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3 | II Série A - Número: 060 | 17 de Janeiro de 2015

impedir uma mulher solteira, divorciada, casada ou unida de facto com pessoa do mesmo sexo ou viúva de beneficiar de um direito que é reconhecido a outras mulheres, apenas porque estão casadas ou unidas de facto com pessoas de sexo diferente. A defesa ativa de um único modelo familiar caberá a outras instâncias, mas não ao Estado, o qual só pode basear-se em critérios de racionalidade e, a partir dos mesmos, atuar no sentido de remover os obstáculos infundados à felicidade das pessoas, o que é bem diferente de oferecer a felicidade em si mesma.
É, pois, tempo de acabar com a discriminação no acesso às técnicas de PMA. À semelhança de outras leis já revogadas, o Estado-legislador deve adequar-se à realidade social, sob pena de se transformar, nesse preceituado excludente, num Estado-moralizador. Naquele que, observando as variadíssimas formas de parentalidade e de conjugalidade existentes na sociedade, e decorrentes do já referido direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade, tem por apenas “elegível” um modelo de família tradicional traduzida no arquétipo pai-mãe-filho.
Os exemplos conhecidos de Direito Comparado revelam uma realidade bem mais aberta do que aquela que consta da lei portuguesa, admitindo-se o acesso a mulheres solteiras, bem como a casais de mulheres casadas ou unidas de facto em relações do mesmo sexo em Espanha, no Reino Unido, na Holanda, na Noruega, na Suécia (desde 2005), na Bélgica (desde 2007) e na Dinamarca (desde 2006), para referir apenas alguns casos.
A redação em vigor da lei, aliás, tem contribuído para que muitas mulheres portuguesas, perante a impossibilidade de encontrarem uma solução conforme à lei no território nacional, se desloquem a estabelecimentos de saúde no pais vizinho ou em países terceiros com regimes mais abertos, em busca da realização de um direito à sua realização individual no campo da maternidade, algo a que o legislador nacional lhes fecha a porta, sujeitando-as a inconvenientes e constrangimentos sérios de natureza financeira e jurídica.
O caminho de revisão da lei não pode, pois, passar ao lado da introdução de uma alteração do regime de beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida, afirmando o princípio de que estas não se devem circunscrever nem apenas a pessoas casadas, nem apenas a casais de sexo diferente.
Simultaneamente, a proclamação de que as técnicas de procriação medicamente assistida são exclusivamente subsidiárias e não complementares, como hoje se lê no texto da lei, carece igualmente de ser reponderada, abandonando uma conceção exclusivamente orientada para o tratamento da infertilidade.
Consequentemente, a presente iniciativa legislativa altera o paradigma da lei no que concerne à definição das técnicas de PMA enquanto meramente subsidiárias, passando a defini-las como técnicas complementares de procriação, e elimina os requisitos que condicionavam o acesso em função do Estado civil e da orientação sexual dos casais, passando a exigir apenas a maioridade, a ausência de interdição ou inabilitação por anomalia psíquica e a prestação de consentimento informado.
Complementarmente, são ainda introduzidas alterações destinadas a regular, em conformidade com as alterações já referidas quanto aos beneficiários, a definição da parentalidade nos casos de recurso à PMA por casais. Finalmente, a presente iniciativa admite igualmente um pequeno alargamento da possibilidade (já admitida na lei em vigor) de inseminação post mortem, sempre que tal corresponda a um projeto parental previamente consentido pelo dador.
Efetivamente, a evolução científica no âmbito das técnicas de reprodução assistida erradicou a visão da infertilidade enquanto facto inultrapassável e determinado pela natureza (em que as pessoas que não podiam ter descendência biológica se conformavam com esse facto), para se passar a defender que estamos perante direitos reprodutivos, para alguns enquadrados mesmo na quarta geração de direitos fundamentais, enquanto direito a ter filhos mesmo quando o corpo não o permite.
O PS iniciou esta caminhada, ao contribuir decisivamente para a aprovação da atual versão da lei, em 2006, tendo chegado a hora de, em coerência com os valores de liberdade e igualdade que caracterizam a nossa ordem jurídico-constitucional, dar mais um passo nesse sentido, alargando o regime da PMA de forma não discriminatória a todos os que dela careçam para a realização dos seus projetos parentais e para a constituição das suas famílias.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais, os Deputados abaixo-assinados apresentam o seguinte projeto de lei: