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Quinta-feira, 12 de maio de 2016 II Série-A — Número 80
XIII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2015-2016)
S U M Á R I O
Projetos de lei [n.os 164, 171, 173, 209, 230 a 233/XIII (1.ª)]: N.º 230/XIII (1.ª) — Estabelece o regime de atribuição de N.º 164/XIII (1.ª) (Altera o Código Civil, estabelecendo um incentivos e apoio à fixação de médicos nas zonas estatuto jurídico dos animais): carenciadas no Serviço Nacional de Saúde (PCP). — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, N.º 231/XIII (1.ª) — Estabelece o regime para a reposição de Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada freguesias (PCP). pelos serviços de apoio.
N.º 232/XIII (1.ª) — Proíbe a aplicação de produtos contendo N.º 171/XIII (1.ª) (Alteração ao Código Civil reconhecendo os glifosato em zonas urbanas, zonas de lazer e vias de animais como seres sensíveis): comunicação (BE). — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais,
N.º 233/XIII (1.ª) — Procede à sexta alteração ao Decreto-Lei Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada
n.º 251/98, de 11 de agosto, reforçando as medidas pelos serviços de apoio.
dissuasoras da atividade ilegal no transporte em táxi (PCP). N.º 173/XIII (1.ª) (Reforça o regime sancionatório aplicável aos animais (altera o Código Penal): Projetos de resolução [n.os 106, 196, 206, 312 a 317/XIII — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, (1.ª)]: Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada
N.º 106/XIII (1.ª) (Recomenda ao Governo a elaboração de pelos serviços de apoio.
estudo nacional sobre o impacto da distância percorrida pelos N.º 209/XIII (1.ª) (Procede à trigésima sétima alteração ao alimentos importados desde a sua produção ao consumo) Código Penal, revendo o regime sancionatório aplicável aos (PAN): animais de companhia): — Novo texto do projeto de resolução. — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, — Informação da Comissão de Agricultura e Mar relativa à Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada discussão do diploma ao abrigo do artigo 128.º do Regimento pelos serviços de apoio. da Assembleia da República.
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N.º 196/XIII (1.ª) (Recomenda ao Governo medidas de — Texto do projeto de resolução, mensagem do Presidente combate à vespa velutina): da República e parecer da Comissão de Negócios — Informação da Comissão de Agricultura e Mar relativa à Estrangeiros e Comunidades Portuguesas. discussão do diploma ao abrigo do artigo 128.º do Regimento N.º 313/XIII (1.ª) — Serviços de apoio do Conselho Nacional da Assembleia da República. de Ética para as Ciências da Vida (Presidente da AR). N.º 206/XIII (1.ª) (Recomenda ao Governo a adoção da N.º 314/XIII (1.ª) — Recomenda ao Governo a fusão das Recomendação (EU) 2016/336 da Comissão, de 8 de março bases de dados de identificação de animais de companhia – de 2016, relativa às normas mínimas de proteção de suínos SIRA e SICAFE (PAN). no tocante às medidas destinadas a reduzir a necessidade de
N.º 315/XIII (1.ª) — Recomenda ao Governo a contratação de corte de cauda):
médicos-veterinários municipais (PAN). — Informação da Comissão de Agricultura e Mar relativa à discussão do diploma ao abrigo do artigo 128.º do Regimento N.º 316/XIII (1.ª) — Pelo combate à precariedade na estiva
da Assembleia da República. (PCP).
N.º 312/XIII (1.ª) — Alteração do período da deslocação do N.º 317/XIII (1.ª) — Recomenda o reforço e o aprofundamento
Presidente da República à Alemanha (Presidente da AR): da coordenação e ação europeia em matéria de transparência no domínio da fiscalidade e nas transações financeiras (PS).
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PROJETO DE LEI N.º 164/XIII (1.ª)
(ALTERA O CÓDIGO CIVIL, ESTABELECENDO UM ESTATUTO JURÍDICO DOS ANIMAIS)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
I. Nota introdutória
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, através de nove Deputados/as, apresentou à Assembleia da
República, em 19 de abril de 2016, o Projeto de Lei n.º 164/XIII (1.ª) – “Altera o Código Civil, estabelecendo um
estatuto jurídico dos animais”.
Esta apresentação foi efetuada nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º da Constituição
da República Portuguesa e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos
formais previstos no artigo 124.º desse mesmo Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, datado de 20 de abril de 2016, esta
iniciativa legislativa baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para ser
emitido o parecer respetivo.
II. Conteúdos e motivação do projeto
O projeto de lei em apreço visa alterar oito artigos do Código Civil e aditar três novos artigos, consagrando
um regime jurídico próprio para os animais que assenta no reconhecimento da sua natureza de seres vivos
sensíveis.
Os proponentes consideram que “é cada vez maior o consenso, pelo menos parcial, em relação à
necessidade de dotar os animais não-humanos de um estatuto jurídico que reconheça as suas diferenças e
natureza, quer face aos humanos, quer face às coisas inanimadas. É precisamente esse primeiro passo decisivo
e pacífico que a presente iniciativa pretende assegurar” (v. exposição de motivos).
Estribando-se nas evoluções registadas a este respeito no direito Comparado e também em deliberações de
diversas organizações internacionais relevantes, os proponentes identificam como objeto deste seu Projeto de
Lei proceder “à clarificação de que os animais não devem ser reconduzidos ao estatuto jurídico de coisas,
reconhecendo que são seres vivos dotados de sensibilidade, (…) modificando em conformidade outras
disposições do Código Civil e alguma da sua arrumação sistemática ” (idem).
São, em concreto, propostas as seguintes alterações:
1. Alteração da denominação do Subtítulo II do título II do Livro I (“Das coisas e dos animais) e da Secção
II do Capítulo II do Título II do Livro III (“Da ocupação de coisas e animais”).
2. Alterações aos artigos 1302.º, 1305.º, 1318.º e 1323.º: procede-se a ligeiras alterações de redação que
concretizam a subtração dos animais da disciplina geral do Código para as coisas e fixam um regime
próprio para os animais.
3. Alteração ao artigo 1321.º: Substituição da terminologia (de “animais ferozes fugidos” para “animais
perigosos fugidos”) e condicionamento das medidas adequadas a afastar a agressão ou o perigo aos
regimes de legítima defesa ou de estado de necessidade (artigos 337.º e 339.º).
4. Alteração dos artigos 1733.º, 1775.º e 1793.º: Em matéria de relações patrimoniais entre os cônjuges,
estipula-se que os animais de companhia não integram a comunhão geral de bens e que, em
caso de divórcio por mútuo acordo, há lugar à regulação do destino dos animais de companhia,
considerando, nomeadamente, os interesses de cada um dos cônjuges e dos filhos do casal, e
também o bem-estar do animal.
5. Aditamento dos artigos 202.º-A, 493.º-A e 1305.º-A: Além da fixação de um conceito de animais
(“seres vivos dotados de sensibilidade”), estipulam-se regras próprias para a definição do
montante indemnizatório em caso de morte ou lesão de animal de companhia e os deveres do
proprietário dos animais no que concerne ao seu bem-estar e a necessidade de respeito por
estes da legislação especial aplicável à detenção e à proteção dos animais, nomeadamente as
respeitantes à identificação, licenciamento, criação, tratamento sanitário e salvaguarda de
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espécies em risco, sempre que exigíveis. Clarifica-se, enfim, que o direito de propriedade de um
animal não contempla a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento, ou
quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte,
ressalvada a legislação especial existente.
É proposto que estas alterações entrem em vigor «no primeiro dia do segundo mês seguinte à sua
publicação» (artigo 5.º).
III. Antecedentes
Constitui antecedente relevante desta iniciativa legislativa o Projeto de Lei n.º 173/XII (Partido Socialista),
que altera o Código Civil, estabelecendo um estatuto jurídico dos animais. Esse Projeto foi apresentado aquando
da entrega na Assembleia da república da Petição n.º 80/XII (1.ª) (Cumprimento do artigo 13.º do Tratado de
Lisboa, que Portugal assinou e ratificou, e consequentemente a imediata alteração dos Códigos Civil e Penal,
na parte respeitante aos animais, seres sencientes, e não coisas móveis) apresentada pela Associação
Portuguesa de Direitos dos Animais e do Ambiente (APDAA), a 10 de janeiro de 2012, e subscrita por 12.393
signatários. Essa iniciativa legislativa do Partido Socialista caducou a 22 de outubro de 2015.
IV. Opinião do Deputado Relator
O signatário do presente relatório entende, neste parecer, não manifestar a sua opinião pessoal sobre o
Projeto de Lei n.º 209/XIII (1.ª) (Partido Socialista), sendo que a mesma é, de resto, de “elaboração facultativa”
nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.
V. Conclusões
1. O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, através de nove Deputados/as, apresentou à Assembleia
da República, em 19 de abril de 2016, o Projeto de Lei n.º 164/XIII (1.ª) – “Altera o Código Civil,
estabelecendo um estatuto jurídico dos animais”.
2. O projeto de lei em apreço visa alterar oito artigos do Código Civil e aditar três novos artigos,
consagrando um regime jurídico próprio para os animais que assenta no reconhecimento da sua
natureza de seres vivos sensíveis.
3. Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de
parecer que o Projeto de Lei n.º 173/XIII (1.ª) (Partido Pessoas-Animais-Natureza) reúne os requisitos
constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em Plenário.
VI. Anexo
Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços de apoio à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República.
Palácio de S. Bento, 9 de maio de 2016.
O Deputado Relator, José Manuel Pureza — O Presidente da Comissão, Pedro Bacelar de Vasconcelos.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 164/XIII (1.ª) (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo um estatuto jurídico dos
animais
Data de admissão: 19 de abril de 2016
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
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Índice
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da
lei formulário
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
V. Consultas e contributos
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Elaborada por: Fernando Bento Ribeiro (DAC), Laura Costa (DAPLEN), Alexandre Guerreiro e Leonor Calvão Borges (DILP) e Paula Granada (BIB).
Data: 3 de maio de 2016
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
A presente iniciativa pretende alterar o Código Civil, estabelecendo um estatuto jurídico próprio dos animais,
reconhecendo a sua natureza de seres vivos dotados de sensibilidade. De acordo com os proponentes “é cada
vez maior o consenso, pelo menos parcial, em relação à necessidade de dotar os animais não-humanos de um
estatuto jurídico que reconheça as suas diferenças e natureza, quer face aos humanos, quer face às coisas
inanimadas”.
Assim, pretende proceder à clarificação de que os animais não devem ser reconduzidos ao estatuto jurídico
das coisas, reconhecendo que são seres vivos dotados de sensibilidade, salvaguardando-se os casos de
aplicação subsidiária por ausência de legislação especial de proteção, modificando em conformidade outras
disposições do Código Civil e alguma da sua arrumação sistemática.
Propõe-se alterar os artigos 1302.º, 1305.º, 1318.º, 1321.º, 1323.º, 1733.º, 1775.º e 1793.º do Código Civil,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, e sucessivas alterações.
Código Civil PJL 164/XIII (1.ª) (PS)
Artigo 1302.º Artigo 1302.º Objeto do direito de propriedade (…)
Só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser 1 – [Anterior corpo do artigo]: objeto do direito de propriedade regulado neste código.
a) (…) 2 – Podem ainda ser objeto de direito de propriedade os animais, nos termos regulados neste Código e em legislação especial.
Artigo 1305.º Artigo 1305.º Conteúdo do direito de propriedade (…)
O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos dentro dos limites da lei e com observância das restrições de uso, fruição e disposição das coisas e animais que lhe por ela impostas. pertencem, dentro dos limites da lei e com observância
das restrições por ela impostas.
Artigo 1318.º Artigo 1318.º Coisas suscetíveis de ocupação Suscetibilidade de ocupação
Podem ser adquiridos por ocupação os animais e outras Podem ser adquiridos por ocupação os animais e as coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus proprietários, salvas as restrições dos artigos seguintes.proprietários, salvas as restrições dos artigos seguintes.
Artigo 1321.º 1321.º (Animais ferozes fugidos) Animais perigosos fugidos
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Código Civil PJL 164/XIII (1.ª) (PS)
Os animais ferozes e maléficos que se evadirem da Os animais que se evadirem da clausura em que o seu clausura em que seu dono os tiver podem ser destruídos dono os tiver, e representem perigo contra pessoa ou ou ocupados livremente por qualquer pessoa que os património, podem ser objeto das medidas adequadas a encontre.afastar a agressão ou o perigo, nos termos dos artigos
337.º e 339.º.
Artigo 1323.º Artigo 1323.º (Animais e coisas móveis perdidas) […]
1 – Aquele que encontrar animal ou outra coisa móvel 1 – Aquele que encontrar animal ou coisa móvel perdida e perdida e souber a quem pertence deve restituir o animal ou souber a quem pertence deve restituir o animal ou a coisa a coisa a seu dono, ou avisar este do achado; se não souber a seu dono, ou avisar este do achado.a quem pertence, deve anunciar o achado pelo modo mais conveniente, atendendo ao valor da coisa e às possibilidades locais, ou avisar as autoridades, observando os usos da terra, sempre que os haja.
2 – Anunciado o achado, o achador faz sua a coisa perdida, 2 – Se não souber a quem pertence o animal ou coisa se não for reclamada pelo dono dentro do prazo de um ano, móvel encontrados, deve anunciar o achado pelo modo a contar do anúncio ou aviso.mais conveniente, atendendo ao seu valor e às
possibilidades locais, ou avisar as autoridades, observando os usos da terra, sempre que os haja.
3 – Restituída a coisa, o achador tem direito à indemnização 3 – Anunciado o achado, o achador faz seu o animal ou a do prejuízo havido e das despesas realizadas, bem como a coisa perdida, se não for reclamada pelo dono dentro do um prémio dependente do valor do achado, no momento da prazo de um ano, a contar do anúncio ou aviso.entrega, calculado pela forma seguinte: até ao valor de (euro) 4,99, 10%; sobre o excedente desse valor até (euro) 24,94, 5%; sobre o restante, 2,5%.
4 – O achador goza do direito de retenção e não responde, 4 – Restituído o animal ou a coisa, o achador tem direito à no caso de perda ou deterioração da coisa, senão havendo indemnização do prejuízo havido e das despesas da sua parte dolo ou culpa grave.realizadas, bem como a um prémio correspondente a 5%
do valor do achado, no momento da entrega.
5 – O achador goza do direito de retenção e não responde, no caso de perda ou deterioração do animal ou da coisa, senão havendo da sua parte dolo ou culpa grave.
Artigo 1733.º Artigo 1733.º (Bens incomunicáveis) […]
1. São excetuados da comunhão: 1. São excetuados da comunhão:
a) Os bens doados ou deixados, ainda que por conta da a) […]legítima, com a cláusula de incomunicabilidade;
b) Os bens doados ou deixados com a cláusula de b) […]reversão ou fideicomissária, a não ser que a cláusula tenha caducado;
c) O usufruto, o uso ou habitação, e demais direitos c) […]estritamente pessoais;
d) As indemnizações devidas por factos verificados contra d) […]a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios;
e) Os seguros vencidos em favor da pessoa de cada um e) […]dos cônjuges ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios;
f) Os vestidos, roupas e outros objetos de uso pessoal e f) […] exclusivo de cada um dos cônjuges, bem como os seus diplomas e a sua correspondência;
g) As recordações de família de diminuto valor económico. g) […]
h) Os animais de companhia.
2. A incomunicabilidade dos bens não abrange os 2. […]respetivos frutos nem o valor das benfeitorias úteis.
Artigo 1775.º Artigo 1775.º
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Código Civil PJL 164/XIII (1.ª) (PS)
Requerimento e instrução do processo na […] conservatória do registo civil
1 – […].1 – O divórcio por mútuo consentimento pode ser instaurado a todo o tempo na conservatória do registo civil, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores, acompanhado pelos documentos seguintes:
a) Relação especificada dos bens comuns, com indicação a) […].dos respetivos valores, ou, caso os cônjuges optem por proceder à partilha daqueles bens nos termos dos artigos 272.º-A a 272.º-C do Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de Setembro, acordo sobre a partilha ou pedido de elaboração do mesmo;
b) Certidão da sentença judicial que tiver regulado o b) […].exercício das responsabilidades parentais ou acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais quando existam filhos menores e não tenha previamente havido regulação judicial;
c) Acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que c) […].deles careça;
d) Acordo sobre o destino da casa de morada de família;d) Acordo sobre o destino da casa de morada de família e, caso existam, quanto ao destino dos animais de companhia.
e) Certidão da escritura da convenção antenupcial, caso e) […].tenha sido celebrada.
2 – Caso outra coisa não resulte dos documentos 2 – […].apresentados, entende-se que os acordos se destinam tanto ao período da pendência do processo como ao período posterior.
ARTIGO 1793.º Artigo 1793.º (Casa de morada da família) (Casa de morada de família e animais de companhia)
1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos 1 – […]cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito 2 – […]às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.
3. O regime fixado, quer por homologação do acordo dos 3 – Os animais de companhia são confiados a um ou a cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado ambos os cônjuges, considerando, nomeadamente, os nos termos gerais da jurisdição voluntária.interesses de cada um dos cônjuges e dos filhos do casal,
e também o bem-estar do animal.
4 – [Anterior n.º 3]
ADITAMENTOS
Artigo 202.º-A (Animais)
1 – Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade, operando a proteção jurídica decorrente da sua natureza própria por via de legislação especial. 2 – Aos animais são aplicadas subsidiariamente as disposições relativas às coisas, na ausência de lei especial.
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Código Civil PJL 164/XIII (1.ª) (PS)
Artigo 493.º-A (Indemnização em caso de lesão ou morte de animal)
1 – No caso de lesão de animal de companhia, é o responsável obrigado a indemnizar o seu proprietário ou os indivíduos ou entidades que tenham procedido ao seu socorro pelas despesas em que tenham incorrido para o seu tratamento, sem prejuízo de indemnização devida nos termos gerais. 2 – A indemnização prevista no número anterior é devida mesmo que as despesas se computem numa quantia superior ao valor monetário que possa ser atribuído ao animal. 3 – No caso de lesão de animal de companhia de que tenha provindo a morte, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o seu proprietário tem direito, nos termos do n.º 1 do artigo 496.º, a indemnização adequada pelo desgosto ou sofrimento moral em que tenha incorrido, em montante a ser fixado equitativamente pelo tribunal.
Artigo 1305.º-A (Propriedade de animais)
1 – O proprietário de um animal deve assegurar o seu bem-estar e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições especiais relativas à detenção e à proteção dos animais, nomeadamente as respeitantes à identificação, licenciamento, criação, tratamento sanitário e salvaguarda de espécies em risco, sempre que exigíveis. 2 – O direito de propriedade de um animal não contempla a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento, ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte.
A iniciativa contém as seguintes propostas de alteração às normas em vigor:
Regras próprias para a definição do montante indemnizatório em caso de morte ou lesão de animal de
companhia;
Estipulam-se em novo artigo os deveres do proprietário dos animais no que concerne ao seu bem-estar e a
necessidade de respeito por estes da legislação especial aplicável à detenção e à proteção dos animais,
nomeadamente as respeitantes à identificação, licenciamento, criação, tratamento sanitário e salvaguarda de
espécies em risco, sempre que exigíveis;
Esclarece-se que o direito de propriedade de um animal não contempla a possibilidade de, sem motivo
legítimo, infligir dor, sofrimento, ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado,
abandono ou morte, ressalvada a legislação especial existente;
Alteram-se ainda, em conformidade com o espírito da alteração legislativa, os preceitos relativos ao
achamento de animais perdidos, bem como a terminologia constante do artigo 1321.º, abandonando o conceito
de animal maléfico, desajustado ao espírito e ao conhecimento atual sobre a matéria;
Por fim, no plano das relações patrimoniais entre cônjuges, estipula-se que os animais de companhia não
integram a comunhão geral de bens, determinando-se ainda a necessidade de regulação do destino dos animais
de companhia em caso de divórcio, considerando, nomeadamente, os interesses de cada um dos cônjuges e
dos filhos do casal, e também o bem-estar do animal.
A presente iniciativa pretende aditar ao Código Civil os seguintes artigos: Artigo 202.º-A (Animais); Artigo
493.º-A (Indemnização em caso de lesão ou morte de animal) e Artigo 1305.º-A Propriedade de animais.
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II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do
cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais
A iniciativa legislativa sub judice é apresentada por nove Deputados do grupo parlamentar do Partido
Socialista (PS), no âmbito do seu poder de iniciativa, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo
156.º e no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, no artigo 118.º e no n.º 1 do
artigo 123.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
A presente iniciativa toma a forma de projeto de lei, em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 119.º
do RAR, respeita os limites estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do mesmo diploma e, cumprindo os requisitos
formais estabelecidos nos n.os 1 e 2 do artigo 124.º, mostra-se redigido sob a forma de artigos, tem uma
designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos.
O presente projeto de lei foi admitido a 19/04/2016 e anunciado na sessão plenária de 20/04/2016. Por
despacho de S. Ex.ª a Presidente da Assembleia da República, a iniciativa baixou, na generalidade, à Comissão
de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª). A sua discussão na generalidade encontra-
se agendada para a sessão plenária do dia 12 de maio de 2016, em conjunto com o Projeto de Lei n.º 171/XIII
(1.ª) – Alteração ao Código Civil, reconhecendo os animais como seres sensíveis, e um projeto de lei a
apresentar pelo Grupo Parlamentar do PSD (cfr. Súmula n.º 19 da Conferência de Líderes de 27 de abril).
Verificação do cumprimento da lei formulário
A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, comummente
designada por “lei formulário”, possui um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário
dos diplomas, as quais são relevantes em caso de aprovação das iniciativas legislativas e que, como tal, importa
assinalar.
Assim, cumpre referir que, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário, o projeto de
lei em apreço tem um título que traduz sinteticamente o seu objeto, indicando que visa proceder à alteração do
Código Civil para estabelecer um estatuto jurídico dos animais.
De acordo com o disposto n.º 1 do artigo 6.º da referida lei formulário, “os diplomas que alterem outrosdevem
indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores, identificar
aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas”, pelo que o título
deveria identificar o número da alteração ao Código Civil. No entanto, as leis que têm vindo a alterar este Código
não têm identificado, no seu título, o número da alteração, por razões de segurança jurídica, pelo que parece
igualmente não dever ser feita essa referência, em conformidade, aliás, com o presente título.
O projeto de lei em análise contém norma de entrada em vigor (“no primeiro dia do segundo mês seguinte à
sua publicação”, estando em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, que prevê que
os atos legislativos “entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência
verificar-se no próprio dia da publicação”. Todavia, considera-se que este normativo poderia ser simplificado,
tendo em conta que a redação da lei deve ser o mais simples e clara possível, facilitando a vida ao intérprete e
aos destinatários das normas. Esta questão poderá, no entanto, ser avaliada na apreciação na especialidade
ou em sede de redação final da iniciativa.
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes
A Constituição da República Portuguesa (CRP) dispõe, na al. e) do artigo 9.º, que são tarefas fundamentais
do Estado, entre outras, “defender a natureza e o ambiente”1. No âmbito da chamada Constituição do ambiente,
este fim é complementado pela consagração do “direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente
equilibrado” reconhecido a todos os portugueses, os quais têm “o dever de o defender” (artigo 66.º, n.º 1). Assim,
1 Cfr. JORGE MIRANDA, RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada – Tomo I, 2.ª ed. revista, atualizada e ampliada, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 682.
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de modo a que seja assegurado o “direito ao ambiente”, incumbe ao Estado, em sede de desenvolvimento
sustentável, prevenir e controlar a poluição, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas
de âmbito sectorial e promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente (artigo 66.º, n.º 2,
als. a), f) e g) da CRP).
E é neste sentido que CARLA AMADO GOMES sublinha que Portugal prossegue um modelo constitucional
de proteção direta aos animais por via da proteção da natureza e da estabilidade ecológica2 e recorda a
ratificação de vários instrumentos internacionais alusivos à proteção dos animais, entre os quais a Convenção
Europeia para a proteção dos animais nos locais de criação (1976), a Convenção Europeia sobre a Proteção
dos Animais em Transporte Internacional e o respetivo Protocolo adicional (1968 e 1976) e a Convenção
Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia (1987), que reforçam o compromisso de Portugal com a
crescente proteção a conferir aos animais pela ordem internacional.
A atual situação leva a que a categorização jurídica dos animais surja no sentido de os animais serem
integrados no conceito de coisa por não serem sujeitos de relações jurídicas – aplicando-se, aqui, o artigo 202.º
do Código Civil – e são qualificados como coisas móveis por não se compreenderem nos exemplos de coisas
imóveis previsto no artigo 204.º do Código Civil (por remissão do artigo 205.º) e também por resultar esta
equiparação dos artigos 1318.º, que coloca os animais como “coisas suscetíveis de ocupação”, e 1323.º, ao
respeitar a “animal e outra coisa móvel perdida”.
Importa notar que, apesar de os animais serem integrados no conceito de res por serem objeto de direitos, o
ordenamento jurídico português tem vindo a avançar no sentido de restringir a aplicação do conceito de “coisas”
em função da evolução dos tempos. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela salientam que “a noção
dada neste artigo [202.º do Código Civil] é bastante mais restrita que o conceito correspondente do Código de
1867, para o qual (art.º 369.º) coisa era tudo aquilo que carecesse de personalidade”. Mais acrescentam estes
autores que “a noção deste artigo 202.º também peca ainda pelo facto de as relações jurídicas poderem ter por
objeto, não apenas coisas, mas também pessoas, como sucede no poder paternal e no poder tutelar”3.
Atualmente, em Portugal, o Código Civil não contém disposições que protejam os animais, excetuando-se o
regime da parceria pecuária (artigos 1121.º a 1128.º) que tem como motivação, não o animal, antes os interesses
contratuais de quem exerce o direito de propriedade sobre o mesmo. Assim, conforme já referido, a proteção do
animal resulta, não de referência ou identificação expressa na lei de um estatuto específico, antes,
primordialmente, da sua integração numa espécie de subdomínio do Direito do ambiente sendo-lhe aplicado,
para efeitos privatísticos, o regime das coisas.
Não obstante parte da doutrina portuguesa seguir no sentido de se opor à humanização dos animais, ao
mesmo tempo que refuta o atual estatuto que os reduz à condição de res4 – havendo quem questione o
reconhecimento dos animais como tertium genus (terceiro género entre pessoas e coisas)5 –, sublinhe-se o facto
de entre a doutrina nacional se encontrar quem sustente que os animais devam ser sujeitos jurídicos “tendo em
conta os decisivos imperativos, de natureza ética e jurídica, que promovem a proteção animal”, uma ideia que
“apresenta inegáveis vantagens ao recentrar o animal, evitando os perigosos escolhos da alternativa do tertium
genus e, além disso, consolida a proteção jurídica que os novos direitos impõem”6.
A preocupação com a proteção e bem-estar dos animais não é uma tendência recente em Portugal,
constituindo “um valor estruturante das modernas sociedades pós-industriais, quer a nível interno, quer a nível
internacional”, o que, no entendimento de MENEZES CORDEIRO, obriga o Direito civil a “acompanhar a
evolução dos tempos, incentivando-a ou corrigindo-a, conforme as circunstâncias”7.
No quadro nacional, além do registo da proibição de corridas de touros no século XIX8, importa recordar a
constituição da Sociedade Protetora dos Animais (SPA), a 28 de novembro de 1875, pelo conselheiro José
2 Cfr. CARLA AMADO GOMES, Desporto e proteção dos animais: Por um pacto de não agressão, disponível para consulta em http://www.icjp.pt/sites/default/files/papers/cej-animais_revisto.pdf. 3 Cfr. PIRES DE LIMA, ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado (artigos 1.º a 761.º), Vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra: Coimbra Editora, 1987, pp. 192 e 193. 4 Cfr. JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS, op. cit., pp. 1094, 1100-1103; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil: coisas…, p. 288. 5 Cfr. JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS, op. cit., pp. 1100. 6 Enfatizando-se, a título de exemplo, a evolução do estatuto das pessoas coletivas. Cfr. JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS, op. cit., 1102, 1103. 7 Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil: coisas…, p. 272. 8 Cfr. Decreto de Passos Manuel de 18 de setembro de 1836.
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Silvestre Ribeiro9, que, em 1912, apresentou um documento intitulado “Apreciações e Comentários ao Projeto
de Lei de Proteção aos Animais em discussão no Congresso Nacional” (sic) no qual constam testemunhos de
personalidades influentes da sociedade civil e dos diversos órgãos de soberania em favor da proteção dos “seres
inferiores”. Mais tarde, entraria em vigor o Decreto n.º 5:650, de 10 de maio de 1919 (considerando ato punível
toda a violência exercida sobre animais).
Mais recentemente, podendo questionar-se a hipótese de os animais serem sujeitos e não apenas objeto de
direitos, assumem particular destaque, entre legislação extravagante relacionada com animais, a Lei n.º 92/95,
de 12 de setembro (proteção aos animais), alterada pela Lei n.º 19/2002, de 31 de julho, e pela Lei n.º 69/2014,
de 29 de agosto, sendo que este último diploma, entre outros aspetos, criminaliza os maus tratos a animais de
companhia.
Atualmente, encontra-se em curso um processo de recolha de assinaturas com vista à sua entrega, através
de Petição, em favor da “alteração do estatuto jurídico dos animais no Código Civil”, que conta, à presente data,
com 9.208 assinaturas. A 3 de fevereiro de 2011, foi entregue na Assembleia da República a Petição n.º 138/XI
(2.ª), contendo 8305 assinaturas, na qual se solicitou a alteração do estatuto jurídico dos animais no Código
Civil.
No Relatório Final aprovado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,
de 28 de setembro de 2011, concluiu-se, entre outras coisas, que “o Código Civil considera os animais como
coisas móveis”, que “são vários os Países que consideram, nos respetivos Códigos Civis, que os animais não
são coisas” e que “a alteração do estatuto jurídico dos animais no Código Civil, de modo a que estes deixem de
ser considerados coisas, é uma pretensão que só pode ser resolvida por via legislativa”, motivo pelo qual “impõe-
se, por isso, que esta questão seja ponderada pelas entidades que dispõem de poder de iniciativa legislativa”.
Antecedentes parlamentares
Relativamente ao tema em apreço destaca-se o Projeto de Lei n.º 173/XII (1.ª) (PS), que altera o Código
Civil, estabelecendo um estatuto jurídico dos animais, propondo-se, para este fim, o aditamento e a introdução
de alterações ao diploma em apreço. Esta iniciativa teve origem na Petição n.º 80/XII (1.ª) (Cumprimento do
artigo 13.º do Tratado de Lisboa, que Portugal assinou e ratificou, e consequente a imediata alteração dos
Códigos Civil e Penal, na parte respeitante aos animais, seres sencientes, e não coisas móveis) apresentada
pela Associação Portuguesa de Direitos dos Animais e do Ambiente (APDAA), a 10 de janeiro de 2012, e
subscrita por 12.393 signatários. A iniciativa legislativa apresentada pelo Partido Socialista, admitida a 16 de
fevereiro de 2012, caducou a 22 de outubro de 2015.
Enquadramento doutrinário/bibliográfico
Bibliografia específica
ARAÚJO, Fernando– A hora dos direitos dos animais. Coimbra: Almedina, 2003. 379 p. ISBN 972-40-
1941-1. Cota:28.26 - 834/2003
Resumo: O autor apresenta uma abordagem aprofundada da temática dos direitos dos animais, debruçando-
se sobre várias questões como: a humanidade do respeito, as questões da alma, a questão de se os animais
podem sofrer e se devem sofrer, o progresso das ciências e o problema da experimentação, a biodiversidade e
as espécies ameaçadas e o desafio de uma bioética “descentrada”.
BORGES, Paulo–A questão dos direitos dos animais para uma genealogia e fundamentação filosóficas. In
A pessoa, a coisa, o facto no Código Civil. ISBN 978-972-749-213-8. Porto: Almeida e Leitão, 2010. P. 227-
251. Cota: 12.06.2 - 100/2012
Resumo: O autor procede a uma análise explicativa histórico-filosófica da forma como encaramos os animais,
que designa como “antropocentrismo europeu-ocidental”, na medida em que se entende que o homem é o centro
e dono do mundo e a natureza e os seres vivos e sencientes são reduzidos a objetos desprovidos de valor
intrínseco, o que implica que os animais foram pensados em função do homem. Considera que em Portugal
9 A SPA foi reconhecida como instituição de utilidade pública através da Lei n.º 118, de 16 de março de 1914, tendo os estatutos da associação sido aprovados pelo alvará n.º 23/1949, emitido em 13 de junho de 1949 pelo Governo Civil de Lisboa, e publicados em Diário da República, III Série, de 17 de maio de 1980.
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ainda não existe reconhecimento jurídico dos direitos dos animais e defende que se deve seguir o rumo de um
novo paradigma “ (…) que reconheça que as agressões aos animais e à natureza (…) são também agressões
da humanidade a si mesma (…) “.
