dos demais agentes da Sociedade, tal como as autarquias locais, as organizações de produtores florestais (OPF) e os proprietários florestais, envolvendo todos numa ação concertada de prevenção.
O PSD por várias vezes tem chamado a atenção para a importância deste setor no País e para a necessidade da sua valorização, sob o ponto de vista económico, ambiental, de ordenamento do território e prevenção de incêndios florestais.
Isso mesmo consta em projeto de resolução aprovado na anterior legislatura que recomendava ao Governo um conjunto de medidas urgentes em matéria de proteção e valorização da floresta, tais como a revisão do modelo de gestão do fundo florestal permanente; reprogramação do PRODER nas medidas florestais; realização urgente do cadastro da propriedade rústica, essencial a uma gestão racional das zonas florestais; apoio às associações de produtores florestais e a eliminação aos constrangimentos à implementação efetiva das ZIF e incentivo ao aproveitamento da biomassa florestal.
Estas preocupações mantêm-se atuais e constam do programa do XIX Governo Constitucional, que aponta claramente nesse sentido ao propor, entre outros, como objetivos estratégicos para o setor florestal: «Quebrar os ciclos viciosos que persistem na nossa floresta (fracionamento, gestão, incêndios e doenças) e tornar a floresta um sector potenciador de riqueza, de biodiversidade, de equilíbrio ambiental e de um bom ordenamento do território».
É também de interesse estratégico a promoção da biomassa florestal, tanto ao nível do setor florestal como também ao nível do setor energético, encontrando-se esta na política energética nacional.
O aproveitamento da biomassa florestal para fins energéticos deve ser encarado não só na sua vertente de aumentar a produção de energia alternativa, mas como instrumento fundamental de luta contra incêndios.
Pode revelar-se ainda como um fator positivo para oportunidades de negócio em várias fileiras, para o desenvolvimento económico e criação de emprego em zonas rurais.
Na estratégia nacional para as florestas já mencionada, propunha-se inclusivamente que para além do apoio à utilização de biomassa em centrais de energia, fosse efetuada uma discriminação positiva a esta atividade. No entanto, a meta definida em 2003 de instalar 150 MW de potência até 2010, está longe de ser cumprida.
Para o grupo parlamentar do PSD a fileira da biomassa deverá ser encarada como uma área estratégica de interesse nacional que merece um planeamento global integrado, de forma a garantir o seu devido escoamento, incluindo os usos para fins energéticos, numa posição de são equilíbrio entre a oferta e a procura deste tipo de resíduos.
Até porque o comércio de biomassa na Europa tem vindo a crescer significativamente, especialmente no caso dos biocombustíveis processados, como os pellets de madeira.
Embora muitos países ainda tenham um grande potencial de biomassa por explorar, é provável que, a longo prazo, alguns países europeus com grande procura de biomassa venham a enfrentar uma situação de escassez de biomassa, enquanto outros continuem a ter uma oferta abundante.
Em Portugal a indústria de fabrico de pellets teve um crescimento exponencial nos últimos 5/6 anos, estando Portugal entre os 5 maiores produtores da Europa, estimando-se uma produção de 700 mil toneladas / ano, 98% da qual para exportação.
As pellets são uma fonte de energia renovável pertencente à classe da biomassa, produzidos a partir da limpeza das florestas e dos desperdícios da indústria da madeira. As pellets são um combustível muito menos poluente que os combustíveis fósseis, libertando muito menos monóxido de carbono e menos dióxido de carbono. São portanto um combustível neutro em termos de termos ambientais.
Perante o exposto, consideramos que o combate aos incêndios não se faz com medidas conjunturais, mas sim com uma reestruturação profunda do ordenamento e da gestão da floresta atribuindo responsabilidades concretas aos vários intervenientes, sejam a administração central e local, sejam as OPF, e criando mecanismos que incentivem os proprietários à limpeza.
Consideramos ainda que o Estado deve olhar as OPF como verdadeiros parceiros no desenvolvimento florestal do País, com partilha de responsabilidades e atribuição de condições legais e financeiras para a prossecução da sua atividade. Há muitos bons exemplos no País de associações de produtores florestais que

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fazem um excelente trabalho de limpeza das faixas de combustível em parceria com as autarquias locais, além de se comportarem como autênticas empresas de prestação de serviços de limpeza.
Consideramos também que devem ser dinamizadas as ZIF existentes e potenciada a criação de outras, pois só com uma gestão coletiva e preparada se pode prevenir e combater eficazmente o flagelo dos fogos florestais.
Consideramos, finalmente, que o apoio aos proprietários florestais não deve ser encarado como mais um subsídio, mas sim como um incentivo á limpeza e manutenção desta riqueza que é a floresta, criando assim valor económico e ajudando a combater a desertificação galopante das zonas rurais de baixa densidade.

