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II SÉRIE-A — NÚMERO 101 6

Desde o primeiro momento dessa discussão que o Bloco de Esquerda esteve presente, defendendo a

necessidade de auscultação das populações, através de consulta referendária local.

Para além do substrato democrático, a proposta do Bloco de Esquerda pretendia assegurar as normas de

convenções internacionais que vinculam a República Portuguesa e que se integram por essa via no seu direito

interno. Referimo-nos ao artigo 5.º da Carta Europeia da Autonomia Local que prevê a consulta por referendo

das populações afetadas relativamente a alterações territoriais de autarquias locais, quando legalmente

possível.

A Constituição da República Portuguesa, desde a Revisão Constitucional de 1997 é inequívoca na permissão

à realização de referendos locais em matéria de competência dos órgãos das autarquias locais, ainda que não

sejam matérias da sua competência exclusiva.

Ora, apesar de a Constituição apenas prever a obrigatoriedade de audição dos órgãos dos municípios quanto

às suas modificações territoriais, essa obrigatoriedade é extensível a todas as autarquias locais, nos termos do

artigo 4.º, n.º 6, e do artigo 5.º da Carta Europeia da Autonomia Local.

Assim, e porque os órgãos das autarquias locais são competentes para a emissão de parecer relativamente

a iniciativas legislativas que os afetem territorialmente é possível, à luz da Constituição, a realização de

referendos locais sobre essa matéria. E se é possível a realização de tais referendos, a mesma não pode deixar

de ser considerada à luz do artigo 5.º da Carta Europeia da Autonomia Local.

É pacífico e unânime na jurisprudência do Tribunal Constitucional a possibilidade de realização de referendos

locais em matéria de criação, extinção e modificação territorial de autarquias locais. Em dissertação académica

da autoria de António Filipe tal facto não apenas é confirmado, como é publicada uma listagem dos Acórdãos

do Tribunal Constitucional proferidos nesta matéria.

Aliás, os referendos locais que foram recusados pelo Tribunal Constitucional, foram-no por razões

meramente processuais, sobretudo por questões circunstanciais ou de prazo.

Quanto ao processo de redução do número de freguesias levado a cabo na anterior legislatura, convém

recordar que:

– A ausência de previsão expressa da consulta direta às populações afetadas, ou o estabelecimento de prazo

que permitisse a sua realização ditou a desconformidade das alterações ao número e território das freguesias

com o artigo 5.º da Carta Europeia da Autonomia Local;

– Os critérios de agregação determinavam mudanças “a régua e esquadro” sem terem em conta fatores

históricos e culturais, sem considerarem as realidades locais nem sequer os pareceres das assembleias de

freguesia;

– A maioria dos órgãos autárquicos consultados pronunciou-se inequivocamente contrária às alterações

levadas a cabo.

Esta reforma foi, por isso, politicamente ilegítima, tornando-se exigível um processo extraordinário que

reponha as freguesias em que, por via das respetivas assembleias, com possibilidade de recurso à consulta

direta às populações, fique inequívoca a vontade de regresso à situação anterior à da sua extinção.

O relatório conjunto, elaborado pela Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) e pela Associação de

Estudos de Direito Regional e Local (AEDRL), em colaboração com o Núcleo de Estudos de Direito das

Autarquias Locais (NEDAL) da Escola de Direito da Universidade do Minho, recentemente publicado (Batalhão,

C. J. (Coord.), 2016 – As Freguesias na Organização do Estado – Um Património Nacional. Ed. ANAFRE),

baseado num inquérito realizado às freguesias um ano após a extinção de mais de um milhar de autarquias

locais por aplicação da Lei n.º 11-A/2013, revela que apenas cerca de 30% das freguesias agregadas

consideram não existir “nenhuma divergência” entre os territórios que passaram a estar na mesma União de

Freguesias.

As restantes freguesias que responderam ao inquérito, cerca de 70%, consideram existir “divergências” entre

os territórios agregados. 11% dessas freguesias declaram existir “muita divergência”.

O mesmo relatório adianta, no que se refere à gestão administrativa local, que “foi recolhido um grande

número de considerações no sentido de que não houve nenhuma melhoria, antes pelo contrário, seja porque se

perdeu a principal característica das freguesias, a proximidade, seja porque a nova freguesia passou a ter um

agregado populacional e uma dimensão territorial exagerados, faltando meios humanos, técnicos e financeiros

para a melhor prossecução dos interesses das respetivas populações.”