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23 DE OUTUBRO DE 2015 13

estritamente biológicos, importa retirar a ilação que falta, eliminando todos os fatores discriminatórios que

subsistem no acesso a este direito.

Na ausência de qualquer fundamento que não passe por um juízo moral quanto a quem deve poder constituir

família ou em que termos deve essa família ser estruturada, não se encontra qualquer argumento que possa

impedir uma mulher solteira, divorciada, casada ou unida de facto com pessoa do mesmo sexo ou viúva de

beneficiar de um direito que é reconhecido a outras mulheres, apenas porque estão casadas ou unidas de facto

com pessoas de sexo diferente. A defesa ativa de um único modelo familiar caberá a outras instâncias, mas não

ao Estado, o qual só pode basear-se em critérios de racionalidade e, a partir dos mesmos, atuar no sentido de

remover os obstáculos infundados à felicidade das pessoas, o que é bem diferente de oferecer a felicidade em

si mesma.

É, pois, tempo de acabar com a discriminação no acesso às técnicas de PMA. À semelhança de outras leis

já revogadas, o Estado-legislador deve adequar-se à realidade social, sob pena de se transformar, nesse

preceituado excludente, num Estado-moralizador. Naquele que, observando as variadíssimas formas de

parentalidade e de conjugalidade existentes na sociedade, e decorrentes do já referido direito fundamental ao

livre desenvolvimento da personalidade, tem por apenas “elegível” um modelo de família tradicional traduzida

no arquétipo pai-mãe-filho.

Os exemplos conhecidos de Direito Comparado revelam uma realidade bem mais aberta do que aquela que

consta da lei portuguesa, admitindo-se o acesso a mulheres solteiras, bem como a casais de mulheres casadas

ou unidas de facto em relações do mesmo sexo em Espanha, no Reino Unido, na Holanda, na Noruega, na

Suécia (desde 2005), na Bélgica (desde 2007) e na Dinamarca (desde 2006), para referir apenas alguns casos.

A redação em vigor da lei, aliás, tem contribuído para que muitas mulheres portuguesas, perante a

impossibilidade de encontrarem uma solução conforme à lei no território nacional, se desloquem a

estabelecimentos de saúde no pais vizinho ou em países terceiros com regimes mais abertos, em busca da

realização de um direito à sua realização individual no campo da maternidade, algo a que o legislador nacional

lhes fecha a porta, sujeitando-as a inconvenientes e constrangimentos sérios de natureza financeira e jurídica.

O caminho de revisão da lei não pode, pois, passar ao lado da introdução de uma alteração do regime de

beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida, afirmando o princípio de que estas não se

devem circunscrever nem apenas a pessoas casadas, nem apenas a casais de sexo diferente.

Simultaneamente, a proclamação de que as técnicas de procriação medicamente assistida são exclusivamente

subsidiárias e não complementares, como hoje se lê no texto da lei, carece igualmente de ser reponderada,

abandonando uma conceção exclusivamente orientada para o tratamento da infertilidade.

Consequentemente, a presente iniciativa legislativa altera o paradigma da lei no que concerne à definição

das técnicas de PMA enquanto meramente subsidiárias, passando a defini-las como técnicas complementares

de procriação, e elimina os requisitos que condicionavam o acesso em função do estado civil e da orientação

sexual dos casais, passando a exigir apenas a maioridade, a ausência de interdição ou inabilitação por anomalia

psíquica e a prestação de consentimento informado.

Complementarmente, são ainda introduzidas alterações destinadas a regular, em conformidade com as

alterações já referidas quanto aos beneficiários, a definição da parentalidade nos casos de recurso à PMA por

casais. Finalmente, a presente iniciativa admite igualmente um pequeno alargamento da possibilidade (já

admitida na lei em vigor) de inseminação post mortem, sempre que tal corresponda a um projeto parental

previamente consentido pelo dador.

Efetivamente, a evolução científica no âmbito das técnicas de reprodução assistida erradicou a visão da

infertilidade enquanto facto inultrapassável e determinado pela natureza (em que as pessoas que não podiam

ter descendência biológica se conformavam com esse facto), para se passar a defender que estamos perante

direitos reprodutivos, para alguns enquadrados mesmo na quarta geração de direitos fundamentais, enquanto

direito a ter filhos mesmo quando o corpo não o permite.

O PS iniciou esta caminhada, ao contribuir decisivamente para a aprovação da atual versão da lei, em 2006,

tendo chegado a hora de, em coerência com os valores de liberdade e igualdade que caracterizam a nossa

ordem jurídico-constitucional, dar mais um passo nesse sentido, alargando o regime da PMA de forma não

discriminatória a todos os que dela careçam para a realização dos seus projetos parentais e para a constituição

das suas famílias.

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