São razões por que, os Deputados do Grupo Parlamentar do PSD propõem que a Assembleia da Republica, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da Republica Portuguesa, recomende ao Governo:

1 − Que proceda à atualização e identificação do potencial de utilização da biomassa para produção de energia, promovendo o desenvolvimento económico e social de zonas rurais.
2 − Que aposte no aproveitamento da biomassa florestal como fonte de energia renovável, contribuindo assim para a diversificação energética, nomeadamente mediante a implementação de medidas transversais que valorizem as atividades relacionadas com a floresta, descriminando positivamente os biocombustíveis sólidos (lenha, estilha, pellets e resíduos florestais), e com o objetivo fundamental de proteção da floresta contra incêndios.
3 − Que dinamize as ZIF e incentive a criação de novas, simplificando procedimentos e como forma de incentivar o emparcelamento da propriedade florestal.
4 − Que promova a contratualização com as OPF e as autarquias locais, no âmbito das operações de limpeza das faixas de combustível prevista na lei.
5 − Que avalie a possibilidade de referenciação de uma rede de pontos de recolha de resíduos florestais que depois serão encaminhados para as centrais de biomassa existentes ou para os vários setores industriais de utilização de biomassa.

Palácio de São Bento, 13 de abril de 2012.
Os Deputados do PSD: Paulo Batista Santos — Pedro Lynce — Pedro do Ó Ramos — Nuno Encarnação — Maurício Marques — Pedro Saraiva — Ângela Guerra — Luís Pedro Pimentel — António Prôa — Hélder Sousa Silva — Carlos Abreu Amorim — Fernando Marques — Bruno Coimbra — José Manuel Canavarro — Ulisses Pereira — Mário Simões — Pedro Pimpão.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 290/XII (1.ª) RECOMENDA QUE O PROLONGAMENTO DA LINHA VERDE DO METRO, ENTRE O ISMAI E A TROFA, INTEGRE A 2.ª FASE DA REDE DO METRO DA ÁREA METROPOLITANA DO PORTO

1. A 1.ª fase da rede do Metro da Área Metropolitana do Porto e a linha Verde, entre a Estação de Campanhã e a Trofa A primeira fase da rede do Sistema de Metro Ligeiro da Área Metropolitana do Porto nunca foi integralmente concluída.
Quando no final da década de noventa, o projeto desta primeira fase foi anunciado, publicamente apresentado e a respetiva conceção e construção contratualizada, (em 16 de Dezembro de 1998), ele compreendia originariamente a linha A - Azul, de Campanhã a Matosinhos, a linha B - Vermelha, da Póvoa de Varzim a Campanhã, a linha C - Verde, entre Campanhã e a Trofa e a linha D - Amarela, do Hospital de S.
João à estação de João de Deus, em Gaia.

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Das quatro linhas originárias da primeira fase só a linha Verde não foi construída em toda a sua extensão.
As outras três linhas viram inclusivamente os trajetos originários alargados – até ao estádio do Dragão, no caso das linhas Azul e Vermelha, até a Santo Ovídio, a linha Amarela. A linha C–Verde, no entanto, iniciou a sua operação em 30 de julho de 2005, primeiro entre a estação de Campanhã e o Fórum da Maia – no centro desta cidade – e um pouco mais tarde, em 31 de maio de 2006, entre o centro urbano da Maia e o ISMAI, mais a Norte, ainda em território maiato, mas nunca mais arrancou a sua conclusão até ao centro da cidade da Trofa conforme o previsto originariamente e confirmado mais tarde, em 2007, quando da assinatura de um Memorando de Entendimento entre a o Governo e a Junta Metropolitana do Porto.
Entretanto, a empresa Metro do Porto, SA, chegou mesmo a avançar com a construção de uma nova linha que não integrava a primeira fase da rede, a linha E – Violeta, que passou a ligar o Aeroporto do Porto à linha Vermelha (na estação de Verdes), criando-se, a partir de 27 de maio de 2006, uma nova ligação entre o Estádio do Dragão, a Estação de Campanhã e o Aeroporto.
Mais recentemente, em 2 de janeiro de 2011, a atual rede do Sistema de Metro Ligeiro da Área Metropolitana do Porto foi alargada com a entrada em funcionamento da linha F – Laranja, entre a Senhora da Hora e Fânzeres (concelho de Gondomar), uma sexta linha que já fazia parte do conjunto de linhas originariamente previstas para a segunda fase da rede do Metro da Área Metropolitana do Porto.
Em suma, a linha da Trofa – isto é, a linha Verde (C) – que desde sempre fez parte da primeira fase da rede do Metro da Área Metropolitana do Porto, nunca foi construída na sua totalidade, não obstante os sucessivos compromissos assumidos – mas sempre adiados – com aquele Concelho e sua população. As populações situadas a norte do Instituto Superior da Maia (ISMAI), que deveriam já ter há muitos anos o serviço do metro do Porto, estão a ser defraudadas e positivamente enganadas há mais de 10 anos, quando lhes foi retirado o comboio que ligava a antiga estação ferroviária da Trindade, no centro do Porto, com a Trofa, com a promessa de que ―em breve‖ teriam o metro ligeiro se superfície a servi-las.
Foi precisamente em 24 de fevereiro de 2002 que foi encerrado o serviço ferroviário nas linhas da CP da Póvoa de Varzim e da Trofa para permitir a construção das linhas do metro no canal antes utilizado pelos comboios que ligavam a Estação da Trindade, na cidade do Porto, à Póvoa de Varzim e a mesma Estação à cidade da Trofa. Só que, enquanto no caso da ligação à Póvoa de Varzim, o compromisso foi cumprido e a linha Vermelha do metro passou a servir as populações da parte ocidental dos concelhos da Maia, de Vila do Conde e da Póvoa de Varzim, antes servidas pelo comboio, no caso da Trofa, a ligação do metro ficou-se pela estação do ISMAI, ainda no concelho da Maia.
Pode bem dizer-se que a população da Trofa ficou sem comboio há dez anos atrás, com a promessa pública de que passaria a ter o metro e agora, nem tem comboio, nem tem metro» Por isso, é uma questão ética e de justiça - para além de constituir a reconstituição de um serviço público de transportes coletivos que foi retirado às populações em 2002 – que seja concluída a linha Verde, completando-se assim a ligação entre o ISMAI e o centro da cidade da Trofa.
No entender do PCP e de muitos outros responsáveis, e igualmente da população da Trofa, para além das pessoas que vivem nas freguesias mais a Norte da Maia, a construção do prolongamento da linha C até ao centro da Trofa deve ser construída com a máxima urgência e deve integrar, de pleno direito, o conjunto de investimentos previstos na 2.ª fase da rede do metro do Porto, com prioridade no planeamento global de construção que vier a ser definido para essa segunda fase.

