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15 DE ABRIL DE 2016 9

Refira-se, a título de exemplo, a recorrente tomada de posição de Martha Nussbaum, que em “As Fronteiras da

Justiça” sublinha que “os animais não-humanos são capazes de uma existência condigna,” sendo“difícil precisar

o que a frase pode significar, mas [sendo] relativamente claro o que não significa. […] O facto de os humanos

atuarem de uma forma que nega essa existência condigna aparenta ser uma questão de justiça, e uma questão

urgente.”

Estamos, de facto, perante um debate apaixonante e mobilizador das consciências do presente, em que os

corolários mais exigentes da proteção dos animais podem ainda estar longe de ser unânimes ou consensuais.

Contudo, é cada vez maior o consenso, pelo menos parcial, em relação à necessidade de dotar os animais não-

humanos de um estatuto jurídico que reconheça as suas diferenças e natureza, quer face aos humanos, quer

face às coisas inanimadas. É precisamente esse primeiro passo decisivo e pacífico que a presente iniciativa

pretende assegurar.

Efetivamente, o regime jurídico em vigor em Portugal é ainda tributário da conceção tradicional, que submete

o tratamento da matéria ao regime jurídico das coisas, não obstante a evolução recente das ordens jurídicas de

vários estados europeus, cujas soluções jus-civilísticas têm no passado inspirado a construção dos normativos

vigentes entre nós.

Na Alemanha, desde 1997, o parágrafo 90.º-A do Código Civil (BGB) afirma expressamente a distinta

natureza jurídica dos animais não-humanos face às coisas, determinando a sua regulação em legislação

especial, com recurso subsidiário à legislação relativa às coisas. O próprio texto da Lei Fundamental, aliás,

especifica desde 2002, no seu artigo 20.º-A, no quadro dos deveres do Estado de proteção da natureza, a

necessidade de proteção jurídica dos animais.

Idêntica é a solução jurídica adotada na Áustria, dispondo o parágrafo 285.º-A do respetivo Código Civil

(ABGB) precisamente no mesmo sentido da legislação da vizinha Alemanha, afastando a natureza de coisas

móveis e remetendo apenas subsidiariamente para o enquadramento das coisas.

Também na Suíça encontramos a colocação da questão no plano constitucional, determinando o artigo 80.º

da Constituição de 1999 expressamente a especial proteção dos animais, acompanhando o respetivo Código

Civil a mesma abordagem dos demais exemplos de legislação estrangeira já citados, ao afirmar no seu artigo

641.º que os animais não são coisas, aplicando-se-lhes o regime jurídico destas apenas na falta de legislação

especial.

Mais recentemente, em 2015, a República Francesa juntou-se ao lote de países que deram o passo

determinante no reconhecimento desta realidade, passando o Código Civil de 1804 a contar com uma disposição

nova (o artigo 515-14) que claramente postula que “os animais são seres vivos dotados de sensibilidade”

submetendo-os ao regime dos bens em tudo o que não estiver regulado especificamente pela legislação dirigida

à sua proteção.

Importa ainda sublinhar que a temática do estatuto e do relevo jurídico dos animais não se circunscreve a

uma discussão que decorre apenas no plano da legislação civilística nacional de alguns Estados, encontrando-

se diversos elementos no Direito da União Europeia que aconselham uma nova abordagem. Já no protocolo n.º

31 ao Tratado de Amesterdão, em 1997, se previa a necessidade de ponderar o bem-estar animal, passando o

Tratado de Lisboa a prever, desde 2007, no artigo 13.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,

que a conceção de políticas da União deve ponderar as exigências em matéria de bem-estar dos animais

enquanto seres sencientes.

Em 2008, na sequência de trabalhos realizados pelo Ministério da Justiça no quadro do XVII Governo

Constitucional, foi colocada em discussão pública junto das associações de proteção dos animais um anteprojeto

de proposta de lei de alteração do Código Civil em sentido semelhante ao dos exemplos de direito comparado

já referidos, não tendo depois chegado a ser agendada em sede parlamentar. A questão tem também vindo a

ser discutida na Assembleia da República, destacando-se, na anterior legislatura, a petição n.º 138/XI, que

reuniu mais de 8300 assinaturas e mereceu, no respetivo debate em plenário, amplo consenso parlamentar em

torno da alteração legislativa requerida pelos peticionários. Mais recentemente, a Petição n.º 80/XII, também na

anterior legislatura, e com mais de 12 mil signatários, veio novamente peticionar ao parlamento o

reconhecimento do especial estatuto dos seres sencientes, através da alteração ao Código Civil.

Paralelamente, também no decurso de inúmeras petições e chamadas de atenção à Assembleia da

República, foi encetado um importante procedimento legislativo tendente à alteração da legislação penal em

matéria de maus-tratos a animais de companhia, e que culminou na aprovação da Lei n.º 69/2014, de 29 de

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