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II SÉRIE-A — NÚMERO 71 6

República, no qual tivemos uma participação ativa. Ainda que sempre nos tenhamos manifestado, por princípio,

favoráveis à autodeterminação e, consequentemente, ao respeito pela autonomia e pela liberdade, partimos

para o debate com uma mente aberta, com interesse em analisar e discutir todos os argumentos que foram

apresentados, fossem eles favoráveis ou desfavoráveis. No final do debate, tendo em conta a riqueza das

audições e das intervenções que foram realizadas, estamos em condições para tomar uma posição consciente

e séria e, em consequência, para apresentar uma iniciativa legislativa sobre esta matéria. Entendemos também

que esta é a vontade da maioria da sociedade, vontade esta expressamente demonstrada num estudo da

Eurosondagem que revelou que 67,4% da população defende a legalização da morte medicamente assistida.

Passaremos, então, a apresentar os argumentos e motivos justificativos do presente projeto de lei.

Numa breve definição de morte medicamente assistida, configuramos a mesma como o ato de antecipar

a morte, em resposta a pedido consciente e reiterado, de uma pessoa doente em situação de grande sofrimento

e numa situação clínica grave e irreversível, sem quaisquer perspetivas de cura. A morte medicamente assistida

pode concretizar-se de duas formas: eutanásia, quando o fármaco letal é administrado por um médico, e suicídio

medicamente assistido, quando é o próprio doente a autoadministrar o fármaco letal, sob a orientação e

supervisão de um médico.

Consideramos que desta definição resulta claramente qual o objetivo do recurso à morte medicamente

assistida. A motivação não será certamente matar alguém, mas sim usar a morte como meio para um fim,

nomeadamente para acabar com a situação de sofrimento em que alguém se encontra. Acreditamos que a

intenção de qualquer doente que pretenda recorrer à morte medicamente assistida, tal como a de qualquer

médico que a pratique, seja unicamente a vontade em acabar com o sofrimento, dado que o paciente se encontra

numa situação clínica da qual não se vislumbra qualquer esperança de melhora. Assim, sabendo aqueles

doentes qual o seu destino, aquilo que no fundo estão a escolher, quando formulam um pedido de morte

medicamente assistida, é entre duas formas de morrer, isto é, entre uma morte digna e uma morte decorrente

da doença, a qual acabará por ocorrer em situação de sofrimento. Conforme defende Pedro Galvão “A morte é

um mal comparativo. Não é que estar morto seja intrinsecamente mau (ou bom): a morte, quando é um mal para

quem morre, é má por comparação com aquilo que exclui [um futuro com valor]. Acontece que, por vezes, a

alternativa à morte não é um futuro valioso. Aquilo que a morte exclui nem sempre é globalmente bom.”.

Assim, fica claro que não está em causa qualquer opção entre a morte e a vida, até porque nos casos em

apreço esta última já não tem a configuração que as pessoas consideram que deveria ter. O que nos levanta

uma outra questão: o que se deve entender por vida? O que é verdadeiramente viver? Mais, será que devemos

configurar a vida apenas numa perspetiva biológica? Entendemos que não. A vida é muito mais do que isso. A

vida está em constante construção. É a resultado da nossa experiência, das nossas escolhas e das nossas

convicções. Nós somos o resultado das opções que tomamos e que nos transformam enquanto pessoas. Não

olharemos a vida apenas como algo inato, mas como algo mutável que se transforma ao logo dos anos em

virtude do nosso percurso e das nossas crenças.

Viver é um direito e não uma obrigação. O valor da vida é grande, mas não é infinito. Não devemos

prolongar a vida a todo o custo, particularmente se esses custos acarretam uma dor e um sofrimento intolerável

para o doente. A este propósito citamos o artigo “suicídio medicamente ajudado e eutanásia em unidades de

cuidados intensivos: um diálogo sobre questões éticas centrais”, publicado pelo Critical Care Medicine, onde

consta que os médicos podem optar por não iniciar ou suspender terapêuticas de suporte vital, mesmo que daí

resulte que os doentes morram mais cedo do que, de outro modo, morreriam. Tendo por base a perspetiva

médica, refere ainda que estes estão “obrigados a tratar o sofrimento físico, mesmo que haja um hipótese de

que essa intervenção, para aliviar a dor, possa encurtar a vida. Se aceitarmos que a vida não precisa de ser

prolongada a todo o custo e que a vida pode mesmo ser encurtada (seja involuntariamente seja passivamente),

no interesse do seu conforto, então, aceitamos implicitamente que o valor da vida não é infinito.”.

Como escreve Gilberto Couto, citando Rachels e Dworkin, a nossa vida biológica (enquanto organismos) não

tem, para nós, o mesmo valor da nossa vida biográfica (enquanto pessoas). Pelo mesmo motivo, Miguel Real

apela a que vejamos a vida numa perspetiva de qualidade e não de quantidade.

Estas posições invocam o princípio da dignidade da pessoa humana. Conforme ensina Gomes Canotilho, a

dignidade da pessoa é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstrato. É o

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