2. O Memorando de Entendimento entre o Governo e Junta Metropolitana confirma a ligação e o prolongamento da linha C até à Trofa A construção do prolongamento da linha C até à Trofa foi confirmada e novamente consagrada no Memorando de Entendimento subscrito entre o Governo e Junta Metropolitana do Porto, com o qual, aliás, infelizmente se concretizou a governamentalização da gestão da empresa Metro do Porto em prejuízo da posição maioritária que até aí estava justamente atribuída aos representantes do poder local e metropolitano.
O ponto 4 desse Memorando de Entendimento, subscrito em 21 de maio de 2007 entre o Governo da República e a Junta Metropolitana do Porto, respetivamente representados pelo então Ministro das Obras Públicas, Eng.º Mário Lino, e pelo Presidente da Câmara Municipal do Porto e da Junta Metropolitana do Porto, Dr. Rui Rio, enuncia o ―Programa de novos investimentos – 2.ª fase do Sistema de Metro Ligeiro do Porto‖ e diz, no seu ponto 4.1., que esta 2.ª fase ç constituída, entre outras linhas, pela ―Ligação ao concelho

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da Trofa‖, acrescentando no ponto imediato (4.2.) que ―a ligação ao concelho da Trofa será garantida pelo prolongamento da linha da Trofa entre o ISMSI e Trofa‖.
Não tendo sido concluída a ligação da linha Verde até à Trofa durante a construção da primeira fase da rede do metro, como estava previsto e tinha sido objeto de compromissos e anúncios por parte de sucessivos responsáveis governamentais e metropolitanos, o mínimo que se espera é que este novo compromisso formalizado no âmbito deste Memorando de Entendimento não seja novamente violado. No entanto, e apesar da sua clareza não é, contudo, nada seguro que seja este o entendimento dos responsáveis executivos da empresa Metro do Porto e dos próprios responsáveis governamentais, seja do anterior, seja também do atual Governo.
De facto, em Dezembro de 2009, e dando neste particular seguimento ao disposto no referido Memorando de Entendimento, o Governo e o Conselho de Administração da Metro do Porto, SA, desagregaram da 2.ª fase da rede a construção do prolongamento da linha Verde até à Trofa, e anteciparam o lançamento do seu concurso, como aliás previa o Memorando de Entendimento para o caso da empreitada global não estar em condições de ser colocada em concurso na totalidade.
Foi assim lançado, no final de 2009, o concurso para a construção da extensão da linha C (Verde), entre o ISMAI e a Trofa, com o valor base de 140 milhões de euros, e que em Dezembro de 2010 estava já em fase de adjudicação quando foi inesperadamente anulado. Na altura em que foi anunciada esta decisão, o Presidente do Conselho de Administração da Metro do Porto, SA, Ricardo Fonseca disse que a linha para a Trofa poderia vir a ser desenvolvida ―um dia‖, depois de 2014, rematando que ―atç lá não seria construída e, mesmo numa fase posterior, os estudos diriam‖! Isto ç: ficou a saber-se que, para a Administração da Metro do Porto a construção da linha do metro para a Trofa, mesmo depois de 2014, não é prioritária e inclusivamente ficará na pendência do resultado de estudos cuja natureza e justificação só se compreende num contexto em que se pretenda abandonar a sua construção! O que – com essas afirmações do seu Presidente – a Administração da Metro não explicou foi o facto da Metro do Porto, SA, ter lançado o concurso da obra para a Trofa um ano antes, no final de 2009, o que implica, obrigatoriamente, que todos os estudos necessários, incluindo os de natureza ambiental tinham sido realizados e convenientemente analisados. A invocação da necessidade de novos ―estudos‖ para relançar a empreitada depois de 2014, (e só no caso dos estudos assim o determinarem), não radica, por isso, em critérios de verdade e de transparência, quiçá se pretenda apenas começar a tratar do ―enterro definitivo‖ do projeto de construção da extensão da linha C (Linha Verde) do ISMAI até à Trofa.
A falta de vontade em não concluir a linha Verde da rede do metro fica de novo bem indiciada no final de ano de 2010. Nessa data, a Administração da Metro do Porto, SA, apresentou formalmente ao Governo da altura, uma proposta para viabilizar o lançamento do concurso para o que designava por 2.ª fase da rede, mas onde já não incluía o prolongamento da linha Verde até à Trofa, só contemplando as restantes quatro linhas que constavam do Memorando de Entendimento subscrito em Maio de 2007. E é bem verdade que, apesar da Administração da Metro, SA, ter na mesma altura, (dezembro de 2010), anulado o concurso para a conclusão da linha Verde até à Trofa, nunca tomou qualquer iniciativa, nem mostrou qualquer interesse ou vontade em aditar aquela sua proposta ao Governo e apresentar uma nova proposta para o lançamento completo da obra da segunda fase, de acordo com o previsto no Memorando, isto é, incluindo a linha da Trofa. Não fez tal correção ou aditamento em Dezembro nem o fez em nenhum momento dos seis meses que o Governo da altura demorou a responder áquela proposta» A oposição de responsáveis da Administração da Metro do Porto, SA, com o apoio implícito do Governo e dos seus ministros, e, igualmente, da Junta Metropolitana e seus representantes, à construção do prolongamento da linha Verde entre a Estação do ISMAI e a Trofa não nasceu, contudo, com Ricardo Fonseca e a atual Administração da Metro do Porto, SA, ainda em funções.
Recorde-se que foi Oliveira Marques, anterior presidente executivo da Administração da Metro do Porto, numa altura em que a Junta Metropolitana do Porto era maioritária na gestão da empresa, quem fez a primeira tentativa para dar uma machadada na construção do prolongamento da linha Verde até à Trofa, quando, entre 2005 e 2006, a obra avançou do centro da Maia até ao ISMAI, sem que nada justificasse que esta fase da construção desta linha não tivesse logo incluído todo o seu prolongamento integral, da Maia até à Trofa.
É por tudo isto que o PCP insiste que a extensão da linha C (Linha Verde) para a Trofa deve passar a integrar, de pleno direito, o conjunto das quatro linhas já incluídas pelo atual Conselho de Administração da