CONFERÊNCIA ANIMAIS: DEVERES E DIREITOS, LISBOA, 2014– Animais [Em linha]: deveres e
direitos. Coord. Maria Luísa Duarte e Carla Amado Gomes. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas,
2015.[Consult. 22 abr. 2016]. Disponível em WWW: http://arnet/sites/dsdic/BIB/BIBArquivo/m/2016/animais_deveres_direitos.pdf>. Resumo: Nesta obra, são apresentadas algumas considerações jurídicas relativamente à aplicação efetiva da Lei n.º 69/2014, com destaque para a questão da proteção dos animais. Decorrido pouco mais de um mês após a entrada em vigor desta nova lei, os números avançados pela comunicação social dão conta de uma inquietante realidade de desrespeito pelos animais a que importa por cobro e confirmam uma consciência social de desvalorização dessas condutas. Sublinha-se a necessidade de os académicos e operadores judiciários providenciarem meios e procedimentos com vista à aplicação efetiva dos dois novos tipos de crime, sem esquecer a denúncia das insuficiências ou dificuldades daí resultantes, numa perspetiva de jure constituendo. PORTUGAL. LEIS, DECRETOS, etc.– Regime jurídico dos animais de companhia. Coimbra: Almedina, 2004. 208 p. ISBN 972-40-2232-3. Cota: 498/2004 Resumo: A presente publicação apresenta, de forma sistematizada, a legislação básica atinente à detenção de animais de companhia, nomeadamente a respeitante aos seus direitos e aquela que define e regulamenta os deveres que recaem sobre os seus donos, criadores e comerciantes. Contém, entre outra legislação, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, A Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, além de jurisprudência e um estudo de caso. RAMOS, José Luís Bonifácio – O animal: coisa ou tertium genus? O Direito. Coimbra. ISSN 0873-4372. A. 141, n.º V (2009), p. 1071-1104. Cota: RP-270 Resumo: O autor sublinha que a problemática da configuração e classificação do animal ganhou acrescida importância recentemente, tendo em conta a autonomização do Direito dos Animais e a controvérsia, no âmbito do Direito Civil, quanto a saber se devemos continuar a prefigurar o animal como coisa, ou se ao invés, o devemos integrar numa outra classificação ligada ao objeto de direitos, ou quiçá, ao próprio direito. Na opinião do autor, o animal deve deixar de ser identificado como coisa e até, de um modo geral, como objeto de direitos. Recusa ainda a qualificação deste como res nullius. Considera urgente rever diversos preceitos do Código Civil português, nomeadamente os artigos relativos aos modos de aquisição de coisas móveis corpóreas, os atinentes à noção de coisa em sentido jurídico e outros relativos à venda de animais. Defende ainda a revisão da Constituição em Portugal, à semelhança do que sucedeu na Alemanha, de modo a incluir no texto da Lei Fundamental, uma norma que promova a coerência do imperativo protetor do animal, sob pena de inovarmos no Código Civil mas continuarmos presos a atavismos ancestrais no Direito Administrativo ou no Direito Penal. VALENTINI, Laura –Canine justice: an associative account. Political studies. Oxford. ISSN 0032-3217. Vol. 62, n.º 1 (Mar. 2014), p. 37-52. Cota: RE-164 Resumo: Neste artigo somos questionados sobre o que devemos aos animais não humanos, a partir da perspetiva duma justiça popular e associativa. Abordando a situação dos cães em particular, sugere-se que é justo que os interesses destes animais sejam tidos em conta quando se legisla e se adotam políticas públicas. Além da preocupação com o estatuto moral dos cães domésticos, este artigo coloca também questões sobre os direitos dos animais e a noção de justiça associativa. A autora argumenta que, se alguém acredita que certos animais não-humanos são objeto de preocupação moral e que a justiça se aplica sempre em relação aos seres que cooperam com o homem (desde que se trate de objetos de preocupação moral), então, deve-se conceder que aos cães domésticos é devida justiça da mesma forma que aos nossos concidadãos humanos.
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Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-membros da União Europeia: Alemanha,
Áustria, França, Reino Unido e Suíça.
ALEMANHA
A Alemanha é, conjuntamente com a Áustria e a Suíça, um dos países europeus que já contempla os direitos
dos animais na sua Constituição, ao incluir um artigo 20.º-A sobre proteção dos fundamentos naturais da vida e
dos animais, em que determina como responsabilidade do Estado a proteção das “natural foundations of life and
animals”.
A essa disposição junta-se uma alteração no Código civil Alemão - BGB, que reconhece, no artigo 90-A que
os animais não são coisas, sendo protegidos por legislação especial. Para além desta alteração, o artigo 903.º
refere explicitamente que o proprietário de um animal deve tomar todas as precauções para a sua proteção, e
no artigo 251.º é determinada a obrigação de indemnização de despesas resultantes de tratamento veterinário
em caso de dano. Por último, o artigo 960.º refere-se à propriedade de animais selvagens em liberdade e em
zoos.
Também o Código do Processo Civil (Zivilprozessordnung – ZPO) determina, no seu §765-A, que o tribunal
de execução tem de dar respeito à responsabilidade do homem pelo animal nas considerações que tiver de
fazer, esclarecendo no §811-C que os animais criados na esfera doméstica não são suscetíveis de penhora.
Em termos de legislação avulsa, a primeira lei de proteção dos animais alemã remonta a 1933. Hoje em dia,
vigora a Tierschutzgesetz de 1972, alterada pela última vez em 2010, cujo objeto consiste em proteger as vidas
e o bem-estar dos animais, reconhecendo a responsabilidade dos seres humanos pelos animais, enquanto
criaturas semelhantes (artigo 1.º). A segunda parte do artigo 1.º determina que ninguém pode infligir dor,
sofrimento ou dano aos animais sem ter justificação atendível para isso. A lei regula os aspetos relativos à
detenção, abate, criação e ensino, comércio e importação de animais, bem como a realização de intervenções
e investigação em animais.
ÁUSTRIA
A Áustria foi pioneira ao nível do direito civil, aprovando a 1 de Março de 1988 a Lei federal sobre o estatuto
jurídico do animal no direito civil, o que lhe permite possuir uma legislação de defesa dos direitos dos animais
muito avançada, fruto de uma grande intervenção de ativistas e organização de defesa dos animais, como se
pode ver pelo seu historial.
Sendo dos poucos países europeus que deixou de considerar os animais como coisas, nomeadamente no
artigo 285a do Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch, ABGB (Código Civil Austríaco), em que os animais não
são considerados coisas, sendo protegidos por legislação especial, estipulando ainda, no seu artigo 1332a que
“no caso de um animal ser ferido, são reembolsáveis as despesas efetivas com o seu tratamento mesmo que
excedam o valor do animal, na medida em que um dono de animal, colocado na situação do lesado, também
tivesse realizado essas despesas”.
O Animal Protection Act, aprovado em 2005, contém disposições relativas a proteção de animais, proibição
de maus tratos, proibição de intervenções cirúrgicas não necessárias (incluindo por exemplo cortes de orelhas
e cauda em cães de raça, remoção das cordas vocais, etc.), experiências em animais, obrigação de prestação
de cuidados médicos, transporte de animais, animais selvagens, matadouros, e ainda introduzindo a noção de
representantes legais (artigo 41.º) dos animais.
FRANÇA
O Código Civil Francês também regista uma alteração da conceção jus civilística dos animais,
nomeadamente na alteração aprovada em 2015, com a introdução do artigo 515-14, que determina que “Les
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animaux sont des êtres vivants doués de sensibilité. Sous réserve des lois qui les protègent, les animaux sont
soumis au régime des biens”.
A proteção legal relativa a animais encontra-se dispersa no Código Penal, Código Rural, Código Civil (já
referenciado), Código da Saúde Pública, Código das Coletividades e Código da Estrada, a saber:
Penas contra a crueldade em animais - Código Penal Art. 521-1, R. 511-1 e R.653.1 ;
Circulação de animais - Código da Estrada, Art. R.412-44;
Controlo sanitário - Código Rural, Art. L. 223-1, Art. 232-21;
Disposições relativas a animais perigosos - Código Rural, Art. L. 211-11 et s. et R. 211-4 et s.;
Proteção de animais - Código Rural, Art. L214-6.
REINO UNIDO
O Reino Unido possui o Department for Environment, Food and Rural Affairs (Defra), responsável pela política
governamental sobre animais, entre outras matérias. No seu website é possível encontrar legislação, códigos
de conduta e guias sobre o assunto.
O Animal Welfare Act, 2006 aplica-se a todos os vertebrados, constituindo qualquer pessoa maior de 16 anos
como responsável pelo seu bem-estar. O diploma prevê:
a) A prevenção de danos, aí incluindo o sofrimento desnecessário (infligido pelo próprio ou por terceiros,
sem que a pessoa tome qualquer medida), questões relacionadas com a mutilação (que a Autoridade Nacional
deve regulamentar), proibição de lutas entre animais;
b) A promoção do bem-estar, entendido como o dever de o responsável pelo animal lhe garantir um ambiente
e dieta adequados, proteção da saúde e exibição de padrões normais de comportamento.
É ainda criminalizada a venda de animais a menores de 16 anos, estabelecida a forma de licenciamento e
registo e determinado que as autoridades devem estabelecer códigos de conduta.
Na página do Defra, encontram-se os seguintes Códigos de conduta:
Code of practice for the welfare of dogs;
Code of practice for the welfare of cats;
Code of Practice for the Welfare of Horses, Ponies, Donkeys and their Hybrids;
Code of Practice for the Welfare of Privately Kept Non-Human Primates.
SUÍÇA
A Suíça reconhece, no artigo 80.º da sua Constituição, a proteção dos animais, nomeadamente:
A guarda dos animais e a forma de os tratar;
A experimentação animal e os danos à integridade dos animais vivos;
A utilização dos animais;
A importação de animais e de produtos de origem animal;
O comércio e transporte de animais;
O abate de animais.
A aplicação das disposições federais incumbe aos cantões, na medida em que ela não está reservada por
lei à Confederação.
Para além disso, a Constituição prescreve disposições (artigo 120.º) sobre o uso de material reprodutivo e
genético de animais, plantas e outros organismos, respeitando a integridade dos organismos vivos e segurança
das pessoas, animais e ao meio ambiente e protegendo a diversidade genética de espécies vegetais e animais.
Também neste país os animais deixaram de ser considerados coisas, por alteração do Código Civil, em 2002,
nomeadamente no seu artigo 641.º que assim o refere explicitamente. De igual forma, é salvaguardado o bem-
estar do animal em caso de partilha de bens patrimoniais (artigo 651.º-a), devendo o tribunal decidir de acordo
com esse preceito. Por sua vez, o Código das Execuções determina, no n.º 1 do seu artigo 43.º, que os donos
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ou seus familiares têm direito a indemnização pelo valor adequado no caso de sofrimento ou mesmo morte do
animal.
Este país tem, aliás, preceitos meramente em favor do animal, determinando no direito das sucessões, que
“sendo um animal beneficiário de uma disposição mortis causa, esta disposição considera-se como ónus de
cuidar do animal” (artigo 482.º do Código Civil).
Outros países
NOVA ZELÂNDIA
O ordenamento jurídico neozelandês dispõe de uma lei de bem-estar animal, o Animal Welfare Act 1999, de
14 de outubro. Neste sentido, a 5 de maio de 2015, o Parlamento aprovou, por unanimidade, a iniciativa
legislativa com vista à introdução de alterações ao regime em vigor, entrando, assim, em vigor, o Animal Welfare
Amendment Act (no. 2) 2015.
Com a recente revisão da lei, os animais passaram, desde logo, a ser reconhecidos como seres sencientes
(artigo 4.º), que sentem dor e angústia, o que constitui um reconhecimento da sua especificidade e das suas
características face a outros seres vivos. Esta expressão não era estranha na Nova Zelândia, uma vez que já
se encontrava prevista na Estratégia de Bem-Estar Animal da Nova Zelândia (New Zealand Animal Welfare
Strategy). Quem tem animais em sua posse ou tem algum deles a seu cargo tem o dever de garantir o bem-
estar dos animais e de assegurar tratamento que alivie o sofrimento desnecessário (o artigo 12.º eliminou a
expressão “quando possível” do artigo 11.º da Animal Welfare Act 1999)
O mesmo diploma veio a rever, no artigo 7.º, a noção de “necessidades físicas, de saúde e comportamentais”
(physical, health, and behavioural needs), consistindo as mesmas, relativamente a animais, em (i) alimentação
adequada e suficiente, (ii) água adequada e suficiente, (iii) abrigo adequado, (iv) oportunidade para exibir
padrões comportamentais normais, (v) tratamento físico de maneira a reduzir a probabilidade de verificação de
dor ou sofrimento desnecessários ou injustificados e (vi) proteção e realização de um diagnóstico rápido contra
lesões ou doenças.
Finalmente, são ainda introduzidas alterações ao Comité Consultivo Nacional sobre o Bem-Estar Animal
(National Animal Welfare Advisory Committee) e ao Comité Consultivo Nacional sobre Ética Animal (National
Animal Ethics Advisory Committee). Recorde-se que estes órgãos funcionam diretamente na dependência do
Ministro da tutela do bem-estar animal (artigos 56.º a 61.º do Animal Welfare Act 1999) e questões éticas e
condutas relacionadas com investigação, testes e ensino (artigos 62.º a 67.º).
Organizações internacionais
A Declaração Universal dos Direitos do Animal foi adotada pela Liga Internacional dos Direitos do Animal e
pelas Ligas Nacionais filiadas após a terceira reunião sobre os direitos do animal, celebrados em Londres nos
dias 21 a 23 de Setembro de 1977.
A declaração proclamada em 15 de Outubro de 1978 pela Liga Internacional, Ligas Nacionais e pelas
pessoas físicas que se associam a elas e foi aprovada pela Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO).
No preâmbulo do instrumento em apreço consagra-se o princípio que reconhece “que todo o Animal tem
direitos” e que “o desconhecimento e desrespeito desses direitos conduziram e continuam a conduzir o homem
a cometer crimes contra a natureza e contra os animais”, pelo que “o respeito pelos animais, por parte do homem,
está relacionado com o respeito dos homens entre eles próprios”. Mais acresce que, no artigo 2.º se determina
que “todo o animal tem o direito a ser respeitado”, que “o homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-
se o direito de exterminar os outros animais ou de os explorar, violando esse direito” e que “todos os animais
têm direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem”.
Além deste, são ainda direitos reconhecidos pela Declaração os seguintes:
Direito à igualdade e à existência entre todos os animais;
Direito à não submissão a maus tratos, atos cruéis ou ao sofrimento;
Direito aos animais selvagens a reproduzirem-se e a viverem livres no seu ambiente natural;
Direito aos animais que contactam com o Homem a viver e crescer ao ritmo das condições de vida próprias
da sua espécie;
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Direito à longevidade natural e a não serem abandonados;
Direito a limite razoável de tempo e intensidade de trabalho, bem como a alimentação reparadora e
repouso caso se tratem de animais de trabalho;
Direito à não sujeição à experimentação animal sempre que implique sofrimento físico e psicológico;
Direito a morte sem sofrimento, ansiedade ou dor e a nutrição, instalação e transporte adequados quando
o animal seja criado para alimentação humana;
Direito a não ser explorado para entretenimento humano;
Direito a não ser submetido a atos de onde resulte a sua morte;
Direito à proteção contra genocídio;
Direito ao respeito após a morte;
Direito a serem representados por organismos governamentais e a serem defendidos pela Lei.
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Iniciativas legislativas
Consultada a base de dados do processo legislativo e da atividade parlamentar (PLC), verificou-se que se
encontram pendentes sobre esta matéria as seguintes iniciativas legislativas:
– Projeto de Lei n.º 171/XIII (1.ª) (PAN) – Alteração ao Código Civil reconhecendo os animais como seres
sensíveis: Foi admitido em 19/04/2016 e, nessa mesma data, baixou na generalidade à Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª). A discussão na generalidade deste projeto de lei
encontra-se agendada, em conjunto com a iniciativa legislativa em análise, para a sessão plenária do dia 12 de
maio de 2016 (cfr. Súmula n.º 19 da Conferência de Líderes de 27 de abril).
– Projeto de Lei n.º 173/XIII (1.ª) (PAN) – Reforça o regime sancionatório aplicável aos animais (altera o
Código Penal): Foi admitido em 19/04/2016 e, nessa mesma data, baixou na generalidade à Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Sobre matéria conexa estão igualmente pendentes os seguintes projetos de lei:
– Projeto de Lei n.º 976/XII (4.ª) (Iniciativa Legislativa de Cidadãos) – Terceira alteração a Lei n.º 92/95, de
12 de setembro, sexta alteração ao Decreto-Lei n.°276/2001, de 17 de outubro, primeira alteração ao Decreto-
Lei n.º 313/2003, de 17 setembro, primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro, primeira
alteração à Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, primeira alteração à Portaria n.º 421/2004, de 24 de abril –
Proíbe o abate indiscriminado de animais pelas câmaras municipais, institui uma politica de controlo das
populações de animais errantes e estabelece condições adicionais para criação e venda de animais de
companhia: Foi admitido em 08/07/2015, foi discutido na generalidade em 11/12/2015, conjuntamente com o
Projeto de Lei n.º 65/XIII, tendo baixado, para nova apreciação, à Comissão de Ambiente, Ordenamento do
Território, Descentralização, Poder Local e Habitação (11.ª).
– Projeto de Lei n.º 65/XIII (1.ª) (PCP) – Aprova medidas para a criação de uma rede de centros de recolha
oficial de animais e para a modernização dos serviços municipais de veterinária: Foi admitido em 09/12/2015,
foi discutido na generalidade em 11/12/2015, conjuntamente com o Projeto de Lei n.º 976/XII, tendo baixado,
para nova apreciação, à Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e
Habitação (11.ª)
– Projeto de Lei n.º 172/XIII (1.ª) (PAN) – Possibilidade de Permissão de Animais em Estabelecimentos
Comerciais (altera o DL n.º 10/2015, de 16 de janeiro): Foi admitido em 19/04/2016 e, nessa mesma data, baixou
na generalidade à Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas (6.ª).
Petições
Consultada a base de dados do processo legislativo e da atividade parlamentar (PLC), verificou-se que se
encontram pendentes as seguintes petições sobre matéria conexa com a da iniciativa legislativa em apreciação:
Petição n.º 58/XIII (1.ª) – Pretendem que seja criada legislação adequada que impeça o comércio de animais
em anúncios de classificados de páginas na internet;
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Petição n.º 91/XIII (1.ª) – Contra o abandono e abate dos animais da Ilha São Miguel.
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
A Comissão promoveu, em 21 de abril de 2016, a emissão de parecer escrito pelas seguintes entidades:
Conselho Superior da Magistratura, Ordem dos Advogados e Conselho Superior do Ministério Público.
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Em face dos elementos disponíveis, nomeadamente da exposição de motivos e do articulado da presente
iniciativa, sendo a mesma aprovada, parece não resultar qualquer encargo direto com a sua aplicação.
———
PROJETO DE LEI N.º 171/XIII (1.ª)
(ALTERAÇÃO AO CÓDIGO CIVIL RECONHECENDO OS ANIMAIS COMO SERES SENSÍVEIS)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
I. Nota introdutória
O Deputado único do Partido Pessoas-Animais-Natureza apresentou à Assembleia da República, em 19 de
abril de 2016, o Projeto de Lei n.º 171/XIII (1.ª) – “Alteração ao Código Civil reconhecendo os animais como
seres sensíveis”.
Esta apresentação foi efetuada nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º da Constituição
da República Portuguesa e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos
formais previstos no artigo 124.º desse mesmo Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, datado de 20 de abril de 2016, esta
iniciativa legislativa baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para ser
emitido o parecer respetivo.
II. Conteúdos e motivação do projeto
O Projeto de Lei em apreço visa aditar um novo Subtítulo II (“Dos animais”) ao Livro II (“Das relações
jurídicas”) do Livro I (“Parte Geral”) do Código Civil, contendo dois artigos, e alterar cinco artigos do Código Civil,
subtraindo os animais, como seres sensíveis, ao estatuto geral de coisas e conferindo-lhes um estatuto jurídico-
civil próprio.
Esta proposta de alteração do Código Civil ancora na consideração de que “[a] sociedade tem (…) evoluído
no sentido de reconhecer determinadas características aos animais” e de que “[a] ciência aponta para que todos
os seres vivos sensíveis devam ser titulares de direitos legalmente reconhecidos”. Argumenta o proponente que
“não podem os animais não humanos continuar a ser equiparados na lei civil portuguesa a coisas. O animal não
é um ser inanimado, que pode ser abandonado, torturado, espezinhados, estropiado, morto. O animal tem o
direito de ver os seus valores, direitos e princípios protegidos pelo ser racional. É necessário criar uma figura
jurídica com uma tutela própria e específica para os animais não humanos”. Invocando as mudanças registadas,
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neste sentido, nas legislações de países como a Áustria, a Alemanha, a França, a Suíça ou a Nova Zelândia, o
deputado proponente conclui que “[o]s animais devem ser considerados sujeitos e não objetos de direito”,
advertindo, todavia, que “não se trata de atribuição de personalidade jurídica tout court, mas da criação de uma
figura jurídica intermédia baseada na existência de um direito difuso. (…) Defende-se a criação de uma terceira
figura jurídica, a par das pessoas e das coisas – a figura do animal, enquanto ser dotado de sensibilidade e
objeto de relações jurídicas” (v. exposição de motivos).
São, em concreto, propostas as seguintes alterações:
1. Aditamento de um novo Subtítulo II (“Dos animais”) ao Livro II (“Das relações jurídicas”) do Livro I (“Parte
Geral”) do Código Civil. Aí se define os animais como “seres vivos dotados de sensibilidade com valor
intrínseco e titulares de interesses juridicamente protegidos” (artigo 201.º-A), que podem ser objeto de
direitos e de relações jurídicas, sendo-lhes aplicável o regime jurídico de coisas apenas no que não for
incompatível com os seus interesses juridicamente protegidos e com o disposto na lei (artigo 201.º-B).
2. Alteração dos artigos 202.º, 1302.º, 1318.º e 1323.º: Alterações de redação pontuais que concretizam a
subtração dos animais ao estatuto jurídico de coisas.
3. Alteração do artigo 1321.º: Mudança da terminologia (de “animais ferozes e maléficos” para “animais
perigosos”) e condicionamento da possibilidade de abate à verificação dos seguintes requisitos: a) que
seja manifesto o perigo; b) se verifique a impossibilidade de recurso, em tempo útil, aos meios normais
de captura desses animais; e c) que não se exceda o que for necessário para evitar os prejuízos que
esses animais provocariam.
É proposto que estas alterações entrem em vigor «no primeiro dia do segundo mês seguinte à sua
publicação» (artigo 5.º).
III. Antecedentes
Constituem antecedentes relevantes de iniciativas legislativas nesta matéria as seguintes:
a) Projeto de Lei n.º 474/XII (3.ª) (Partido Socialista), que aprova o regime sancionatório aplicável aos
maus-tratos contra animais e alarga os direitos das associações zoófilas, e Projeto de Lei n.º 475/XII
(3.ª) (Partido Social Democrata), que altera o Código Penal, criminalizando os maus tratos a animais de
companhia. Estas duas iniciativas foram desencadeadas por referência à Petição n.º 173/XII (2.ª)
(solicitam a aprovação de uma nova lei de proteção dos animais), apresentada à Assembleia da
República em 4 de outubro de 2012, subscrita por 41.511 cidadãos/ãs eleitores/as sendo primeira
peticionante a associação ANIMAL. A articulação destas duas iniciativas veio a estar na origem da Lei
n.º 69/2014, de 29 de agosto;
b) Projeto de Lei n.º 1024/XII (4.ª) (Partido Socialista), que estabelece o quadro de sanções acessórias aos
crimes contra animais de companhia, apresentado aquando da discussão da Petição n.º 485/XII (4.ª)
(solicitam a alteração da Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, que promove a proteção dos animais),
subscrita por 16.303 cidadãos/ãs eleitores/as sendo primeira peticionante Mónica Elisabete de
Ascensão Nunes de Andrade. O projeto foi aprovado e deu origem à Lei n.º 110/2015, de 26 de agosto.
IV. Opinião do Deputado Relator
O signatário do presente relatório entende, neste parecer, não manifestar a sua opinião pessoal sobre o
Projeto de Lei n.º 209/XIII (1.ª) (Partido Socialista), sendo que a mesma é, de resto, de “elaboração facultativa”
nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.
V. Conclusões
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1. O Deputado único do Partido Pessoas-Animais-Natureza apresentou à Assembleia da República, em
19 de abril de 2016, o Projeto de Lei n.º 171/XIII (1.ª) – “Alteração ao Código Civil reconhecendo os
animais como seres sensíveis”.
2. O Projeto de Lei em apreço visa aditar um novo Subtítulo II (“Dos animais”) ao Livro II (“Das relações
jurídicas”) do Livro I (“Parte Geral”) do Código Civil, contendo dois artigos, e alterar cinco artigos do
Código Civil, subtraindo os animais, como seres sensíveis, ao estatuto geral de coisas e conferindo-lhes
um estatuto jurídico-civil próprio.
3. Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de
parecer que o Projeto de Lei n.º 173/XIII (1.ª) (Partido Pessoas-Animais-Natureza) reúne os requisitos
constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em Plenário.
VI. Anexo
Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços de apoio à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República.
Palácio de S. Bento, 9 de maio de 2016.
O Deputado Relator, José Manuel Pureza — O Presidente da Comissão, Pedro Bacelar de Vasconcelos.
Nota Técnica
Projetos de Lei n.º 171/XIII (1.ª) – Alteração ao Código Civil reconhecendo os animais como seres
sensíveis (PAN).
Data de admissão: 19 de abril de 2016
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª)
Índice
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da
lei formulário
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
V. Consultas e contributos
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Elaborada por: Alexandre Guerreiro e Leonor Calvão Borges (DILP), Fernando Bento Ribeiro (DAC), Laura Costa (DAPLEN) e Paula Granada (BIB).
Data: 05 de maio de 2016.
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
A presente iniciativa pretende alterar Código Civil reconhecendo os animais como seres sensíveis.
Propõe nova redação para os artigos 202,º 1302.º, 1318.º, 1321.º, e 1323.º do Código Civil, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, e sucessivas alterações.
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Código Civil PJL 171/XIII (1.ª) (PAN)
Artigo 202.º Artigo 202.º (Noção) (…)
1. Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objeto de 1.Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas. relações jurídicas, sem prejuízo do regime jurídico aplicável
aos animais.
2. Consideram-se, porém, fora do comércio todas as 2.[…]coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis de apropriação individual.
Artigo 1302.º Artigo 1302.º Objeto do direito de propriedade (…)
Só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser As coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser
objeto do direito de propriedade regulado neste código. objeto do direito de propriedade regulado neste código.
Artigo 1318.º Artigo 1318.º Coisas suscetíveis de ocupação Suscetibilidade de ocupação
Podem ser adquiridos por ocupação os animais e outras Podem ser adquiridos por ocupação as coisas móveis
coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram que nunca tiveram dono, ou foram abandonadas, perdidas abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus ou escondidas pelos seus proprietários, salvas as proprietários, salvas as restrições dos artigos seguintes.restrições dos artigos seguintes.
Artigo 1321.º 1321.º (Animais ferozes fugidos) Animais perigosos fugidos
Os animais ferozes e maléficos que se evadirem da Os animais perigosos que se evadirem da clausura em
clausura em que seu dono os tiver podem ser destruídos ou que estiverem podem ser abatidos, nos termos legalmente ocupados livremente por qualquer pessoa que os encontre.previstos desde que seja manifesto o perigo, se verifique a
impossibilidade de recurso, em tempo útil, aos meios normais de captura desses animais, e não se exceda o que for necessário para evitar os prejuízos que esses animais provocariam.
Artigo 1323.º Artigo 1323.º (Animais e coisas móveis perdidas) (Coisas móveis perdidas)
1. Aquele que encontrar animal ou outra coisa móvel 1 – Aquele que encontrar coisa móvel perdida e souber
perdida e souber a quem pertence deve restituir o animal ou a quem pertence deve restituir a coisa a seu dono, ou avisar a coisa a seu dono, ou avisar este do achado; se não souber este do achado; se não souber a quem pertence, deve a quem pertence, deve anunciar o achado pelo modo mais anunciar o achado pelo modo mais conveniente, atendendo conveniente, atendendo ao valor da coisa e às ao valor da coisa e às possibilidades locais, ou avisar as possibilidades locais, ou avisar as autoridades, observando autoridades, observando os usos da terra, sempre que os os usos da terra, sempre que os haja.haja.
2. Anunciado o achado, o achador faz sua a coisa 2 – (…)perdida, se não for reclamada pelo dono dentro do prazo de um ano, a contar do anúncio ou aviso.
3. Restituída a coisa, o achador tem direito à 3 – (…)indemnização do prejuízo havido e das despesas realizadas, bem como a um prémio dependente do valor do achado, no momento da entrega, calculado pela forma seguinte: até ao valor de (euro) 4,99, 10%; sobre o excedente desse valor até (euro) 24,94, 5%; sobre o restante, 2,5%.
4. O achador goza do direito de retenção e não 4 – (…)responde, no caso de perda ou deterioração da coisa, senão havendo da sua parte dolo ou culpa grave.
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Código Civil PJL 171/XIII (1.ª) (PAN)
ADITAMENTOS
Artigo 201.º-A (Noção)
Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade
com valor intrínseco e titulares de interesses juridicamente protegidos.
Artigo 201.º-B (Titularidade de direitos sobre os animais)
1.Os animais podem ser objeto de direitos e de
relações jurídicas. 2.São aplicáveis aos animais as disposições aplicáveis
às coisas que não sejam incompatíveis com os seus interesses juridicamente protegidos e com o disposto na lei.
De acordo com os proponentes “não podem os animais não humanos continuar a ser equiparados na lei civil
portuguesa a coisas. O animal não é um ser inanimado, que pode ser abandonado, torturado, espezinhado,
estropiado, morto. O animal tem o direito de ver os seus valores, direitos e princípios protegidos pelo ser racional.
É necessário criar uma figura jurídica com uma tutela própria e específica para os animais não humanos”.
Invocam também “que uma alteração do estatuto jurídico animal, no sentido da presente proposta, estará a
dar cumprimento ao preceituado pela União Europeia, como estará de acordo com a prática internacional”.
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do
cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais
A iniciativa legislativa sub judice é apresentada pelo Deputado PAN (Pessoas-Animais-Natureza), no âmbito
do seu poder de iniciativa, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 156.º e no n.º 1 do artigo
167.º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, no artigo 118.º e no n.º 1 do artigo 123.º do Regimento
da Assembleia da República (RAR).
A presente iniciativa toma a forma de projeto de lei, em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 119.º
do RAR, respeita os limites estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do mesmo diploma e, cumprindo os requisitos
formais estabelecidos nos n.os 1 e 2 do artigo 124.º, mostra-se redigido sob a forma de artigos, tem uma
designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos.
O presente projeto de lei foi admitido a 19/04/2016 e anunciado na sessão plenária de 20/04/2016. Por
despacho de S. Exa. a Presidente da Assembleia da República, a iniciativa baixou, na generalidade, à Comissão
de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª). A sua discussão na generalidade encontra-
se agendada para a sessão plenária do dia 12 de maio de 2016, em conjunto com o Projeto de Lei n.º 164/XIII
(PS) - Altera o Código Civil, estabelecendo um estatuto jurídico dos animais, e um projeto de lei a apresentar
pelo Grupo Parlamentar do PSD (cfr. Súmula n.º 19 da Conferência de Líderes de 27 de abril).
Verificação do cumprimento da lei formulário
A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, comummente
designada por “lei formulário”, possui um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário
dos diplomas, as quais são relevantes em caso de aprovação das iniciativas legislativas e que, como tal, importa
assinalar.
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Assim, cumpre referir que, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário, o projeto de
lei em apreço tem um título que traduz sinteticamente o seu objeto, indicando que visa proceder à alteração do
Código Civil para reconhecer os animais como seres sensíveis.
De acordo com o disposto n.º 1 do artigo 6.º da referida lei formulário, “os diplomas que alterem outros devem
indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores, identificar
aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas”, pelo que o título
deveria identificar o número da alteração ao Código Civil. No entanto, as leis que têm vindo a alterar este Código
não têm identificado, no seu título, o número da alteração, por razões de segurança jurídica, pelo que parece
igualmente não dever ser feita essa referência, em conformidade, aliás, com o presente título.
O projeto de lei em análise contêm norma de entrada em vigor (“no primeiro dia do segundo mês seguinte à
sua publicação”, estando em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, que prevê que
os atos legislativos “entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência
verificar-se no próprio dia da publicação”.
É ainda de referir que o artigo 3.º do projeto de lei, relativo a alterações à organização sistemática do Código
Civil, determina, nos n.os 2 a 4, a renumeração dos Livros III a V do Código Civil (Direito das Coisas, Direito da
Família e Direito das Sucessões, respetivamente) para Livros IV a VI. Ora, os artigos aditados ao Código Civil
pelo artigo 1.º do projeto de lei são inseridos, conforme estabelece o mesmo artigo, num novo Subtítulo II do
Título II (Das relações jurídicas) do Livro I (Parte Geral). Assim sendo, não há aditamento de novos artigos
inseridos num novo Livro II, nem há essa determinação no restante articulado, pelo que, sendo aprovada esta
iniciativa, será de equacionar, em sede de especialidade, a eliminação desta renumeração dos Livros III a IV do
Código Civil.
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes
A Constituição da República Portuguesa (CRP) dispõe, na al. e) do artigo 9.º, que são tarefas fundamentais
do Estado, entre outras, “defender a natureza e o ambiente”1. No âmbito da chamada Constituição do ambiente, este fim é complementado pela consagração do “direito
a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” reconhecido a todos os portugueses, os
quais têm “o dever de o defender” (artigo 66.º, n.º 1). Assim, de modo a que seja assegurado o “direito ao
ambiente”, incumbe ao Estado, em sede de desenvolvimento sustentável, prevenir e controlar a poluição,
promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial e promover a educação
ambiental e o respeito pelos valores do ambiente (artigo 66.º, n.º 2, als. a), f) e g) da CRP).
E é neste sentido que CARLA AMADO GOMES sublinha que Portugal prossegue um modelo constitucional
de proteção direta aos animais por via da proteção da natureza e da estabilidade ecológica2 e recorda a
ratificação de vários instrumentos internacionais alusivos à proteção dos animais, entre os quais a Convenção
Europeia para a proteção dos animais nos locais de criação (1976), a Convenção Europeia sobre a Proteção
dos Animais em Transporte Internacional e o respetivo Protocolo adicional (1968 e 1976) e a Convenção
Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia (1987), que reforçam o compromisso de Portugal com a
crescente proteção a conferir aos animais pela ordem internacional.
A atual situação leva a que a categorização jurídica dos animais surja no sentido de os animais serem
integrados no conceito de coisa por não serem sujeitos de relações jurídicas – aplicando-se, aqui, o artigo 202.º
do Código Civil – e são qualificados como coisas móveis por não se compreenderem nos exemplos de coisas
imóveis previsto no artigo 204.º do Código Civil (por remissão do artigo 205.º) e também por resultar esta
equiparação dos artigos 1318.º, que coloca os animais como “coisas suscetíveis de ocupação”, e 1323.º, ao
respeitar a “animal e outra coisa móvel perdida”.
1 Cfr. JORGE MIRANDA, RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada – Tomo I, 2.ª ed. revista, atualizada e ampliada, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 682. 2 Cfr. CARLA AMADO GOMES, Desporto e proteção dos animais: Por um pacto de não agressão, disponível para consulta em http://www.icjp.pt/sites/default/files/papers/cej-animais_revisto.pdf.
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Importa notar que, apesar de os animais serem integrados no conceito de res por serem objeto de direitos, o
ordenamento jurídico português tem vindo a avançar no sentido de restringir a aplicação do conceito de “coisas”
em função da evolução dos tempos. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela salientam que “a noção
dada neste artigo [202.º do Código Civil] é bastante mais restrita que o conceito correspondente do Código de
1867, para o qual (artigo 369.º) coisa era tudo aquilo que carecesse de personalidade”. Mais acrescentam estes
autores que “a noção deste artigo 202.º também peca ainda pelo facto de as relações jurídicas poderem ter por
objeto, não apenas coisas, mas também pessoas, como sucede no poder paternal e no poder tutelar”3.
Atualmente, em Portugal, o Código Civil não contém disposições que protejam os animais, excetuando-se o
regime da parceria pecuária (artigos 1121.º a 1128.º) que tem como motivação, não o animal, antes os interesses
contratuais de quem exerce o direito de propriedade sobre o mesmo. Assim, conforme já referido, a proteção do
animal resulta, não de referência ou identificação expressa na lei de um estatuto específico, antes,
primordialmente, da sua integração numa espécie de subdomínio do Direito do ambiente sendo-lhe aplicado,
para efeitos privatísticos, o regime das coisas.
Não obstante parte da doutrina portuguesa seguir no sentido de se opor à humanização dos animais, ao
mesmo tempo que refuta o atual estatuto que os reduz à condição de res4 – havendo quem questione o
reconhecimento dos animais como tertium genus (terceiro género entre pessoas e coisas)5 –, sublinhe-se o facto
de entre a doutrina nacional se encontrar quem sustente que os animais devam ser sujeitos jurídicos “tendo em
conta os decisivos imperativos, de natureza ética e jurídica, que promovem a proteção animal”, uma ideia que
“apresenta inegáveis vantagens ao recentrar o animal, evitando os perigosos escolhos da alternativa do tertium
genus e, além disso, consolida a proteção jurídica que os novos direitos impõem”6.
A preocupação com a proteção e bem-estar dos animais não é uma tendência recente em Portugal,
constituindo “um valor estruturante das modernas sociedades pós-industriais, quer a nível interno, quer a nível
internacional”, o que, no entendimento de MENEZES CORDEIRO, obriga o Direito civil a “acompanhar a
evolução dos tempos, incentivando-a ou corrigindo-a, conforme as circunstâncias”7.
No quadro nacional, além do registo da proibição de corridas de touros no século XIX8, importa recordar a
constituição da Sociedade Protetora dos Animais (SPA), a 28 de novembro de 1875, pelo conselheiro José
Silvestre Ribeiro9, que, em 1912, apresentou um documento intitulado “Apreciações e Comentários ao Projeto
de Lei de Proteção aos Animais em discussão no Congresso Nacional” (sic) no qual constam testemunhos de
personalidades influentes da sociedade civil e dos diversos órgãos de soberania em favor da proteção dos “seres
inferiores”. Mais tarde, entraria em vigor o Decreto n.º 5:650, de 10 de maio de 1919 (considerando ato punível
toda a violência exercida sobre animais).
Mais recentemente, podendo questionar-se a hipótese de os animais serem sujeitos e não apenas objeto de
direitos, assumem particular destaque, entre legislação extravagante relacionada com animais, a Lei n.º 92/95,
de 12 de setembro (proteção aos animais), alterada pela Lei n.º 19/2002, de 31 de julho, e pela Lei n.º 69/2014,
de 29 de agosto, sendo que este último diploma, entre outros aspetos, criminaliza os maus tratos a animais de
companhia.
Atualmente, encontra-se em curso um processo de recolha de assinaturas com vista à sua entrega, através
de Petição, em favor da “alteração do estatuto jurídico dos animais no Código Civil”, que conta, à presente data,
com 9.208 assinaturas. A 3 de fevereiro de 2011, foi entregue na Assembleia da República a Petição n.º 138/XI
(2.ª), contendo 8305 assinaturas, na qual se solicitou a alteração do estatuto jurídico dos animais no Código
Civil.
3 Cfr. PIRES DE LIMA, ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado (artigos 1.º a 761.º), Vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra: Coimbra Editora, 1987, pp. 192 e 193. 4 Cfr. JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS, op. cit., pp. 1094, 1100-1103; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil: coisas…, p. 288. 5 Cfr. JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS, op. cit., pp. 1100. 6 Enfatizando-se, a título de exemplo, a evolução do estatuto das pessoas coletivas. Cfr. JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS, op. cit., 1102, 1103. 7 Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil: coisas…, p. 272. 8 Cfr. Decreto de Passos Manuel de 18 de setembro de 1836. 9 A SPA foi reconhecida como instituição de utilidade pública através da Lei n.º 118, de 16 de março de 1914, tendo os estatutos da associação sido aprovados pelo alvará n.º 23/1949, emitido em 13 de junho de 1949 pelo Governo Civil de Lisboa, e publicados em Diário da República, III Série, de 17 de maio de 1980.
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No Relatório Final aprovado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,
de 28 de setembro de 2011, concluiu-se, entre outras coisas, que “o Código Civil considera os animais como
coisas móveis”, que “são vários os Países que consideram, nos respetivos Códigos Civis, que os animais não
são coisas” e que “a alteração do estatuto jurídico dos animais no Código Civil, de modo a que estes deixem de
ser considerados coisas, é uma pretensão que só pode ser resolvida por via legislativa”, motivo pelo qual “impõe-
se, por isso, que esta questão seja ponderada pelas entidades que dispõem de poder de iniciativa legislativa”.
Antecedentes parlamentares
Relativamente ao tema em apreço destaca-se o Projeto de Lei n.º 173/XII (1.ª) (PS), que altera o Código
Civil, estabelecendo um estatuto jurídico dos animais, propondo-se, para este fim, o aditamento e a introdução
de alterações ao diploma em apreço. Esta iniciativa teve origem na Petição n.º 80/XII (1.ª) (Cumprimento do
artigo 13.º do Tratado de Lisboa, que Portugal assinou e ratificou, e consequente a imediata alteração dos
Códigos Civil e Penal, na parte respeitante aos animais, seres sencientes, e não coisas móveis) apresentada
pela Associação Portuguesa de Direitos dos Animais e do Ambiente (APDAA), a 10 de janeiro de 2012, e
subscrita por 12.393 signatários. A iniciativa legislativa apresentada pelo Partido Socialista, admitida a 16 de
fevereiro de 2012, caducou a 22 de outubro de 2015.
Enquadramento doutrinário/bibliográfico
Bibliografia específica
ARAÚJO, Fernando– A hora dos direitos dos animais. Coimbra: Almedina, 2003. 379 p. ISBN 972-40-
1941-1. Cota:28.26 - 834/2003
Resumo: O autor apresenta uma abordagem aprofundada da temática dos direitos dos animais, debruçando-
se sobre várias questões como: a humanidade do respeito, as questões da alma, a questão de se os animais
podem sofrer e se devem sofrer, o progresso das ciências e o problema da experimentação, a biodiversidade e
as espécies ameaçadas e o desafio de uma bioética “descentrada”.
BORGES, Paulo–A questão dos direitos dos animais para uma genealogia e fundamentação filosóficas. In
A pessoa, a coisa, o facto no Código Civil. ISBN 978-972-749-213-8. Porto: Almeida e Leitão, 2010. P. 227-
251. Cota: 12.06.2 - 100/2012
Resumo: O autor procede a uma análise explicativa histórico-filosófica da forma como encaramos os animais,
que designa como “antropocentrismo europeu-ocidental”, na medida em que se entende que o homem é o centro
e dono do mundo e a natureza e os seres vivos e sencientes são reduzidos a objetos desprovidos de valor
intrínseco, o que implica que os animais foram pensados em função do homem. Considera que em Portugal
ainda não existe reconhecimento jurídico dos direitos dos animais e defende que se deve seguir o rumo de um
novo paradigma “ (…) que reconheça que as agressões aos animais e à natureza (…) são também agressões
da humanidade a si mesma (…)“.
CONFERÊNCIA ANIMAIS: DEVERES E DIREITOS, LISBOA, 2014– Animais [Em linha]: deveres e
direitos. Coord. Maria Luísa Duarte e Carla Amado Gomes. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas,
2015.[Consult. 22 abr. 2016]. Disponível em WWW: http://arnet/sites/dsdic/BIB/BIBArquivo/m/2016/animais_deveres_direitos.pdf>. Resumo: Nesta obra, são apresentadas algumas considerações jurídicas relativamente à aplicação efetiva da Lei n.º 69/2014, com destaque para a questão da proteção dos animais. Decorrido pouco mais de um mês após a entrada em vigor desta nova lei, os números avançados pela comunicação social dão conta de uma inquietante realidade de desrespeito pelos animais a que importa por cobro e confirmam uma consciência social de desvalorização dessas condutas. Sublinha-se a necessidade de os académicos e operadores judiciários providenciarem meios e procedimentos com vista à aplicação efetiva dos dois novos tipos de crime, sem esquecer a denúncia das insuficiências ou dificuldades daí resultantes, numa perspetiva de jure constituendo.
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PORTUGAL. LEIS, DECRETOS, etc.– Regime jurídico dos animais de companhia. Coimbra: Almedina,
2004. 208 p. ISBN 972-40-2232-3. Cota: 498/2004
Resumo: A presente publicação apresenta, de forma sistematizada, a legislação básica atinente à detenção
de animais de companhia, nomeadamente a respeitante aos seus direitos e aquela que define e regulamenta
os deveres que recaem sobre os seus donos, criadores e comerciantes. Contém, entre outra legislação, a
Declaração Universal dos Direitos dos Animais, A Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de
Companhia, além de jurisprudência e um estudo de caso.
RAMOS, José Luís Bonifácio – O animal: coisa outertium genus? O Direito. Coimbra. ISSN 0873-4372. A.
141, n.º V (2009), p. 1071-1104. Cota: RP-270
Resumo: O autor sublinha que a problemática da configuração e classificação do animal ganhou acrescida
importância recentemente, tendo em conta a autonomização do Direito dos Animais e a controvérsia, no âmbito
do Direito Civil, quanto a saber se devemos continuar a prefigurar o animal como coisa, ou se ao invés, o
devemos integrar numa outra classificação ligada ao objeto de direitos, ou quiçá, ao próprio direito.
Na opinião do autor, o animal deve deixar de ser identificado como coisa e até, de um modo geral, como
objeto de direitos. Recusa ainda a qualificação deste como res nullius.
Considera urgente rever diversos preceitos do Código Civil português, nomeadamente os artigos relativos
aos modos de aquisição de coisas móveis corpóreas, os atinentes à noção de coisa em sentido jurídico e outros
relativos à venda de animais. Defende ainda a revisão da Constituição em Portugal, à semelhança do que
sucedeu na Alemanha, de modo a incluir no texto da Lei Fundamental, uma norma que promova a coerência do
imperativo protetor do animal, sob pena de inovarmos no Código Civil mas continuarmos presos a atavismos
ancestrais no Direito Administrativo ou no Direito Penal.
VALENTINI, Laura –Canine justice: an associative account. Political studies. Oxford. ISSN 0032-3217. Vol.
62, n.º 1 (Mar. 2014), p. 37-52. Cota: RE-164
Resumo: Neste artigo somos questionados sobre o que devemos aos animais não humanos, a partir da
perspetiva duma justiça popular e associativa. Abordando a situação dos cães em particular, sugere-se que é
justo que os interesses destes animais sejam tidos em conta quando se legisla e se adotam políticas públicas.
Além da preocupação com o estatuto moral dos cães domésticos, este artigo coloca também questões sobre os
direitos dos animais e a noção de justiça associativa.
A autora argumenta que, se alguém acredita que certos animais não-humanos são objeto de preocupação
moral e que a justiça se aplica sempre em relação aos seres que cooperam com o homem (desde que se trate
de objetos de preocupação moral), então, deve-se conceder que aos cães domésticos é devida justiça da mesma
forma que aos nossos concidadãos humanos.
Enquadramento do tema no plano da União Europeia
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-membros da União Europeia: Alemanha,
Áustria, França, Reino Unido e Suíça.
ALEMANHA
A Alemanha é, conjuntamente com a Áustria e a Suíça, um dos países europeus que já contempla os direitos
dos animais na Constituição, ao incluir um artigo 20-A sobre proteção dos fundamentos naturais da vida e dos
animais, em que determina como responsabilidade do Estado a proteção das “natural foundations of life and
animals”.
A essa disposição junta-se uma alteração ao Código Civil Alemão - BGB, que reconhece, no artigo 90-A, que
os animais não são coisas, sendo protegidos por legislação especial. Para além desta alteração, o artigo 903.º
refere explicitamente que o proprietário de um animal deve tomar todas as precauções para a sua proteção, e
no artigo 251.º é determinada a obrigação de indemnização de despesas resultantes de tratamento veterinário
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em caso de dano. Por último, o artigo 960.º refere-se à propriedade de animais selvagens em liberdade e em
zoos.
Também o Código do Processo Civil (Zivilprozessordnung – ZPO) determina, no seu §765-A, que o tribunal
de execução tem de dar respeito à responsabilidade do homem pelo animal nas considerações que tiver de
fazer, esclarecendo no §811-C que os animais criados na esfera doméstica não são suscetíveis de penhora.
Em termos de legislação avulsa, a primeira lei de proteção dos animais alemã remonta a 1933. Hoje em dia,
vigora a Tierschutzgesetz de 1972, alterada pela última vez em 2010, cujo objeto consiste em proteger as vidas
e o bem-estar dos animais, reconhecendo a responsabilidade dos seres humanos pelos animais, enquanto
criaturas semelhantes (artigo 1.º). A segunda parte do artigo 1.º determina que ninguém pode infligir dor,
sofrimento ou dano aos animais sem ter justificação atendível para isso. A lei regula os aspetos relativos à
detenção, abate, criação e ensino, comércio e importação de animais, bem como a realização de intervenções
e investigação em animais.
ÁUSTRIA
A Áustria foi pioneira ao nível do direito civil, aprovando a 1 de março de 1988 a Lei federal sobre o estatuto
jurídico do animal no direito civil, o que lhe permite possuir uma legislação de defesa dos direitos dos animais
muito avançada, fruto de uma grande intervenção de ativistas e organização de defesa dos animais, como se
pode ver pelo seu historial.
Sendo dos poucos países europeus que deixou de considerar os animais como coisas, nomeadamente no
artigo 285a do Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch, ABGB (Código Civil Austríaco), em que os animais não
são considerados coisas, sendo protegidos por legislação especial, estipulando ainda, no seu artigo 1332a que
“no caso de um animal ser ferido, são reembolsáveis as despesas efetivas com o seu tratamento mesmo que
excedam o valor do animal, na medida em que um dono de animal, colocado na situação do lesado, também
tivesse realizado essas despesas”.
O Animal Protection Act, aprovado em 2005, contém disposições relativas a proteção de animais, proibição
de maus tratos, proibição de intervenções cirúrgicas não necessárias (incluindo por exemplo cortes de orelhas
e cauda em cães de raça, remoção das cordas vocais, etc.), experiências em animais, obrigação de prestação
de cuidados médicos, transporte de animais, animais selvagens, matadouros, e ainda introduzindo a noção de
representantes legais (artigo 41.º) dos animais.
FRANÇA
O Código Civil Francês também regista uma alteração da conceção jus civilística dos animais,
nomeadamente na alteração aprovada em 2015, com a introdução do artigo 515-14, que determina que “Les
animaux sont des êtres vivants doués de sensibilité. Sous réserve des lois qui les protègent, les animaux sont
soumis au régime des biens”.
A proteção legal relativa a animais encontra-se dispersa no Código Penal, Código Rural, Código Civil (já
referenciado), Código da Saúde Pública, Código das Coletividades e Código da Estrada, a saber:
Penas contra a crueldade em animais - Código Penal art. 521-1, R. 511-1 e R.653.1;
Circulação de animais - Código da Estrada, art. R.412-44;
Controlo sanitário - Código Rural, art. L. 223-1, Art. 232-21;
Disposições relativas a animais perigosos - Código Rural, art. L. 211-11 et s. et R. 211-4 et s.;
Proteção de animais - Código Rural, art. L214-6.
REINO UNIDO
O Reino Unido possui o Department for Environment, Food and Rural Affairs (Defra), responsável pela política
governamental sobre animais, entre outras matérias. No seu website é possível encontrar legislação, códigos
de conduta e guias sobre o assunto.
O Animal Welfare Act, 2006 aplica-se a todos os vertebrados, constituindo qualquer pessoa maior de 16 anos
como responsável pelo seu bem-estar. O diploma prevê:
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a) A prevenção de danos, aí incluindo o sofrimento desnecessário (infligido pelo próprio ou por terceiros,
sem que a pessoa tome qualquer medida), questões relacionadas com a mutilação (que a Autoridade Nacional
deve regulamentar), proibição de lutas entre animais;
b) A promoção do bem-estar, entendido como o dever de o responsável pelo animal lhe garantir um ambiente
e dieta adequados, proteção da saúde e exibição de padrões normais de comportamento.
É ainda criminalizada a venda de animais a menores de 16 anos, estabelecida a forma de licenciamento e
registo e determinado que as autoridades devem estabelecer códigos de conduta.
Na página do Defra, encontram-se os seguintes Códigos de conduta:
Code of practice for the welfare of dogs;
Code of practice for the welfare of cats;
Code of Practice for the Welfare of Horses, Ponies, Donkeys and their Hybrids;
Code of Practice for the Welfare of Privately Kept Non-Human Primates.
SUÍÇA
A Suíça reconhece, no artigo 80.º da sua Constituição, a proteção dos animais, nomeadamente:
A guarda dos animais e a forma de os tratar;
A experimentação animal e os danos à integridade dos animais vivos;
A utilização dos animais;
A importação de animais e de produtos de origem animal;
O comércio e transporte de animais;
O abate de animais.
A aplicação das disposições federais incumbe aos cantões, na medida em que ela não está reservada por
lei à Confederação.
Para além disso, a Constituição prescreve disposições (artigo 120.º) sobre o uso de material reprodutivo e
genético de animais, plantas e outros organismos, respeitando a integridade dos organismos vivos e segurança
das pessoas, animais e ao meio ambiente e protegendo a diversidade genética de espécies vegetais e animais.
Também neste país os animais deixaram de ser considerados coisas, por alteração do Código Civil, em 2002,
nomeadamente no seu artigo 641.º que assim o refere explicitamente. De igual forma, é salvaguardado o bem-
estar do animal em caso de partilha de bens patrimoniais (artigo 651.º-a), devendo o tribunal decidir de acordo
com esse preceito. Por sua vez, o Código das Execuções determina, no n.º 1 do seu artigo 43.º, que os donos
ou seus familiares têm direito a indemnização pelo valor adequado no caso de sofrimento ou mesmo morte do
animal.
Este país tem, aliás, preceitos meramente em favor do animal, determinando no direito das sucessões, que
“sendo um animal beneficiário de uma disposição mortis causa, esta disposição considera-se como ónus de
cuidar do animal” (artigo 482 do Código Civil).
Outros países
NOVA ZELÂNDIA
O ordenamento jurídico neozelandês dispõe de uma lei de bem-estar animal, o Animal Welfare Act 1999, de
14 de outubro. Neste sentido, a 5 de maio de 2015, o Parlamento local aprovou, por unanimidade, a iniciativa
legislativa com vista à introdução de alterações ao regime em vigor, entrando, assim, em vigor, o Animal Welfare
Amendment Act (no. 2) 2015.
Com a recente revisão da lei, os animais passaram, desde logo, a ser reconhecidos como seres sencientes
(artigo 4.º), que sentem dor e angústia, o que constitui um reconhecimento da sua especificidade e das suas
características face a outros seres vivos. Esta expressão não era estranha na Nova Zelândia, uma vez que já
se encontrava prevista na Estratégia de Bem-Estar Animal da Nova Zelândia (New Zealand Animal Welfare
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Strategy). Quem tem animais em sua posse ou tem algum deles a seu cargo tem o dever de garantir o bem-
estar dos animais e de assegurar tratamento que alivie o sofrimento desnecessário (o artigo 12.º eliminou a
expressão “quando possível” do artigo 11.º da Animal Welfare Act 1999)
O mesmo diploma veio a rever, no artigo 7.º, a noção de “necessidades físicas, de saúde e comportamentais”
(physical, health, and behavioural needs), consistindo as mesmas, relativamente a animais, em (i) alimentação
adequada e suficiente, (ii) água adequada e suficiente, (iii) abrigo adequado, (iv) oportunidade para exibir
padrões comportamentais normais, (v) tratamento físico de maneira a reduzir a probabilidade de verificação de
dor ou sofrimento desnecessários ou injustificados e (vi) proteção e realização de um diagnóstico rápido contra
lesões ou doenças.
Finalmente, são ainda introduzidas alterações ao Comité Consultivo Nacional sobre o Bem-Estar Animal
(National Animal Welfare Advisory Committee) e ao Comité Consultivo Nacional sobre Ética Animal (National
Animal Ethics Advisory Committee). Recorde-se que estes órgãos funcionam diretamente na dependência do
Ministro da tutela do bem-estar animal (artigos 56.º a 61.º do Animal Welfare Act 1999) e questões éticas e
condutas relacionadas com investigação, testes e ensino (artigos 62.º a 67.º).
Organizações internacionais
A Declaração Universal dos Direitos do Animal foi adotada pela Liga Internacional dos Direitos do Animal e
pelas Ligas Nacionais filiadas após a terceira reunião sobre os direitos do animal, celebrados em Londres nos
dias 21 a 23 de Setembro de 1977.
A declaração proclamada em 15 de Outubro de 1978 pela Liga Internacional, Ligas Nacionais e pelas
pessoas físicas que se associam a elas e foi aprovada pela Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO).
No preâmbulo do instrumento em apreço consagra-se o princípio que reconhece “que todo o Animal tem
direitos” e que “o desconhecimento e desrespeito desses direitos conduziram e continuam a conduzir o homem
a cometer crimes contra a natureza e contra os animais”, pelo que “o respeito pelos animais, por parte do homem,
está relacionado com o respeito dos homens entre eles próprios”. Mais acresce que, no seu artigo 2.º determina-
se que “todo o animal tem o direito a ser respeitado”, que “o homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-
se o direito de exterminar os outros animais ou de os explorar, violando esse direito” e que “todos os anima is
têm direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem”.
Além deste, são ainda direitos reconhecidos pela Declaração os seguintes:
Direito à igualdade e à existência entre todos os animais;
Direito à não submissão a maus tratos, atos cruéis ou ao sofrimento;
Direito aos animais selvagens a reproduzirem-se e a viverem livres no seu ambiente natural;
Direito aos animais que contactam com o Homem a viver e crescer ao ritmo das condições de vida próprias
da sua espécie;
Direito à longevidade natural e a não serem abandonados;
Direito a limite razoável de tempo e intensidade de trabalho, bem como a alimentação reparadora e
repouso caso se tratem de animais de trabalho;
Direito à não sujeição à experimentação animal sempre que implique sofrimento físico e psicológico;
Direito a morte sem sofrimento, ansiedade ou dor e a nutrição, instalação e transporte adequados quando
o animal seja criado para alimentação humana;
Direito a não ser explorado para entretenimento humano;
Direito a não ser submetido a atos de onde resulte a sua morte;
Direito à proteção contra genocídio;
Direito ao respeito após a morte;
Direito a serem representados por organismos governamentais e a serem defendidos pela Lei.
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IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Iniciativas legislativas
Consultada a base de dados do processo legislativo e da atividade parlamentar (PLC), verificou-se que se
encontram pendentes sobre esta matéria as seguintes iniciativas legislativas:
Projeto de Lei n.º 164/XIII (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo um estatuto jurídico dos animais: Foi
admitido em 19/04/2016 e, nessa mesma data, baixou na generalidade à Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª). A discussão na generalidade deste projeto de lei encontra-se agendada,
em conjunto com a iniciativa legislativa em análise, para a sessão plenária do dia 12 de maio de 2016 (cfr.
Súmula n.º 19 da Conferência de Líderes de 27 de abril).
Projeto de Lei n.º 173/XIII (PAN) – Reforça o regime sancionatório aplicável aos animais (altera o Código
Penal): Foi admitido em 19/04/2016 e, nessa mesma data, baixou na generalidade à Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª)
Sobre matéria conexa estão igualmente pendentes os seguintes projetos de lei:
Projeto de Lei n.º 976/XII (4.ª) (Iniciativa Legislativa de Cidadãos) – Terceira alteração a Lei n.º 92/95, de 12
de setembro, sexta alteração ao Decreto-Lei n.° 276/2001, de 17 de outubro, primeira alteração ao Decreto-Lei
n.º 313/2003, de 17 setembro, primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro, primeira
alteração à Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, primeira alteração à Portaria n.º 421/2004, de 24 de abril –
Proíbe o abate indiscriminado de animais pelas câmaras municipais, institui uma politica de controlo das
populações de animais errantes e estabelece condições adicionais para criação e venda de animais de
companhia: Foi admitido em 08/07/2015, foi discutido na generalidade em 11/12/2015, conjuntamente com o
Projeto de Lei n.º 65/XIII (1.ª), tendo baixado, para nova apreciação, à Comissão de Ambiente, Ordenamento do
Território, Descentralização, Poder Local e Habitação (11.ª).
Projeto de Lei n.º 65/XIII (1.ª) (PCP) – Aprova medidas para a criação de uma rede de centros de recolha
oficial de animais e para a modernização dos serviços municipais de veterinária: Foi admitido em 09/12/2015,
foi discutido na generalidade em 11/12/2015, conjuntamente com o Projeto de Lei n.º 976/XII (4.ª), tendo baixado,
para nova apreciação, à Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e
Habitação (11.ª).
Projeto de Lei n.º 172/XIII (1.ª) (PAN) – Possibilidade de Permissão de Animais em Estabelecimentos
Comerciais (altera o DL n.º 10/2015, de 16 de janeiro): Foi admitido em 19/04/2016 e, nessa mesma data, baixou
na generalidade à Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas (6.ª).
Petições
Consultada a base de dados do processo legislativo e da atividade parlamentar (PLC), verificou-se que se
encontram pendentes as seguintes petições sobre matéria conexa com a da iniciativa legislativa em apreciação:
Petição n.º 58/XIII (1.ª) – Pretendem que seja criada legislação adequada que impeça o comércio de animais
em anúncios de classificados de páginas na internet;
Petição n.º 91/XIII (1.ª) – Contra o abandono e abate dos animais da Ilha São Miguel.
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
A Comissão promoveu, em 21 de abril de 2016, a emissão de parecer escrito pelas seguintes entidades:
Conselho Superior da Magistratura, Ordem dos Advogados e Conselho Superior do Ministério Público.
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VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Em face dos elementos disponíveis, nomeadamente da exposição de motivos e do articulado da presente
iniciativa, sendo a mesma aprovada, parece não resultar qualquer encargo direto com a sua aplicação.
———
PROJETO DE LEI N.º 173/XIII (1.ª)
(REFORÇA O REGIME SANCIONATÓRIO APLICÁVEL AOS ANIMAIS (ALTERA O CÓDIGO PENAL)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
I. Nota introdutória
O Deputado único do Partido Pessoas-Animais-Natureza apresentou à Assembleia da República, em 15 de
abril de 2016, o Projeto de Lei n.º 173/XIII (1.ª) – “Reforça o regime sancionatório aplicável aos animais (altera
o Código Penal)”.
Esta apresentação foi efetuada nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º da Constituição
da República Portuguesa e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos
formais previstos no artigo 124.º desse mesmo Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, datado de 20 de abril de 2016, esta
iniciativa legislativa baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para ser
emitido o parecer respetivo.
II. Conteúdos e motivação do projeto
O projeto de lei em apreço visa aditar um novo artigo e alterar quatro artigos do Código Penal, reforçando o
regime sancionatório aplicável aos crimes contra animais.
O Deputado proponente considera que “dezoito meses após a aprovação da Lei n.º 69/2014, de 31 de agosto,
(…) consideramos estar em condições de avaliar a sua efetiva aplicação” e que “existe um consenso cada vez
mais alargado de que os animais merecem proteção e que devem existir medidas mais eficazes de salvaguardo
dos animais contra maus tratos e atos cruéis, violentos e injustificados dos quais resulte ou não a sua morte” (v.
exposição de motivos).
Este projeto de lei apresenta-se fundamentado por três ordens de razões. Em primeiro lugar, “têm-se notado
determinadas falhas na aplicação da lei, situações não previstas legalmente como é o caso da morte de um
animal de companhia não ter sido precedida de maus tratos. Neste caso em particular há um autêntico vazio
legal (…)” (v. exposição de motivos). Em segundo lugar, “[é] (…) necessário conferir proteção legal a outros
animais que não só os de companhia (…) independentemente do fim a que se destinem” (idem). Finalmente,
em terceiro lugar, entende o proponente que “não se trata de definir novas regras quanto ao que é e não é lícito
na nossa ordem jurídica, nem de abrir um debate em torno de questões relativas a determinadas atividades
económicas ou espetáculos que envolvam animais, mas tão somente de dotar do devido acompanhamento
sancionatório as normas já em vigor quanto a maus tratos a animais” (idem)
São, em concreto, propostas as seguintes alterações (artigo 2.º):
1. Alteração do artigo 387.º (Maus tratos a animais): Esta disposição passa a abranger todos os animais e
não apenas de companhia; prevê-se pena de prisão de um a três anos se os maus tratos forem
produzidos em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade e estipula-se o
agravamento das penas quando a) se utilizarem armas, instrumentos, objetos, meios e métodos
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insidiosos ou concretamente perigosos para a vida do animal; b) o crime for de especial perversidade,
crueldade ou censurabilidade; c) se causar a perda de órgão, sentido ou membro do animal, assim como
lesões permanentes na sua saúde e d) os factos se executarem na presença de menor de idade.
2. Alteração do artigo 388.º (Abandono de animais): Esta disposição passa a referir-se a animais de
companhia e domesticados e não apenas de companhia; a moldura penal é aumentada para pena de
prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
3. Alteração do artigo 338.º-A (Penas acessórias): Previsão da nova pena acessória de “perda a favor do
Estado da tutela ou propriedade dos animais vítimas dos crimes previstos neste título e de obrigação de
frequência de programas específicos de prevenção da violência contra animais”.
4. Alteração do artigo 389.º (Conceito de animal de companhia ou domesticado): Supressão do atual n.º 2
e ampliação do âmbito do n.º 1 a todos os animais “detido[s] ou destinado[s] a ser detido[s] por seres
humanos, independentemente do uso que lhe[s] é dado.”
5. Aditamento de um novo artigo 390.º (“Animalicídio”), para o qual é prevista uma pena de prisão 1 a 3
anos.
É proposto que estas alterações entrem em vigor «no dia seguinte ao da sua publicação» (artigo 3.º).
III. Antecedentes
Constituem precedentes relevantes de iniciativas legislativas nesta matéria as seguintes:
a) Projeto de Lei n.º 474/XII (3.ª) (Partido Socialista), que aprova o regime sancionatório aplicável aos
maus-tratos contra animais e alarga os direitos das associações zoófilas, e Projeto de Lei n.º 475/XII
(3.ª) (Partido Social Democrata), que altera o Código Penal, criminalizando os maus tratos a animais de
companhia. Estas duas iniciativas foram desencadeadas por referência à Petição n.º 173/XII (2.ª)
(solicitam a aprovação de uma nova lei de proteção dos animais), apresentada à Assembleia da
República em 4 de outubro de 2012, subscrita por 41.511 cidadãos/ãs eleitores/as sendo primeira
peticionante a associação ANIMAL. A articulação destas duas iniciativas veio a estar na origem da Lei
n.º 69/2014, de 29 de agosto;
b) Projeto de Lei n.º 1024/XII (4.ª) (Partido Socialista), que estabelece o quadro de sanções acessórias aos
crimes contra animais de companhia, apresentado aquando da discussão da Petição n.º 485/XII (4.ª)
(solicitam a alteração da Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, que promove a proteção dos animais),
subscrita por 16.303 cidadãos/ãs eleitores/as sendo primeira peticionante Mónica Elisabete de
Ascensão Nunes de Andrade. O projeto foi aprovado e deu origem à Lei n.º 110/2015, de 26 de agosto.
IV. Opinião do Deputado Relator
O signatário do presente relatório entende, neste parecer, não manifestar a sua opinião pessoal sobre o
Projeto de Lei n.º 209/XIII (1.ª) (Partido Socialista), sendo que a mesma é, de resto, de “elaboração facultativa”
nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.
V. Conclusões
1. O Deputado único do Partido Pessoas-Animais-Natureza apresentou à Assembleia da República, em
15 de abril de 2016, o Projeto de Lei n.º 173/XIII (1.ª) – “Reforça o regime sancionatório aplicável aos
animais (altera o Código Penal)”.
2. Este Projeto visa aditar um novo artigo e alterar quatro artigos do Código Penal, reforçando o regime
sancionatório aplicável aos crimes contra animais.
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3. Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de
parecer que o Projeto de Lei n.º 173/XIII (1.ª) (Partido Pessoas-Animais-Natureza) reúne os requisitos
constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em Plenário.
VI. Anexo
Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços de apoio à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República.
Palácio de S. Bento, 9 de maio de 2016.
O Deputado Relator, José Manuel Pureza — O Presidente da Comissão, Pedro Bacelar de Vasconcelos.
Nota Técnica
Projetos de Lei n.º 173/XIII (1.ª) – Reforça o regime sancionatório aplicável aos animais (altera o
Código Penal) (PAN).
Data de admissão: 19 de abril de 2016
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª)
Índice
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da
lei formulário
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
V. Consultas e contributos
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Elaborada por: Fernando Bento Ribeiro (DAC), Luís Martins (DAPLEN), Alexandre Guerreiro, Fernando Marques Pereira e Leonor Calvão Borges (DILP) e Paula Granada (BIB).
Data: 05 de maio de 2016.
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
A presente iniciativa pretende reforça o regime sancionatório aplicável aos animais, alterando o Código Penal.
Ressalva, desde logo, que “cerca de dezoito meses após a aprovação da lei n.º 69/2014, de 31 de Agosto, o
Relatório de Segurança Interna de 2015 regista 1330 participações pelo crime de maus tratos a animais, pelo
que consideramos estar em condições de avaliar a sua efetiva aplicação”.
Entende ainda o proponente, que “o reconhecimento da dignidade dos animais não humanos foi já
especialmente proclamado, de um ponto de vista legislativo, no artigo 13.º do Tratado de Lisboa, o qual
reconhece a sensibilidade dos animais não humanos, pressupondo-se que os Estados-membros atuem de
acordo com o preceituado no referido artigo.”
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Pretende-se assim dotar do devido acompanhamento sancionatório as normas já em vigor quanto a maus-
tratos animais, a saber, as que constam da Lei n.º 92/95, de 12 de setembro e de outra legislação avulsa
relevante.
A alteração ao Código Penal pretendida consubstancia-se e na alteração dos artigos 387.º, 388.º, 388.º-A e
389.º e no aditamento de um novo artigo 390.º.