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empresa do Metro do Porto, SA, na designada 2.ª fase da rede do Metro do Porto: a extensão da linha D (Linha Amarela), em Vila Nova de Gaia, ligando a Estação de Santo Ovídio á Urbanização de Vila d‘Este; a segunda linha de Gondomar, entre a Estação de Campanhã e o Centro da cidade de Gondomar; a nova linha entre Matosinhos-Sul e a Estação de S. Bento, através do Campo Alegre; e a nova linha entre a Senhora da Hora e o Hospital de S. João, atravessando S. Mamede de Infesta.

3. A petição pública que exige a construção da linha do metro até à Trofa A forma profundamente injusta como os sucessivos Governos e as Administrações da Metro do Porto, SA, têm tratado a população da Trofa e também a população da parte mais a norte do Concelho da Maia, que era igualmente servida pelo serviço ferroviário da CP desativado em Fevereiro de 2002, não foi apenas alvo de tratamento por parte do PCP. É verdade que, durante quase dez anos, o PCP nunca deixou esquecer esta flagrante e inaceitável quebra de compromissos assumidos desde o início da década de 2000, perante as populações. Durante todos estes anos, fizemos tudo o que estava no âmbito das nossas competências e atribuições, denunciamos inúmeras vezes a situação em deslocações e incontáveis visitas que fizemos às freguesias da Trofa mais afetadas pelo encerramento do serviço ferroviário e pelo adiamento inaceitável da construção da linha do metro. Fizemos intervenções, perguntas e requerimentos, participamos em audições com ministros e secretários de Estado responsáveis pelas obras públicas, apresentamos inúmeras propostas em sede do Orçamento do Estado – normalmente rejeitadas pelo PS; pelo PSD e pelo CDS – para a inclusão das dotações financeiras necessárias para avançar com a construção da segunda fase da rede do metro, incluindo a linha da Trofa.
Mais recentemente, e já no decorrer da atual legislatura, apresentamos um Projeto de Resolução que ―recomendava ao Governo uma profunda alteração no financiamento da empresa Metro do Porto, SA, que permita o relançamento faseado da 2.ª fase da rede do Sistema de Metro Ligeiro da Área Metropolitana do Porto, incluindo a extensão da Linha Verde, entre o ISMAI (Maia) e a Trofa‖. No entanto, apesar das habituais profissões de fé e a retórica desculpabilizante, a verdade é que a atual maioria, que meses atrás, em campanha eleitoral dizia – e bem – que a não construção da linha do metro para a Trofa era ―UMA VERGONHA‖, mudou radicalmente de postura e votou contra a resolução apresentada pelo PCP, inviabilizando assim a criação de novas condições financeiras para fazer arrancar no início de 2013 as obras da segunda fase da rede do metro da AMPorto, incluindo nela, como é evidente, a ligação à Trofa.
A indignação pela situação criada à população da Trofa gerou também – e muito bem – um forte movimentação popular que, entre outras iniciativas e posições públicas assumidas ao longo destes quase dez anos, organizou uma petição pública encabeçada pelo Senhor Henrique Pinto de Almeida Cayolla e subscrita por 8206 cidadãos da Trofa e das freguesias mais a Norte da Maia, que se dirigiu ao Parlamento, reclamando a construção da linha do metro até à Trofa, justificando claramente a necessidade da respetiva construção e demonstrando cabalmente a injustiça profunda de que a população da Trofa está a se vítima.
Como bem diz a petição, ―ç uma questão de justiça: há quase 10 anos que tiraram o comboio para a Trofa, para ser substituído pelo Metro. A Trofa e seus habitantes têm sido muito prejudicados! [»]. É uma questão de honra. [»] Gastou-se já uma fortuna nos estudos, trabalhos prévios, etc. TUDO ESTÁ PRONTO para avançar.
[»]‖ O fato desta petição ter voltado a relançar o debate em torno da conclusão da linha Verde até à Trofa justifica que a Assembleia da República tome uma posição sobre a necessidade da respetiva construção e clarifique a questão elementar que se prende com necessidade de, inequivocamente, confirmar que a linha da Trofa faz parte integrante da 2.ª fase da rede do Sistema de Metro da Área Metropolitana do Porto. Não se pretende com este Projeto de Resolução relançar, por agora, o debate sobre a possibilidade de, caso houvesse vontade política, se poder encontrar um novo modelo de financiamento que permitiria avançar de imediato com o concurso do que falta na 2.ª fase da rede do metro do Porto e construir, ao longo dos próximos 6/7 anos o conjunto de linhas que a integram. O que se pretende, com este projeto de resolução é contrariar as posições mais recentes da Administração do Metro e de muitos outros responsáveis pela empresa Metro do Porto, SA, que defendem a não inclusão da linha da Trofa na 2.ª fase da rede e que defendem até a sua não construção.