Código Penal PJL 173/XIII (1.ª) (PAN)
Artigo 387.º Artigo 387.º Maus tratos a animais de companhia (Maus tratos a animais)
1 – Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou 1 – Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de quaisquer outros maus tratos físicos a um animal é punido companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até pena de multa até 120 dias. 120 dias. 2 – Se dos factos previstos no número anterior resultar a 2 – Se os maus tratos forem produzidos em circunstâncias morte do animal, a privação de importante órgão ou membro que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de agente é punido com pena de prisão de um três anos. locomoção, o agente é punido com pena de prisão até dois 3 – As penas serão especialmente agravadas quando: anos ou com pena de multa até 240 dias.
a) Se utilizarem armas, instrumentos, objetos, meios e métodos insidiosos ou concretamente perigosos para a vida do animal; b) O crime ser de especial perversidade, crueldade ou censurabilidade; c) Causar a perda de órgão, sentido ou membro do animal, assim como lesões permanentes na sua saúde; d) Os factos se executarem na presença de menor de idade; e) Resultar a morte.
Artigo 388.º Artigo 388.º Abandono de animais de companhia(Abandono de animais)
Quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal de Quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal companhia, o abandonar, pondo desse modo em perigo a de companhia ou domesticado, que viva sob o controlo sua alimentação e a prestação de cuidados que lhe são humano, o abandonar, é punido com pena de prisão até devidos, é punido com pena de prisão até seis meses ou um ano ou com pena de multa até 120 dias. com pena de multa até 60 dias.
Artigo 388.º-A.º Artigo 388.º-A.º Penas acessórias (…)
1 – Consoante a gravidade do ilícito e a culpa do agente,
1 – Consoante a gravidade do ilícito e a culpa do agente, podem ser aplicadas, cumulativamente com as penas
podem ser aplicadas, cumulativamente com as penas previstas para os crimes referidos nos artigos 387.º e 388.º,
previstas para os crimes referidos nos artigos 387.º e 388.º, as seguintes penas acessórias:
as seguintes penas acessórias: a) Perda a favor do Estado da tutela ou propriedade dos
a) Privação do direito de detenção de animais de companhia animais vítimas dos crimes previstos neste título e de
pelo período máximo de 5 anos; obrigação de frequência de programas específicos de
b) Privação do direito de participar em feiras, mercados, prevenção da violência contra animais;
exposições ou concursos relacionados com animais de b) Privação do direito de detenção de animais pelo período
companhia; máximo de 5 anos;
c) Encerramento de estabelecimento relacionado com c) Privação do direito de participar em feiras, mercados,
animais de companhia cujo funcionamento esteja sujeito a exposições ou concursos relacionados com animais;
autorização ou licença administrativa; d) Encerramento de estabelecimento relacionado com
d) Suspensão de permissões administrativas, incluindo animais de cujo funcionamento esteja sujeito a autorização
autorizações, licenças e alvarás, relacionadas com animais ou licença administrativa;
de companhia.e) Suspensão de permissões administrativas, incluindo autorizações, licenças e alvarás, relacionadas com animais.
2 – As penas acessórias referidas nas alíneas b), c) e d) do 2 – As penas acessórias referidas nas alíneas b), c) e d) número anterior têm a duração máxima de três anos, do número anterior têm a duração máxima de três anos, contados a partir da decisão condenatória.contados a partir da decisão condenatória.
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Código Penal PJL 173/XIII (1.ª) (PAN)
Artigo 389.º Artigo 389.º Conceito de animal de companhia (Conceito de animal de companhia ou domesticado)
1 – Para efeitos do disposto neste título, entende-se por Para efeitos do disposto neste título, entende-se por animal animal de companhia qualquer animal detido ou destinado a de companhia ou domesticado qualquer animal detido ou ser detido por seres humanos, designadamente no seu lar, destinado a ser detido por seres humanos, para seu entretenimento e companhia. independentemente do uso que lhe é dado.2 – O disposto no número anterior não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial, assim como não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de espetáculo comercial ou outros fins legalmente previstos.
ADITAMENTOS
Artigo 390.º Animalicídio
1 – Quem matar um animal é punido com pena de prisão de 1 a 3 anos. 2 – O disposto no número anterior não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial, atividade cinegética, ou outras atividades devidamente licenciadas pelas autoridades competentes.
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do
cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais
A presente iniciativa legislativa que“Reforça o regime sancionatório aplicável aos animais (altera o Código
Penal) ”, ora em apreciação, é subscrita e apresentada à Assembleia da República pelo Deputado do Partido
Pessoas, Animais e Natureza (PAN), no âmbito do seu poder de iniciativa, em conformidade com o disposto
na alínea g) do artigo 180.º e n.º 1 do artigo 167.º da Constituição, bem como na alínea f) do artigo 8.º e
no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
Esta iniciativa legislativa assume a forma de projeto de lei, nos termos do n.º 1 do artigo 119.º do
Regimento, apresenta-se redigida sob a forma de artigos, com uma designação que traduz
sinteticamente o seu objeto principal e uma exposição de motivos, dando cumprimento aos requisitos
formais previstos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
Refira-se, igualmente, que deu entrada e foi admitida em 19 de abril do corrente ano, tendo sido anunciada
e baixado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª CACDLG) no dia
seguinte. A sua discussão na generalidade encontra-se já agendada para a sessão plenária do próximo dia 12
de maio (cf. Súmulas n.os 18 e 19 da Conferência de Líderes).
Em caso de aprovação, para efeitos de especialidade, salienta-se que no artigo 2.º desta iniciativa com a
epígrafe “Aditamento ao Código Penal”, se incluem também alterações ao Código Penal que devem ser
autonomizadas em artigo relativo a “Alteração ao Código Penal”.
Verificação do cumprimento da lei formulário:
No cumprimento da «lei formulário»,(Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada pelas Leis n.os 2/2005, de
24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho), a iniciativa, como
mencionado anteriormente, contém uma exposição de motivos, bem como uma designação que identifica o seu
objeto, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 7.º.
Caso se verifique a sua aprovação, será publicada na 1.ª série do Diário da República sob a forma de lei,
entrando em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do artigo 3.º do seu articulado e, igualmente,
em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, que prevê que os atos legislativos
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“entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no
próprio dia da publicação”.
O título da iniciativa traduz o objeto do diploma, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da
referida lei formulário. No entanto, para o efeito, os autores pretendem alterar o Código Penal, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da já referida lei
formulário “os diplomas que alterem outrosdevem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso
tenha havido alterações anteriores, identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que
incidam sobre outras normas”.
Consultada a base Digesto constata-se que o Código Penal foi objeto até à presente data de quarenta
modificações pelo que, em caso de aprovação desta iniciativa legislativa, estaremos perante a sua
quadragésima primeira alteração, tal como é referido no seu artigo 1.º. Assim sendo, em caso de aprovação,
sugere-se que o título da iniciativa seja alterado, em sede de especialidade ou de redação final, dele passando
a constar o seguinte:
“Reforça o regime sancionatório aplicável aos animais (Quadragésima primeira alteração ao Código Penal,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro)”.
Na presente fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da «lei formulário».
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes
No quadro nacional, além do registo da proibição de corridas de touros no século XIX1, importa recordar a
constituição da Sociedade Protetora dos Animais (SPA), a 28 de novembro de 1875, pelo conselheiro José
Silvestre Ribeiro2, que, em 1912, apresentou um documento intitulado “Apreciações e Comentários ao Projecto
de Lei de Protecção aos Animaes em discussão no Congresso Nacional” (sic) no qual constam testemunhos de
personalidades influentes da sociedade civil e dos diversos órgãos de soberania em favor da proteção dos
animais.
Mais tarde, entraria em vigor o Decreto n.º 5:650, de 10 de maio de 1919 (considerando ato punível toda a
violência exercida sobre animais), através do qual atos de espancamento ou flagelamento de “animais
domésticos” determinavam a condenação em pena de multa, sendo que a reincidência teria como consequência
o cumprimento de pena de 5 a 45 dias em prisão correcional. Uma pena de multa era igualmente aplicável a
quem empregasse “no serviço animais extenuados, famintos, chagados ou doentes”. Este diploma viria a ser
complementado pelo Decreto n.º 5:864, de 12 de junho de 1919, aprovado com o objetivo de especializar os
atos “que devam ser considerados puníveis como violências exercidas sobre os animais”.
Antes, recorde-se que a questão dos maus tratos aos animais já havia impulsionado iniciativas legislativas,
sendo disso exemplo:
A iniciativa em favor da abolição das touradas, subscrita a 9 de julho de 1869;
A recolha de assinaturas em favor da abolição de touradas, apresentada à Câmara dos Senhores
Deputados da Nação Portuguesa, a 14 de fevereiro de 1874;
O Projeto de Lei n.º 65, lido na sessão parlamentar de 10 de abril de 1878, onde se preveem sanções,
incluindo pena de prisão de 3 a 15 dias, para quem “voluntária e publicamente maltratar os animais domésticos
sem necessidade”;
O Projeto de Lei n.º 67-A, lido na mesma sessão parlamentar de 10 de abril de 1878, e com a previsão
de pena de prisão, a prática de “maus tratos para com os animais”, que teve como origem a iniciativa proposta
na Sessão de 21 de março de 1877;
1 Cfr. Decreto de Passos Manuel de 18 de setembro de 1836. 2 A SPA foi reconhecida como instituição de utilidade pública através da Lei n.º 118, de 16 de março de 1914, tendo os estatutos da associação sido aprovados pelo alvará n.º 23/1949, emitido em 13 de junho de 1949 pelo Governo Civil de Lisboa, e publicados em Diário da República, III Série, de 17 de maio de 1980.
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O Regulamento Geral dos Serviços de Polícia Higiénica e Sanitária dos Animais, aprovado pelo Decreto
de 7 de fevereiro de 1889, cujo artigo 182.º dispunha que “serão punidos com a multa de 1$000 réis a 3$000
réis, e poderão sê-lo também com um a cinco dias de prisão, aqueles que nos lugares públicos espancarem,
flagelarem, ou por qualquer forma maltratarem os animais domésticos”, aplicando-se sempre pena de prisão em
caso de reincidência. Esta disposição foi revogada pelo Decreto 5:650, de 10 de maio de 1919.
O Projeto de Lei apresentado por Fernão Botto Machado, Deputado à Assembleia Constituinte, na Sessão
de 3 de agosto de 1911, na sequência de pedido formalizado pela Assembleia pela Sociedade Protetora dos
Animais, com vista a sancionar “os maus tratos exercidos contra os animais”;
O Projeto de Lei de Fernão Botto Machado, apresentado a 11 de agosto de 1911, em favor da abolição
das touradas em Portugal.
Mais recentemente, assumem particular destaque, entre legislação extravagante relacionada com animais,
a Lei n.º 92/95, de 12 de setembro (proteção aos animais), alterada pela Lei n.º 19/2002, de 31 de julho, e pela
Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, sendo que este último diploma adita um novo título VI ao Código Penal,
intitulado “dos crimes contra os animais de companhia” e cria como novos ilícitos penais os crimes de “maus
tratos a animais de companhia” (artigo 387.º) e “abandono de animais de companhia” (artigo 388.º), crimes estes
de natureza pública. Mais tarde, foi publicada a Lei n.º 110/2015, de 26 de agosto, que estabelece o quadro de
penas acessórias aplicáveis aos crimes contra animais de companhia, aditando o artigo 388.º-A ao Código
Penal. De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna 2015, foram registadas 1.330 participações de
crimes contra os animais de companhia no ano de 2015 (pp. 2, 13 e 21).
Considerando que o n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal dispõe que “a aplicação de penas e de medidas de
segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, o bem jurídico a proteger
no caso em apreço “será o bem-estar dos animais de companhia”3. O n.º 1 do artigo 389.º do Código Penal
define como “animal de companhia qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos,
designadamente do seu lar, para seu entretenimento e companhia”, um entendimento que segue o previsto no
n.º 1 do artigo 1.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, aprovada para ratificação
através do Decreto n.º 13/93, de 13 de fevereiro, afigurando-se necessário recordar que o n.º 5 do artigo 1.º
estende o conceito de animal de companhia aos animais de rua4.
A questão suscitada pela entrada em vigor da Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, prende-se com o eventual
convívio entre a nova norma sancionatória do crime de maus tratos a animais de companhia (artigo 387.º do
Código Penal) em simultâneo com o regime previsto no Decreto 5:650, de 10 de maio de 1919 (que criminaliza
a violência contra animais domésticos), uma vez que se desconhece qualquer norma revogatória deste último
diploma, pelo que se admite a probabilidade de este ainda se mantenha em vigor no ordenamento jurídico
português.
Procurando dar resposta à questão sobre se os Decretos 5:650, de 10 de maio de 1919, e 5:864, de 12 de
junho de 1919, se mantêm em vigor, ALFREDO GASPAR alega que “a resposta tem de ser afirmativa”5. Um dos
motivos invocados prende-se com o facto de o legislador ter expressamente revogado o artigo 182.º do
Regulamento Geral dos Serviços de Polícia Higiénica e Sanitária dos Animais, de 1889, através do Decreto
5:650, nada tendo dito expressa ou tacitamente a propósito deste último diploma aquando da aprovação do
Código Penal de 1982, já que o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, dispõe que
foram revogados “o Código Penal aprovado pelo Decreto de 16 de setembro de 1886 e todas as disposições
legais que preveem e punem factos incriminados pelo novo Código Penal”, não estando nele tipificado o crime
de maus tratos a animais.
No mesmo sentido de que os Decretos de 1919 se mantêm em vigor pronunciou-se a Procuradoria-Geral da
República através do Parecer do Conselho Consultivo P000831991, votado a 30 de março de 1992 (capítulo V,
ponto 2, 2.º parágrafo).
A problemática decorrente do reconhecimento da vigência dos Decretos 5:650 e 5:864 – sobretudo se se
considerar que à luz do n.º 3 do artigo 1.º “não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como
3 Cfr. RAUL FARIAS, “Dos crimes contra animais de companhia. Breves notas”, in Animais: Deveres e Direitos, Lisboa: ICJP, 2015, p. 141. 4 Posição esta reiterada pelo Conselho da Europa no ponto 15 do Explanatory Report to the European Convention for the Protection of Pet Animals, de 13 de novembro de 1987. 5 Cfr. ALFREDO GASPAR, “Sobre o crime de maus tratos a animais”, in SCIENTIA IVRIDICA – Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Ano XXXV, n.º 199-204 (Jan./Dez. 1986), Braga: Livraria Cruz, 1986 p. 168.
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crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde
– diz respeito ao facto de (i) os Decretos poderem prever um regime penal mais favorável que o presente artigo
387.º do Código Penal em determinadas circunstâncias e (ii) ambos poderem punir atos não previstos pela Lei
n.º 69/2014, de 29 de agosto.
Com efeito, ALFREDO GASPAR sustenta que, com base no Decreto n.º 5:864, “não é menos delituoso o
comportamento daquele que tem o animal exposto para venda ao público num espaço que nem o deixa mover,
e que, quando o estabelecimento se encerra nos feriados ou no fim da semana, o deixa morrer à fome ou à
sede”6.
Finalmente, a presente iniciativa legislativa visa criar o novo ilícito de “animalicídio” que sancione com pena
de prisão de 1 a 3 anos quem matar um animal. Pese embora o significado do sufixo “-cídio” exprima, segundo
o Dicionário de Língua Portuguesa “a noção de ação que provoca a morte ou o extermínio”, cuja aplicação não
se resume exclusivamente a seres humanos, a legislação penal tipifica apenas atos de morte provocada contra
seres humanos, entre os quais o homicídio (sob diversas formas), o incitamento ao suicídio, o infanticídio, o
genocídio e o presidenticídio.
Antecedentes parlamentares
Relativamente ao tema em apreço destacam-se as seguintes iniciativas:
a) O Projeto de Lei n.º 474/XII (3.ª) (PS), que aprova o regime sancionatório aplicável aos maus-tratos contra
animais e alarga os direitos das associações zoófilas, e o Projeto de Lei n.º 475/XII (3.ª) (PSD), que altera o
Código Penal, criminalizando os maus tratos a animais de companhia. Ambas as iniciativas tiveram origem na
Petição n.º 173/XII (2.ª) (solicitam a aprovação de uma nova lei de proteção dos animais), com entrada na
Assembleia da República a 4 de outubro de 2012 contendo 41.511 assinaturas e que teve como 1.º peticionante
a associação ANIMAL. Das duas iniciativas resultou a Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto;
b) O Projeto de Lei n.º 1024/XII (4.ª) (PS), que estabelece o quadro de sanções acessórias aos crimes contra
animais de companhia, e teve origem na Petição n.º 485/XII (4.ª) (solicitam a alteração da Lei n.º 69/2014, de
29 de agosto, que promove a proteção dos animais), com entrada na Assembleia da República a 16 de março
de 2015 contendo 16-303 assinaturas e que teve como 1.º peticionante Mónica Elisabete de Ascensão Nunes
de Andrade. A iniciativa viria a ser aprovada originando a Lei n.º 110/2015, de 26 de agosto.
Enquadramento doutrinário/bibliográfico
Bibliografia específica
ARAÚJO, Fernando– A hora dos direitos dos animais. Coimbra: Almedina, 2003. 379 p. ISBN 972-40-
1941-1. Cota:28.26 - 834/2003
Resumo: O autor apresenta uma abordagem aprofundada da temática dos direitos dos animais, debruçando-
se sobre várias questões como: a humanidade do respeito, as questões da alma, a questão de se os animais
podem sofrer e se devem sofrer, o progresso das ciências e o problema da experimentação, a biodiversidade e
as espécies ameaçadas e o desafio de uma bioética “descentrada”.
CONFERÊNCIA ANIMAIS: DEVERES E DIREITOS, LISBOA, 2014– Animais [Em linha]: deveres e
direitos. Coord. Maria Luísa Duarte e Carla Amado Gomes. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas,
2015.[Consult. 22 abr. 2016]. Disponível em WWW: http://arnet/sites/dsdic/BIB/BIBArquivo/m/2016/animais_deveres_direitos.pdf>. Resumo: Nesta obra, são apresentadas algumas considerações jurídicas relativamente à aplicação efetiva da Lei n.º 69/2014, com destaque para a questão da proteção dos animais. Decorrido pouco mais de um mês após a entrada em vigor desta nova lei, os números avançados pela comunicação social dão conta de uma inquietante realidade de desrespeito pelos animais a que importa por cobro e confirmam uma consciência social de desvalorização dessas condutas. Sublinha-se a necessidade de os académicos e operadores judiciários providenciarem meios e procedimentos com vista à aplicação efetiva 6 Idem, ibidem, p. 170.
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dos dois novos tipos de crime, sem esquecer a denúncia das insuficiências ou dificuldades daí resultantes, numa
perspetiva de jure constituendo.
PORTUGAL. LEIS, DECRETOS, etc.– Regime jurídico dos animais de companhia. Coimbra: Almedina,
2004. 208 p. ISBN 972-40-2232-3. Cota: 498/2004
Resumo: A presente publicação apresenta, de forma sistematizada, a legislação básica atinente à detenção
de animais de companhia, nomeadamente a respeitante aos seus direitos e aquela que define e regulamenta
os deveres que recaem sobre os seus donos, criadores e comerciantes. Contém, entre outra legislação, a
Declaração Universal dos Direitos dos Animais, A Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de
Companhia, além de jurisprudência e um estudo de caso.
RAMOS, José Luís Bonifácio – O animal: coisa ou tertium genus? O Direito. Coimbra. ISSN 0873-4372. A.
141, n.º V (2009), p. 1071-1104. Cota: RP-270
Resumo: O autor sublinha que a problemática da configuração e classificação do animal ganhou acrescida
importância recentemente, tendo em conta a autonomização do Direito dos Animais e a controvérsia, no âmbito
do Direito Civil, quanto a saber se devemos continuar a prefigurar o animal como coisa, ou se ao invés, o
devemos integrar numa outra classificação ligada ao objeto de direitos, ou quiçá, ao próprio direito.
Na opinião do autor, o animal deve deixar de ser identificado como coisa e até, de um modo geral, como
objeto de direitos. Recusa ainda a qualificação deste como res nullius.
Considera urgente rever diversos preceitos do Código Civil português, nomeadamente os artigos relativos
aos modos de aquisição de coisas móveis corpóreas, os atinentes à noção de coisa em sentido jurídico e outros
relativos à venda de animais. Defende ainda a revisão da Constituição em Portugal, à semelhança do que
sucedeu na Alemanha, de modo a incluir no texto da Lei Fundamental, uma norma que promova a coerência do
imperativo protetor do animal, sob pena de inovarmos no Código Civil mas continuarmos presos a atavismos
ancestrais no Direito Administrativo ou no Direito Penal.
VALENTINI, Laura –Canine justice: an associative account. Political studies. Oxford. ISSN 0032-3217. Vol.
62, n.º 1 (Mar. 2014), p. 37-52. Cota: RE-164
Resumo: Neste artigo somos questionados sobre o que devemos aos animais não humanos, a partir da
perspetiva duma justiça popular e associativa. Abordando a situação dos cães em particular, sugere-se que é
justo que os interesses destes animais sejam tidos em conta quando se legisla e se adotam políticas públicas.
Além da preocupação com o estatuto moral dos cães domésticos, este artigo coloca também questões sobre os
direitos dos animais e a noção de justiça associativa.
A autora argumenta que, se alguém acredita que certos animais não-humanos são objeto de preocupação
moral e que a justiça se aplica sempre em relação aos seres que cooperam com o homem (desde que se trate
de objetos de preocupação moral), então, deve-se conceder que aos cães domésticos é devida justiça da mesma
forma que aos nossos concidadãos humanos.
Enquadramento do tema no plano da União Europeia
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes países europeus: Bélgica, França, Itália e Reino
Unido.
BÉLGICA
Na Loi relative à la protection et au bien-être des animaux, de 14 de agosto de 1986 no Chapitre XI -
Dispositions pénales estão previstas as penas e as situações em que estas são aplicadas. Sem prejuízo da
eventual aplicação de penas mais severas previstas no Code Pénal, o tempo de prisão pode ir de um a três
meses e as multas de 52 a 2000 euros.
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Do artigo 35 ao artigo 43 da Loi relative à la protection et au bien-être des animaux são enumeradas penas
e as situações em que estas são aplicadas às pessoas que, entre outras coisas:
organizam ou assistem a combates de animais;
abandonam animais;
excitam os animais, tornando-os agressivos contra outros;
obrigam os animais a trabalhos que ultrapassam as suas capacidades naturais;
organizam corridas de cavalos na via pública cujo revestimento é duro;
oferecem animais como prémios.
O artigo 39dispõe que no caso de reincidência dum mau tratamento previsto nos artigos 35 a 36A e 41, num
espaço de tempo de três anos da pena anterior as penas de prisão são duplicadas e as multas aumentam aos
até aos 5000 euros e no caso de abuso podem chegar aos 12 500 euros.
FRANÇA
Os maus tratos voluntários em relação a um animal doméstico, domesticado ou em cativeiro estão previstos
no article R654-1 do Code Pénal e são penalizados por uma multa no mínimo de 750 euros.
O article 521-1 do Code Pénal condena os abusos graves ou os atos de crueldade nos animais de estimação
com uma sentença de dois anos de prisão e uma multa de 30 000 euros. O abandono de um cão é punido
conforme este artigo. As pessoas singulares condenadas por crimes ao abrigo deste artigo ficam proibidas, de
forma permanente ou não, de ter um animal e do exercício, por um período de cinco anos, de uma atividade
profissional ou social que tenha sido usada para cometer a infração.
O article R653-1 do Code Pénal reprime o fato de matar ou ferir um animal doméstico, seja por descuido,
imprudência, falta de atenção, negligência ou violação de uma regra de segurança, sendo aplicada uma multa
no valor mínimo de 450 euros.
O article R655-1 do Code Pénal pune o fato de matar sem necessidade e voluntariamente um animal
doméstico, domesticado ou em cativeiro com uma multa no valor de 1 500 euros e no caso reincidência de 3
000 euros.
As disposições penais relativas ao não cumprimento dos artigos respeitante ao bom tratamento nos animais
estão previstas nos articles L215-1 a 13 do Code rural et de la pêche maritime. Dos articles R215-1 a R215-10,
do mesmo Código,são descritas as penas que são aplicadas em relação aos maus tratos nos animais ou às
faltas de cumprimento tais como: a marcação dos carneiros com alcatrão; de não açaimar e de não usar trela
nos cães perigosos; de destruir colónias de abelhas por sufocamento para retirar o mel ou a cera; de guardar
em cativeiro animais selvagens e de priva-los de alimentação e cuidados de saúde; de guardar animais
domésticos sem qualquer abrigo; de não transportar os animais conforme as normas; de abater animais fora do
matadouro.
ITÁLIA
Pioneira em disposições contra os maus tratos dos animais, já incluídos no Código Penal em vigor por via do
Regio Decreto n.º 1938, de 19 de outubro de 1930, a Itália possui a seguinte legislação sobre o tema:
Aditamento ao Código Penal, em 2013, de um Título IX-Bis denominado “Dos delitos contra o sentimento
pelos animais”(Dei delitti contro il sentimento per gli animali), sancionando-se:
O abate por crueldade ou sem necessidade de animais (artigo 544-bis), com pena de prisão de três a
dezoito meses;
Os maus-tratos a animais (artigo 544-ter), punido com multa de €3.000 a €15.000;
Os espetáculos e manifestações com sevícias ou tortura para o animal (artigo 544-quater), punido com
pena de prisão de quatro meses a dois anos e com multa de €3.000 a €15.000;
A proibição de realização de combates e competições não autorizadas que possam colocar em perigo a
integridade física de animais (artigo 544-quinquies), punido com pena de prisão de um a três anos e multa de
€50.000 a €160.000, podendo ser agravada em 1/3 em circunstâncias excecionais.
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O mesmo diploma inclui a possibilidade de aplicação de penas acessórias de suspensão de três meses a
três anos de atividades de transporte, comércio ou criação de animais (artigo 544-sexies).
Paralelamente, destaca-se ainda a disposição relativa ao socorro a animais em caso de acidente: Código da
Estrada, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 120/2010, de 29 de julho (artigo 31.º).
Um outro diploma importante nesta matéria é a Lei n.º 189/2004, de 20 de julho, que contém “Disposições
relativas à proibição de crueldade contra animais, bem como do uso dos mesmos em combates clandestinos ou
competições não autorizadas”.
REINO UNIDO
O Reino Unido possui legislação sobre a matéria em apreço desde o século XIX, introduzida pelo London
Police Act, de 1839, que proibiu, na cidade de Londres, a existência de combates de leões, ursos, texugos,
galos, cães, ou outros animais, prevendo uma pena de prisão de até um mês, com possibilidade de trabalhos
forçados, ou pagamento de 5 £. A lei colocou inúmeras restrições sobre como, quando e onde os animais
poderiam ser conduzidos, proibiu os proprietários de deixar cães raivosos soltos, e concedeu à polícia o direito
de abater qualquer cão suspeito de ser raivoso ou mordido por um cão suspeito de raiva.
A mesma lei proibiu o uso de cães para transporte de pequenos carros de transporte, utilizados para a entrega
de leite, pão, peixe, carne, frutas e verduras, etc., o que causou o abate de um número considerável de cães
pelos seus donos, por passarem a ser apenas uma despesa.
A 18 de agosto de 1911, e após o lobby da Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals, a Câmara
dos Comuns introduziu o Protection of Animals Act, que previa já uma pena máxima de 6 meses de trabalhos
forçados com uma multa acrescida de 25 £. E em 1934 entrou em vigor um novo Protection of Animals Act, que
proibiu práticas públicas como (i) atirar ou lançar, sob qualquer forma, cavalos ou touros, (ii) combates, lutas ou
disputas com touros e (iii) montar ou tentar montar qualquer cavalo ou touro com o objetivo de, através de
qualquer meio envolvendo crueldade, vise estimular o animal a dar saltos durante a atuação. O Protection of
Animals Act foi revisto em 1954, 1987, 1988 e 2000.
Atualmente a crueldade contra animais é uma ofensa criminal, e, em caso de condenação, o tribunal pode
ainda determinar que a pessoa não pode possuir, manter ou participar na manutenção, tratar, transportar ou
organizar o transporte de animais. Essa inibição pode estar relacionada com os tipos específicos de animais ou
animais em geral.
Uma pessoa culpada de induzir sofrimento desnecessário, proceder a mutilações, envenenamentos ou
promover lutas é passível de condenação sumária a pena de prisão até a 51 semanas ou uma multa de até £
20 000 ou ambos, de acordo com o Animal Welfare Act de 2006.
Outros países
Organizações internacionais
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Efetuada uma consulta à base de dados da atividade parlamentar (AP) sobre iniciativas sobre matéria
idêntica ou conexa, verificou-se a existência das seguintes iniciativas na presente legislatura, algumas,
igualmente agendadas para discussão na generalidade para a sessão plenária de 12/05/2016:
Projeto de Lei n.º 65/XIII (1.ª) (PCP) – Aprova medidas para a criação de uma rede de centros de recolha
oficial de animais e para a modernização dos serviços municipais de veterinária;
Projeto de Lei n.º 164/XIII (1.ª) (PS) –Altera o Código Civil, estabelecendo um estatuto jurídico dos animais;
Projeto de Lei n.º 171/XIII (1.ª) (PAN) – Altera o Código Civil, reconhecendo os animais como seres sensíveis;
Projeto de Lei n.º 172/XIII (1.ª) (PAN) – Possibilidade de Permissão de Animais em Estabelecimentos
Comerciais (altera o DL n.º 10/2015, de 16 de Janeiro).
Petições
Consultada a base de dados do processo legislativo e da atividade parlamentar (PLC), verificou-se que se
encontram pendentes as seguintes petições sobre matéria conexa com a da iniciativa legislativa em apreciação:
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Petição n.º 58/XIII (1.ª) – Pretendem que seja criada legislação adequada que impeça o comércio de animais
em anúncios de classificados de páginas na internet;
Petição n.º 91/XIII (1.ª) – Contra o abandono e abate dos animais da Ilha São Miguel.
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
A Comissão promoveu, em 21 de abril de 2016, a emissão de parecer escrito pelas seguintes entidades:
Conselho Superior da Magistratura, Ordem dos Advogados e Conselho Superior do Ministério Público.
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Em face da informação disponível não é possível quantificar eventuais encargos resultantes da aprovação
da presente iniciativa.
———
PROJETO DE LEI N.º 209/XIII (1.ª)
(PROCEDE À TRIGÉSIMA SÉTIMA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO PENAL, REVENDO O REGIME
SANCIONATÓRIO APLICÁVEL AOS ANIMAIS DE COMPANHIA)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
I. Nota introdutória
Quatro Deputados/as do Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentaram à Assembleia da República,
em 3 de maio de 2016, o Projeto de Lei n.º 209/XIII (1.ª) – “Procede à 37ª alteração ao Código Penal, revendo
o regime sancionatório aplicável aos animais de companhia”.
Esta apresentação foi efetuada nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º da Constituição
da República Portuguesa e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos
formais previstos no artigo 124.º desse mesmo Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, datado de 4 de maio de 2016, esta
iniciativa legislativa baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para ser
emitido o parecer respetivo.
II. Conteúdos e motivação do projeto
O projeto de lei em apreço visa alterar três disposições do Código Penal, revendo o regime sancionatório
aplicável a comportamentos de maus tratos de animais de companhia.
Os/as Deputados/as proponentes consideram que “[d]ecorridos dois anos desde a conclusão do
procedimento legislativo que conduziu à consagração na lei do crime de maus tratos contra animais de
companhia (…) são já claras as insuficiências do regime jurídico em vigor”, sendo essa a circunstância que
determina a presente iniciativa legislativa (v. exposição de motivos). Na verdade, consideram os/as proponentes,
“a prática de quase dois anos das forças de segurança, magistrados judiciais e do Ministério Público associações
zoófilas e cidadãos empenhados no cumprimento da lei e na erradicação de maus tratos” evidencia“a
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necessidade de afinar os conceitos e alargar a previsão de forma inequívoca e expressa nalguns casos centrais
para a aplicação do regime” (idem).
Neste contexto, o projeto de lei em causa comporta “um conjunto de alterações pontuais às normas do Código
Penal (…) procurando dar resposta aos problemas consensualmente diagnosticados através da aplicação da
lei” (idem).
São, em concreto, propostas as seguintes alterações (artigo 2.º):
Artigo 387.º (Morte e maus tratos de animal de companhia): adição do crime de morte de animal de
companhia, punível com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou multa; punição de tentativa e de
negligência; agravamento em um terço dos limites das penas em caso de reincidência.
Artigo 388.º – A (Penas acessórias): adição da pena de perda a favor do Estado ou de outra entidade
pública de objetos e animais pertencentes ao agente; aumento da pena de privação do direito de detenção
de animais de um máximo de 5 para 10 anos.
Artigo 389.º (Conceito de animal de companhia): inclusão dos animais de companhia que se encontrem
em estado de errância no âmbito de proteção das normas anteriores.
É proposto que estas alterações entrem em vigor «no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação»
(artigo 3.º).
III. Antecedentes
Constituem precedentes relevantes de iniciativas legislativas nesta matéria as seguintes:
a) Projeto de Lei n.º 474/XII (3.ª) (Partido Socialista), que aprova o regime sancionatório aplicável aos
maus-tratos contra animais e alarga os direitos das associações zoófilas, e Projeto de Lei n.º 475/XII
(3.ª) (Partido Social Democrata), que altera o Código Penal, criminalizando os maus tratos a animais de
companhia. Estas duas iniciativas foram desencadeadas por referência à Petição n.º 173/XII (2.ª)
(solicitam a aprovação de uma nova lei de proteção dos animais), apresentada à Assembleia da
República em 4 de outubro de 2012, subscrita por 41.511 cidadãos/ãs eleitores/as sendo primeira
peticionante a associação ANIMAL. A articulação destas duas iniciativas veio a estar na origem da Lei
n.º 69/2014, de 29 de agosto;
b) Projeto de Lei n.º 1024/XII (4.ª) (Partido Socialista), que estabelece o quadro de sanções acessórias aos
crimes contra animais de companhia, apresentado aquando da discussão da Petição n.º 485/XII (4.ª)
(solicitam a alteração da Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, que promove a proteção dos animais),
subscrita por 16.303 cidadãos/ãs eleitores/as sendo primeira peticionante Mónica Elisabete de
Ascensão Nunes de Andrade. O projeto foi aprovado e deu origem à Lei n.º 110/2015, de 26 de agosto.
IV. Opinião do Deputado Relator
O signatário do presente relatório entende, neste parecer, não manifestar a sua opinião pessoal sobre o
Projeto de Lei n.º 209/XIII (1.ª) (Partido Socialista), sendo que a mesma é, de resto, de “elaboração facultativa”
nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.
V. Conclusões
1. Quatro Deputados/as do Partido Socialista apresentaram à Assembleia da República, em 3 de maio de
2016, o Projeto de Lei n.º 209/XIII (1.ª) – “Procede à 37.ª alteração ao Código Penal, revendo o regime
sancionatório aplicável aos animais de companhia”.
2. Este Projeto visa alterar três disposições do Código Penal, revendo o regime sancionatório aplicável a
comportamentos de maus tratos de animais de companhia.
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3. Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de
parecer que o Projeto de Lei n.º 209/XIII (1.ª) (Partido Socialista) reúne os requisitos constitucionais e
regimentais para ser discutido e votado em Plenário.
VI. Anexo
Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços de apoio à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República.
Palácio de S. Bento, 9 de maio de 2016.
O Deputado Relator José Manuel Pureza — O Presidente da Comissão, Pedro Bacelar de Vasconcelos.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 209/XIII (1.ª) (PS) – Procede à 37 alteração Código Penal, revendo o regime
sancionatório aplicável aos animais de companhia.
Data de admissão: 3 de maio de 2016
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos e Liberdades e Garantias (1.ª CACDLG)
Índice
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento da
lei formulário
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
V. Consultas e contributos
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Elaborada por: Alexandre Guerreiro e Leonor Calvão Borges (DILP), Luís Martins (DAPLEN); Luís Silva (BIB) e Fernando Bento Ribeiro (DAC)
Data: 06 de maio de 2016.
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
A presente iniciativa pretende proceder à 37.ª alteração ao Código Penal, revendo o regime sancionatório
aplicável aos animais de companhia.
Contém um conjunto de alterações pontuais às normas do Código Penal sobre esta matéria, procurando dar
resposta aos problemas consensualmente diagnosticados através da aplicação da lei, em muitos casos
recuperando as formulações constantes dos seus projetos de lei iniciais.
De acordo com os proponentes: “decorridos praticamente dois anos desde a conclusão do procedimento
legislativo que conduziu à consagração na lei do crime de maus-tratos contra animais de companhia, através da
Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, dando um passo relevante e fundamental na introdução de uma tutela
sancionatória para os ilícitos cometidos contra animais, são já claras as insuficiências do regime jurídico em
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vigor, parcialmente atenuadas com a aprovação e entrada em vigor do regime de sanções acessórias introduzido
pela Lei n.º 110/2015, de 26 de agosto”.
O projeto de lei em análise pretende:
“Que a morte do animal de companhia não assente em prática veterinária ou qualquer causa de justificação,
ainda que provocada sem infligir dor, deva considerar-se incluída no tipo penal, dissipando dúvidas
interpretativas que se têm registado na aplicação da lei;
Assegurar um regime de punição de tentativa e negligência;
No que respeita às sanções acessórias, introduz a previsão da perda do animal ou de bens a favor do Estado
ou de outra entidade pública em casos de condenação pelo crime de maus-tratos a animais de companhia,
tornando claras as consequências adicionais da prática de crimes neste contexto na detenção imediata de
animais;
A subida do período máximo de inibição da detenção de animais para 10 anos;
Proceder ainda a uma dupla alteração ao conceito de animal de companhia para efeitos penais, deixando
por um lado clara a inclusão dos animais errantes, bem como suprimindo o n.º 2 do artigo 389.º, gerador de
equívocos vários e sem utilidade real no plano exegético ou de aplicação das normas penais em presença, que
se querem claras e precisas”.
Assim propõe-se alterar os artigos 387.º, 388.º-A e 389.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
400/82, de 23 de setembro (e sucessivas alterações).
Código Penal PJL 209/XIII (1.ª) (PS)
Artigo 387.º Artigo 387.º Maus tratos a animais de companhia (Morte e maus tratos de animal de companhia)
1 – Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou 1 – Quem matar animal de companhia é punido com pena quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de de prisão de seis meses a 2 anos ou com pena de multa. companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 – Se dos factos previstos no número anterior resultar a 2 – [Atual n.º 1].morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
3 – [Atual n.º 2].
4 – A tentativa e a negligência são puníveis.
5 – Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das penas são elevados em um terço.
Artigo 388.º-A.º Artigo 388.º-A.º Penas acessórias (…)
1 - Consoante a gravidade do ilícito e a culpa do agente, 1 – Consoante a gravidade do ilícito e a culpa do agente, podem ser aplicadas, cumulativamente com as penas podem ser aplicadas, cumulativamente com as penas previstas para os crimes referidos nos artigos 387.º e 388.º, previstas para os crimes referidos nos artigos 387.º e as seguintes penas acessórias: 388.º, as seguintes penas acessórias:
a) Privação do direito de detenção de animais de a) Perda a favor do Estado ou de outra entidade pública companhia pelo período máximo de 5 anos;de objetos e animais pertencentes ao agente;
b) Privação do direito de participar em feiras, mercados, b) Privação do direito de detenção de animais pelo exposições ou concursos relacionados com animais de período máximo de 10 anos;companhia;
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Código Penal PJL 209/XIII (1.ª) (PS)
c) Encerramento de estabelecimento relacionado com c) Privação do direito de participar em feiras, mercados, animais de companhia cujo funcionamento esteja sujeito a exposições ou concursos relacionados com animais;autorização ou licença administrativa;
d) Suspensão de permissões administrativas, incluindo d) Encerramento de estabelecimento relacionado com autorizações, licenças e alvarás, relacionadas com animais animais cujo funcionamento esteja sujeito a autorização de companhia.ou licença administrativa;
e) Suspensão de permissões administrativas, incluindo autorizações, licenças e alvarás, relacionadas com animais.
2 – As penas acessórias referidas nas alíneas b), c) e d) do 2 – As penas acessórias referidas nas alíneas c) a e) do número anterior têm a duração máxima de três anos, número anterior têm a duração máxima de três anos, contados a partir da decisão condenatória. contados a partir da decisão condenatória.
Artigo 389.º Artigo 389.º Conceito de animal de companhia (…)
1 – Para efeitos do disposto neste título, entende-se por Para efeitos do disposto neste título, entende-se por animal de companhia qualquer animal detido ou destinado animal de companhia qualquer animal efetivamente detido a ser detido por seres humanos, designadamente no seu ou destinado a ser detido por seres humanos, lar, para seu entretenimento e companhia. designadamente no seu lar, para seu entretenimento e 2 – O disposto no número anterior não se aplica a factos companhia, ainda que se encontrem em estado de relacionados com a utilização de animais para fins de errância.exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial, assim como não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de espetáculo comercial ou outros fins legalmente previstos.
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do
cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais
O presente projeto de lei que“Procede à 37.ª alteração Código Penal, revendo o regime sancionatório
aplicável aos animais de companhia”, ora em apreciação, é subscrito e apresentado à Assembleia da República
por quatro Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, no âmbito do seu poder de iniciativa, em
conformidade com o disposto na alínea g) do artigo 180.º e n.º 1 do artigo 167.º da Constituição, bem
como na alínea f) do artigo 8.º e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
Esta iniciativa legislativa assume a forma de projeto de lei, nos termos do n.º 1 do artigo 119.º do
Regimento, apresenta-se redigida sob a forma de artigos, com uma designação que traduz
sinteticamente o seu objeto principal e uma exposição de motivos, dando cumprimento aos requisitos
formais previstos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
Refira-se, igualmente, que deu entrada e foi admitida em 3 de maio do corrente ano, tendo sido anunciada e
baixado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª CACDLG) no dia
seguinte. A sua discussão na generalidade encontra-se já agendada para a sessão plenária do próximo dia 12
de maio, por arrastamento com uma iniciativa do PAN solicitado em Conferência de Líderes (cf. Súmulas n.ºs
18 e 19 da Conferência de Líderes).
Verificação do cumprimento da lei formulário:
No cumprimento da «lei formulário»,(Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada pelas Leis n.os 2/2005, de
24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho), a iniciativa, como
mencionado anteriormente, contém uma exposição de motivos, bem como uma designação que identifica o seu
objeto, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 7.º.
Em caso de aprovação, será publicada na 1.ª série do Diário da República sob a forma de lei, entrando em
vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação, nos termos do artigo 3.º do seu articulado e,
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igualmente, em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, que prevê que os atos
legislativos “entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência
verificar-se no próprio dia da publicação”.
O título da iniciativa traduz o objeto do diploma, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da
referida lei formulário. No entanto, para o efeito, os autores pretendem alterar o Código Penal, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da já referida lei
formulário “os diplomas que alterem outrosdevem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso
tenha havido alterações anteriores, identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que
incidam sobre outras normas”.
Consultada a base Digesto constata-se que o Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, que aprovou o
Código Penal foi objeto até à presente data de quarenta modificações pelo que, em caso de aprovação desta
iniciativa legislativa, estaremos perante a sua quadragésima primeira alteração. Assim sendo, em caso de
aprovação, sugere-se que o título da iniciativa seja alterado, em sede de especialidade ou de redação final, dele
passando a constar o seguinte:
“Quadragésima primeira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de
setembro, revisão do regime sancionatório aplicável aos animais de companhia.”
Na presente fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da «lei formulário».
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes
No quadro nacional, além do registo da proibição de corridas de touros no século XIX1, importa recordar a
constituição da Sociedade Protetora dos Animais (SPA), a 28 de novembro de 1875, pelo conselheiro José
Silvestre Ribeiro2, que, em 1912, apresentou um documento intitulado “Apreciações e Comentários ao Projecto
de Lei de Protecção aos Animaes em discussão no Congresso Nacional” (sic) no qual constam testemunhos de
personalidades influentes da sociedade civil e dos diversos órgãos de soberania em favor da proteção dos
animais.
Mais tarde, entraria em vigor o Decreto n.º 5:650, de 10 de maio de 1919 (considerando ato punível toda a
violência exercida sobre animais), através do qual atos de espancamento ou flagelamento de “animais
domésticos” determinavam a condenação em pena de multa, sendo que a reincidência teria como consequência
o cumprimento de pena de 5 a 45 dias em prisão correcional. Uma pena de multa era igualmente aplicável a
quem empregasse “no serviço animais extenuados, famintos, chagados ou doentes”. Este diploma viria a ser
complementado pelo Decreto n.º 5:864, de 12 de junho de 1919, aprovado com o objetivo de especializar os
atos “que devam ser considerados puníveis como violências exercidas sobre os animais”.
Antes, recorde-se que a questão dos maus tratos aos animais já havia impulsionado iniciativas legislativas,
sendo disso exemplo:
A iniciativa em favor da abolição das touradas, subscrita a 9 de julho de 1869;
A recolha de assinaturas em favor da abolição de touradas, apresentada à Câmara dos Senhores
Deputados da Nação Portuguesa, a 14 de fevereiro de 1874;
O Projeto de Lei n.º 65, lido na sessão parlamentar de 10 de abril de 1878, onde se preveem sanções,
incluindo pena de prisão de 3 a 15 dias, para quem “voluntária e publicamente maltratar os animais domésticos
sem necessidade”;
O Projeto de Lei n.º 67-A, lido na mesma sessão parlamentar de 10 de abril de 1878, e com a previsão
de pena de prisão, a prática de “maus tratos para com os animais”, que teve como origem a iniciativa proposta
na Sessão de 21 de março de 1877;
1 Cfr. Decreto de Passos Manuel de 18 de setembro de 1836. 2 A SPA foi reconhecida como instituição de utilidade pública através da Lei n.º 118, de 16 de março de 1914, tendo os estatutos da associação sido aprovados pelo alvará n.º 23/1949, emitido em 13 de junho de 1949 pelo Governo Civil de Lisboa, e publicados em Diário da República, III Série, de 17 de maio de 1980.
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O Regulamento Geral dos Serviços de Polícia Higiénica e Sanitária dos Animais, aprovado pelo Decreto
de 7 de fevereiro de 1889, cujo artigo 182.º dispunha que “serão punidos com a multa de 1$000 réis a 3$000
réis, e poderão sê-lo também com um a cinco dias de prisão, aqueles que nos lugares públicos espancarem,
flagelarem, ou por qualquer forma maltratarem os animais domésticos”, aplicando-se sempre pena de prisão em
caso de reincidência. Esta disposição foi revogada pelo Decreto 5:650, de 10 de maio de 1919.
O Projeto de Lei apresentado por Fernão Botto Machado, Deputado à Assembleia Constituinte, na Sessão
de 3 de agosto de 1911, na sequência de pedido formalizado pela Assembleia pela Sociedade Protetora dos
Animais, com vista a sancionar “os maus tratos exercidos contra os animais”;
O Projeto de Lei de Fernão Botto Machado, apresentado a 11 de agosto de 1911, em favor da abolição
das touradas em Portugal.
Mais recentemente, assumem particular destaque, entre legislação extravagante relacionada com animais,
a Lei n.º 92/95, de 12 de setembro (proteção aos animais), alterada pela Lei n.º 19/2002, de 31 de julho, e pela
Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, sendo que este último diploma adita um novo título VI ao Código Penal,
intitulado “dos crimes contra os animais de companhia” e cria como novos ilícitos penais os crimes de “maus
tratos a animais de companhia” (artigo 387.º) e “abandono de animais de companhia” (artigo 388.º), crimes estes
de natureza pública. Mais tarde, foi publicada a Lei n.º 110/2015, de 26 de agosto, que estabelece o quadro de
penas acessórias aplicáveis aos crimes contra animais de companhia, aditando o artigo 388.º-A ao Código
Penal. De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna 2015, foram registadas 1.330 participações de
crimes contra os animais de companhia no ano de 2015 (pp. 2, 13 e 21).
Considerando que o n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal dispõe que “a aplicação de penas e de medidas de
segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, o bem jurídico a proteger
no caso em apreço “será o bem-estar dos animais de companhia”3. O n.º 1 do artigo 389.º do Código Penal
define como “animal de companhia qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos,
designadamente do seu lar, para seu entretenimento e companhia”, um entendimento que segue o previsto no
n.º 1 do artigo 1.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, aprovada para ratificação
através do Decreto n.º 13/93, de 13 de fevereiro, afigurando-se necessário recordar que o n.º 5 do artigo 1.º
estende o conceito de animal de companhia aos animais de rua4.
A questão suscitada pela entrada em vigor da Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, prende-se com o eventual
convívio entre a nova norma sancionatória do crime de maus tratos a animais de companhia (artigo 387.º do
Código Penal) em simultâneo com o regime previsto no Decreto 5:650, de 10 de maio de 1919 (que criminaliza
a violência contra animais domésticos), uma vez que se desconhece qualquer norma revogatória deste último
diploma, pelo que se admite a probabilidade de este ainda se mantenha em vigor no ordenamento jurídico
português.
Procurando dar resposta à questão sobre se os Decretos 5:650, de 10 de maio de 1919, e 5:864, de 12 de
junho de 1919, se mantêm em vigor, ALFREDO GASPAR alega que “a resposta tem de ser afirmativa”5. Um dos
motivos invocados prende-se com o facto de o legislador ter expressamente revogado o artigo 182.º do
Regulamento Geral dos Serviços de Polícia Higiénica e Sanitária dos Animais, de 1889, através do Decreto
5:650, nada tendo dito expressa ou tacitamente a propósito deste último diploma aquando da aprovação do
Código Penal de 1982, já que o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, dispõe que
foram revogados “o Código Penal aprovado pelo Decreto de 16 de setembro de 1886 e todas as disposições
legais que preveem e punem factos incriminados pelo novo Código Penal”, não estando nele tipificado o crime
de maus tratos a animais.
No mesmo sentido de que os Decretos de 1919 se mantêm em vigor pronunciou-se a Procuradoria-Geral da
República através do Parecer do Conselho Consultivo P000831991, votado a 30 de março de 1992 (capítulo V,
ponto 2, 2.º parágrafo).
A problemática decorrente do reconhecimento da vigência dos Decretos 5:650 e 5:864 – sobretudo se se
considerar que à luz do n.º 3 do artigo 1.º “não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como
3 Cfr. RAUL FARIAS, “Dos crimes contra animais de companhia. Breves notas”, in Animais: Deveres e Direitos, Lisboa: ICJP, 2015, p. 141. 4 Posição esta reiterada pelo Conselho da Europa no ponto 15 do Explanatory Report to the European Convention for the Protection of Pet Animals, de 13 de novembro de 1987. 5 Cfr. ALFREDO GASPAR, “Sobre o crime de maus tratos a animais”, in SCIENTIA IVRIDICA – Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Ano XXXV, n.º 199-204 (Jan./Dez. 1986), Braga: Livraria Cruz, 1986 p. 168.
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II SÉRIE-A — NÚMERO 80 48
crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde
– diz respeito ao facto de (i) os Decretos poderem prever um regime penal mais favorável que o presente artigo
387.º do Código Penal em determinadas circunstâncias e (ii) ambos poderem punir atos não previstos pela Lei
n.º 69/2014, de 29 de agosto.
Com efeito, ALFREDO GASPAR sustenta que, com base no Decreto n.º 5:864, “não é menos delituoso o
comportamento daquele que tem o animal exposto para venda ao público num espaço que nem o deixa mover,
e que, quando o estabelecimento se encerra nos feriados ou no fim da semana, o deixa morrer à fome ou à
sede”6.
Finalmente, a presente iniciativa legislativa visa criar o novo ilícito de “animalicídio” que sancione com pena
de prisão de 1 a 3 anos quem matar um animal. Pese embora o significado do sufixo “-cídio” exprima, segundo
o Dicionário de Língua Portuguesa “a noção de ação que provoca a morte ou o extermínio”, cuja aplicação não
se resume exclusivamente a seres humanos, a legislação penal tipifica apenas atos de morte provocada contra
seres humanos, entre os quais o homicídio (sob diversas formas), o incitamento ao suicídio, o infanticídio, o
genocídio e o presidenticídio.
Antecedentes parlamentares
Relativamente ao tema em apreço destacam-se as seguintes iniciativas:
a) O Projeto de Lei n.º 474/XII (PS), que aprova o regime sancionatório aplicável aos maus-tratos contra
animais e alarga os direitos das associações zoófilas, e o Projeto de Lei n.º 475/XII (PSD), que altera o Código
Penal, criminalizando os maus tratos a animais de companhia. Ambas as iniciativas tiveram origem na Petição
n.º 173/XII/2 (solicitam a aprovação de uma nova lei de proteção dos animais), com entrada na Assembleia da
República a 4 de outubro de 2012 contendo 41.511 assinaturas e que teve como 1.º peticionante a associação
ANIMAL. Das duas iniciativas resultou a Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto;
b) O Projeto de Lei n.º 1024/XII (PS), que estabelece o quadro de sanções acessórias aos crimes contra
animais de companhia, e teve origem na Petição n.º 485/XII/4 (solicitam a alteração da Lei n.º 69/2014, de 29
de agosto, que promove a proteção dos animais), com entrada na Assembleia da República a 16 de março de
2015 contendo 16-303 assinaturas e que teve como 1.º peticionante Mónica Elisabete de Ascensão Nunes de
Andrade. A iniciativa viria a ser aprovada originando a Lei n.º 110/2015, de 26 de agosto.
Enquadramento doutrinário/bibliográfico
Bibliografia específica
BORGES, Paulo–A questão dos direitos dos animais para uma genealogia e fundamentação filosóficas. In
A pessoa, a coisa, o facto no Código Civil. Porto: Almeida e Leitão, 2010. ISBN 978-972-749-213-8. Porto:
Almeida e Leitão, 2010. P. 227-251. Cota: 12.06.2 - 100/2012.
Resumo: O autor procede a uma análise explicativa histórico-filosófica da forma como encaramos os animais,
que designa como “antropocentrismo europeu-ocidental”, na medida em que se entende que o homem é o centro
e dono do mundo e a natureza e os seres vivos e sencientes são reduzidos a objetos desprovidos de valor
intrínseco, o que implica que os animais são pensados em função do homem. Considera que em Portugal ainda
não existe reconhecimento jurídico dos direitos dos animais e defende que se deve seguir o rumo de um novo
paradigma “(…) que reconheça que as agressões aos animais e à natureza (…) são também agressões da
humanidade a si mesma(…)“.
PORTUGAL. leis, decretos, etc.– Regime jurídico dos animais de companhia. Coimbra: Almedina, 2004.
208 p. ISBN 972-40-2232-3. Cota: 498/2004.
Resumo: A presente publicação apresenta, de forma sistematizada, a legislação básica atinente à detenção
de animais de companhia, nomeadamente a respeitante aos seus direitos e aquela que define e regulamenta
os deveres que recaem sobre os seus donos, criadores e comerciantes. Contém, entre outra legislação, a
Declaração Universal dos Direitos dos Animais, A Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de
Companhia, além de jurisprudência e um estudo de caso.
6 Idem, ibidem, p. 170.
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12 DE MAIO DE 2016 49
RAMOS, José Luís Bonifácio – O animal: coisa ou tertium genus? O Direito. Coimbra. ISSN 0873-4372. A.
141, n.º V (2009), p. 1071-1104. Cota: RP-270.
Resumo: O autor sublinha que a problemática da configuração e classificação do animal ganhou acrescida
importância recentemente, tendo em conta a autonomização do Direito dos Animais e a controvérsia, no âmbito
do Direito Civil, quanto a saber se devemos continuar a prefigurar o animal como coisa, ou se ao invés, o
devemos integrar numa outra classificação ligada ao objeto de direitos, ou quiçá, ao próprio direito.
Na opinião do autor, o animal deve deixar de ser identificado como coisa e até, de um modo geral, como
objeto de direitos. Recusa ainda a qualificação deste como res nullius.
Considera urgente rever diversos preceitos do Código Civil português, nomeadamente os artigos relativos
aos modos de aquisição de coisas móveis corpóreas, os atinentes à noção de coisa em sentido jurídico e outros
relativos à venda de animais. Defende ainda a revisão da Constituição em Portugal, à semelhança do que
sucedeu na Alemanha, de modo a incluir no texto da Lei Fundamental, uma norma que promova a coerência do
imperativo protetor do animal, sob pena de inovarmos no Código Civil mas continuarmos presos a atavismos
ancestrais no Direito Administrativo ou no Direito Penal.
VALENTINI, Laura –Canine justice: an associative account. Political studies. Oxford. ISSN 0032-3217. Vol.
62, n.º 1 (Mar. 2014), p. 37-52. Cota: RE-164.
Resumo: Neste artigo somos questionados sobre os nossos deveres em relação aos animais não humanos,
a partir da perspetiva duma justiça popular e associativa. Abordando a situação dos cães em particular, sugere-
se que é justo que os interesses destes animais sejam tidos em conta quando se legisla e se adotam políticas
públicas. Além da preocupação com o estatuto moral dos cães domésticos, este artigo coloca também questões
sobre os direitos dos animais e a noção de justiça associativa.
A autora argumenta que, se alguém acredita que certos animais não-humanos são objeto de preocupação
moral e que a justiça se aplica sempre em relação aos seres que cooperam com o homem (desde que se trate
de objetos de preocupação moral), então, deve-se conceder que aos cães domésticos é devida justiça da mesma
forma que aos nossos concidadãos humanos.
Enquadramento do tema no plano da União Europeia
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes países europeus: Bélgica, França, Itália e Reino
Unido.
BÉLGICA
Na Loi relative à la protection et au bien-être des animaux, de 14 de agosto de 1986 no Chapitre XI -
Dispositions pénales estão previstas as penas e as situações em que estas são aplicadas. Sem prejuízo da
eventual aplicação de penas mais severas previstas no Code Pénal, o tempo de prisão pode ir de um a três
meses e as multas de 52 a 2 000 euros.
Do artigo 35 ao artigo 43 da Loi relative à la protection et au bien-être des animaux são enumeradas penas
e as situações em que estas são aplicadas às pessoas que, entre outras coisas:
organizam ou assistem a combates de animais;
abandonam animais;
excitam os animais, tornando-os agressivos contra outros;
obrigam os animais a trabalhos que ultrapassam as suas capacidades naturais;
organizam corridas de cavalos na via pública cujo revestimento é duro;
oferecem animais como prémios.
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O artigo 39dispõe que no caso de reincidência dum mau tratamento previsto nos artigos 35 a 36A e 41, num
espaço de tempo de três anos da pena anterior as penas de prisão são duplicadas e as multas aumentam aos
até aos 5 000 euros e no caso de abuso podem chegar aos 12 500 euros.
FRANÇA
Os maus tratos voluntários em relação a um animal doméstico, domesticado ou em cativeiro estão previstos
no article R654-1 do Code Pénal e são penalizados por uma multa no mínimo de 750 euros.
O article 521-1 do Code Pénal condena os abusos graves ou os atos de crueldade nos animais de estimação
com uma sentença de dois anos de prisão e uma multa de 30 000 euros. O abandono de um cão é punido
conforme este artigo. As pessoas singulares condenadas por crimes ao abrigo deste artigo ficam proibidas, de
forma permanente ou não, de ter um animal e do exercício, por um período de cinco anos, de uma atividade
profissional ou social que tenha sido usada para cometer a infração.
O article R653-1 do Code Pénal reprime o fato de matar ou ferir um animal doméstico, seja por descuido,
imprudência, falta de atenção, negligência ou violação de uma regra de segurança, sendo aplicada uma multa
no valor mínimo de 450 euros.
O article R655-1 do Code Pénal pune o fato de matar sem necessidade e voluntariamente um animal
doméstico, domesticado ou em cativeiro com uma multa no valor de 1 500 euros e no caso reincidência de 3
000 euros.
As disposições penais relativas ao não cumprimento dos artigos respeitante ao bom tratamento nos animais
estão previstas nos articles L215-1 a 13 do Code rural et de la pêche maritime. Dos articles R215-1 a R215-10,
do mesmo Código,são descritas as penas que são aplicadas em relação aos maus tratos nos animais ou às
faltas de cumprimento tais como: a marcação dos carneiros com alcatrão; de não açaimar e de não usar trela
nos cães perigosos; de destruir colónias de abelhas por sufocamento para retirar o mel ou a cera; de guardar
em cativeiro animais selvagens e de priva-los de alimentação e cuidados de saúde; de guardar animais
domésticos sem qualquer abrigo; de não transportar os animais conforme as normas; de abater animais fora do
matadouro.
ITÁLIA
Pioneira em disposições contra os maus tratos dos animais, já incluídos no Código Penal em vigor por via do
Regio Decreto n.º 1938, de 19 de outubro de 1930, a Itália possui a seguinte legislação sobre o tema:
Aditamento ao Código Penal, em 2013, de um Título IX-Bis denominado “Dos delitos contra o sentimento
pelos animais”(Dei delitti contro il sentimento per gli animali), sancionando-se:
O abate por crueldade ou sem necessidade de animais (artigo 544-bis), com pena de prisão de três a
dezoito meses;
Os maus-tratos a animais (artigo 544-ter), punido com multa de €3.000 a €15.000;
Os espetáculos e manifestações com sevícias ou tortura para o animal (artigo 544-quater), punido com
pena de prisão de quatro meses a dois anos e com multa de €3.000 a €15.000;
A proibição de realização de combates e competições não autorizadas que possam colocar em perigo a
integridade física de animais (artigo 544-quinquies), punido com pena de prisão de um a três anos e multa de
€50.000 a €160.000, podendo ser agravada em 1/3 em circunstâncias excecionais.
O mesmo diploma inclui a possibilidade de aplicação de penas acessórias de suspensão de três meses a
três anos de atividades de transporte, comércio ou criação de animais (artigo 544-sexies).
Paralelamente, destaca-se ainda a disposição relativa ao socorro a animais em caso de acidente: Código da
Estrada, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 120/2010, de 29 de julho (artigo 31.º).
Um outro diploma importante nesta matéria é a Lei n.º 189/2004, de 20 de julho, que contém “Disposições
relativas à proibição de crueldade contra animais, bem como do uso dos mesmos em combates clandestinos ou
competições não autorizadas”.
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REINO UNIDO
O Reino Unido possui legislação sobre a matéria em apreço desde o século XIX, introduzida pelo London
Police Act, de 1839, que proibiu, na cidade de Londres, a existência de combates de leões, ursos, texugos,
galos, cães, ou outros animais, prevendo uma pena de prisão de até um mês, com possibilidade de trabalhos
forçados, ou pagamento de 5 £. A lei colocou inúmeras restrições sobre como, quando e onde os animais
poderiam ser conduzidos, proibiu os proprietários de deixar cães raivosos soltos, e concedeu à polícia o direito
de abater qualquer cão suspeito de ser raivoso ou mordido por um cão suspeito de raiva.
A mesma lei proibiu o uso de cães para transporte de pequenos carros de transporte, utilizados para a entrega
de leite, pão, peixe, carne, frutas e verduras, etc., o que causou o abate de um número considerável de cães
pelos seus donos, por passarem a ser apenas uma despesa.
A 18 de agosto de 1911, e após o lobby da Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals, a Câmara
dos Comuns introduziu o Protection of Animals Act, que previa já uma pena máxima de 6 meses de trabalhos
forçados com uma multa acrescida de 25 £. E em 1934 entrou em vigor um novo Protection of Animals Act, que
proibiu práticas públicas como (i) atirar ou lançar, sob qualquer forma, cavalos ou touros, (ii) combates, lutas ou
disputas com touros e (iii) montar ou tentar montar qualquer cavalo ou touro com o objetivo de, através de
qualquer meio envolvendo crueldade, vise estimular o animal a dar saltos durante a atuação. O Protection of
Animals Act foi revisto em 1954, 1987, 1988 e 2000.
Atualmente a crueldade contra animais é uma ofensa criminal, e, em caso de condenação, o tribunal pode
ainda determinar que a pessoa não pode possuir, manter ou participar na manutenção, tratar, transportar ou
organizar o transporte de animais. Essa inibição pode estar relacionada com os tipos específicos de animais ou
animais em geral.
Uma pessoa culpada de induzir sofrimento desnecessário, proceder a mutilações, envenenamentos ou
promover lutas é passível de condenação sumária a pena de prisão até a 51 semanas ou uma multa de até £
20 000 ou ambos, de acordo com o Animal Welfare Act de 2006.
Outros países
Organizações internacionais
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Efetuada uma consulta à base de dados da atividade parlamentar (AP) sobre iniciativas sobre matéria
idêntica ou conexa, verificou-se a existência das seguintes iniciativas, algumas, igualmente agendadas para
discussão na generalidade para a sessão plenária de 12/05/2016:
Projeto de Lei n.º 65/XIII (1.ª) (PCP) – Aprova medidas para a criação de uma rede de centros de recolha
oficial de animais e para a modernização dos serviços municipais de veterinária;
Projeto de Lei n.º 164/XIII (1.ª) (PAN) –Altera o Código Civil, estabelecendo um estatuto jurídico dos animais;
Projeto de Lei n.º 171/XIII (1.ª) (PAN) – Altera o Código Civil, reconhecendo os animais como seres sensíveis;
Projeto de Lei n.º 172/XIII (1.ª) (PAN) – Possibilidade de Permissão de Animais em Estabelecimentos
Comerciais (altera o DL n.º 10/2015, de 16 de Janeiro).
Projeto de Lei n.º 173 /XIII (1.ª) (PAN) – Reforça o regime sancionatório aplicável aos animais (altera o Código
Penal)
Petições
Consultada a base de dados do processo legislativo e da atividade parlamentar (PLC), verificou-se que se
encontram pendentes as seguintes petições sobre matéria conexa com a da iniciativa legislativa em apreciação:
Petição n.º 58/XIII (1.ª) – Pretendem que seja criada legislação adequada que impeça o comércio de animais
em anúncios de classificados de páginas na internet;
Petição n.º 91/XIII (1.ª) – Contra o abandono e abate dos animais da Ilha São Miguel.
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V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
A Comissão promoveu, em 21 de abril de 2016, a emissão de parecer escrito pelas seguintes entidades:
Conselho Superior da Magistratura, Ordem dos Advogados e Conselho Superior do Ministério Público.
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Em face da informação disponível não é possível quantificar eventuais encargos resultantes da aprovação
da presente iniciativa.
———
PROJETO DE LEI N.º 230/XIII (1.ª)
ESTABELECE O REGIME DE ATRIBUIÇÃO DE INCENTIVOS E APOIO À FIXAÇÃO DE MÉDICOS NAS
ZONAS CARENCIADAS NO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE
Segundo o Balanço Social Global do Ministério da Saúde e do Serviço Nacional de Saúde, “em 31 de
Dezembro de 2014, os empregos do Ministério da Saúde totalizavam 124.260 empregos”, ou seja,
“comparativamente ao período homólogo de 2013, verificou-se um decréscimo de 2,5%.” O mesmo relatório
avança ainda que “nos últimos 11 anos (2004 a 2014), o número global de empregos decresceu 1,2%”, tendo
esta redução, entre 2013 e 2014, se situado nos 2,5%. Em 2014, verificou-se um decréscimo no número de
empregos na maioria dos grupos profissionais, sendo os grupos profissionais dos assistentes operacionais e
dos técnicos os que sofreram maior diminuição, o quadro abaixo mostra a evolução dos profissionais de saúde
entre 2012 e 2014.
Técnicos Técnicos Assistentes Assistentes
Médicos Enfermeiros Superior Diagnóstico Técnicos Operacionais
Saúde Terapêutica
2012 24.490 39.526 1.779 7.824 17.266 27.081
2013 24.989 38.663 1.781 7.684 16.849 25.995
2014 25.238 37.928 1.774 7.518 15.902 24.546
Fonte: Balanço Social 2014 Ministério da Saúde
A redução de profissionais de saúde tem implicações sérias na prestação de cuidados de saúde que são
prestados às populações e nos próprios profissionais. Os estudos evidenciam que as taxas de exaustão e
burnout são muito elevadas, especialmente no grupo profissional dos enfermeiros.
O estudo Burnout em profissionais de saúde portugueses: uma análise a nível nacional da autoria de Marôco,
J; Marôco, A.L.; Leite, E; Bastos, C.; Vazão, M.J e Campos, J., publicado na Acta Médica Portuguesa em janeiro
de 2016, revela que a “nível nacional, entre 2011 e 2013, 21,6% dos profissionais de saúde apresentaram
burnout moderado e 47,8% burnout elevado” e que “ 10 (50%) e 13 (65%) dos 20 distritos/regiões autónomas
os níveis de burnout foram elevados na classe dos médicos e enfermeiros, respetivamente”, sendo os “distritos
do norte e do centro apresentam a maior concentração de burnout elevado em enfermeiros”. Os autores
concluem que a “ perceção de más condições de trabalho foi o principal preditor da ocorrência de burnout nos
profissionais de saúde Portugueses.”. Esta deterioração das condições de trabalho é o resultado das opções
políticas de sucessivos governos, fundamentalmente do anterior, e do aumento do horário de trabalho
(imposição das 40 horas), saída de profissionais e a não substituição impondo aos que ficam mais sobrecarga
de trabalho a que acresce a recorrente falta de materiais para prestar cuidados de qualidade.
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Apesar do aumento do número de médicos, estando, no número total, contabilizados os médicos que estão
a realizar a formação médica especializada, existe carência destes profissionais no Serviço Nacional de Saúde.