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Por tudo o que ficou dito, e ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, os deputados do grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, abaixo assinados, propõem que a Assembleia da República recomende ao Governo:

Que a construção do prolongamento da linha Verde do Sistema do Metro da Área Metropolitana do Porto, entre a estação do Instituto Superior da Maia, no concelho da Maia, e a cidade da Trofa, volte a integrar a segunda fase da rede do Metro do Porto, cumprindo, nomeadamente, o disposto no número quatro do Memorando de Entendimento subscrito em 21 de maio de 2007, entre o Governo e a Junta Metropolitana do Porto.

Assembleia da República, 12 de abril de 2012.
Os Deputados do PCP: Honório Novo — Jorge Machado — Agostinho Lopes — Bruno Dias — Miguel Tiago — Francisco Lopes — João Ramos — João Oliveira — António Filipe — Rita Rato — Paula Santos — Paulo Sá — Bernardino Soares.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 291/XII (1.ª) REFORÇAR OS MEIOS DE PREVENÇÃO ESTRUTURAL DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS – REDUZIR A CARGA DE BIOMASSA

1. A situação do elevado risco de fogos florestais no presente ano é uma evidência. Os numerosos incêndios já verificados, alguns com centenas de hectares de área ardida – em Barcelos, um atingiu os 3 000 hectares – e duração superior a 24 horas é um primeiro e grande alerta. Mas o facto de se atingir novamente o ciclo dos 6/7anos após os grandes incêndios de 2003 e 2005, com a reconstituição de enormes cargas de biomassa, e as severas condições climáticas que se vem verificando e que tudo indica virem a continuar, podem propiciar um próximo verão de elevadíssimo risco.
2. Por outro lado, todas as informações conhecidas, nomeadamente as veiculadas por diversas associações do sector e a partir dos próprios departamentos do Ministério da Agricultura, ainda que parciais e fragmentadas, mostram a continuação de um significativo atraso no desenvolvimento da prevenção estrutural.
Bastaria a baixíssima taxa de execução do PRODER florestal, para o evidenciar. Diga-se que o atual Governo, não concretizou nenhuma alteração da situação. Bem pelo contrário. Na recente audição da Gestora do PRODER em sede de Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar (10 de Abril), para justificar o corte da dotação global do PRODER florestal, na reprogramação feita, foi afirmado que havia sobreorçamentação das medidas florestais! 3. De facto, mantiveram-se no fundamental todos os estrangulamentos e obstáculos burocráticos, regulamentares, técnicos e a paralisia dos próprios serviços oficiais do Ministério da Agricultura. Onde o Estado faz o mal e a caramunha. Não concretiza por exemplo a Rede Primária das Faixas de Gestão de Combustível a que está obrigado e depois não altera o PRODER, permitindo que a sua não existência sirva para reprovar e impedir candidaturas de projetos visando a intervenção na Rede Secundária. Intervenção que se tem revelado de inequívoca importância na prevenção dos incêndios. Demora e não aprova, nem esclarece a sua posição, não homologando os Planos de Utilização do Baldio/Planos de Gestão Florestal (PUB/PGF), a que está obrigado pela Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, através do Decreto-Lei n.º 205/99, de 9 de junho, com as subsequentes alterações, não permitindo a sua operacionalização. Esta inoperância trava o avanço de projetos florestais, necessários para que os preceitos de gestão possam efetivamente concretizados. Registese, que se mantém a ausência de gestão da responsabilidade direta do Estado, nomeadamente na área comunitária [modalidade b)] em que é cogestor. Permanece assim a impossibilidade de uso de recursos do PRODER na conservação e recuperação de faixas de gestão de combustível.