Carência que é sentida na generalidade dos estabelecimentos de saúde (centros de saúde e hospitais). Faltam
médicos de família nos centros de saúde, faltam médicos nos hospitais e faltam médicos de saúde pública. De
uma forma geral, fora dos grandes centros urbanos no litoral, os concursos públicos que têm sido abertos, na
sua maioria têm ficado desertos. Em agosto de 2015, vários órgãos de comunicação social noticiaram que “pelo
menos metade dos concursos abertos para contratação de médicos abertos no Alentejo nos últimos dois anos
(…) ficaram desertos por falta de candidatos ou porque os que havia desistiram durante o processo”. Igual
cenário foi encontrado no Algarve e na Região Centro. Recentemente, nas jornadas parlamentares do PCP,
realizadas nos distritos de Vila Real e Bragança, foi-nos relatado que, no decurso do ano passado, foram abertas
111 vagas para a Unidade Local de Saúde do Nordeste (Bragança), das quais apenas 11 foram preenchidas
ficando 100 vagas desertas.
O problema da carência de médicos não é de agora é o resultado de políticas erradas do passado,
nomeadamente na forte restrição no acesso ao curso de medicina, mas também de políticas de desvalorização
profissional e social destes profissionais de saúde e de retirada de direitos de que os últimos quatro anos foram
paradigmáticos com os cortes nos salários, congelamento de carreiras e o aumento do horário de trabalho.
De 2010 a 2014 saíram 2720 médicos do SNS por aposentação, dos quais, 1400 são médicos de medicina
geral e familiar. E do total de médicos que abandonaram o SNS mais de 800 são séniores e mais de 1700 são
assistentes graduados, com uma enorme experiência e conhecimento adquiridos ao longo de anos e anos de
trabalho e dedicação que se vai perder e não será transmitida aos jovens médicos, o que terá consequências
irreparáveis no SNS. Se se mantiver a atual política e tendo em conta a elevada idade dos médicos, é expectável
que nos próximos anos se continuem a verificar muitos pedidos de aposentação de médicos, o que criará ainda
mais dificuldades ao SNS.
As saídas de médicos do SNS não decorrem somente das aposentações. Há muitos médicos que
abandonam o SNS porque estão desmotivados e descontentes, optando por exercer funções em entidades
privadas ou pela emigração, procurando melhores condições de trabalho noutros países.
Segundo o artigo “Demografia Médica em Portugal: Análise Prospetiva” publicado na Revista Acta Médica
Portuguesa, de Março-Abril de 2014 refere que “em Dezembro de 2011 existiam 43 247 médicos habilitados a
exercer medicina em Portugal, dos quais 58% se encontravam afetos ao funcionamento do Serviço Nacional de
Saúde no Continente.” Quase metade dos médicos em Portugal está a exercer funções em entidades privadas,
por apresentarem contratos de trabalho e remunerações mais atrativas do que no SNS.
A emigração surge cada vez mais como solução para muitos médicos, não só para os jovens médicos que
ainda se encontram em internato médico, mas também para muitos médicos especialistas que há largos anos
exercem funções em estabelecimentos do SNS. De 2010 a 2014, 3.645 médicos já pediram a declaração à
Ordem dos Médicos para poderem exercer funções fora do país e confirma-se que 394 médicos abandonaram
o país só em 2014. Este número cresce em 2015, tendo emigrado 475 médicos. Em dois anos saíram do país
896 médicos, a maioria entre os 25 e os 44 anos de idade. Segundo um responsável pela Ordem dos Médicos,
os profissionais alegam a “degradação das condições de trabalho “falta de pessoas e bens materiais”, assim
como os pagamentos nas urgências e as horas extra como as principais causas para a emigração.
A emigração de profissionais altamente qualificados conduz à perda de recursos humanos valiosíssimos para
o futuro do país, à perda de milhões e milhões de euros investidos, sem falar da perda no plano de cuidados de
saúde que deixam de ser prestados. Estima-se que o custo médio por aluno de medicina, na formação inicial,
seja de 101.656 euros, portanto se tivermos em conta somente o número de médicos que emigraram em 2014
e não contabilizando o valor do trabalho que não é prestado, o país perdeu 39.340.872 euros.
Os sucessivos governos são os responsáveis pela carência de médicos no Serviço Nacional de Saúde. Em
particular, o Governo PSD/CDS-PP tem responsabilidades diretas no agravamento desta realidade. Foram as
medidas tomadas pelo anterior Governo (PSD/CDS) que forçaram a saída de médicos do SNS, quer por
aposentação, quer porque optam por desempenhar funções em entidades privadas ou noutros países, que lhes
oferecem contratos de trabalho e condições mais atrativas.
É urgente a adoção de políticas que criem as condições de trabalho adequadas para fixar os médicos no
SNS onde há carências, nomeadamente através da valorização profissional, social e remuneratória dos
médicos, pelo respeito pelos seus direitos, pela valorização das carreiras médicas e respetiva promoção e pela
qualificação das condições de trabalho nos centros de saúde e hospitais.
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Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP propõe a criação de um regime de incentivos para a fixação de
médicos nas zonas identificadas como carenciadas, incentivos que não se limitam aos de natureza pecuniária.
Destacam-se as seguintes propostas:
– No que respeita aos incentivos pecuniários, propomos a majoração da remuneração em 20% durante 10
anos, para os médicos em exclusividade no SNS;
– No que toca aos incentivos não pecuniários propomos a valorização e o desenvolvimento profissional,
nomeadamente através da participação em ações de formação, cujos custos são suportados pela instituição
onde exercem funções; a majoração de um dia férias por cada dois meses de trabalho por ano; a redução do
horário de trabalho para os médicos a partir dos 55 anos; facilitação de emprego para o cônjuge e de acesso
aos equipamentos para a infância e escolares para os filhos.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e da alínea c) do artigo 161.º da Constituição e da alínea c)
do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto
de lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente lei estabelece o regime de atribuição de incentivos e apoios à fixação de médicos em
estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde que se localizem em zonas do país onde se verificam
maiores carências na prestação de cuidados de saúde.
2 – O conjunto dos incentivos e apoios aplica-se aos médicos, independentemente do seu ingresso na
carreira especial médica, por concurso regional ou nacional de acordo com regulamento geral da carreira
médica, da respetiva categoria e do grau de qualificação médica obtido.
Artigo 2.º
Incentivo pecuniário
1 – O incentivo pecuniário consiste num acréscimo remuneratório de 20%, durante 10 anos, o qual tem por
base o salário ilíquido auferido.
2 – Sem prejuízo para a continuidade de funções ao abrigo do presente regime, o disposto no número anterior
é instituído nos termos e para os efeitos da presente lei, pelo período de dez anos, findos os quais deixa de ser
atribuído.
3 – O incentivo pecuniário é atribuído somente aos médicos em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde.
Artigo 3.º
Incentivo não pecuniário
1 – Os médicos têm o direito e o dever de frequentar ações de formação, devendo ser fixado para o efeito
um valor anual destinado a suportar os referidos custos, sendo que este deverá ser suportado pela unidade de
saúde a que está afeto.
2 – Conjuntamente com o regime de incentivos e apoios podem ser atribuídas bolsas ou outras formas de
financiamento destinadas à valorização profissional e de conhecimentos, formação especializada,
complementar ou de atualização.
Artigo 4.º
Compromisso
1 – O regime de atribuição de incentivos e apoios previsto na presente lei implica a obrigatoriedade de
permanência, proporcional ao tempo do internato, no posto de trabalho do mapa de pessoal do serviço ou
organismo.
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2 – Sem prejuízo para a continuidade de funções ao abrigo do presente regime, o disposto no número anterior
é instituído nos termos e para os efeitos da presente lei, pelo período de dez anos, findos os quais deixa de ser
atribuído.
3 – O pagamento é efetuado no prazo de sessenta dias a contar do facto que lhe deu origem.
4 – O interessado que invoque e comprove que a sua situação económica não permite a devolução nos
termos do número anterior, pode dirigir requerimento ao membro do Governo responsável pela área da Saúde,
com vista à prorrogação do prazo estabelecido até ao limite de um ano, podendo proceder ao pagamento em
prestações.
Artigo 5.º
Especialidades médicas
Devem ser asseguradas aos médicos as condições necessárias ao seu desenvolvimento profissional no
âmbito da respetiva especialidade médica, nomeadamente o tempo adequado ao aprofundamento de
conhecimentos e competências.
Artigo 6.º
Redução do horário de trabalho
Os médicos abrangidos pela presente lei têm direito à redução do seu horário semanal, a partir dos 55 anos
de idade, à razão de uma hora por ano e até ao limite de cinco horas.
Artigo 7.º
Férias
Os médicos abrangidos pela presente lei têm direito a um acréscimo de um dia de férias, por cada dois meses
de trabalho prestado.
Artigo 8.º
Cônjuge do médico
1 – Sendo detentor de vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviços, o cônjuge do médico
beneficia de condições de preferência na colocação em serviço ou organismo público na região onde se localize
o estabelecimento do SNS onde este exerce a sua atividade.
2 – O disposto no número anterior aplica-se às situações de união de facto.
Artigo 9.º
Agregado familiar
Aos filhos dos médicos em idade escolar é garantida a sua transferência para estabelecimento de ensino
público localizado na área geográfica do estabelecimento do SNS onde o seu progenitor exerce funções.
Artigo 10.º
Levantamento de necessidades
A definição, avaliação e fixação das especialidades médicas é estabelecida anualmente pelo membro do
Governo responsável pela área da Saúde.
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II SÉRIE-A — NÚMERO 80 56
Artigo 11.º
Norma revogatória
É revogado o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 101/2015, de 4 de junho.
Artigo 12.º
Entrada em vigor
1 – A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado posterior à sua publicação.
2 – Excetua-se do número anterior, o disposto no artigo 10.º que produz efeitos no dia seguinte à publicação.
Assembleia da República, 9 de maio de 2016.
Os Deputados do PCP: Carla Cruz — João Ramos — Paula Santos — Paulo Sá — Diana Ferreira — Rita
Rato — Ana Mesquita — Jerónimo de Sousa — Ana Virgínia Pereira — Miguel Tiago — Jorge Machado —
Francisco Lopes — António Filipe — Bruno Dias.
———
PROJETO DE LEI N.º 231/XIII (1.ª)
ESTABELECE O REGIME PARA A REPOSIÇÃO DE FREGUESIAS
I
A denominada Reorganização Administrativa do Território das Freguesias operada pela Lei n.º 11-A/2013,
de 28 de janeiro, em execução da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, imposta por PSD e CDS, mereceu contestação
e repúdio generalizados expressos, desde logo, no silêncio a que se votaram mais de dois terços das
assembleias municipais existentes, mau grado as fortíssimas pressões exercidas para que participassem no
processo.
Das variadas ordens de razões para essa contestação e repúdio uma surge como transversal e reclama
pronta reparação: o desrespeito pelos princípios e formas de participação democrática profundamente
entrosados na natureza própria do Poder Local.
Sob falsos argumentos, PSD e CDS avançaram com a extinção de mais de um milhar de freguesias no país,
assente numa opção política e ideológica (expressa também no Pacto de Agressão da Troica) que tinha como
principal objetivo a subversão do Poder Local Democrático e que se traduziu no empobrecimento do nosso
regime democrático.
Do ponto de vista financeiro, o impacto foi praticamente nulo, mas do ponto de vista da proximidade das
autarquias e dos eleitos às populações o impacto foi muito significativo.
Este processo teve consequências profundamente negativas junto das populações – perdeu-se a
proximidade que caracterizava este nível de Poder Local, com a redução de cerca de 20 mil eleitos de freguesia;
dificultou-se a capacidade de intervenção na resolução de problemas; perdeu-se a identidade e reduziu-se a
capacidade de reivindicação das populações. Enquanto representantes das populações, os eleitos de freguesia
muitas vezes davam voz às reivindicações das populações, levando-as a outros níveis de poder.
Foi também esta voz “incómoda” e contrária às suas opções políticas, que o governo PSD/CDS procurou
aniquilar.
E contrariamente à enorme propaganda política, a extinção de freguesias não correspondeu ao reforço da
coesão territorial, mas sim ao aumento das assimetrias regionais já existentes. Ao encerramento de inúmeros
serviços públicos pelo país, somou-se ainda a extinção de freguesias, o que nalgumas localidades, em particular
nas zonas rurais e de interior, a freguesia era a entidade que restava e que até essa foi extinta, deixando as
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populações ao abandono.
II
O Grupo Parlamentar do PCP opôs-se desde o primeiro momento à estratégia de desmantelamento do Poder
Local Democrático protagonizado pelo governo PSD/CDS e expressa no conhecido “Livro Verde”.
Rejeitámos totalmente uma perspetiva de reorganização territorial com base em critérios cegos e que
ignoraram totalmente a realidade concreta de cada território. A reorganização administrativa do território deve
ser devidamente ponderada, atenta às necessidades das populações e as características de cada território e
nunca contrária à opinião das populações e aos seus interesses.
Com o objetivo de eliminar as distorções induzidas por aquela «reorganização», o Grupo Parlamentar do
PCP propõe o presente Projeto de lei que visa:
a) Consolidar os resultados da «reorganização» que mereceram prévio consenso em ambos os órgãos
deliberativos autárquicos chamados a pronunciar-se;
b) Abrir um período de debate e decisão locais que, culminando em deliberações tomadas em sessões
especiais dos órgãos, possa carrear para o processo o resultado das experiências entretanto vividas e
propor soluções diversas daquela ou da pura e simples reposição das demais freguesias;
c) Reverter a efetiva extinção de freguesias operada pela «reorganização» em todos os casos em que não
tenha existido consenso nos órgãos deliberativos chamados a pronunciar-se e não haja oposição
expressa pelos atuais órgãos.
Não parece possível reconstituir a representatividade específica de cada uma das assembleias que se
pronunciou anteriormente à «reorganização», perdida que está com a aglomeração de freguesias. Sendo, nesta
matéria, vedado pela Constituição o recurso ao referendo, nada impede que os atuais órgãos autárquicos
promovam a auscultação das populações interessadas pelas mais diversas vias e acolham, no que deliberarem,
os sentimentos, opiniões e propostas dominantes.
Por fim, repõe-se a vigência do regime jurídico de criação de freguesias: a sua revogação operada na
«reorganização», não só não é impeditiva da criação de uma qualquer freguesia pela Assembleia da República,
como a sua vigência não impõe, por si mesma, que alguma freguesia venha a ser criada.
III
Para alcançar estes desideratos estabelece-se, no presente projeto de lei proposto pelo Grupo Parlamentar
do PCP, a reposição automática e de princípio, de todas as freguesias extintas com oposição, expressa ou
tácita, dos órgãos deliberativos chamados a pronunciar-se.
Estabelece-se ainda que, na sequência da experiência acumulada pelos órgãos autárquicos e, em especial,
pelas populações no decurso de mais de metade do mandato, seja reformulada a posição assumida inicialmente,
qualquer que tenha sido o sentido do parecer à data da «reorganização».
Procurou-se simplificar ao máximo o processo, mas sem descurar tanto as formalidades essenciais como a
participação direta das populações: têm este objetivo concreto a imposição de sessões extraordinárias públicas
e específicas, que se esperam amplamente divulgadas, e também a obrigação de serem sucessivas, com início
nas das assembleias de freguesia.
Preserva-se a capacidade soberana de decidir nesta matéria de que é detentora a Assembleia da República
ao sublinhar que, sempre que haja recurso ao mecanismo de reformulação da posição assumida, lhe cabe
decidir em última instância, ponderando os pareceres que lhe tenham sido transmitidos, mas sem se encontrar
vinculada às soluções por eles perfilhadas.
Estabeleceram-se prazos razoáveis, tanto na perspetiva da prontidão do processo, como na efetiva
possibilidade de execução atempada das tarefas inerentes, tendo como objetivo a sua implementação no quadro
do próximo processo eleitoral para as autarquias. E, fazendo correr o processo pela comissão parlamentar
competente, elimina-se a necessidade de outras etapas preparatórias do processo legislativo.
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Acolhe-se o processo transitório previsto na Lei n.º 8/93, de 5 de março, cuja repristinação propomos, e
regula-se a matéria patrimonial por forma a mitigar eventuais conflitos, prevendo-se expressamente formas
expeditas de os resolver quando, mesmo assim, venham a ocorrer.
Não é possível estimar antecipadamente os custos diretos que irão resultar da execução da presente lei, mas
são seguramente irrisórios, associados a um pequeno acréscimo de senhas de presença para suportar o
funcionamento das assembleias de freguesia, e podem mesmo ser total ou parcialmente anulados com as
reduções possíveis decorrentes da possível cessação de situações de exercício de funções a tempo inteiro ou
parcial.
Nestes termos, ao abrigo da alínea n) do artigo 164.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do
artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar
do PCP, apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Reposição de freguesias
1. São repostas, com a publicação da lei a que se refere o n.º 4 do artigo seguinte, as freguesias extintas
pela Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, com exceção daquelas cujos órgãos deliberativos e do município em
que se integravam se tenham pronunciado favoravelmente no âmbito do processo regulado pela Lei n.º 22/2012,
de 30 de maio.
2. Podem ainda ser repostas outras freguesias extintas no âmbito do mesmo processo ou sustada a
reposição das referidas no n.º 1 por proposta fundamentada dos órgãos deliberativos municipais e das atuais
freguesias.
Artigo 2.º
Procedimentos
1. Nos casos a que se refere o n.º 2 do artigo anterior as deliberações devem ser tomadas em sessões
públicas extraordinárias da assembleia de freguesia e da assembleia municipal expressamente convocadas
para o efeito.
2. As deliberações a que se referem os números anteriores devem ser comunicadas à Assembleia da
República até ao 45.º dia posterior à entrada em vigor da presente lei pelos presidentes das mesas dos órgãos
que as tomarem.
3. A pronúncia favorável à reposição das freguesias a que se refere o n.º 1 do artigo anterior considera-se
tempestiva para os efeitos da presente lei.
4. Nos 45 dias seguintes à realização dos procedimentos referidos nos números anteriores, a comissão
parlamentar competente da Assembleia da República elabora relatório e proposta de mapa geral das freguesias
a repor em execução da presente lei, que será aprovado por lei da Assembleia da República e do qual devem
constar:
a) As freguesias referidas no n.º 1 do artigo 1.º relativamente às quais não tenha havido proposta para suster
a sua reposição;
b) As freguesias referidas no n.º 1 do artigo 1.º relativamente às quais tenha havido proposta para suster a
sua reposição com fundamentos que a Comissão entenda não serem de atender;
c) As demais freguesias a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º;
d) As uniões de freguesias subsistentes na sequência de reposição parcial das freguesias que atualmente
as integram.
Artigo 3.º
Forma
1. A reposição das freguesias extintas pela Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, opera-se pela repristinação
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das leis que as criaram, com a redação que vigorava à data da extinção, na sequência da publicação do mapa
a que se refere o n.º 4 do artigo anterior.
2. Sempre que a reposição de freguesias não abranja a totalidade das freguesias agregadas numa
determinada união de freguesias criada pela Lei n.º 11-A/2013 de 28 de janeiro, mantêm-se em vigor as
disposições aplicáveis para o conjunto do seu território que não seja abrangido pelo disposto no n.º 1.
3. À designação das uniões de freguesia a que se refere o número anterior, em qualquer das suas variantes,
são subtraídos os elementos que identifiquem a ou as freguesias cuja existência for reposta.
4. A lei a que se refere o n.º 4 do artigo anterior é título bastante para a transmissão de posições contratuais,
o registo de quaisquer bens, direitos e obrigações ou quaisquer outros atos a praticar em juízo ou fora dele, com
o objetivo de recuperar as condições existentes previamente à extinção da freguesia reposta.
5. As condições a que se refere a parte final do número anterior são as que constam da última conta de
gerência remetida ao Tribunal de Contas pelos órgãos competentes das freguesias extintas, aplicando-se o
disposto no artigo 10.º da Lei n.º 8/93, de 5 de março, às alterações patrimoniais e outras relevantes que tenham
ocorrido posteriormente à elaboração daquela conta.
6. Em caso de litígio ou quando relativamente a algum bem, direito ou obrigação for materialmente impossível
a recuperação a que se refere o n.º 4, deve ser promovida a conciliação a requerimento das partes ou do
Ministério Público pelo juiz da instância local mais próxima.
7. São isentos de pagamento, de qualquer natureza, os atos administrativos e judiciais praticados em
execução da presente lei.
Artigo 4.º
Criação de novas freguesias
É repristinada a Lei n.º 8/93, de 5 de março, com vigência a partir do dia seguinte ao da publicação do mapa
a que se refere o n.º 4 do artigo 2.º.
Artigo 5.º
Efeitos
1. As comissões instaladoras a constituir nos termos do disposto no artigo 9.º da Lei n.º 8/93, de 5 de março,
devem iniciar funções até 90 dias antes da mais próxima das datas em que devam ter lugar eleições gerais dos
órgãos das autarquias locais.
2. Nos 90 dias posteriores à publicação do mapa a que se refere o n.º 4 do artigo 2.º o Governo faz publicar,
em suplemento à I Série do Diário da República, o mapa geral das freguesias a elaborar pelo órgão da
Administração Pública que tiver a seu cargo a manutenção da Carta Administrativa Oficial de Portugal.
Artigo 6.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 9 de maio de 2016.
Os Deputados do PCP: Paula Santos — João Oliveira — Jerónimo de Sousa — Ana Mesquita — Francisco
Lopes — Bruno Dias — Ana Virgínia Pereira — Paulo Sá — Jorge Machado — João Ramos — António Filipe
— Diana Ferreira — Carla Cruz.
———
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PROJETO DE LEI N.º 232/XIII (1.ª)
PROÍBE A APLICAÇÃO DE PRODUTOS CONTENDO GLIFOSATO EM ZONAS URBANAS, ZONAS DE
LAZER E VIAS DE COMUNICAÇÃO
Exposição de motivos
O glifosato é um herbicida classificado pela Organização Mundial de Saúde como comprovadamente
cancerígeno em animais e provavelmente cancerígeno em humanos. É o herbicida mais vendido no país. O
risco que a sua utilização implica para a saúde pública é imenso, o que apela à ação, como refere o próprio
Bastonário da Ordem dos Médicos: “Para o glifosato a conclusão é clara: este herbicida deveria ser suspenso
em todo o mundo” (editorial da Revista da Ordem dos Médicos, n.º 161).
A Agência Internacional para a Investigação sobre o Cancro da Organização Mundial de Saúde (IARC-OMS)
identificou a relação entre a exposição ao herbicida e o Linfoma não-Hodgkin e declarou - em março de 2015 -
o glifosato como “carcinogéneo provável para o ser humano”. Mas, como é referido pelo Bastonário da Ordem
dos Médicos, há aspetos que “levam a crer que o parecer do IARC poderá estar a pecar por defeito. As
avaliações têm-se focado essencialmente no princípio ativo – o glifosato propriamente dito – muito embora a
formulação comercial contenha outros compostos químicos. Investigação consistente aponta para que uma fatia
significativa da toxicidade total dos pesticidas possa ser atribuída a esses adjuvantes (BioMed Research
International. Vol 2014, Article ID 179691)”.
Na realidade portuguesa, os números relacionados com o Linfoma não-Hodgkin são terríveis: este tipo de
cancro de sangue é dos cancros que mais se regista em Portugal, com cerca de 1.700 novos casos por ano.
Um composto omnipresente
O glifosato, enquanto herbicida, tem uma utilização sistémica não seletiva, é de venda livre e fácil acesso.
Em Portugal, em 2012 foram aplicadas 1400 toneladas deste tipo de pesticida. A sua utilização é ao nível do
solo para limpar os campos antes das sementes, mas também na água como desinfetante.
No País, o seu uso é generalizado na agricultura e também nos serviços de autarquias que o aplicam em
praças, jardins, passeios, estradas e cemitérios. Este composto tem sido ligado a vários problemas ambientais
e de saúde pública por diversos estudos científicos.
A nível internacional é especialmente usado na agricultura com organismos geneticamente modificados,
dado que muitas das variedades OGM são especificamente resistentes e imunes a este químico. O glifosato é,
aliás, o composto principal do “Roundup”, um pesticida que rende, por ano, 5 mil milhões de dólares à Monsanto.
Vários estudos têm demonstrado que o glifosato tem uma presença sistémica nas nossas vidas. Em outubro
de 2015, um estudo identificou glifosato em tampões e pensos higiénicos, dado serem feitos de um produto
agrícola: o algodão. A presença de glifosato foi ainda identificada em 14 cervejas alemãs, no pão no Reino Unido
e na urina de pessoas de 18 países europeus.
Glifosato no espaço público e nas autarquias
O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda questionou por escrito todas as Câmaras Municipais do país
sobre se utilizavam glifosato no espaço público. Das 107 autarquias que responderam, 89 admitiram que usam
e 18 que já não o usam. Este conjunto de respostas demonstra que este composto é omnipresente no espaço
público, mas também que existem alternativas que estão em uso em várias autarquias - quer de cariz urbano ou
rural - que deixaram o uso de glifosato de lado.
Em março de 2014, a Quercus e a Plataforma Transgénicos Fora lançaram um apelo público para que as
autarquias portuguesas deixem de usar glifosato nos espaços urbanos, alertando para o risco ambiental e para
a saúde pública desta prática generalizada no País.
Princípio da precaução e proteção integrada
Atendendo às evidências científicas de que o glifosato é cancerígeno, a população deve ser protegida e não
ser exposta sem escolha a este composto. Nesse sentido deve-se interditar o uso do glifosato.
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A proteção integrada é o modelo defendido quer por especialistas, quer pela legislação europeia (Diretiva n.º
2009/128/CE) para a aplicação de pesticidas. Nesse sentido, avaliada cada situação, devem ser estudadas as
soluções não químicas (métodos mecânicos, térmicos ou outros) ou químicas a adotar. Esta metodologia tem
também como objetivo diminuir o recurso ao uso de pesticidas. Existindo autarquias e modos de produção
agrícolas que não usam glifosato, a sua prática deve ser estudada e generalizada.
Os Estados podem e devem decidir proteger a saúde pública
Os Estados-membros podem optar pela proibição de pesticidas no seu território. O artigo 12.º da Diretiva n.º
2009/128/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, que estabelece um quadro de
ação a nível comunitário para uma utilização sustentável dos pesticidas, prevê que “os Estados-Membros
asseguram que a utilização de pesticidas seja minimizada ou proibida em certas zonas específicas”
nomeadamente “zonas utilizadas pelo público em geral ou por grupos vulneráveis, na aceção do artigo 3.º do
Regulamento (CE) n.º 1107/2009, como parques e jardins públicos, campos desportivos e recreativos, recintos
escolares e parques infantis, e na vizinhança imediata de instalações de prestação de cuidados de saúde”.
O artigo 14.º do mesmo diploma prevê que “Os Estados-membros tomam todas as medidas necessárias para
promover a proteção fitossanitária com baixa utilização de pesticidas, dando prioridade sempre que possível a
métodos não químicos, a fim de que os utilizadores profissionais de pesticidas adotem práticas e produtos com
o menor risco para a saúde humana e o ambiente entre os disponíveis para o mesmo inimigo da cultura em
causa”.
É neste contexto que vários países europeus tomaram já a decisão de banir todos os usos de glifosato e que,
na cimeira de peritos de março, não foi aprovada a proposta de renovação por 15 anos das licenças europeias
em vigor, ficando adiada a decisão final para junho de 2016. Acresce que, no passado dia 13 de abril, o
Parlamento Europeu aprovou uma recomendação à Comissão Europeia para que seja proibida a utilização de
produtos com o glifosato em espaços urbanos.
Em Portugal, no final de abril, a Plataforma Transgénicos Fora apresentou as conclusões de uma série de
análises que demonstram a presença do glifosato na urina de todas as pessoas analisadas, em níveis
alarmantes. Nessa ocasião, o governo confirmou que o glifosato nunca esteve entre os produtos incluídos pelos
sucessivos governos na lista de pesticidas cujos vestígios na alimentação humana são monitorizados.
Apesar da recente rejeição, pela Assembleia da República, do projeto de resolução apresentado pelo Bloco
de Esquerda pela proibição de todos os usos do glifosato, a informação, entretanto tornada pública, e a agenda
de decisões europeias impõe um regresso a este tema. O Bloco de Esquerda não desistirá de, no mais curto
prazo, assegurar a retirada do mercado de todos os produtos contendo glifosato. Entretanto, havendo condições
políticas para medidas imediatas, elas não devem ser adiadas.
É nesta perspetiva e com vista a uma decisão efetiva, que o Bloco de Esquerda propõe a proibição da
utilização do glifosato em espaços urbanos e que sejam apresentadas, no prazo máximo de um ano, as
conclusões do primeiro estudo que um governo português fará acerca dos impactos deste produto na saúde
humana. É por estes critérios de precaução e tempestividade que as autoridades portuguesas deverão atuar
também no plano europeu. No momento em que, nas instâncias europeias, a pressão das multinacionais do
agronegócio se acentua a favor de uma renovação prolongada das atuais licenças, é tempo de reforçar o
consenso dos países que preconizam a necessidade de estudos urgentes, que imponham prazos curtos para
decisões informadas e prudentes.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece restrições a utilizações de produtos fitofarmacêuticos contendo glifosato, bem como
procede a instituição de um grupo de trabalho para avaliar a implementação de eventuais medidas respeitantes
à utilização destes fitofármacos.
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Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 26/2013, de 11 de abril
O artigo 63.º da Lei n.º 26/2013, de 11 de abril, que regula as atividades de distribuição, venda e aplicação
de produtos fitofarmacêuticos para uso profissional e de adjuvantes de produtos fitofarmacêuticos e define os
procedimentos de monitorização à utilização dos produtos fitofarmacêuticos, passa a ter a seguinte redação:
“Artigo 63.º
[…]
1 – Sem prejuízo das demais proibições constantes da presente lei ou de outros diplomas, é proibida a
aplicação de quaisquer produtos fitofarmacêuticos contendo glifosato em zonas urbanas, zonas de lazer e vias
de comunicação.
2 – (Anterior corpo do artigo).”
Artigo 3.º
Avaliação dos efeitos do glifosato
O Governo prepara, no prazo de um ano, e através dos respetivos serviços, um relatório de avaliação dos
efeitos do glifosato na saúde humana com vista a avaliar a necessidade:
a) De reanalisar a classificação de perigosidade do glifosato;
b) De instituir medidas restritivas adicionais respeitantes à utilização de produtos fitofarmacêuticos contendo
glifosato;
c) De medidas adicionais de proteção da saúde humana no quadro da utilização do glifosato.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação, salvo o artigo 2.º, que entra em vigor no
primeiro dia do terceiro mês posterior à publicação da mesma.
Assembleia da República, 12 de maio de 2016.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: Jorge Costa — Jorge Campos — Pedro Soares —
Jorge Falcato Simões — Pedro Filipe Soares — Carlos Matias — Mariana Mortágua — Joana Mortágua —
Isabel Pires — José Manuel Pureza — José Moura Soeiro — Luís Monteiro — Heitor de Sousa — Moisés
Ferreira — Sandra Cunha — Paulino Ascenção — João Vasconcelos — Catarina Martins — Domicilia Costa.
———
PROJETO DE LEI N.º 233/XIII (1.ª)
PROCEDE À SEXTA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 251/98, DE 11 DE AGOSTO, REFORÇANDO
AS MEDIDAS DISSUASORAS DA ATIVIDADE ILEGAL NO TRANSPORTE EM TÁXI
Exposição de motivos
Em Portugal o transporte em veículos de aluguer ligeiros de passageiros, com condutor, segundo itinerário à
escolha do utente e mediante retribuição, apenas é legalmente possível através do transporte em táxi, cujo
regime legal se encontra estabelecido no Decreto-Lei n.º 251/98, de 11 de agosto.
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Efetivamente a lei exige licenciamento para o exercício da atividade, através de alvará cuja emissão é da
competência do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) e exige ainda o licenciamento de veículos a
atribuir dentro do contingente de cada concelho, através de licença cuja emissão é da competência da Câmara
Municipal respetiva.
A lei exige ainda que tal atividade apenas possa ser realizada por viaturas ligeiras, com lotação não superior
a nove lugares, incluindo o condutor, equipadas com taxímetro e outras características previstas na lei e
conduzidas por motoristas habilitados com certificado de capacidade profissional.
Assim o Decreto-Lei n.º 251/98 estabelece as condições de acesso ao mercado e a organização do mercado
do transporte público de passageiros em veículos ligeiros de passageiros, com condutor, e mediante retribuição.
A Portaria n.º 277-A/99, de 15 de abril, estabelece as características das viaturas destinadas a táxi e a Lei
6/2013, de 22 de janeiro, estabelece as regras e condições de acesso e exercício da profissão de motorista de
táxi. Acresce ainda que o preço cobrado pelo transporte em táxi é fixado por via administrativa ao abrigo do
Decreto-Lei n.º 297/92, de 31 de dezembro.
Desde outubro de 2014 que está instalada em Portugal a multinacional Uber, que presta um serviço de
transporte nos termos do qual, através de uma aplicação para “smartphones”, se agregam condutores e
respetivas viaturas que se disponibilizam a transportar pessoas, de e para local escolhido por estas, e mediante
retribuição. Entretanto, outras multinacionais se preparam para seguir o mesmo caminho.
Face aos termos de funcionamento do denominado “transporte Uber” é percetível que o mesmo não reúne
as condições que a lei portuguesa exige para a realização de tal transporte, porquanto e desde logo nenhum
dos intervenientes são titulares do competente alvará, nem as viaturas que o executam estão licenciadas pelas
respetivas câmaras municipais, nem os condutores são habilitados com o competente certificado e capacidade
profissional.
É assim evidente que o dito “transporte Uber”, ou outro de natureza equivalente, promove e executa um
transporte remunerado em viaturas ligeiras de passageiros que, pela própria natureza e características do
serviço apresentado e propagandeado, é ilegal em todas as suas vertentes, seja quanto à entidade que o
promove e contrata, seja quanto à viatura que é utilizada na sua execução, seja quanto ao condutor que o
executa.
O Grupo Parlamentar do PCP considera que nesta discussão o essencial não é a eficácia do “marketing” ou
o poder comunicacional ou mesmo a popularidade de um serviço, mas sim a obrigatoriedade de cumprimento
da lei. Não pode haver empresas ou empresários a quem a lei não se aplique.
Recorde-se a esse respeito o que determina a Constituição da República Portuguesa, no n.º 1 do seu artigo
13.º, com a epígrafe “Princípio da igualdade”: «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais
perante a lei.»
Ora, há mais de um ano, em abril de 2015, a Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas, por
proposta do Grupo Parlamentar do PCP, realizou um conjunto de audições sobre esta matéria, tendo nessa
sede ouvido o Presidente do IMT afirmar que «os serviços prestados através da Uber configuram-se uma
violação da legislação específica dos transportes», acrescentando que «a Uber é um transporte de passageiros
e, aí, não podemos fugir à lei do nosso país», a qual, conforme sublinhou, determina que «o transporte público
em veículos ligeiros de passageiros só é permitido através do transporte em táxi». Ou seja, não é novidade a
situação de ilegalidade reiterada e sistemática a que o País assiste.
Nestes termos, não se poderia aceitar que continuasse a mesma inércia das autoridades públicas e do
governo anterior, que nada fizeram para tratar e eliminar o problema dos denominados clandestinos, assim
permitindo, por inação, que inúmeras viaturas afetas a licenças emitidas para concelhos do interior do país
estejam a ser diariamente utilizadas para a prestação de serviços de táxi noutras cidades, designadamente
Lisboa e concelhos limítrofes. É mais uma forma de concorrência ilegal e desleal que existe no sector.
O sector do táxi tem reclamado que além da promoção e incremento da necessária fiscalização e
subsequente punição das situações detetadas. Por outro lado, impõe-se ainda uma intervenção legislativa sobre
o atual regime legal do transporte publico em veículos ligeiros de passageiros, no caso o Decreto-Lei n.º 251/98,
de 11 de agosto, por forma a que ali se estabeleça claramente quer a proibição expressa doutro tipo de
transporte remunerado que não o transporte em táxi quer a proibição da deslocalização ilegal de viaturas
licenciadas e incrementando a moldura da coima para valores que constituam verdadeiro desincentivo à pratica
da infração.
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Importa dissuadir estas práticas ilegais, punindo não apenas quem executa o transporte mas
fundamentalmente o proprietário da viatura que a disponibiliza e ainda quem o angaria, mais se estabelecendo
como condição para a impugnação de tais coimas o deposito prévio equivalente ao valor da coima sob pena de
apreensão dos documentos, como forma de evitar a litigância destinada a protelar no tempo a aplicação a
sanção, prática a que a multinacional vem recorrendo insistentemente.
Com o objetivo de evitar a litigância, foi assumido, no âmbito do presente projeto de lei, o atual regime previsto
no Código da Estrada, que aqui se adapta nos novos n.os 3 a 6 do artigo 26.º do regime dos transportes em táxi.
Relativamente ao regime sancionatório dos motoristas, regista-se que são aplicáveis, sem necessidade da sua
alteração, os atuais artigos 21.º e 22.º da Lei n.º 6/2013, de 22 de janeiro.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do número
1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP
apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo único
Alteração ao Decreto-Lei n.º 251/98, de 11 de agosto
Os artigos 26.º, 28.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 251/98, de 11 de agosto, alterado pelas Leis n.º 156/99, de 14
de setembro, n.º 106/2001, de 31 de agosto e n.º 5/2013, de 22 de janeiro, e pelos Decretos-Leis n.º 41/2003,
de 11 de março, e n.º 4/2004, de 6 de janeiro, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 26.º
Contraordenações
1 – (…).
2 – (…).
3 – Quando o infrator for notificado da instauração do processo de contraordenação deve ser notificado para,
no prazo da defesa, efetuar o pagamento voluntário da coima, pelo mínimo, ou para garantir o respetivo
pagamento através de depósito de valor igual ao mínimo da coima prevista para a contraordenação imputada.
4 – Caso o infrator não efetue nem o pagamento da coima nem o seu depósito, nos termos do número
anterior, devem ser apreendidos, provisoriamente e à ordem do respetivo processo, os seguintes documentos:
a) Título de condução caso a infração respeite ao condutor;
b) Título de identificação do veículo e registo de propriedade caso a infração respeite ao proprietário do
veículo;
c) Se a sanção respeitar ao condutor e este for simultaneamente o proprietário do veículo, devem ser
apreendidos os documentos referidos nas alíneas anteriores.
5 – No caso previsto no número anterior, devem ser emitidas guias de substituição dos documentos
apreendidos com validade pelo tempo julgado necessário e renováveis até à conclusão do processo, devendo
os mesmos ser devolvidos ao infrator se entretanto este proceder ao respetivo pagamento ou depósito nos
termos previstos no n.º 3 do presente artigo.
6 – Concluindo-se o processo sem condenação do infrator é devolvido o valor pago a título de pagamento
voluntário ou o valor que tenha sido depositado, bem como, sendo caso disso, os documentos provisoriamente
apreendidos.
Artigo 28.º
Exercício da atividade sem alvará
1 – O exercício da atividade de transporte em táxi por entidade que não seja titular do alvará a que se refere
o artigo 3.º é punível com coima de 2500 euros a 4500 euros, tratando-se de pessoa singular, ou de 5000 euros
a 15 000 euros, tratando-se de pessoa coletiva.
2 – As coimas previstas no número anterior são fixadas no dobro do valor em caso de reincidência.
3 – O disposto no presente artigo é aplicável igualmente à prática de angariação, com recurso a sistemas de
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comunicações eletrónicas, de serviços para viaturas sem alvará.
Artigo 30.º
Exercício irregular da atividade
1 – São puníveis com coima de € 3000 a € 5000 as seguintes infrações:
a) A utilização de veículo não licenciado ou não averbado no alvará, ou ainda a utilização, injustificada, de
veículo licenciado em concelho diferente;
b) (…);
c) A inobservância das normas de identificação e características dos táxis referidas no artigo 10.º.
2 – (…):
a) (…);
b) (revogado);
c) (…);
d) (…);
e) (…).
3 – As coimas previstas no n.º 1 do presente artigo são fixadas no dobro do valor em caso de reincidência.»
Assembleia da República, 11 de maio de 2016.
Os Deputados do PCP: Bruno Dias — João Oliveira — Paula Santos — Francisco Lopes — Paulo Sá —
Carla Cruz — Miguel Tiago — António Filipe — Diana Ferreira — Ana Virgínia Pereira.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 106/XIII (1.ª)
RECOMENDA AO GOVERNO A ELABORAÇÃO DE ESTUDO NACIONAL SOBRE O IMPACTO DA
DISTÂNCIA PERCORRIDA PELOS ALIMENTOS DESDE A SUA PRODUÇÃO AO CONSUMO
Novo texto do projeto de resolução
Vivemos numa época de globalização alimentar, marcada pela deslocação da produção agrícola, com
alimentos que viajam milhares de quilómetros antes de chegar às nossas mesas. De acordo com o Relatório de
“Amigos de la Tierra”, estima-se que, atualmente, a maioria dos alimentos do mundo viaja em média cerca de
5000 quilómetros desde o local de produção até ao local de consumo.
A uniformização e globalização da agricultura tem impactos negativos a vários níveis, nomeadamente
ambientais, económicos, culturais e de saúde e segurança alimentar.
Os alimentos que viajam milhares de quilómetros em cadeias de comercialização, distribuição e conservação
muito longas são grandes consumidores de energia e grandes emissores de poluentes. Nos Estados Unidos e
na Europa, a refrigeração, o transporte e o armazenamento de alimentos, requer, em média, oito vezes mais
energia do que o próprio alimento. A alimentação produzida pelo sistema convencional “quilométrico” utiliza 4 a
17 vezes mais combustível e entre 5 a 17 vezes mais dióxido de carbono. Os “alimentos viajantes” geram quase
5 milhões de toneladas de CO2 por ano, contribuindo para o agravamento das alterações climáticas.
A título de exemplo, de acordo com o Relatório “Eating oil: food suply in a changing climate”, uma refeição
típica de domingo da Grã-Bretanha é composta com batatas de Itália, cenouras da África do Sul, feijões da
Tailândia, carne de vaca da Austrália, brócolos da Guatemala e sobremesa com morangos da Califórnia e
mirtilos da Nova Zelândia e gera 650 vezes mais gases de efeito de estufa, devido ao transporte, que se esta
comida tivesse sido cultivada e comprada localmente. O número total de quilómetros que o conjunto destes
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“alimentos viajantes” somam do campo até à mesa é de 81 mil, o equivalente a duas voltas inteiras ao planeta
terra.
O modelo globalizado da agricultura que exige os alimentos quilométricos é um modelo que está claramente
a contribuir para o aquecimento global.
O modelo atual de produção agrícola penaliza seriamente os pequenos e médios agricultores nacionais, que
muitas vezes se vêm forçados a abandonar a atividade agrícola, por não conseguirem competir com outros
produtores que produzem em grande escala, contribuindo para o enfraquecimento da economia local pela perda
de receitas e de empregos e para a destruição das produções familiares. A manutenção deste modelo
contribuirá, cada vez mais, para uma maior dependência de países terceiros, pela necessidade de importação
de alimentos, com consequências gravosas para a balança comercial.
A uniformização mundial da produção agrícola está a destruir o nosso património agrobiodiverso, nutricional
e as nossas tradições gastronómicas. Segundo dados da “Food and Agriculture Organization of the United
Nations”, 75% das variedades agrícolas despareceram no último século. Até há um século, milhares de
variedades de milho, arroz, abóbora, tomate, batata e fruta abundavam nas comunidades rurais. Ao longo de 12
000 anos de agricultura, utilizaram-se cerca de 7000 espécies de plantas e vários milhares de animais para
alimentação. No entanto, hoje, apenas 15 variedades de cultivos e 8 de animais representam 90% da nossa
alimentação. Neste sentido, tem-se verificado o abandono do cultivo de variedades autóctones favorecendo
aquelas que têm uma maior procura por parte da grande distribuição, em virtude das características de cor,
tamanho, disponibilidade no momento, entre outros, com perdas bastante significativas para a nossa identidade
cultural.
O desaparecimento das variedades regionais, dos sabores, dos princípios nutritivos e dos conhecimentos
gastronómicos constitui uma ameaça à segurança e à soberania alimentares.
Uma alimentação feita com produtos nacionais e, preferencialmente, locais possibilita o consumo de
alimentos frescos, saudáveis e com menos conservantes e aditivos químicos. Cabe ao Estado a salvaguarda da
identidade do nosso País, da segurança e soberania alimentares, da saúde e bem-estar dos seus cidadãos bem
como a salvaguarda dos ecossistemas. Neste sentido, consideramos que se deverá repensar o modelo vigente,
contribuindo por um lado para a diminuição da pegada ecológica e por outro para a promoção da economia pelo
apoio aos produtores nacionais e contribuindo para um aumento da qualidade de vida dos portugueses.
Neste termos, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, por intermédio
do presente projeto de resolução, recomenda ao Governo que:
1. À semelhança do que tem sido feito noutros países, nomeadamente pelo Governo de Espanha
(http://www.alimentoskilometricos.org/)(http://www.tierra.org/spip/IMG/pdf/actualizacion_alimentos_km_w
eb.pdf), elabore um estudo sobre a distância que os alimentos importados percorrem desde o local da sua
produção até ao local de consumo (Portugal), que deverá ter em consideração nomeadamente os locais
de produção dos alimentos maioritariamente consumidos, bem como o número de quilómetros que os
mesmos viajam e o seu modo de transporte, assim como a quantificação de CO2 emitido.
Palácio de São Bento, 22 de janeiro de 2016.
O Deputado do PAN, André Silva.
Informação da Comissão de Agricultura e Mar relativa à discussão do diploma ao abrigo do artigo
128.º do Regimento da Assembleia da República.
1. O Deputado André Silva (PAN) tomou a iniciativa de apresentar o Projeto de Resolução n.º 106/XIII (1.ª)
– “Recomenda ao Governo a elaboração de estudo nacional sobre o impacto da distância percorrida pelos
alimentos importados desde a sua produção ao consumo”, ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 156.º
(Poderes dos Deputados) da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º (Poderes
dos Deputados) do Regimento da Assembleia da República (RAR).
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Esta iniciativa deu entrada na Assembleia da República a 22 de janeiro de 2016, foi admitida a 26 de janeiro
de 2016 e baixou à Comissão de Agricultura e Mar, nesse mesmo dia.
2. O projeto de resolução (PJR) foi objeto de discussão na reunião da Comissão de Agricultura e Mar de 11
de maio de 2016, que decorreu nos termos abaixo expostos.
3. O Sr. Deputado André Silva (PAN) procedeu à apresentação do PJR.
4. Usaram ainda da palavra os Srs. Deputados, Palmira Maciel (PS), Carlos Matias (BE), Maurício Marques
(PSD), Patrícia Fonseca (CDS-PP) e João Ramos (PCP).
5. O Sr. Deputado André Silva (PAN) encerrou o debate.
6. Realizada a discussão, remete-se a presente informação a S. Ex.ª a Presidente da Assembleia da
República, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da
República.
Assembleia da República, em 12 de maio de 2016.
O Presidente da Comissão, Joaquim Barreto.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 196/XIII (1.ª)
(RECOMENDA AO GOVERNO MEDIDAS DE COMBATE À VESPA VELUTINA)
Informação da Comissão de Agricultura e Mar relativa à discussão do diploma ao abrigo do artigo
128.º do Regimento da Assembleia da República
1. Dezanove Deputados do GP do BE tomaram a iniciativa de apresentar o Projeto de Resolução n.º 196/XIII
(1.ª) – “Recomenda ao Governo medidas de combate à vespa velutina”, ao abrigo do disposto na alínea b) do
artigo 156.º (Poderes dos Deputados) da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo
4.º (Poderes dos Deputados) do Regimento da Assembleia da República (RAR).
Esta iniciativa deu entrada na Assembleia da República a 24 de março de 2016, foi admitida a 29 de março
de 2016 e baixou à Comissão de Agricultura e Mar, nesse mesmo dia.
2. O projeto de resolução (PJR) foi objeto de discussão na reunião da Comissão de Agricultura e Mar de 11
de maio de 2016, que decorreu nos termos abaixo expostos.
3. O Sr. Deputado Carlos Matias (BE) procedeu à apresentação do PJR.
4. Usaram ainda da palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira (PSD), que fez algumas sugestões de
alteração, o Sr. Deputado Francisco Rocha (PS), o Sr. Deputado Abel Baptista (CDS-PP) e o Sr. Deputado João
Ramos PCP).
5. O Sr. Deputado Carlos Matias (BE) encerrou o debate sublinhando que alterou já o texto com algumas
sugestões do PS e que apresentará um novo texto incluindo algumas das sugestões feitas no debate.
6. Realizada a discussão, remete-se a presente Informação a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da
República, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da
República.
Assembleia da República, em 12 de maio de 2016.
O Presidente da Comissão, Joaquim Barreto.
———
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 206/XIII (1.ª)
(RECOMENDA AO GOVERNO A ADOÇÃO DA RECOMENDAÇÃO (EU) 2016/336 DA COMISSÃO, DE 8
DE MARÇO DE 2016, RELATIVA ÀS NORMAS MÍNIMAS DE PROTEÇÃO DE SUÍNOS NO TOCANTE ÀS
MEDIDAS DESTINADAS A REDUZIR A NECESSIDADE DE CORTE DE CAUDA)
Informação da Comissão de Agricultura e Mar relativa à discussão do diploma ao abrigo do artigo
128.º do Regimento da Assembleia da República
1. O Deputado André Silva (PAN) tomou a iniciativa de apresentar o Projeto de Resolução n.º 206/XIII (1.ª)
– “Recomenda ao Governo a adoção da Recomendação (UE) 2016/336 da Comissão de 8 de março de 2016
relativa às normas mínimas de proteção de suínos no tocante às medidas destinadas a reduzira necessidade
de corte de cauda”, ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 156.º (Poderes dos Deputados) da Constituição
da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º (Poderes dos Deputados) do Regimento da
Assembleia da República (RAR).
Esta iniciativa deu entrada na Assembleia da República a 31 de março de 2016, foi admitida a 5 de abril de
2016 e baixou à Comissão de Agricultura e Mar, nesse mesmo dia.
2. O projeto de resolução (PJR) foi objeto de discussão na reunião da Comissão de Agricultura e Mar de 11
de maio de 2016, que decorreu nos termos abaixo expostos.
3. O Sr. Deputado André Silva (PAN) procedeu à apresentação do PJR.
4. Usaram ainda da palavra os Srs. Deputados, Júlia Rodrigues (PS) Carlos Matias (BE), Maurício Marques
(PSD), Abel Baptista (CDS-PP) e João Ramos (PCP).
5. O Sr. Deputado André Silva (PAN) encerrou o debate.
6. Realizada a discussão, remete-se a presente Informação a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da
República, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da
República.
Assembleia da República, em 12 de maio de 2016.
O Presidente da Comissão, Joaquim Barreto.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 312/XIII (1.ª)
ALTERAÇÃO DO PERÍODO DA DESLOCAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA À ALEMANHA
Texto do projeto de resolução, mensagem do Presidente da República e parecer da Comissão de
Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas
Texto do projeto de resolução
Na sessão plenária de 5 de abril de 2016, foi aprovada Resolução dando assentimento à deslocação de S.
Ex.ª o Presidente da República à Alemanha, em visita oficial, nos dias 23 e 24 de maio.
Sua Excelência o Presidente da República veio entretanto requerer, nos termos do n.º 1 do artigo 129.º e da
alínea b) do artigo 163.º da Constituição, o assentimento da Assembleia da República para alteração da data da
referida deslocação por motivos de agenda das autoridades alemãs, devendo a partida ocorrer no dia 29 e o
regresso no dia 30 de maio.
Assim, apresento à Assembleia da República, nos termos regimentais, o seguinte projeto de resolução:
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“A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 163.º e do n.º 5 do artigo 166.º da
Constituição, dar assentimento à alteração da data da deslocação de S. Ex.ª o Presidente da República à
Alemanha, em visita oficial, devendo a partida ocorrer no dia 29 e o regresso no dia 30 de maio.”
Palácio de São Bento, 10 de maio de 2016.
O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
Mensagem do Presidente da República
Tendo sido aprovada a Resolução que concedeu assentimento para a minha deslocação à Alemanha, em
visita oficial, entre os dias 23 e 25 de maio, e sendo necessário proceder à alteração do referido período por
motivos de agenda das autoridades alemãs, devendo a partida ocorrer no dia 29 e o regresso no dia 30 de maio,
venho requerer, nos termos dos artigos 129.º, n.º 1 e 163.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento
da Assembleia da República.
Lisboa, 9 de maio de 2016.
O Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa
Parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas
A Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, nos termos constitucional e
regimentalmente aplicáveis, nada obsta ao pedido de alteração do período de ausência do território nacional,
requerido por Sua Excelência o Presidente da República para efeitos da visita oficial à República Federal da
Alemanha, dando assentimento a que tal deslocação decorra entre 29 e 30 do corrente mês de maio.
Palácio de São Bento, 11 de maio de 2016.
O Presidente da Comissão, Sérgio Sousa Pinto.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 313/XIII (1.ª)
SERVIÇOS DE APOIO DO CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA
1- O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) foi criado pela Lei n.º 14/90, de 9 de
junho, como órgão independente a funcionar junto da Presidência do Conselho de Ministros.
2- Através do Decreto-Lei n.º 202/2006, de 27 de outubro, que aprovou a Lei Orgânica da Presidência do
Conselho de Ministros, o CNECV passou a funcionar no âmbito parlamentar “em termos a regular em diploma
próprio”.
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3- A Lei n.º 24/2009, de 29 de maio, alterada pela Lei n.º 19/2015, de 6 de março, definiu o Conselho como
um órgão consultivo independente que funciona junto da Assembleia da República, dispondo o seu artigo 7.º:
“1- O apoio administrativo, logístico e financeiro necessário ao funcionamento do CNECV, bem como a sua
instalação, são assegurados pelas verbas inscritas no seu orçamento anual, o qual consta do orçamento da
Assembleia da República.
2- Sem prejuízo do dever de colaboração da biblioteca da Assembleia da República e do apoio documental
dos serviços públicos, o CNECV dispõe de um centro de documentação para servir de suporte ao seu
funcionamento.
3- Para assegurar o exercício das suas competências, o CNECV pode ser dotado, de acordo com as suas
disponibilidades orçamentais, de serviços de apoio próprios, nos termos a fixar por resolução da Assembleia da
República.
4- O CNECV é apoiado por um secretário executivo, a quem compete:
a) Secretariar o CNECV, preparando as atas das reuniões;
b) Assegurar a boa organização e funcionamento dos serviços de apoio;
c) Elaborar o projeto de relatório anual”.
4- Daqui se depreende que a lei:
a) Não prevê a obrigação de a Assembleia da República assegurar o apoio de que carece o CNECV;
b) Não dota o CNECV de serviços de apoio próprios, nem confere competência aos respetivos órgãos para
recrutar tal apoio;
c) Prevê, tão-somente, o apoio de um secretário executivo, não definindo o respetivo regime estatutário;
d) Estabelece a possibilidade de o CNECV ser dotado de serviços de apoio próprios, nos termos a fixar por
resolução da Assembleia da República.
5- É certo o incremento das atribuições e competências cometidas ao Conselho pela Lei n.º 24/2009, de 29
de maio, alterada pela Lei n.º 19/2015, de 6 de março, particularmente se comparadas com as constantes do
artigo 2.º da Lei n.º 14/90, de 9 de junho, que o criou, o que parece tornar urgente a criação de condições para
a implementação do seu apoio. Por outro lado, nem sequer se prevê, no regime jurídico do Conselho, a forma
de nomeação e o estatuto do seu secretário executivo.
6- Assim, observado o quadro legal que suporta a dotação do CNECV de serviços de apoio próprios, e
verificada a condicionante legal da existência de disponibilidade orçamental para o efeito, apresenta-se o
presente projeto de resolução com vista a dotar o Conselho desses serviços e fixando, igualmente, os respetivos
regime jurídico, dependência hierárquica e conteúdos funcionais.
7- Define-se igualmente o regime jurídico a que fica submetido o pessoal de apoio ao Conselho (regime
geral do trabalho em funções públicas) e a sua dependência hierárquica do presidente, designadamente no que
concerne ao exercício dos poderes de direção e disciplinar, bem como o estatuto e competências do secretário
executivo já previsto na lei.
Assim, apresento à Assembleia da República, nos termos regimentais, o seguinte projeto de resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República
Portuguesa, e do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 24/2009, de 29 de maio, que estabelece o Regime Jurídico do
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, na redação dada pela Lei n.º 19/2015, de 6 de março, o
seguinte:
Artigo 1.º
Serviços de apoio do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida
1- O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) dispõe de serviços próprios de apoio
técnico e administrativo.
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2- Compete aos serviços de apoio do CNECV desenvolver todas as atividades de apoio técnico e
administrativo que lhes forem determinadas pelo presidente e pelo plenário no âmbito das competências
legalmente atribuídas ao Conselho.
3- Os serviços de apoio dependem hierarquicamente do presidente do Conselho, designadamente no que
respeita ao exercício dos poderes de direção e disciplinar.
Artigo 2.º
Secretário executivo
1- Os serviços de apoio do CNECV são dirigidos por um secretário executivo, equiparado a chefe de divisão
para todos os efeitos legais.
2- Compete ao secretário executivo:
a) Secretariar o CNECV, preparando as atas das reuniões;
b) Assegurar a boa organização e funcionamento dos serviços de apoio;
c) Elaborar o projeto de relatório anual;
d) Submeter ao presidente todos os assuntos que exijam a sua decisão ou apreciação;
e) Exercer as demais competências conferidas nos termos da lei ou as que nele forem delegadas.
3- O secretário executivo é provido por despacho do presidente, depois de ouvido o plenário, em regime de
comissão de serviço, pelo período correspondente ao mandato em funções, renovável, com observância dos
requisitos legais em vigor para o recrutamento para o cargo de chefe de divisão.
Artigo 3.º
Pessoal
1- Os serviços de apoio dispõem de pessoal integrado nas carreiras de técnico superior, assistente técnico
e assistente operacional.
2- Ao pessoal do CNECV aplica-se o regime geral do trabalho em funções públicas.
Artigo 4.º
Conteúdo funcional
1- Os técnicos superiores têm funções de pesquisa e elaboração de informações e pareceres técnicos, bem
como de execução de outras atividades de apoio geral ou especializado nas áreas de atuação do Conselho.
2- Os assistentes técnicos têm funções de apoio nas áreas de administração de pessoal, expediente,
arquivo, receção, relações públicas, secretariado e apoio geral, bem como a execução de trabalhos de natureza
técnica e administrativa.
3- Os assistentes operacionais têm funções de natureza executiva de caráter manual ou mecânico e
execução de tarefas de apoio, podendo comportar esforço físico e responsabilidade pelos equipamentos sob a
sua guarda e pela sua correta utilização.
Artigo 5.º
Recrutamento de pessoal
1- Ao recrutamento do pessoal a que se referem os artigos 3.º e 4.º aplica-se, com as necessárias
adaptações decorrentes da especial natureza e missão do Conselho, o regime geral do trabalho em funções
públicas.
2- A deliberação de contratação de novo pessoal é tomada pelo presidente, ouvido o plenário.
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Artigo 6.º
Competências em matéria de gestão
1- Em matéria de gestão de pessoal, financeira, patrimonial e administrativa, o presidente, no quadro das
deliberações do Conselho, exerce as competências fixadas na lei para o cargo de dirigente máximo de
organismo autónomo.
2- Mediante autorização do Conselho, o presidente pode delegar no secretário executivo as competências
referidas no número anterior.
Artigo 7.º
Disposição transitória
Até ao início de funções de novo Conselho, mantém-se em funções o atual secretário executivo, com o
estatuto e competências constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 2.º.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
A presente resolução entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Palácio de São Bento, 10 de maio de 2016
O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 314/XIII (1.ª)
RECOMENDA AO GOVERNO A FUSÃO DAS BASES DE DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DE ANIMAIS DE
COMPANHIA – SIRA E SICAFE
Atualmente existem em Portugal duas bases de dados para registo e identificação de animais de companhia,
uma utilizada essencialmente pelos médicos-veterinários municipais e outra pelos médicos veterinários em
centros clínicos.
A identificação dos animais de companhia é essencial nos domínios sanitário, zootécnico, jurídico e
humanitário, pois visa a defesa da saúde pública e animal, o controlo da criação, comércio e utilização. Além
disso, a identificação permite uma mais adequada responsabilização do detentor face à necessidade da
salvaguarda dos parâmetros sanitários e de bem-estar animal assim como ajuda a combater o abandono de
animais. Esta problemática tem vindo a assumir relevância crescente, não se afigurando suficiente e eficaz o
quadro legal existente para o controlo desta situação.
Tudo isto justificou a criação do SICAFE – Sistema de Identificação de Caninos e Felinos – criado pelo
Decreto-Lei n.º 313/2003, de 17 de dezembro, que estabelece as exigências em matéria de identificação
eletrónica de cães e gatos, enquanto animais de companhia, e o seu registo numa base de dados animal. Esta
base de dados encontra-se hospedada no site da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e está
disponível para consulta de todos os médicos-veterinários.
Acontece que, apesar de ser o médico-veterinário municipal a colocar o “chip” no animal, é depois o detentor
que deverá através da junta de freguesia competente fazer o pedido de registo do animal. Isto tem gerado
diversos problemas, já que muitas vezes os detentores desconhecem que têm que tomar este passo ou
desconhecem as consequências de o não tomarem. Noutras situações, apesar do detentor do animal se dirigir
à Junta de Freguesia, esta não tem as condições necessárias (humanas ou técnicas) para proceder ao registo
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do animal. O que acontece é que muitos destes animais apesar de conterem o “chip”, não se encontram
identificados na base de dados.
Mas mesmo antes até da criação do SICAFE, foi criado o SIRA – Sistema de Identificação e Recuperação
Animal, pelo Sindicato Nacional dos Médicos-Veterinários (SNMV), com o intuito de combater o abandono e em
caso de perda de um animal ser facilitada a sua recuperação. Neste caso é o médico-veterinário que coloca o
“chip” e regista os dados do detentor e do animal, o que se tem mostrado muito mais eficiente.
Em média, o SICAFE recebe cerca de 30.000 registos por ano, ao passo que o SIRA recebe cerca de
140.000.
Atualmente, o SNMV já tomou todas as diligências necessárias para que a sua base de dados e o SICAFE
se possam tornar numa só, sem que haja perda de dados, sendo possível esta fusão acontecer de imediato.
Esta situação toma especial relevância quando os números de abandono e maus tratos a animais de
companhia têm valores crescentes e, lamentavelmente, a impunidade é uma realidade pois não é possível, na
grande maioria dos casos, identificar os detentores dos animais.
A verdade é que a existência de duas bases de dados propicia situações indesejáveis e a perda de eficácia
no registo dos dados, pelo que a articulação entre as duas bases é essencial e urgente.
Neste termos, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, por intermédio
do presente projeto de resolução, recomenda ao Governo que:
Proceda à fusão das duas bases de dados existente para identificação de animais de companhia, o SIRA e
o SICAFE, permanecendo a titularidade da base de dados com a DGAV (entidade estadual oficial) mas a gestão
seja efetuada pelo SNMV.
Palácio de São Bento, 11 de maio de 2016.
O Deputado do PAN, André Silva.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 315/XIII (1.ª)
RECOMENDA AO GOVERNO A CONTRATAÇÃO DE MÉDICOS-VETERINÁRIOS MUNICIPAIS
Apesar da falta de médicos veterinários municipais, especificamente com a qualidade de Autoridade Sanitária
Veterinária, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) não dá posse a um há cerca de 7 anos. Desta
forma as autarquias ou não contratam estes profissionais ou quando o fazem são obrigadas a suportar por inteiro
a sua retribuição. Os médicos veterinários por sua vez vêem-se obrigados a exercer as suas funções como se
se tratassem de autoridade sanitária veterinária, embora desprovidos dos poderes para o efeito.
Os médicos veterinários municipais têm o dever de, nos termos da legislação vigente, colaborar com o
Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (MADRP), na área do respetivo município,
em todas as ações levadas a efeito nos domínios da saúde e bem-estar animal, da saúde pública veterinária,
da segurança da cadeia alimentar de origem animal, da inspeção higiossanitária, do controlo de higiene da
produção, da transformação e da alimentação animal e dos controlos veterinários de animais e produtos
provenientes das trocas intracomunitárias e importados de países terceiros, programadas e desencadeadas
pelos serviços competentes, designadamente a DGV e a DGFCQA. Assim como colaborar na execução das
tarefas de inspeção higiossanitária e controlo higiossanitário das instalações para alojamento de animais, dos
produtos de origem animal e dos estabelecimentos comerciais ou industriais onde se abatam, preparem,
produzam, transformem, fabriquem, conservem, armazenem ou comercializem animais ou produtos de origem
animal e seus derivados; elaborar e remeter, nos prazos fixados, a informação relativa ao movimento
nosonecrológico dos animais; notificar de imediato as doenças de declaração obrigatória e adotar prontamente
as medidas de profilaxia determinadas pela autoridade sanitária veterinária nacional sempre que sejam
detetados casos de doenças de carácter epizoótico; emitir guias sanitárias de trânsito; participar nas campanhas
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de saneamento ou de profilaxia determinadas pela autoridade sanitária veterinária nacional do respetivo
município; colaborar na realização do recenseamento de animais, de inquéritos de interesse pecuário e ou
económico e prestar informação técnica sobre abertura de novos estabelecimentos de comercialização, de
preparação e de transformação de produtos de origem animal, entre outras tarefas.
Portanto é óbvia a necessidade e a importância do médico-veterinário municipal, sendo um elemento
fundamental nos domínios da defesa da saúde pública, proteção animal, nomeadamente o seu papel de
autoridade sanitária veterinária concelhia, poder este que lhe é conferido por inerência de cargo pela Direção-
Geral de Alimentação e Veterinária e que é fundamental para a aplicação transversal e uniforme em todo o
território da legislação nacional.
Existem cerca de 170 veterinários municipais (Autoridade Sanitária Veterinária) no país, e uma vez que
deveria existir um médico-veterinário municipal por cada município, estão por nomear cerca de 138 técnicos.
Neste termos, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, por intermédio
do presente projeto de resolução, recomenda ao Governo que:
Procedaà contratação dos médicos-veterinários municipais em falta, dando assim cumprimento ao disposto
no Decreto-Lei n.º 116/98, de 5 de maio, bem como assegurando uma política de proteção da saúde pública e
bem-estar animal.
Palácio de São Bento, 11 de maio de 2016.
O Deputado do PAN, André Silva.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 316/XIII (1.ª)
PELO COMBATE À PRECARIEDADE NA ESTIVA
A presente iniciativa foi desenvolvida na sequência da avaliação realizada na Audição Parlamentar promovida
pelo PCP na Assembleia da República no passado dia 22 de abril, onde se constatou um crescimento
exponencial da precariedade, associada a níveis crescentes de exploração dos trabalhadores nos portos
portugueses.
Passados três anos da aprovação da Lei n.º 3/2013, de 14 de janeiro, que alterou o Regime Jurídico do
Trabalho Portuário, a evolução confirmou todos os alertas então realizados pelo PCP e pelas organizações dos
trabalhadores portuários, e desmentiu categoricamente toda a propaganda usada pelo Governo de então e pelo
patronato para a fazer aprovar.
A realidade que se vive nos portos nacionais é de ataque generalizado aos direitos dos trabalhadores, na
degradação das condições de trabalho e das relações laborais, mas também na degradação das condições da
segurança operacional e da qualidade do serviço na estiva. A situação que o sector está a atravessar vem
suscitar a exigência de uma resposta efetiva do poder político e das autoridades competentes, não só nas
medidas concretas para combater a precariedade, mas desde logo nas necessárias alterações ao Regime de
Trabalho Portuário, no sentido de revogar as normas gravosas desse diploma.
O Efetivo Portuário
A total precariedade marcou sempre o trabalho na Estiva até à revolução libertadora de Abril. No nosso país,
ficaram na memória coletiva as «Casas do Conto», onde os estivadores se apresentavam diariamente na
esperança de nesse dia «contarem», ou seja, de nesse dia serem colocados a trabalhar.
As alterações positivas na correlação de forças entre capital e trabalho, bem como a luta dos estivadores,
permitiram avanços importantes, tanto à escala internacional como à escala nacional, que foram limitando os
níveis de precariedade e exploração.
A consagração do direito à existência de um «efetivo portuário» representou um avanço decisivo no combate
à precariedade. Esse princípio, consagrado em convenção internacional ratificada por Portugal, estabelece que,
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independentemente das formas de organização de cada porto, deve existir um conjunto de trabalhadores,
efetivos, que assegurem o essencial da atividade de estiva em cada porto.
Para o PCP, a forma natural de funcionamento dos portos portugueses, que permitiria salvaguardar esse
princípio, seria a de uma administração pública dos portos que assegurasse diretamente todas as operações
portuárias, constituindo esse efetivo portuário no quadro das próprias empresas públicas que asseguram a
administração portuária.