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Porque a importância estratégica da floresta portuguesa não é compatível com estas situações e porque é necessário assegurar a coerência do discurso político de defesa da floresta, aparentemente consensual, com práticas governativas e políticas florestais adequadas e imperativas, Ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projeto de resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

1. Proceda a um rápido levantamento de meios, no âmbito do PRODER e do Fundo Florestal Permanente, suscetíveis de serem aplicados em projetos já apresentados ou que sejam apresentados até 31 de Maio, que visem a redução de carga de biomassa florestal, dando prioridade aos que o concretizem até Setembro. O apoio aos projetos de medidas incluídas no Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, avalizadas pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Floresta (ICNB), deverá ser a 100%; 2. Tome as medidas necessárias a nível regulamentar e de procedimentos administrativos no sentido de agilizar e facilitar a aplicação das medidas e projetos que visem o objetivo de redução da carga de biomassa florestal, dando prioridade aos que concretizem a instalação e a manutenção/recuperação das redes e mosaicos de gestão de combustível; 3. Proceda às operações necessárias no âmbito do Instituto da Conservação da Natureza e da Floresta (ICNF) e das Direções Regionais de Agricultura e Pesca (DRAP) no sentido de se acelerar a concretização da Rede Primária de gestão de combustíveis, levantando pontualmente as condicionantes, até ao momento em que esta esteja em vigor, para o que solicita a máxima celeridade; 4. Coloque às principais empresas com redes de infraestruturas localizadas no território nacional (BRISA, ASCENDI, EP, REFER, EDP, PT, entre outras) a necessidade de acelerarem a execução das faixas de gestão de combustível, conforme o previsto em regulamentação legal; 5. Avalie ainda com urgência a situação, nomeadamente do seu estado de funcionalidade e prontidão, das seguintes redes de infraestruturas de apoio ao combate aos fogos florestais, previstas no Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 17/2009 de 14 de janeiro: (i) Rede de infraestruturas de apoio ao combate; (ii) Rede de pontos de água; (iii) Rede de vigilância e deteção de incêndios; e (iv) Rede viária florestal. O Governo tomará as medidas necessárias para assegurar a capacidade de resposta das referidas redes.

Assembleia da República, 13 de abril de 2012.
Os Deputados do PCP: Agostinho Lopes — António Filipe — Paula Santos — Bruno Dias — Paulo Sá — Honório Novo — Bernardino Soares — João Oliveira — João Ramos.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 292/XII (1.ª) RECOMENDA A ADJUDICAÇÃO IMEDIATA DO CONCURSO DO METRO PARA A TROFA

Em janeiro de 2003 arrancou no Porto o início da exploração comercial do sistema de metro ligeiro da área metropolitana da cidade. No total, a rede abarcava 11,8 km, a operar nas cidades do Porto e de Matosinhos.
Desde esse momento que a rede de Metro foi sendo alvo de operações de expansão, integradas nos planos de prolongamento da linha nas quais se inseria, numa primeira fase, a expansão até à Trofa, depois adiada para uma segunda fase.

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Com base na promessa de expansão, efetuada pelo governo PS em 2003, foi requerido às populações que abdicassem do transporte anteriormente existente (comboio) que, apesar de possíveis debilidades, garantia os serviços mínimos de mobilidade à região.
Desde então, e uma vez que o projeto de expansão do Metro não avançou, as populações da área da Trofa têm sido confrontadas com graves entraves à sua capacidade de mobilidade que afeta, inclusive, movimentos pendulares.
Em setembro de 2009, no entanto, o projeto sofreu avanços, com o lançamento, numa cerimónia que contou com a presença da, na altura, Secretária de Estado dos Transportes, do concurso para a construção da linha. Foi então prometido às populações que o Metro estaria a circular no final de 2011.
Para além da abertura do concurso, foram já realizados (e pagos) inúmeros estudos e relatórios sobre as obras, sendo que a REFER já libertou o ultimo troço do canal, destinado à passagem das carruagens do Metro. Falta apenas, para que o projeto dê início, uma decisão política por parte do Governo.
No entanto, segundo o anúncio do próprio Ministro da Economia e do Emprego, o projeto só seguirá para a frente ―se os resultados da reavaliação do projeto demonstrarem um rácio custo-benefício positivo e depois de reiniciado o ciclo de crescimento da nossa economia‖, ou seja, num futuro incerto.
A ausência de resposta política à população abrangida pelo Metro da Trofa, há quase uma década sem transportes alternativos, motivou já inúmeros boicotes e protestos, de várias ordens, os quais mereceram todo o apoio e solidariedade do Bloco de Esquerda.
Recorde-se ainda que, a propósito do boicote às eleições presidenciais na Freguesia do Muro como protesto contra a situação, o próprio deputado João Almeida do CDS-PP, força política agora no Governo, denunciou a situação no Parlamento, exigindo a continuação das obras e o cumprimento da promessa efetuada ás populações. Tambçm membros do PSD afirmaram na altura ser ―legítima‖ a pretensão dos murenses, declarando estar ―do lado deles e de todas as freguesias do concelho‖.
Já quatro meses decorridos no ano de 2012, a Assembleia da Republica debate agora uma petição, subscrita por 8178 peticionários, que exige a adjudicação de imediato do concurso do Metro para a Trofa. Esta é uma exigência absolutamente legítima e as várias forças políticas, que anteriormente se pronunciaram contra o adiamento do projeto e a inexistência de alternativas de mobilidade para estas populações, têm agora a oportunidade de reiterar a sua posição e contribuir para que seja resolvida a situação.
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

Dê seguimento, de imediato, ao concurso do Metro para a Trofa.

Assembleia da República, 13 de abril de 2012.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: Catarina Martins — Luís Fazenda — João Semedo — Pedro Filipe Soares — Mariana Aiveca — Francisco Louçã — Cecília Honório — Ana Drago.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 293/XII (1.ª) RECOMENDA A CONTINUAÇÃO DO PROJETO DE REQUALIFICAÇÃO DA LINHA DO DOURO E A ELETRIFICAÇÃO DO TROÇO ENTRE CAÍDE E MARCO DE CANAVESES

O total desrespeito que sucessivos governos do PS, PSD e CDS-PP têm demonstrado pela preservação e valorização da ferrovia é revelador da total ausência de um plano estratégico de longo prazo para o desenvolvimento do País.
Em junho de 2010, a REFER anunciou o abandono da eletrificação do troço entre Caíde e Marco de Canaveses, integrada no projeto de requalificação da Linha do Douro. Esta decisão contrariou o anúncio público que tinha sido feito no ano anterior pela ex-Secretária de Estado dos Transportes que, em deslocação

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oficial a Amarante, tinha garantido que as obras de requalificação das linhas ferroviárias do Douro iriam ser realizadas.
A decisão de abandonar a eletrificação deste troço suscitou uma enorme onda de indignação e de protesto por parte das populações servidas pela Linha do Douro e para quem a requalificação da linha é uma necessidade urgente. Inaceitavelmente, e quase dois anos passados deste anúncio, tudo está na mesma.
O atual Governo insiste no desinvestimento da via-férrea, numa política de destruição do transporte ferroviário um pouco por todo o país. E, muito embora a Linha do Douro não esteja nos planos de encerramento anunciados no documento intitulado ―Plano Estratçgico de Transportes‖, a verdade ç que o Governo nada fez ainda para continuar o projeto da sua requalificação.
Sabemos que, quando falamos de requalificação das linhas férreas, e muito especialmente da eletrificação de troços, o que está em causa é a sobrevivência a prazo da linha. A não requalificação é, inevitavelmente, optar pelo encerramento a prazo: um mau serviço tem necessariamente menos procura e, face a um decréscimo de utilização, acena-se com os custos crescentes para acabar com as ligações ferroviárias. Este é o cenário que nos tem sido oferecido e que recusamos.
A Linha do Douro tem mais de 130 anos e é um marco para o território, pelo que significa para a mobilidade das populações e pelo seu valor cultural e turístico. A eletrificação do troço entre Caíde e Marco de Canaveses é um passo essencial para garantir a sua continuidade.
O transporte ferroviário é o que mais ajuda a economia e o país; é uma peça chave na diminuição da importação de combustíveis, é promotor de coesão social e territorial e é a melhor opção do ponto de vista ambiental. Num momento de recessão económica e com a mais alta taxa de desemprego dos últimos cem anos, a aposta na modernização da ligação por transporte ferroviário tem de ser uma prioridade.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1. Seja retomado o projeto de requalificação da Linha do Douro e, nomeadamente, que se proceda à eletrificação do troço entre Caíde e Marco de Canaveses.
2. Seja garantida uma oferta de transportes na Linha do Douro com tarifas, horários, duração e ligações que permita às populações a opção pelo uso do transporte ferroviário.

Assembleia da República, 13 de abril de 2012.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: Catarina Martins — Luís Fazenda — João Semedo — Pedro Filipe Soares — Mariana Aiveca — Cecília Honório — Ana Drago — Francisco Louçã.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 294/XII (1.ª) RECOMENDA AO GOVERNO UM CONJUNTO DE MEDIDAS QUE PROMOVAM A UTILIZAÇÃO E VALORIZAÇÃO DA BIOMASSA FLORESTAL COMO CONTRIBUTO PARA A GESTÃO SUSTENTÁVEL DAS FLORESTAS E COMO PREVENÇÃO DA OCORRÊNCIA DE INCÊNDIOS FLORESTAIS

O Plano Nacional das Energias Renováveis imposto pela Diretiva das Energias Renováveis (2009/28/CE) define uma meta de 31% de incorporação de energia de Fontes de Energia Renováveis (FER) no consumo de energia final em Portugal, além de uma meta de 10% de energias renováveis nos transportes. De entre as diferentes fontes de energia renováveis, destaca-se a importância da biomassa. Existe uma vasta utilização da biomassa na produção de energia, nomeadamente a biomassa florestal e a biomassa florestal residual. O sector da biomassa para fins energéticos teve nos últimos anos um forte desenvolvimento, com um aumento da produção de energia elétrica à escala nacional.
A produção de eletricidade a partir de biomassa residual florestal tem forte expressão, com mais de 400 MW instalados atualmente, em cogeração e em centrais dedicadas.