Mas não é essa a realidade existente. O sector portuário foi dos primeiros a ser liberalizado, com a entrega
da maioria da atividade portuária a grupos económicos através de concessão. Este desenvolvimento negativo,
só por si, não é impeditivo que o efetivo portuário fosse constituído no interior das administrações portuárias,
desde que se impusesse aos operadores privados o recurso a trabalhadores da administração portuária para a
realização do trabalho portuário.
Mas também não foi essa a opção tomada. O caminho seguido até 2011 foi o da criação, em cada porto, de
uma empresa de trabalho portuário (ETP), onde se encontra o essencial do efetivo portuário, empresa que
depois fornece os estivadores necessários às operações de cada operador portuário. Essas ETP são
propriedade do conjunto das empresas operadoras portuárias.
Esta opção ainda permitiu um certo equilíbrio, na medida em que salvaguardava a existência de um efetivo
portuário com estabilidade, formação e salários dignos (interesse central dos estivadores) e permitia às
operadoras ter custos com a força de trabalho inferiores àqueles que teria se cada empresa concessionária
criasse o seu próprio efetivo (interesse central dos patrões da estiva). Neste «equilíbrio», o controlo da operação
portuária, mesmo a efetuada pelos trabalhadores das ETP, manteve-se na esfera jurídica das operadoras.
No entanto, a degradação geral das leis do trabalho, e a alteração na correlação de forças entre o capital e
o trabalho, romperam esse equilíbrio, na medida em que o patronato da Estiva passou a acreditar na
possibilidade de impor níveis muito maiores de precariedade, e consequentemente, de conseguir uma
exploração muito maior da força de trabalho. E sempre que o patronato acredita na possibilidade de aumentar
a exploração, esse aumento passa a ser apresentado como uma necessidade.
Foi o que aconteceu, levando ao surgimento da proposta de alteração ao Regime do Trabalho Portuário em
2012, que respondia às «necessidades» do grande capital europeu e dos concessionários em Portugal.
Esta alteração ao regime do trabalho portuário acabaria por ser imposta em 2013, e deixou de considerar o
«efetivo dos portos» como «o conjunto dos trabalhadores detentores de carteira profissional adequada que
desenvolvem a sua atividade profissional, ao abrigo de contrato de trabalho sem termo, na movimentação de
cargas». Deixou ainda cair a exigência desse efetivo ter carteira profissional e contrato sem termo, passando a
considerar como efetivo portuário qualquer trabalhador no porto, mesmo que precário e sem formação – o que
é outra forma de dizer que acabou com o conceito de efetivo portuário.
Essa é uma primeira linha de inversão que importa seguir: repor a exigência legal deste efetivo portuário,
voltar a consagrar a obrigatoriedade de atribuição de carteira profissional (a qual, apesar de legalmente
prevista, nunca foi objeto da devida regulamentação e deveria ser finalmente criada).
Regime Especial do Trabalho Portuário
O novo Regime Jurídico do Trabalho Portuário aprovado em 2013 veio criar o regime especial de trabalho
portuário, permitindo a contratação de muito curta duração, permitindo contratos a termo inferiores a seis meses
e sem limite de renovações, permitindo o regime de trabalho intermitente, alargando os limites do trabalho
suplementar para 250 horas por ano e permitindo maiores alargamentos desse limite pela contratação coletiva
(já que na anterior legislatura, com a maioria PSD/CDS-PP, os limites imperativos na contratação coletiva só
existiam contra os trabalhadores).
A introdução deste regime especial é negativa em si mesma, na medida em que introduz possibilidades de
precariedade que a legislação portuguesa não deveria sequer permitir. Mas no quadro deste processo, deve ser
vista como mais uma peça para destruir o conceito de efetivo portuário. É exatamente porque no trabalho
portuário um determinado operador tem necessidades de mão-de-obra intermitentes, irregulares ou sazonais,
apesar do porto ter uma atividade regular, que se criaram as ETP para fornecer essa mão-de-obra.
Importa recordar que o contrato de muita curta duração está previsto no artigo 142.º do Código do Trabalho
para atividade sazonal de natureza agrícola, ou para evento turístico de duração não superior a 15 dias, sendo
o limite anual de duração máxima permitida de 70 dias. Isto só por si é já inaceitável. Mas a exceção para o
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sector portuário, que permite que tal duração seja de 120 dias, veio retirar todo o sentido à “curta duração” do
contrato, e só se compreende no quadro de um intuito, da parte de quem alterou o Regime Jurídico do Trabalho
Portuário, apenas de ampliar as hipóteses de concretização de trabalho precário.
Ao permitir as formas de precariedade deste regime especial, para mais num quadro em que a certificação
deixou de ser uma imposição legal, a lei está a estimular o fim do efetivo portuário, ou pelo menos, a sua redução
ao núcleo mínimo que os operadores de estiva necessitem, e está a lançar a profissão de estivador novamente
para a precariedade absoluta. É neste âmbito que Portugal entra em violação da Convenção 137 da OIT
(ratificada por Portugal) que estabelece o seguinte:
«Artigo 2.º
1. Incumbe à política nacional estimular todos os sectores interessados para que assegurem aos portuários,
na medida do possível, um emprego permanente ou regular.
2. Em todo caso, um mínimo de períodos de emprego ou um mínimo de renda deve ser assegurado aos
portuários sendo que a sua extensão e natureza dependerão da situação económica e social do país ou do porto
de que se tratar.»
Ora, este regime ao incorporar ao efetivo qualquer trabalhador que esteja a trabalhar no porto, e ao permitir
que este trabalhador esteja contratado nas formas previstas pelo regime especial de trabalho portuário está a
fazer o oposto daquilo que se comprometeu internacionalmente.
Esta é uma alteração urgente que importa implementar. As necessidades permanentes das empresas de
estiva devem ser supridas através da contratação de trabalhadores permanentes, e as suas
necessidades sazonais, intermitentes, irregulares devem ser supridas por ETP dimensionadas às
necessidades de cada porto, e onde os estivadores tenham contratos de trabalho efetivos. O regime
especial do trabalho portuário deve pura e simplesmente ser abolido.
As Empresas de Trabalho Portuário
Como já se demonstrou, as Empresas de Trabalho Portuário foram o mecanismo criado para colocar a
maioria do efetivo portuário, cedendo depois os trabalhadores para a atividade de movimentação de cargas dos
diferentes operadores.
O novo regime jurídico veio criar uma importante fragilidade nesse conceito: introduziu a possibilidade de
estas empresas de trabalho portuário contratarem empresas de trabalho temporário para depois fornecerem
trabalhadores que depois seriam «subalugados». Estamos novamente perante uma situação de precariedade
extrema que deveria ser proibida por lei em vez de autorizada. E estamos novamente perante mais um passo
no sentido da destruição do efetivo portuário, na medida em que as próprias ETP passam a poder ser compostas
por trabalhadores «alugados” a ETT.
Sublinhe-se que a lei proíbe expressamente, no artigo 173.º do Código do Trabalho, a cessão de
trabalhadores entre empresas de trabalho temporário. Mais uma vez, a única exceção a tal proibição é o trabalho
portuário, cujo regime jurídico contempla uma regra totalmente oposta à prevista para a generalidade dos outros
sectores de atividade.
Ao mesmo tempo, o regime deixou a porta escancarada para que o patronato do sector lançasse um processo
de falências sucessivas das ETP existentes, como mecanismo de destruição dos direitos dos estivadores, e à
boleia, como mecanismo para melhorar fraudulentamente a situação financeira das empresas de estiva
detentoras dessas ETP.
Concretamente, a lei permite (na medida em que não proíbe) que para um mesmo porto/terminal sejam
criadas novas ETP, mesmo que pelos mesmos detentores das atuais ETP.
Os grandes grupos económicos da estiva são simultaneamente os donos e os principais clientes das
empresas de trabalho portuário.
A ausência de proibição legal de que um operador possa ser sócio/associado de várias ETP no mesmo porto
permite que, na prática, aquele consiga beneficiar de, por um lado ser associado de uma instituição que goza
de utilidade pública e, por outro, ser simultaneamente sócio de uma sociedade concorrente daquela, podendo
fixar os preços que bem entender em cada uma delas.
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Desde logo, tal realidade vem criar uma desvirtuação total da atividade das ETP, as quais poderão ser
sacrificadas ou beneficiadas patrimonialmente, em função dos interesses das suas (simultaneamente) sócias e
clientes, e não no seu próprio interesse.
Por outro lado, coloca-se o problema do regime jurídico das ETP não salvaguardar expressamente a
responsabilização coletiva e solidária dos seus sócios/associados, em caso de todo e qualquer incumprimento
de obrigações, o que, mesmo tendo em conta a natureza associativa da maioria daquelas, não impediu os
operadores associados das mesmas de recorrerem ao expediente de criarem novas ETP, que concorrem
diretamente com as antigas, com o propósito de reduzirem de forma violenta os custos salariais destas últimas,
através da ameaça permanente da insolvência, a qual, diga-se, foi mesmo concretizada no porto de Aveiro.
Aponta-se assim a estratégia do recurso a processos de insolvência onde desapareceriam os prejuízos que
geraram esses lucros fraudulentamente adquiridos. Basicamente, as empresas vendem a mão-de-obra abaixo
do custo de produção, acumulam prejuízos para garantir lucros aos clientes, e na insolvência “limpam” esses
prejuízos das ETP, mas mantêm os lucros dos clientes das ETP que são os donos dessas ETP. E ao provocarem
essas insolvências as empresas ainda se libertam das obrigações para com os trabalhadores – únicas e
verdadeiras vítimas destes processos – na medida em que a massa falida não consegue cobrir as
indemnizações e outras dívidas para com eles.
O PCP alertou explicitamente para o risco de o patronato se lançar neste caminho com a aprovação da lei.
É certo que o Estado tem a possibilidade de limitar essas práticas, pois é o responsável por licenciar e regular
estas ETP, mas a verdade é que foi feito exatamente o oposto, permitindo e estimulando estas situações.
O primeiro processo foi desenvolvido no porto de Aveiro. Aí, as empresas provocaram a insolvência da ETP-
Aveiro, abandonaram-na e criaram uma nova ETP (a GPA). Só os trabalhadores perderam – diminui o número
de efetivos, reduziu-se o preço da força de trabalho, cresceu a precariedade.
O segundo processo de insolvência avança em Lisboa, onde o patronato está a provocar a insolvência da
ETP-Lisboa: não aumentando há anos sucessivos os preços cobrados às empresas de estiva pela utilização da
mão-de-obra; atrasando cada vez mais os pagamentos das empresas de estiva à ETP-L; recusando-se a
contratar como efetivos ou mesmo a dar trabalho a cerca de 50 trabalhadores precários da ETP-L, e substituindo-
os pelo recurso a horas extraordinárias dos trabalhadores efetivos, violando mesmo todos os limites legais, e
provocando um aumento nos custos sem contrapartida nas receitas (não só o trabalho extraordinário é mais
caro, como os trabalhadores efetivos têm salários superiores aos daqueles 50); desarticulando vários aspetos
da operação, com o sistemático pagamento de trabalho não realizado por responsabilidade patronal (equipas
insuficientes, horários desencontrados, etc.).
A situação destes 50 trabalhadores precários da ETP-L a que o patronato recusa trabalho desde o dia 2 de
Novembro é particularmente grave. Quando já deveriam ser efetivos – e é essa a justa reivindicação do Sindicato
– pois encontram-se precários há largos anos (na Audição Parlamentar realizada pelo PCP, um desses
trabalhadores testemunhou estar há oito anos precário) veem-se sem os rendimentos mínimos para assegurar
a sua subsistência.
Paralelamente à preparação da insolvência da ETP-Lisboa, o patronato do Porto de Lisboa avançou ainda
com a criação de uma nova ETP, a Porlis, cujos trabalhadores têm, naturalmente, salários muito inferiores aos
dos restantes trabalhadores do mesmo porto.
Fruto da luta dos estivadores, o patronato ainda não conseguiu utilizar a Porlis para a plena concretização
dos seus planos. Mas o que já fez é suficiente para perceber os seus reais objetivos. Destacamos a
rocambolesca criação de um sindicato da Porlis com 23 trabalhadores, que imediatamente assinou um contrato
coletivo integralmente escrito pelo patronato que o criara. Episódio que culminou, quando os trabalhadores da
Porlis se aperceberam do que em seu nome fora feito, com uma Assembleia Geral onde extinguiram esse
Sindicato criado pelo patrão (extinção já publicada no Boletim do Trabalho e Emprego).
Evidentemente nada disto poderia aconteceria se as ETP fossem parte integrante de uma
administração portuária pública. Mas no quadro atual, se o Governo quer manter as ETP como
propriedade das empresas de estiva e impedir a sua utilização fraudulenta, não tem alternativa que não
seja aumentar o controlo à gestão destas ETP, limitar a sua multiplicação,reforçar os mecanismos de
controlo de gestão por parte dos trabalhadores e do Estado, responsabilizar os sócios das ETP por
quaisquer incumprimentos que estas venham a registar.
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Os embustes da «competitividade, liberalização e concorrência»
Toda a luta para a imposição da atual lei foi travada – por parte do patronato e de quem o apoiou – com base
no argumento da necessidade de uma maior competitividade dos portos portugueses. Naturalmente nunca
conseguiram explicar como outros portos europeus, todos com salários e direitos superiores aos praticados em
Portugal, conseguem atingir essa competitividade.
Ora, se a localização geográfica dos nossos portos é uma importante vantagem competitiva (para alguns
tipos de atividade) e o preço da força de trabalho está muito abaixo da média europeia, será lógico concluir que
essa falta de competitividade deve ser explicada por causas alheias aos trabalhadores, e antes pelo contrário,
provocadas por um patronato que pratica margens de lucro enormes, que investe muito pouco e se revela
incapaz de uma organização eficaz da operação portuária. De resto, sublinhe-se que, antes de procurar a
competitividade com portos de outros países, o que os portos portugueses deveriam procurar era a maior ligação
possível à economia nacional, quer nos planos da importação e exportação, quer nos planos das redes de
transportes e logística, da formação, etc.
Importa ainda recordar, a esse propósito, as declarações do próprio Secretário de Estado em 2011, que
afirmou que Portugal ia «ter problemas» pois seria o «balão de ensaio» do que a Comissão queria fazer em
todos os países. Ou seja, o Governo reconheceu que estava a executar uma tarefa ao serviço da redução do
preço da força de trabalho em todos os portos europeus. O objetivo não era nem é uma maior competitividade:
é aumentar a exploração e o lucro do capital.
A única competitividade que este processo aponta é entre a força de trabalho, provocando a redução do
preço dessa força de trabalho porto a porto, país a país. É significativa a facilidade com que os operadores
desviam cargas de uns portos para os outros sempre que tal lhes é útil para quebrar a resistência dos
trabalhadores de um determinado porto. Até porque os operadores são cada vez mais os mesmos nesses portos
que supostamente competem entre si.
Um outro embuste muito comum sobre o caminho que tem sido imposto aos portos portugueses é o de que
se está a promover a concorrência e a liberalizar a atividade. Isso só é verdade de uma forma restrita e
completamente diferente daquela em que nos é apresentada: tem sido de facto promovida a concorrência entre
a força de trabalho, com o evidente objeto de fazer reduzir o seu preço. Fora isso, a liberalização tem sido o
caminho para a concentração monopolista.
Veja-se o quadro português. O essencial do porto de Sines está entregue a uma multinacional (a PSA). No
conjunto dos restantes portos, mais de 50% da atividade está concessionada a outra multinacional (Yildrim)
depois do habitual papel intermediário desempenhado por um grupo capitalista português (no caso, a Mota
Engil). Depois, surge o Grupo ETE, com um peso significativo à escala nacional, e depois um pequeno lote de
operadores que tendem a desaparecer.
O processo em curso destina-se a colocar ao serviço exclusivo das multinacionais os portos de Portugal,
garantindo ainda o menor custo possível com a força de trabalho. Não tem como objetivo servir Portugal, é antes
pelo contrário uma das causas para a difícil situação económica do País.
Um aspeto incontornável deste problema prende-se com um claro abuso da posição dominante no mercado
por parte de um oligopólio. Atualmente já existe um oligopólio no sector portuário, no qual 3/4 grupos
empresariais controlam mais de 90% dos terminais portuários, e também da mão-de-obra no sector, ETP
incluídas.
A nível de cargas, esse oligopólio consegue já transferir cargas de uns portos para outros, podendo, por essa
via, valorizar, ou desvalorizar, um terminal específico, conforme lhe seja mais conveniente, o que consegue fazer
sob a capa de melhores condições concorrenciais, através de preços que pode promover através da
manipulação dos custos salariais.
A nível laboral, o oligopólio é o maior cliente das ETP do Continente e da Madeira – sendo simultaneamente,
associadas/sócias das mesmas as empresas que integram os respetivos grupos empresariais – podendo, por
isso, manipular quase todo o contingente laboral nacional, em especial nos portos onde operam. Essa prática
pode ser feita, nomeadamente, aumentando ou diminuindo, pela via dos desvios da carga, as necessidades de
mão-de-obra das ETP. Por essa via, podem criar a aparência de necessidade, ou desnecessidade de mão-de-
obra, por parte da ETP local, sendo-lhe ainda possível criar uma ou mais ETP alternativas, com quadros
preenchidos por trabalhadores a termo, as quais serão sempre rentáveis, por terem requisições garantidas, mas
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que implicarão sempre o encerramento da ETP já existente (como já se fez feito no porto de Aveiro e se tenta
fazer no porto de Lisboa).
A única concorrência que cresce nos portos é entre a força de trabalho, garantindo preços cada vez mais
baixos para a exploração por esse oligopólio. Como em tantos sectores da nossa economia, por trás das belas
palavras, a realidade que está a ser construída é da uma crescente precariedade e empobrecimento para os
trabalhadores e o povo, a par do aumento de lucros e rendas para uma minoria.
Para eliminar o oligopólio e reduzir a precariedade e a exploração dos trabalhadores, só há uma solução:
eliminar as concessões do sector portuário, passando as operações a ser asseguradas diretamente pelas
administrações portuárias públicas, e em cada administração garantir o correspondente efetivo portuário. E
mesmo sem querer assim resolver o problema, para reduzir as consequências, para os trabalhadores do modelo
que está em vigor, é sempre necessário serem criadas ETP públicas, que seriam impostas aos operadores que
concorressem a uma concessão, não podendo ser admitidos trabalhadores portuários a não ser por intermédio
dessas ETP. Perante todo este quadro, e tendo ainda em conta a forma unilateral como o anterior Governo
impôs a revisão do Regime Jurídico do Trabalho Portuário, importa que a Assembleia da República tome posição
no sentido de defender os trabalhadores e o emprego estável e com direitos, as melhores condições de trabalho,
a promoção da estabilidade, qualidade e segurança na operação portuária, bem como os sectores produtivos e
a economia nacional.
Assim, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e
da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados
do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de resolução:
Nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, a Assembleia da República resolve pronunciar-se pela
necessidade das seguintes medidas:
1 – Iniciar, com carácter de urgência, um processo de revisão do Regime Jurídico do Trabalho Portuário,
envolvendo todas as organizações representativas dos trabalhadores portuários, e que possa levar a uma
alteração no sentido de:
1.1 – Salvaguardar o efetivo portuário, no espírito da Convenção n.º 137 da Organização Internacional do
Trabalho;
1.2 – Eliminar o regime especial do trabalho portuário, combatendo assim a possibilidade do recurso
sistemático à precariedade no sector;
1.3 – Repor as exigências de certificação profissional, voltando a consagrar a obrigatoriedade de atribuição
de carteira profissional e garantindo a sua regulamentação e utilização.
2 – Promover a alteração do quadro jurídico das atuais Empresas de Trabalho Portuário e assegurar uma
fiscalização eficaz das mesmas, nomeadamente:
2.1 – Para impedir irregularidades e práticas fraudulentas na gestão das empresas, com destaque para a
manipulação de resultados e eliminação de postos de trabalho e contratação;
2.2 – Para impedir o sistemático recurso à precariedade, e conduzir à crescente integração de todos os
trabalhadores no quadro;
2.3 – Para impedir a imposição de volumes de trabalho extraordinário acima dos máximos legais;
2.4 – Para impedir a multiplicação de ETP por cada porto.
3 – Determinar que, até à conclusão do processo de revisão do Regime Jurídico do Trabalho Portuário, seja
interrompida a emissão de licenças para novas ETP, e que sejam revistas imediatamente as condições de
licenciamento daquelas ETP (como é o caso da Porlis) que foram claramente criadas para práticas ilegais e
condenáveis.
Assembleia da República, 11 de maio de 2016.
Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Rita Rato — Diana Ferreira — Paulo Sá — Carla Cruz — João Oliveira
— Miguel Tiago — Jorge Machado — João Ramos — Jerónimo de Sousa — Ana Mesquita — Francisco Lopes.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 317/XIII (1.ª)
RECOMENDA O REFORÇO E O APROFUNDAMENTO DA COORDENAÇÃO E AÇÃO EUROPEIA EM
MATÉRIA DE TRANSPARÊNCIA NO DOMÍNIO DA FISCALIDADE E NAS TRANSAÇÕES FINANCEIRAS
Exposição de motivos
A prossecução de uma sociedade mais justa, fundada num quadro exigente de direitos, liberdades e
garantias com raiz nos princípios e valores democráticos e que promova a igualdade de oportunidades entre
cidadãos, empresas e territórios, impõe um elevado grau de transparência e escrutínio de governos e cidadãos.
Estes princípios aplicam-se por definição às opções de política dos eleitos, por maioria de razão quando têm de
ser concebidas num contexto de restrições de receitas e despesas.
O contributo de todos os rendimentos – capital, terra e trabalho – deve ser público e transparente, não
devendo haver lugar para ocultação de rendimentos, elisão ou omissão de benefícios fiscais, ou ainda
planeamento fiscal agressivo, graças ao aproveitamento da fragmentação dos quadros fiscais no mundo, e na
União Europeia em particular.
Este aspeto ganha especial relevância num contexto de fortes restrições orçamentais, onde os rendimentos
do trabalho têm vindo, direta ou indiretamente, por via fiscal ou ainda com reduções remuneratórias nominais
ao abrigo de programas de ajustamento, a ser fortemente penalizados. Esses rendimentos que remuneram um
fator com menor mobilidade do que o capital têm sustentado os sistemas de segurança social, mas também as
despesas de educação e saúde, assim como o investimento público – ainda que este último também tenha sido
fortemente penalizado pelas opções políticas que têm colocado o ajustamento orçamental acelerado como
primeira, e às vezes única, prioridade da política económica e orçamental.
Se a justiça fiscal é sempre, em absoluto, uma prioridade política, torna-se ainda mais importante num
contexto em que as restrições orçamentais – e até, nalgumas circunstâncias, a degradação dos rendimentos do
trabalho e da qualidade dos serviços públicos – são especialmente sentidas pelos cidadãos.
Acresce a este último aspeto o facto de estas práticas de elisão fiscal e planeamento fiscal agressivo,
utilizando diferentes jurisdições fiscais incluindo paraísos fiscais, serem especialmente executadas por
empresas multinacionais, o que distorce o contexto concorrencial afetando muito particularmente as PME que,
por natureza, não têm possibilidade nem recursos para desenvolver essas práticas.
Por outro lado, é fundamental perceber que não é possível assegurar a transparência fiscal com medidas
unicamente nacionais: a ação tem de ser global ou, no mínimo, europeia.
Na UE é fundamental garantir a troca automática de informações – e já não espontânea ou a pedido, como
foi o caso até há pouco tempo – entre os seus Estados-membros sobre os benefícios fiscais preferenciais que
concedem a empresas, o reporte país a país por parte das multinacionais dos lucros realizados e dos impostos
pagos em cada território, e a garantia de liquidação e pagamento de impostos no território onde se gera o
rendimento (ou o resultado antes de impostos), aqui com especial atenção para os réditos que resultam de ativos
intangíveis (ex. royalties) ou mesmo, entre outos, de gastos de financiamento – remuneração de capital alheio
– que distorcem os resultados por jurisdição fiscal, penalizando os Estados na justa cobrança fiscal.
Além do aspeto de justiça fiscal que deve nortear este combate, há que sublinhar a ligação que existe
frequentemente entre estas práticas com o crime organizado, operações de branqueamento de capitais e,
possivelmente, com o financiamento de atividades de grupos terroristas.
Para a União Europeia – e para o conjunto dos seus Estados-membros – o combate à fraude fiscal e ao
planeamento fiscal agressivo tem de ser uma prioridade política. A construção de sociedades mais justas é
central para a defesa do seu modelo social e da economia social de mercado sobre a qual se tem fundado o
projeto europeu.
Assumir esta questão como uma prioridade política impõe uma maior cooperação entre os países da UE
sobre as suas políticas fiscais e mesmo, nalguns casos, alguma harmonização de práticas e conceitos (que não
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de taxas). Enquanto não houver na UE uma base tributável do IRC harmonizada, não será possível eliminar a
atual concorrência fiscal agressiva entre Estados-membros, que poderão assim continuar a introduzir grandes
vantagens fiscais na definição e cálculo da matéria tributável. Esta prática está intimamente ligada à
“transferência de preços” (lucros) de multinacionais para jurisdições de fiscalidade baixa ou mesmo zero. Este
é o sentido do projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) da OCDE, relativamente ao qual a UE, por via do
mercado interno e da moeda única, terá de ir mais longe.
No entanto, para tal será necessário que os governos da UE deixem de se esconder por trás da regra da
unanimidade em vigor para as decisões europeias em matéria fiscal, o que confere, na prática, o direito de veto
a cada um.
As Iniciativas Europeias
Bem antes dos últimos escândalos de fraude e elisão fiscal particularmente ilustrativos – como o LuxLeaks –
o Parlamento Europeu já tinha assumido a necessidade de reforçar a cooperação fiscal na UE, exercendo toda
a pressão possível sobre a Comissão Europeia para apresentar propostas legislativas nesse sentido.
Nesse contexto merece particular destaque o trabalho das comissões especiais do Parlamento Europeu –
TAXE 1, já concluído, e TAXE 2, em curso – que têm desenvolvido uma investigação exaustiva das estratégias
de bloqueio de alguns governos, do planeamento fiscal agressivo de grandes multinacionais, e dos benefícios
fiscais que lhes são concedidos por vários Estados, benefícios estes que, podendo ser legais à luz da respetiva
legislação nacional, são imorais e contrários ao espírito dos tratados europeus.
A comissão TAXE 1 produziu um relatório com uma longa lista de recomendações à Comissão Europeia para
apresentar propostas legislativas concretas contra a fraude e evasão fiscal, nomeadamente a harmonização da
base tributável do IRC, o reporte público país a país dos lucros realizados e impostos pagos pelas multinacionais,
a criação de uma lista negra de paraísos fiscais acompanhada de sanções contra os Estados e as empresas
que com eles colaborem ou o reforço dos meios administrativos e técnicos das administrações fiscais para o
combate à fraude e evasão fiscal.
Desde os LuxLeaks, a Comissão Europeia deu provas de empenho com a apresentação de várias propostas
legislativas, como duas alterações à Diretiva 2011/16/UE sobre cooperação administrativa no domínio da
fiscalidade (DAC) de 15 de fevereiro de 2011, a 2014/107/UE (DAC2) e a 2015/2376/UE (DAC3), para tornar
automáticas as trocas de informações entre os países da UE em matéria fiscal – em vez de meramente
espontâneas ou a pedido, como era o caso até agora – e para incluir os acordos fiscais preferenciais com
multinacionais e o reporte país a país de lucros e impostos.
A Comissão também apresentou, em Janeiro de 2016, um Pacote Contra a Elisão Fiscal (ATAP) –
(COM(2016)23, de 28 de janeiro de 2016), que contempla o controlo, monitorização e o registo de transações
financeiras com origem ou destino em Estados ou jurisdições com regimes fiscais mais favoráveis, que inclui
uma Diretiva específica anti-BEPS (ATAD – COM(2016)26, de 28 de janeiro de 2016), na linha do proposto pela
OCDE, e uma recomendação para a criação de uma lista europeia de jurisdições fiscais mais favoráveis.
Uma nova proposta foi igualmente apresentada pela Comissão em Abril (COM(2016) 198/2) para obrigar as
multinacionais a tornar público o reporte país a país dos lucros realizados e dos impostos pagos. Deve ainda
dar-se destaque à Diretiva 2015/849/UE, de 20 de maio de 2015 – que deve ser transposta até 26 de junho de
2017 – e ao Regulamento (UE) 2015/847 da mesma data, que contemplam a prevenção da utilização do sistema
financeiro para atividades de branqueamento de capitais, com ênfase na verificação das identidades dos
beneficiários efetivos dos instrumentos financeiros e de participações sociais.
Este novo acervo legislativo atualizado, nalguns casos ainda em negociação, noutros já em período de
transposição para o direito nacional, carece de um acompanhamento e de uma monitorização particularmente
importantes para permitir uma verdadeiraavaliação da sua eficácia.
As Iniciativas do XXI Governo Constitucional
Sem prejuízo do espectro de intervenção da União Europeia, cabe também aos Estados-membros
assegurarem não só a adequada transposição das diretivas e das normas emitidas pelos legisladores
comunitários, mas também a iniciativa política que garanta uma administração pública, em particular a tributária,
que responda ao desafio do combate à fraude e à evasão fiscal. O caso português teve um evento importante
já durante este primeiro semestre de 2016, quando o XXI Governo Constitucional, no Conselho de Ministros de
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28 de Abril de 2016, “(...) fixou como eixo prioritário da política fiscal o reforço do combate à fraude e evasão
fiscais e aduaneiras, como forma de garantir uma justa repartição do esforço fiscal (…)”, tendo dado especial
ênfase à condição necessária – para garantir eficácia – da cooperação internacional.
Neste âmbito, o Governo promove a introdução de mecanismos e procedimentos de troca automática de
informações relativas a contas financeiras entre administrações tributárias, como por exemplo a transposição da
Diretiva 2014/107/UE, do Conselho, de 9 de dezembro de 2014.
Adicionalmente, deu nota da assinatura em janeiro de 2016 de um acordo multilateral para partilha de
informação fiscal relacionada com multinacionais, no âmbito da OCDE, no combate anti-BEPS, tendo sido
introduzida na Lei do Orçamento do Estado de 2016 uma norma que estabelece a obrigatoriedade de submissão
de um relatório especial por parte dos grandes grupos multinacionais (março de 2016). Neste conjunto de
resoluções do Conselho de Ministros de 28 de abril de 2016 também foram focados três aspetos adicionais e
que é importante sublinhar: primeiro, o alargamento da competência da Unidade de Grandes Contribuintes às
pessoas singulares que justifiquem um controlo acrescido; segundo, o alargamento dos deveres de
comunicação das transferências para jurisdições com tributação privilegiada; e, terceiro, o reforço do escrutínio
público das transferências para off-shores.
Encontra-se neste conjunto de iniciativas um alinhamento com o desenvolvimento do quadro legislativo
europeu, e um novo impulso em Portugal no combate à fraude e à elisão fiscal.
No quadro das suas competências competirá ao Governo transpor as diretivas que foram alteradas em 2015
e aquelas que em 2016 ainda aguardam aprovação e publicação, e que permitam continuar um caminho de
alargamento da base fiscal. É por isso importante que as iniciativas da União Europeia também considerem as
boas práticas e os mecanismos inovadores de implementação nas administrações públicas que conduzam à
concretização dos objetivos de justiça fiscal.
Assim, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, abaixo assinados, propõem que a
Assembleia da República, no âmbito do procedimento de diálogo político reforçado – “cartão verde” –,
recomende à Comissão Europeia que:
1. Promova ativamente a efetiva aplicação dos instrumentos criados pela Diretiva 2011/16/EU (DAC),
alterada pelas diretivas 2014/107/UE (DAC2) e 2015/2378/EU (DAC3), relativa à cooperação
administrativa no domínio da fiscalidade, nomeadamente no que se refere à imposição de uma troca
automática de informações fiscais sobre os acordos preferenciais concedidos a multinacionais e ao
reporte país a país de lucros realizados e impostos pagos.
2. No mesmo âmbito, e tendo em conta a última proposta de alteração à Diretiva 2011/16/EU (DAC 4), que
introduzirá a troca automática das declarações por país, que a Comissão acompanhe e monitorize
atentamente a correta transposição das novas regras.
3. Proponha uma iniciativa legislativa que vise reforçar a monitorização, o controlo e o registo de todas as
transações financeiras, transferências e envios de fundos que ocorram entre a UE e os regimes fiscais
mais favoráveis, cabendo esta responsabilidade a uma entidade europeia, assim reforçando os
mecanismos de identificação do beneficiário efetivo previstos no Regulamento (UE) 2015/847. Ainda
sobre esta matéria, promova e monitorize a transposição efetiva, até 26 de junho de 2017, da Diretiva
2015/849/UE relativa à prevenção e utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de
capitais, com especial ênfase na identificação e verificação da identidade dos beneficiários efetivos de
instrumentos financeiros e de participações sociais.
4. Crie e publique uma lista europeia de Estados ou jurisdições com regimes fiscais mais favoráveis, no
quadro das propostas apresentadas no início de 2016 no Pacote Contra a Elisão Fiscal (ATAP).
5. Torne obrigatória a publicação, por parte dos Estados-membros, dos benefícios fiscais
concedidos, além de um resumo de todos os acordos fiscais celebrados entre Estados-membros e
empresas (incluindo as decisões fiscais prévias transfronteiriças ou os acordos prévios sobre preços de
transferência atualmente abrangidos pela Diretiva DAC 2015/2376/UE (DAC 3).
6. Aprofunde todos os elementos legislativos e não legislativos constantes do Pacote Anti-Elisão
Fiscal (ATAP) que apresentou em janeiro de 2016, em cooperação com os Estados-membros e o
Parlamento Europeu, de forma a reforçar o nível de proteção contra o planeamento fiscal agressivo no
mercado interno, promovendo assim também a aplicação efetiva do programa anti-BEPS (base erosion
and profit shifting) da OCDE.
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7. Estabeleça um acervo de boas práticas de implementação nas administrações públicas de políticas de
combate à fraude e elisão fiscal, que permita uma aprendizagem mais rápida e uma redução dos custos
dos agentes nos diferentes Estados-membros com responsabilidade nesta área.
8. Incite e apoie os Estados-membros a reforçar as administrações fiscais nacionais no plano técnico e
humano de modo a poderem estar à altura dos desafios nesta área.
Assembleia da República, 12 de maio de 2016.
Os Deputados do PS: Carlos César — Eurico Brilhante Dias — Vitalino Canas — João Galamba — Paulo
Trigo Pereira — Pedro Delgado Alves — Francisca Parreira — Susana Amador — Carlos Pereira — Luís Moreira
Testa — Marisabel Moutela.
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