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Em 2006 foram lançados 15 concursos para a atribuição de 100 MW de potência para a produção de energia elétrica a partir de biomassa florestal residual. O objetivo é atingir os 250 MW de potência de centrais a biomassa florestal dedicada, somando aos 150 MW já licenciados em PIP (pedidos de informação prévia) fora destes concursos.
Em 2005, a Comissão das Comunidades Europeias, antecipando o problema da falta de sustentabilidade da política energética europeia, baseada então em grande parte nas importações de produtos petrolíferos, lançou o Plano Biomassa visando uma abordagem coordenada das políticas vigentes no espaço europeu. O plano inclui medidas para a agricultura, com ênfase nas fileiras do bioetanol e do biodiesel, e para a fileira florestal com ênfase na produção de biomassa para produção de energias elétrica e térmica.
Assim, em consonância com as políticas europeias e nacional adotadas nos últimos anos, conforme o Plano de Ação Nacional para as Energias Renováveis (PANER), a produção de calor e energia elétrica a partir da combustão de biomassa de diferentes origens representa um recurso importante na matriz energética nacional e europeia.
O aumento do custo dos combustíveis fósseis induz a uma clara tendência da União Europeia de aumentar a produção energética a partir desta fonte de energia para atender às metas da Diretiva RES (Renewable Energy Sources), o que, tal como em Portugal, levou à projeção da construção de unidades de produção que vão consumir grandes quantidades de biomassa um pouco por toda a Europa (Em 2020, a procura de biomassa na Europa poderá chegar a 243 milhões de toneladas secas).
Com as novas centrais dedicadas, e a cogeração já existente, existe o claro risco de que rapidamente se supere a capacidade de produção nacional de matéria-prima.
Considerando que a política florestal portuguesa deve não só visar o cumprimento do potencial florestal do País, mas também complementar outras políticas sectoriais que de alguma forma com ela se relacionam, como é o caso das políticas energética e de luta contra as alterações climáticas e de mitigação dos seus efeitos.
De facto a economia florestal do País deve assentar numa estratégia de aumento continuado do valor acrescentado gerado nas diferentes fileiras, o que terá de passar não só pelo desenvolvimento de novos produtos que garantam uma maior geração de valor, mas também de um maior aproveitamento dos resíduos produzidos ao longo de toda a cadeia produtiva da floresta até ao produto final.
A valorização energética de matérias-primas endógenas e renováveis, como é o caso da biomassa florestal, traduz-se em múltiplos ganhos para o País, por via do aumento da produção nacional, substituindo importações, reduzindo a dependência energética do exterior e promovendo a redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE).
Paralelamente, a utilização da biomassa florestal primária permite um outro conjunto de benefícios, ao nível da gestão sustentável dos espaços, favorável ao aumento da produção florestal e que favorece a redução do risco de incêndio.
De facto a estratégia que tem sido seguida nos últimos anos para promover a utilização da biomassa para a produção elétrica, através da atribuição de licenças para a construção de centrais termoeléctricas, tem revelado limitações de difícil superação, não tendo permitido proceder à limpeza e recolha da biomassa das florestas e consequente valorização energética.
Neste contexto o Grupo Parlamentar do CDS-PP entende que o aproveitamento da biomassa florestal deverá de facto ser fomentado, mas não induzindo uma procura sobre recursos passíveis de um aproveitamento industrial que potencialmente pode gerar maior valor acrescentado, pelo que vem este Grupo Parlamentar, ao abrigo das disposições constitucionais, e regimentais aplicáveis recomendar ao Governo:

1 – Reavaliação da estratégia para o aproveitamento da biomassa em Portugal, no contexto da sua valorização energética, e como contributo para a redução de ocorrência de incêndios florestais, definindo as medidas e respetivas métricas económica – financeiras da sua implementação, com vista a sustentar e priorizar as ações que se justifiquem concretizar, assim como o desenvolvimento de ações que envolvam as autarquias locais no processo de limpeza das matas e florestas; 2 – Proceda à avaliação das condições de instalações de centros locais de recolha e tratamento de biomassa florestal bem como a análise dos meios técnicos e recursos financeiros necessários para potenciar a exploração e recolha da biomassa florestal;

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3 – A implementação das diversas medidas de política florestal que propiciem a ação de agrupamentos de produtores florestais; 4 – Desenvolver um conjunto de recomendações sobre boas práticas gerais de produção e conversão da biomassa.

Assembleia da República, 16 de abril de 2012.
Os Deputados do CDS-PP: Nuno Magalhães — João Pinho de Almeida — Hélder Amaral — Telmo Correia — Altino Bessa — Margarida Neto — Artur Rêgo — João Gonçalves Pereira.

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PROJETO DE DELIBERAÇÃO N.º 3/XII (1.ª) (SOLICITAÇÃO DE PARECER A SER ELABORADO PELO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO SOBRE O CURRÍCULO DOS ENSINOS BÁSICO E SECUNDÁRIO)

Requerimento do BE dando conta da retirada desta iniciativa legislativa

Solicito a S. Ex.ª a Sr.ª Presidente da Assembleia da República a retirada do projeto de deliberação n.º 3/XII (1.ª) ―Solicitação de parecer a ser elaborado pelo Conselho Nacional de Educação sobre o currículo dos ensinos básico e secundário‖, da autoria dos Deputados deste Grupo Parlamentar.

Palácio de São Bento, 17 de abril de 2012.
O Presidente do BE, Luís Fazenda.
A Divisão de Redação e Apoio Audiovisual.

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